sábado, novembro 21, 2015

Durma bem, Bob


Leio que, enquanto embaixador americano em Portugal, se mostrou “preocupado” com o apoio parlamentar de “partidos anti-NATO” a um possível governo socialista. Congratulo-me que tenha notado o “compromisso” de António Costa e do seu partido “com a NATO, com a UE e com organizações semelhantes”, mas lamento que considere que “o ponto vai ser sobre o que vai ser feito, não sobre o que vai ser dito”.

A palavra das pessoas sérias não pode ser posta em causa sem razões sólidas. António Costa não merece essa sua desconfiança. Acho que o conhece mal, que não sabe que ele tem um compromisso com a democracia que data de há quase cinco décadas, que esteve sempre do lado certo da História nas grandes lutas que, entre nós, foram travadas pela liberdade. E não foram lutas fáceis, caro Bob. Se tiver dúvidas, pergunte a Mário Soares ou a Jorge Sampaio, a Vitor Constâncio ou a António Guterres.

Não sou um entusiasta desta possível solução governativa, mas as minhas razões são muito diferentes das suas. Por mim, não alimento a mais leve dúvida que, aconteça o que acontecer, um eventual governo socialista se manterá fiel a todo os compromissos internacionais de Portugal, da NATO à UE, passando pelas “organizações semelhantes”, como você com graça as qualifica. O PS tem um historial de responsabilidade no quadro internacional que não aceita lições de ninguém, de dentro ou de fora.

Reconheço, contudo, o seu direito de se pronunciar sobre as escolhas internas no meu país, embora, como diplomata, eu sempre me tenha abstido de o fazer nos postos onde estive colocado. Mas agora que entrei numa reforma que é mesmo “irrevogável” – quem proclamou um dia esta palavra merece-lhe mais confiança? - confesso-lhe que também estou preocupado pela possibilidade de Donald Trump vir a ser eleito presidente dos EUA. E pode crer que continuo muito triste com Guantánamo.

Quanto a nós, pode dormir descansado, caro Bob. 

(artigo que hoje publico no "Diário de Notícias")

11 comentários:

Unknown disse...

Excelente. Mas quem tem a culpa destes dislates tambem são os diplomatas da UE, que secundarizam tudo o que os anglosaxoes acham pertinente.

L M D disse...

Quem fala (escreve neste caso) assim não é gago

Joaquim de Freitas disse...

Muito bem observado, Senhor Embaixador. Talvez a nossa "chance" é que não existe um Pinochet nas nossas forças armadas , mas a precaução deve ser "de mise", porque , fundamentalmente , nada mudou nos sombrios planos da política estrangeira americana.

Todos os velhos leitmotivs da ingerência, marca da política estrangeira americana, se encontram nos discursos, comunicados de imprensa, conferências de imprensa, do presidente actual.

Em matéria de ingerência num Estado soberano, não estão no primeiro ensaio.

Já que o nosso vizinho espanhol está ele mesmo também preocupado, e que Rajoy dorme mal, é melhor estar atento...

Joaquim de Freitas disse...

Senhor Embaixador : a frase do seu "post" : " Reconheço, contudo, o seu direito de se pronunciar sobre as escolhas internas no meu país, embora, como diplomata, eu sempre me tenha abstido de o fazer nos postos onde estive colocado" , fez-me reflectir.

A razão é que pensei, depois de a ter lido , que se o Senhor Embaixador não agiu, nos postos onde esteve colocado, como o Bob, foi porque ele dispara mais rápido que o Senhor... A potência de fogo não é a mesma: um submarino, contra tantos...

Mas aceitar que o Bob tenha direito a ingerir-se nos assuntos internos do nosso país, quer simplesmente dizer que ele não leu a Carta das Nações Unidas : " Compete a cada povo , e a ele só, de determinar as escolhas que condicionam o seu futuro", sem a qual é a noção mesmo de política que é esvaziada do seu significado, e isto quaisquer que sejam os caminhos dramáticos que esta possa afrontar.

A defesa sem compromisso do principio de não ingerência não releva dum culto integrista, arcaico e obtuso, mas dum principio claramente inscrito na famosa Carta de São Francisco.
Senao é o retorno à barbaria nas relações internacionais.

