Não vale a pena alimentar
o menor equívoco: existe uma desconfiança entre uma parte significativa do
empresariado português e a esquerda. Convém assumir isto sem dramas e com
realismo.
Do lado de muitos
empresários, são recordados os traumas pós-revolucionários, razão por que
alimentam uma forte desconfiança do PCP e do BE, em cujos programas vislumbram
uma linguagem agressiva para com os detentores de capital, sendo apenas
travados, nos seus amanhãs revolucionários, pelas limitações do voto.
Com o PS a relação é
muito diferente. Anos de convívio deram aos empresários a certeza de que os
governos socialistas sabem respeitar plenamente as virtualidades da economia de
mercado. Porém, os empresários detetam ainda nos socialistas um dualismo pouco
confortável: aqueles que reconhecem as suas qualidades como promotores de
crescimento, de emprego e do bem-estar económico-social, lado a lado com outros
que, aqui ou ali, deixam cair comentários hostis, de onde emerge, no mínimo, a
regular ameaça da mão fiscal, agora que os mitos estatizantes desapareceram de
cena.
Por essa razão, um número
significativo de empresários portugueses, não obstante poderem ter algumas
queixas da coligação que agora saiu, teria preferido mil vezes vê-la continuar
no poder. Isso é claramente agravado pelo facto do atual PS surgir apoiado
pelos seus inimigos mais jurados.
Assim, este novo governo
do PS, mais do que qualquer outro anterior, tem de saber lançar as bases de uma
relação de confiança com o empresariado, das PME às grandes empresas, onde
assenta o essencial do investimento produtivo e a criação de emprego. A grande
questão está em saber como vai ser possível estruturar essa agenda de confiança
quando, à sua esquerda, se irá com toda a certeza manter a hostilidade do
discurso anti-capitalista.
Mas uma agenda
“business-friendly” quer dizer o quê? Desde logo, menos burocracia, menos e
melhor legislação, acusada hoje de abafar o trabalho das empresas e de aumentar
os seus custos. Depois, é evidente, significaria (e não é por acaso que coloco
o verbo no condicional) garantias de estabilidade fiscal, por forma a permitir
planear, com menos riscos, os investimentos. Finalmente, os empresários
gostariam de ter por muito claro se os socialistas vão ou não mexer nas atuais
regras laborais.
Nos últimos anos, há uma
coisa que aprendi sobre os empresários portugueses: eles estão dispostos a
operar, cá dentro ou lá fora, em cenários políticos difíceis, mas detestam a
instabilidade, a imprevisibilidade, o não saberem se, no dia seguinte, as
regras vão mudar, se o enquadramento legal que gere a sua vida irá subitamente
variar.
No fundo, se pensarmos
bem, os empresários portugueses temem que lhes possa vir a acontecer o que
ocorreu, nos últimos quatro anos, a milhões de portugueses, mal governados pela
coligação que tão simpática era aos olhos de alguns deles.
16 comentários:
Tem razão, Embaixador. O pior é não saber com o que se conta. Estes últimos quatro anos foram um pesadelo para as empresas. A legislação mudava, nunca se sabia o que lhes passava pela cabeça, e depois os sistemas informáticos sempre a terem que ser alterados, os procedimentos a terem que ser ajustados. E o crescimento económico a não acontecer. As alterações na legislação laboral, para as grandes empresas empregadoras, foram irrelevantes - as empresas não gostam de despedir os empregados.
Agora há alguma desconfiança mas, também, expectativa. Se a energia eléctrica baixar é bom, torna as indústrias mais competitivas. Pode ser que nisso o PCP e o BE dêem uma ajuda. Se houver estímulo ao investimento também é bom. Se houver confiança, também é bom.
E haver uma aposta forte na modernização da máquina administrativa é uma excelente notícia para as empresas.
Por tudo isso, penso que os empresários, os que estão de pé atrás, muito rapidamente vão ficar tranquilos.
