segunda-feira, novembro 30, 2015

E agora, Francisca?

O que se passou na noite de ontem, com a transmissão pela CMTV de parte do interrogatório do ex-ministro Miguel Macedo e do ex-diretor do SEF Manuel Palos, pode representar um teste muito importante para o futuro do nosso regime democrático e da determinação do governo que acaba de tomar posse em defendê-lo. Estou a exagerar? Acho que não.

Vou ser muito claro. O caso Sócrates vem a demonstrar, desde há muito, a existência de um ambiente de conivência entre setores do sistema judicial e alguns órgãos de comunicação social. Com razão ou sem ela, está instalada a ideia de que a acusação terá procurado garantir junto da opinião pública um apoio para o "peso" que significava ter um antigo primeiro-ministro detido. O método escolhido terá sido "alambicar" informação sobre o andamento do respetivo processo, credibilizando progressivamente as suspeitas, dessa forma garantindo que o vasto setor da opinião pública portuguesa que detesta José Sócrates acabaria por constituir um espécie de "clube de fãs" que iria servir de escudo protetor do procurador e do juíz que têm o caso a seu cargo. Com o país dividido entre os que detestam José Sócrates, e que acham que tudo o que dele se diz de mal - do curso ao "Freeport", da corrupção à fraude fiscal e "tutti quanti" - é pura verdade, e os que juram a pés juntos que este processo mais não é uma vil cabala inventada pelos seus inimigos de A a Z, está instalado à volta do processo do antigo primeiro-ministro uma espécie de "empate" técnico. 

A propósito da responsabilidade criminal sobre os "leaks" que regularmente continuam a sair para a imprensa sobre o processo Sócrates, terá já havido inquéritos - "rigorosos" como é de bom tom dizer-se - mas os respetivos resultados parecem manter-se por detrás dos sorrisos esfíngicos da senhora Procuradora-Geral da República quando, com estranha raridade, algumas perguntas lhe são colocadas sobre o assunto. O país parece mesmo conviver com isto com curiosa naturalidade, sendo que a menor das surpresas ainda será assistir ao silêncio de chumbo que Belém preserva sobre estes atentados à integridade do sistema judicial pelo qual, recorde-se, também lhe compete velar.

Ontem, porém, abriu-se um capítulo novo e a cuscuvilhice sobre processos envolvendo figuras mais ou menos famosas foi bastante mais longe, ao termos assistido às incríveis imagens televisivas de Miguel Macedo e Manuel Palos a serem interrogados por uma procuradora. Por mim, ao ver àquilo, senti-me enojado e triste, com um sentimento de vergonha pela justiça do meu país - e não é por acaso que hoje não uso maiúscula para a qualificar. Não conheço nem nunca falei com Miguel Macedo, figura política que, tanto quanto sei, não suscitará uma polarização de simpatia/antipatia como é o caso de Sócrates. Quero com isto dizer que, salvo a menina do CMTV que logo cuidou de avisar que se tratava de imagens "de interesse público", o país não vai acordar amanhã com grupos de cidadãos a defender os autores destes novos "leaks", talvez apenas alguns "jornalistas" amigalhaços, à espera de também serem usufrutuários futuros destes comportamentos miseráveis. Por isso me pergunto se isto ficará "assim", uma vez mais.

Custa-me ter de colocar esta simples questão à pessoa com que tenho a relação mais próxima dentre todos os membros do novo governo: e agora, Francisca?

18 comentários:

Luís Lavoura disse...

ao ver àquilo, senti-me enojado e triste

Se o Francisco se sente enojado e triste com essa porcaria, porque a vê?

O Francisco já sabe o que é o Correio da Manhã e a sua TV. Se já sabe, para que sintoniza esse canal? Será que também lê o jornal?

Patrick disse...

Assim o senhor tem uma noção da perseguição que sofre Zé Dirceu há uma década no Brasil, dia e noite.

António Martinho disse...

Tenho pelo Dr Miguel Macedo consideração e estima, enquanto Deputado à Assembleia da República, Secretário de Estado da Juventude e mesmo enquanto Ministro da administração Interna, embora tivesse acompanhado menos estas funções.
Dito isto, permita, caro Seixas da Costa, que em comentário ao seu post, no seu blog, me manifeste também enojado pelo que relata. Ao que se chegou! Será que já ninguém, enquanto figura pública, tem direito a ser tratado como pessoa, com a dignidade que essa palavra exige?
O que o Seixas da Costa diz e a forma como o diz merecem o meu apoio, porque "não podemos ignorar"...

Jaime Santos disse...

Repito a pergunta que já aqui fiz sobre o processo de José Sócrates: até que ponto tais violações do Segredo de Justiça podem constituir uma falha tão grave do 'due process' que determinem o arquivamento de todos os processos onde ocorreram? Tal seria uma catástrofe para o sistema judicial, mas permitiria pelo menos pôr fim à instrumentalização da Justiça por um jornalismo de sarjeta...

Luís Lavoura disse...

e agora, Francisca?

O que é que a Francisca pode fazer? Ela não manda nem no Ministério Público nem nos jornais. E também não é ela quem faz as leis.

aamgvieira disse...