Este aviso sem despesas do Bob, vê-se bem, vem da parte das oligarquias dominantes, que têm por horizonte último uma "governança mundial" sem fronteira. Na realidade trata-se dum intervencionismo preventivo, e pouco a pouco é a regra! Não acha?

E porque mencionou , com muito "à propos", Guantànamo, eu diria que vai da ingerência como da tortura : em princípio as pessoas são contra o seu emprego, mas há sempre alguém para afirmar que "em casos extremos" , deve poder fazer-se uma "excepção" ( para evitar o massacre de civis), como costumam "justificar" , como dizia Le Pen na Argélia quando passava os argelinos aos electro-choques, para amedrontar as pulgas...
O problema é que quando se admite uma excepção, admitem-se dez, depois cem e um dia é a regra!
Com o respeito da soberania é a mesma coisa. Mesmo se António Costa aplicasse uma política contrária aos interesses do seu país, (hipótese absurda) , isso não justificaria que os aviões ucranianos atacassem em picado ao longo da Avenida da Liberdade...

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Inteiramente ao seu lado Senhor Embaixador, nenhum diplomata tem de se pronunciar sobre a situação interna do nosso País

Fátima Diogo disse...

Subscrevo todo este seu texto integralmente. Foi descabida e ridícula a intervenção pública do visado, tanto mais que representa um país que tantas vezes nos deixa preocupados, com muito mais sólidas razões.
A mim o que me preocupa neste momento é algo que não vejo referido: os jornais têm enchido as primeiras páginas e as TVs os seus telejornais com fotos enormes e prolongada e continuada conversa sobre um jovem terrorista que as autoridades francesas proclamaram precocemente ser o "Cérebro" dos atentados últimos em França - pois o "cérebro" é mais visível hoje mediaticamente que qualquer político ou personalidade mundial. Não consigo exprimir a minha repugnância por esta irresponsabilidade e imbecilidade mediática ocidental, sabendo nós todos que há atualmente uma faixa de juventude europeia atraída pelos métodos e "ideologia" do chamado Estado Islâmico. Inominável, esta inconsciente criação de um possível mito !

Eduardo disse...

Este artigo do observador esta a passar mais ao menos despercebido
http://observador.pt/especiais/quando-a-espanha-tinha-um-caudilho-francisco-franco-40-anos-depois/

Este tipo de lavagens historicas nao devem ser ignoradas. Por favor escrevam sobre isto. As centenas de milhar de vitimas de Franco nao merecem isto.
Yo soy Guernika

JBMartins disse...

compromisso há 5 décadas do ps de mário soares e almeida santos, não propriamente do ps de ac que tenta e representa, neste momento e só depois das eleições,uma novidade ou mudança para o ps, a aliança à esqda.
aproximação aliás interessante, tinha um dia de ser tentada e testada, trazer o pcp e o be para um maior compromisso governativo. uma mudança depois de 40 anos, pois
quanto ao embaixador dos eua, exprimirá o ponto de vista do seu governo e pessoalmente até prefiro um embaixador que fale assim do que um que se refugie num silencio do tipo não tenho que me pronunciar sobre situações politicas do país onde estou. já lá dizia frank carlucci...

Maria disse...

Neste amanhecer com um sol timido mas reconfortante ocorreram-me duas imagens:

"Snoopy" deitado em cima da casota, com varios "Woodstocks" acampados na relva diz antes de adormecer "Sleep well troops".

Bob Marley: Varias cancoes e o publicitario da bebida "Decaffeinated Relaxation Drink" - Saudavel, inofensivo nao sei se eficaz porque nao sou dada a tisanas.

Lendo o ultimo comentario EDUARDO as 13:28 ocorre-me um artigo publicado no "Independen"t a 20/11/15: "Forty years on, Spain still can't use the F word". Recomendo a leitura.

Termino agora. "Durma bem" leaozinho que ainda e domingo e cedo para quem nao acorda ao nascer do sol como eu!!!.

Saudades

F. Crabtree

José Sousa disse...

Muito bem Senhor Embaixador
Temos de ter vozes conceituadas, como a sua, para desmascarar situações como esta.
Muito obrigado por não se calar.

Fernando B. disse...

Excelente !

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...