A proeza de Costa trazer os marxistas leninistas trogloditas para fora das grutas, pode de facto ser uma esperança para quem tenha ideia de vir a poder-se falar novamente em empreendedorismo.
Foi com as ideias deste PCP, que a França com PCF e a Itália com o PCI, lixaram aqueles países até se tornarem euro-comunistas.
Praga e o Muro já foram há tantos anos e nós com isto aqui há 40 anos.
Talvez por sermos saudosistas.
Completamente de acordo mas falta um elemento essencial: uma justiça a funcionar bem, com tudo o que isso implica.
O problema, que infelizmente passa ao lado de muitos comentadores (incluindo-se aí alguns marxistas) é que o resultado A PRAZO, do «crescimento económico» e do «investimento» (produtivo, não falo de «aplicações financeiras») por parte de muitas (ou todas) as empresas, grandes e pequenas, é a estagnação e o marasmo económico (por esgotamento progressivo do «espaço» de investimento).
E quanto mais «modernizarem» e tornarem mais eficiente (tudo e mais alguma coisa), quer o Estado quer as empresas, mais rapidamente se chega ao tal estado de estagnação e marasmo.
A menos que entretanto tenha havido substancial redistribuição de riqueza e redução proporcionada dos tempos de trabalho.
Tudo coisas que exigem a intervenção de um Estado forte e esclarecido...
Apostando todas as fichas.
"...são recordados os traumas pós-revolucionários..." pois aí é que está o busílis. Estou certa que se a coligação à esquerda tivesse sido feita antes das eleições teria ganho de novo a coligação PSD+CDS e a abstenção aumentaria ainda mais. O povo não tem a memória curta e se o PS não obteve mais votos por alguma coisa foi.É claro que esta é a minha opinião e vale o que vale.
Tenha um bom dia e um bom fim de semana :)
Senhor Embaixador: Tive a oportunidade de observar o comportamento de muitos empresários portugueses, nas minhas viagens comerciais a Portugal. Empresas de grande e média dimensão.
Se nas grandes empresas, o diálogo social me parecia não muito afastado do que pratiquei eu mesmo na empresa que dirigia, com quatro sindicatos, dos quais a CGT era o mais bem implantado, o panorama em Portugal não era o mesmo nas pequenas e médias empresas. O diálogo era quase inexistente. Ora este é absolutamente necessário quando é necessário passar uma mensagem delicada, ou um aviso de "alerta"" quando os negócios não correm de feição, e os sacrifícios se impõem a todos.
O direito de propriedade deixou de ser contestado em França, nas empresas, quaisquer que elas sejam. Mas continuam a denunciar-se aqueles patrões que, sob cobertura do direito, abusam da sua riqueza e do seu poder. Em Portugal, vi muitos casos, particularmente nas condições de trabalho impostas aos trabalhadores, onde este abuso é flagrante. Mesmo no emprego de crianças em certas tarefas, ilegais, pela idade e pelas características do trabalho.
Na nossa sociedade, o rico e o pobre estão em situação de desigualdade. A única riqueza do pobre está no trabalho das suas mãos. Deixar aos sindicatos a primazia desta constatação cria as condições de contestação com os patrões. Estes, devem ter sempre presente a outra lógica que se sobrepõe à do contrato de trabalho: " o trabalho quotidiano do pobre deve permitir-lhe de viver", "porque não existe nada de mais injusto que quando tiverem servido os patrões, pelo menos não sejam obrigados a viver penosamente. A "vivoter", como diríamos aqui...
No contexto politico português, o novo governo da esquerda vai ser obrigado a navegar entre a nessària refundaçao da justiça social, eliminar os ataques mais obscenos do governo precedente àqueles que sofrem, e o equilibrio do poder no Parlamento.
"L'état de grâce" durarà o tempo de fazer justiça , mas o governo nao poderà esperar uma compreensao sem limites dos seus parceiros parlamentares.
"lixaram aqueles países até se tornarem euro-comunistas."