"Não é a ocasião que faz o ladrão, dizia ele a alguém; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: 'A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito.
Machado de Assis"

Foi assim que aconteceu.

Manuel do Edmundo-Filho disse...

Não é a Francisca quem faz as leis, toda a gente sabe. O que, pelos vistos, alguns ignoram é que pode propô-las. E há, hoje, uma maioria na assembleia, para tristeza também de alguns. Talvez os mesmos...

aamgvieira disse...

António Costa, “o grande ilusionista”, segundo o El País

Fátima Diogo disse...

Pois não sei do que fala, caro embaixador: não vejo TVs portuguesas para além dos primeiros minutos daquela mixórdia a que em Portugal se chama "Telejornais", desisto logo - e nunca, mas nunca, veria esse canal, que só identifiquei ao ler os comentários. Acho estranhíssimos que os veja...
Sobre a indignidade da chamada " Justiça Portuguesa" no que se refere a todo o processo Sócrates nem consigo falar já -e para quê? Outros, muito mais influentes que eu, se têm mantido em silêncio...vamos ver agora se não fica tudo na mesma...
Boa semana.

Unknown disse...

Obviamente que existem interesses ocultos na manipulação de alguns processos do Ministério. Um deles, sejamos honestos é o caso de Sócrates.
Nada me move a favor ou contra!
Entretanto interrogo-me quando um homem (no caso o Sócrates) estando fora do país regressa a fim de ser ouvido e, simplesmente porque o snr. Juiz lhe apetece, decreta a prisão preventiva, alegando possível fuga, perturbação do inquérito entre outras (...) não é antagónico?
Que justiça é esta?
Justiça de interesses obscuros, prendendo primeiro para «investigar» depois.
Qual segredo de justiça!
Está tão bem guardado que toda a informação vira boato de modo a alimentar catastroficamente as primeiras páginas de alguma imprensa escrita e tele-visionada sobejamente conhecidas.
E, que dizer dos vários processos levantados sobre o segredo de justiça, com o objectivo de desvendar supostamente de onde tinham partido?
É difícil saber onde esses processos se encontram, provavelmente em (BANHO MARIA) …
Que dizer do BPN, dos submarinos, de Dias Loureiro, de Marco António, de António Macedo e muitos mais que andam por aí (…) no caso do BPN, todos esperam que o ex-presidente do Banco morra. Assim, pode haver condenação…
É esta justiça que temos no país?
Sejamos honestos pelo menos uma vez...
José Carvalho

Manuel do Edmundo-Filho disse...

A aamgvieira está com dificuldade em engolir o sapo. Olhe que o (seu amigo) cavaco já o engoliu e em directo. A democracia parlamentar assim o obrigou. Faça o mesmo. E depois, olhe... um "kompensam" democrático ajuda à digestão.

PS.: nas próximas eleições lembre-se (espero que tenha aprendido esta lição) que não está a eleger um primeiro-ministro. Está a eleger deputados que, por sua vez, formam maiorias que gerarão um primeiro-ministro e um governo. Foi assim, desta forma, aliás, que Passo Coelho foi primeiro-ministro. E "isto" não é ilusionismo. Isto é democracia.

Carlos Fonseca disse...

Este é um dos raros casos em que se pode afirmar "não vi, mas não gostei", sem estar a dizer um disparate.

Isabel Seixas disse...

Realmente... É patético senão abuso de liberdade de imprensa,algum decoro ético não ia mal não.

aamgvieira disse...

Só se engole qualquer coisa de pois de trincar e apreciar se for caso disso!

Alguma esquerda engole qualquer "coisa", quase sempre com a carroça à frente dos bois.

Melhor é viver na sua época salazarista/esquerdista .... fazia-lhe bem Sr Edmundo....(filho).

aamgvieira disse...

Só se engole qualquer coisa de pois de trincar e apreciar se for caso disso!

Alguma esquerda engole qualquer "coisa", quase sempre com a carroça à frente dos bois.

Melhor é viver na sua época salazarista/esquerdista .... fazia-lhe bem Sr Edmundo....(filho).

Não se aplica no meu caso. Fiquei vacinado com prec de 1975 que acabou em 25 de Novembro de 1975.

A sua vacina devia (?) estar fora de prazo.

Unknown disse...

Os meios angjosaxonicos fazem muito parecido(senão mais) e nunca me apercebi que justiça por lá seja assim tão ineficiente como a nossa tem sido.

Manuel do Edmundo-Filho disse...

Alguma esquerda, reconheço, tem tendência a colocar a carroça à frente dos bois. Mas a sua direita, aamgvieira, só sabe pôr o povo a puxar a "carroça"... Foi isso que fez nos últimos quatro anos.

ARPires disse...

Não haver aqui a possibilidade de colocar gosto ou não gosto é que torna os blogues menos interactivos.
Colocava um GOSTO com maiúsculas no poste do nosso "embaixador itinerante" e mais gostos por aí e um gosto especial pelo que escreveu aamgvieira só porque disse que alguma esquerda engole qualquer "coisa", esquecendo deliberadamente que alguma direita gosta de engolir, mas em grande!...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...