O governo de António Costa parece determinado em dar à política externa um lugar de topo nas suas preocupações. O facto do Ministro dos Negócios Estrangeiros ser o segundo na hierarquia do executivo, e de ter sido escolhido para o posto um qualificado “peso pesado” socialista, é disso prova evidente. Se a isso somarmos a circunstância do MNE ter, pela primeira vez, quatro secretários de Estado, um dos quais dedicado exclusivamente à internacionalização da economia – que é outra maneira de dizer que coordena a AICEP -, fica claro que as Necessidades passam a ter um forte controlo sobre toda a ação externa.
Depois de um tempo em que
a obsessão financeira fez estiolar a nossa afirmação internacional, as tarefas
de Augusto Santos Silva e da sua equipa são muito exigentes. No plano europeu,
vai ser necessário, desde logo … criar uma política! Sem prejuízo da
centralidade inevitável das relações com Berlim, é tempo de explorar uma nova
geometria variável de alianças, começando por uma participação ativa nas grandes
reflexões temáticas europeias. O respeito pelos compromissos assumidos por
Portugal em nada é contraditório com a sua eventual associação à revisão de
quadros institucionais que o futuro venha a determinar como necessária.
A voz e as posições
portuguesas têm de ser fazer ouvir, com determinação e coerência, nos grandes
debates que aí estão – desde a governança do euro à política de refugiados, do
combate ao terrorismo às relações com a Rússia, de uma resposta firme à
provocadora agenda de “devolution” britânica até à fixação dos termos da
Parceria Transatlântica. E, desde já, será necessário fixar uma posição
portuguesa muito clara na revisão do acordo de Schengen e na coordenação das
políticas migratórias, bem como definir cuidadosamente o grau de envolvimento nacional
no combate coletivo ao Estado islâmico.
Para atenuar o insensato
alarmismo lançado pelo chefe de Estado, o governo necessita de diluir rapidamente
quaisquer preocupações criadas em torno dos compromissos nacionais no domínio
transatlântico. As relações com Washington têm de ser cuidadas desde a primeira
hora e a sequência do tratamento da questão das Lages será uma boa oportunidade
para tal.
Independentemente do seu
futuro político, a Espanha permanecerá o nosso primeiro parceiro comercial. As
nossas relações passam por Madrid, e só por Madrid, se me faço entender. Por
isso, não nos sendo indiferentes, as questões intra-espanholas continuarão a
ser apenas isso mesmo.
Um terreno interessante, que
parece pedir um “restart”, é a questão lusófona, com a política da língua
associada. Lançar um debate sobre a CPLP, aproveitando para tal a futura
presidência do Brasil e o facto do novo secretário-executivo vir a ser um português,
pode ser uma oportunidade interessante, até para desmentir a ideia de que os
socialistas não se sentem à vontade com os dossiês africanos. Um primeiro teste
terá de ser, desde logo, a questão das relações com Angola, um tema delicado
mas, como agora se diz, realmente incontornável, para o qual se espera que os
partidos apoiantes do governo no parlamento, pelo menos, não atrapalhem.
Importa também, sem ceder
a demagogias, retificar alguns erros crassos que se fizeram nos últimos anos em
matéria da rede e da estrutura das missões diplomáticas e consulares,
aproveitando para tentar refletir sobre o modelo do relacionamento com uma
diáspora em crescente mutação.
E, “last but not least”,
é da maior importância garantir um acompanhamento, eficaz mas sem o foguetório
promocional recente, do extraordinário trabalho das nossas empresas no
exterior, procurando, em paralelo, captar investimento produtivo e manter o
turismo nas grandes prioridades da economia nacional.
Conhecendo os novos
governantes e a dedicação e qualidade da nossa máquina diplomática, devo
confessar que me sinto bastante otimista.
(Artigo que hoje publico a convite do "Diário de Notícias")