O Senhor "septuagenário" tem uma ideia "atrasada" do estado das relações do PCF e das empresas ou dos seus dirigentes , através dos sindicatos. Os sindicatos, quaisquer que eles sejam, estão na Constituição. E os partidos também. A contestação não exclui o diálogo. Gostaria muito que Portugal estivesse tão "lixado" como está a França e a Itália.
A leitura da situação económica e social destes países, faz-se sempre com as "lentes" próprias a cada parceiro social. O que é normal. O que não é normal é que um dos parceiros tente de excluir o outro só porque não aprecia a filosofia deste. Como fez o presidente da República Portuguesa na sua tentativa de exclusão dos partidos de esquerda do seu direito a aliar-se a outro partido para governar.
Os problemas que a Europa afronta hoje, e a França em particular, necessitam a cooperação de todas as formações políticas. Assim, o PCP pertence à maioria que governa a França. Só em Portugal, é que isso parece ser uma anomalia.
Esta relação de confiança entre o empresariado e o novo poder político (que, ao fim e ao cabo, é sempre umas das traves mestras da economia) irá ser o maior desafio de Costa. É aqui que se jogará o sucesso ou inêxito deste governo. Mas a necessidade de mexer na legislação laboral (contratação colectiva/precariedade do emprego/contratos a prazo), que é um dos compromissos de Costa/parceiros da solução governativa, acrescida da habitual "hostilidade do discurso anti-capitalista" à esquerda, de que fala, não ajudará à retoma dessa confiança. A modernização da máquina administrativa que certamente irá ser empreendida (outro compromisso corporizado na nomeação de uma ministra), embora condição necessária, não será suficiente para restabelecer um clima de confiança que favoreça o investimento. Costa terá de fazer uso da sua inegável (e florentina) capacidade negocial com os dirigentes empresariais e os seus apoiantes à esquerda.
Costa reentrou de novo numa “quadratura do círculo”… Se sair tão como se saiu na outra... então valeu a pena esta solução tão arriscada. Estou moderadamente confiante.
Isso, da desconfiança empresarial, é relativo. Talvez seja mais acentuada para as grandes empresas, mas, de resto, não me parece que seja assim tão notório. Não tenho essa opinião, mas compreendo este seu ponto de vista. E, naturalmente, tudo depende também de que sectores, ou áreas empresariais ou até profissionais, por exemplo, estamos a falar. E depois há patrões e patrões. Aqueles que garantem direitos e aqueles que “esmifram” quem trabalha para eles. Acredite que há empresários e entidades patronais que votam à esquerda (sobretudo PS). Não creio, sinceramente, que este governo agora empossado e já a trabalhar mereça a desconfiança generalizada do mundo empresarial (e como digo, também, profissional, como escritórios, consultadorias, etc). Quem dá origem a sobressaltos e estimula essa dita desconfiança, por estranho que possa parecer, são, na maioria das vezes, determinados comentadores políticos (à direita), que promovem o pânico, a inquietação, a insegurança, no meio empresarial e profissional, que os escuta. Há muita gente deste meio que não tem uma grande formação cultural, nem informação política sólida e que se assusta com determinadas “boutades” deste e daquele comentador, que ali nos surge, nas TVs, rádios, etc, regularmente, como possuidores da Verdade. São eles, sobretudo, que dão origem à confusão, na maioria dos casos. Haja pois serenidade. é isso que se precisa neste momento. E para o mundo empresarial e profissional. Acho que vamos ter, doravante.
David Lencastre
Corrijo, faltou uma palavra: Se sair tão bem como se saiu na outra, então valeu apena esta solução tão arriscada.
A coisa funciona assim: há empresas de esquerda e de direita conforme os patrões são de esquerda ou de direita. Há ainda quem tenha patrões para todos os gostos de governo. Resulta muito bem.
Tenho aqui um amigo, onde por vezes almoço, que concorda com todos, seja na política ou no futebol. Desse modo mais simples lá vai levando a água ao seu moinho!
antónio pa
Gosto muito de ler o Senhor Manuel Edmundo-Filho . Permita que acrescente alguns pontos ao que escreveu . Não duvido que a "novidade" desta situação política em Portugal, é esta "Frente Popular", que não deve agradar muito aos empresários. Mas creio que Costa tem a formação política necessária para fazer obra de pedagogia com os seus parceiros. Estes sabem que se a "experiência" falha, não somente Portugal recua ainda mais, mas será para a esquerda uma longa travessia do deserto...
Quanto aos empresários , não têm outra opção que facilitar a governação, ajudando o governo a criar leis laborais adaptadas ao momento económico que se vive. Os empresários não têm nada a ganhar num embate ideológico com os partidos. Os dois parceiros são obrigados a evoluir. E por isso mesmo, trazer a extrema esquerda para a arena só pode ser benéfico para a sociedade portuguesa.
Porque se se considera que um nível demasiado elevado de desigualdades é moralmente e socialmente inaceitável no seio duma nação, então é preciso pôr em acção as medidas permitindo de corrigir ou de prevenir as desigualdades, deixando desenvolver-se as forças económicas que contribuem à redução destas desigualdades. Não se disse, até à exaustão, que a austeridade induzia a pobreza , o que é verdade ? Existe portanto um jazigo de crescimento possível numa outra política económica. Se os empresários compreenderem isto, Portugal ganhará.
Claro que existe uma dúvida sobre a questão de saber se as tendências que foram identificadas em matéria de desigualdades mundiais vão prolongar-se ou atenuar-se. Portugal faz parte dum conjunto de economias interdependentes, mas umas mais que outras. E a prospectiva económica é sempre delicada, particularmente numa situação de crise profunda como o mundo não conheceu desde há muito. E querer reduzir o fosso que separa as classes abastadas das classes desfavorecidas, pode parecer um trabalho de Hércules neste momento. Mas não vejo onde se encontram outras fontes de crescimento, que no desenvolvimento do mercado, que facilita a criação de empregos e alivia a carga do Estado.
O senhor Joaquim Freitas não pensa porventura que os empresários em Portugal têm asinhas?
Assim como os excursionistas da CGTP?
Já estamos a imaginar Costa com dois meninos de bibe levados pela mãosinha a brincar ao giroflé!
Os socialistas foram uns "amigalhaços" dos empresários; pena que tenhamos que pagar esses negocios com lingua de palmo e por largos anos.
Talvez esta leitura dum grande especialista, convença o senhor "septuagenário" da realidade.
A adaptação de uma organização empresarial aos tempos que correm do lado de fora das suas portas é uma condição necessária – mesmo que não suficiente – para a sobrevivência. Nesse quadro, é do mais elementar bom senso que as empresas assumam uma atitude estratégica consistente – mas o certo é que essa atitude tem de estar enquadrada numa ‘grelha’ que deve seguir determinados pressupostos, sob pena de, não sendo assim, poder contribuir para o seu desaparecimento.
“Adaptem-se”
Estando Portugal situado numa geografia adversa – a Europa, que apresenta níveis de crescimento anuais deprimidos (e deprimentes) – o que devem as empresas fazer para ganhar o duplo desafio da sobrevivência e do desenvolvimento? Tudo isto, num quadro político onde foi indigitado um governo socialista com o apoio de comunistas (ortodoxos por um lado, trotskistas por outro). Tanto ‘ismo’ devia deixar qualquer norte-americano à beira de um ataque de nervos, mas não é isso que se passa com Martin Reeves: “Adaptem-se”, aconselha às empresas. Que é o mesmo que “sejam suficientemente flexíveis e inovadores para adaptar as regras estratégicas próprias à realidade onde estão inseridas”. “Tecnologia, inovação estratégica, economia de partilha” são algumas da cláusulas necessárias a introduzir numa estratégia vencedora.
"Economia de partilha" senhor "septuagenàrio"!
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