sexta-feira, março 31, 2017

O novo mapa da França


A história da V República francesa, regime que no final dos anos 50 pôs fim a um modelo parlamentar atribulado e visivelmente ineficaz, tornou muito evidente que o sistema partidário se transformou, naquele país, numa dimensão puramente subsidiária na afirmação da vontade política. Quero com isto dizer que, à esquerda e à direita, a dinâmica de agregação de forças se revela dependente de lógicas conjunturais e, frequentemente, do apoio a alguns atores políticos. A meu ver, os dias que aí vêm, vão confirmar isto de modo claro.

Durante alguns anos, o Partido Comunista Francês foi a exceção, conseguindo sobreviver e prolongar, nesse regime constitucional quase imposto por De Gaulle, um forte poder de influência política que, em particular, lhe advinha da sua força sindical, como eficaz contra-poder. Curiosamente, os comunistas iniciaram aí o seu imparável declínio, com a cooptação para o governo com que François Mitterrand consagrou a sua vitória presidencial.

Convém lembrar que o Partido Socialista Francês é uma « construção » de Mitterrand, feita pela agregação de várias estruturas, clubes e sensibilidades socialistas, desejosas de esquecer o passado pouco glorioso, na IV República, da estrutura dominante nesse setor. Com a linha que impôs no início do governo, a partir da sua vitória em 1981, Mitterrand « secou » o terreno à sua esquerda e ligou o PS a uma agenda que tornou mesmo a expressão « social-democrata » num anátema.

É o ressurgimento dessa dualidade esquerda-direita que se verifica nesta eleição presidencial, com Hamon e Macron a prenunciarem o que, com toda a certeza, será a implosão do PSF.

À direita, desde De Gaulle, as forças políticas foram sempre desenhadas em torno dos presidentes, com o chamado « centro » a ser chamado a compor o ramalhete. Sem uma tradição democrata-cristã, o centro optou por uma « fulanização » (como aconteceu com Giscard d’Estaing) ou um vago credo liberal. Mitterrand tinha razão, quando ironizava que « em França, o centro não está nem à esquerda, nem à esquerda », isto é, é um parceiro tradicional da direita.

Assumindo que Emmanuel Macron ganha as eleições, com quem governará, partindo-se do princípio que, no sufrágio legislativo subsequente, a direita de Sarkozy e do « Les Republicains » sairão seguramente maioritários ? Como se comporá a « majorité presidentielle » no pós-Hollande e pós-PSF ? Terão futuro governativo as figuras da direita socialista que entretanto se juntaram ao « presidente Macron » ? E como se comportará, em termos de projeto, a direita democrática, desafiada pelo crecimento do Front National de Le Pen ?

(O leitor terá notado que dou Le Pen por derrotada. É isso mesmo, embora eu me tenha enganado no Brexit e em Trump.)

quinta-feira, março 30, 2017

O precedente

Ouvido ao almoço:

- Não percebo toda esta polémica por ter sido dado o nome de um futebolista português, com grande projeção internacional, a um aeroporto. Vendo bem, já havia por cá um precedente.

- Essa agora! Onde?

- Então não conheces o Aeroporto Figo... Maduro?

quarta-feira, março 29, 2017

David contra Michel


Em 1995, a União Europeia iniciou um processo de revisão do Tratado de Maastricht, que iria ter como resultante, dois anos depois, o Tratado de Amesterdão. Cada país designou o seu "chief negotiator". A França indicou o seu ministro delegado para os Assuntos europeus, Michel Barnier (à direita, na foto). O Reino Unido tinha então o seu "minister for Europe", Davis Davis (à esquerda). Conheci muito bem os dois, porque representava Portugal nessa negociação.

Hoje, curiosamente, Davis é "minister for exiting the European Union", o que significa que tem a responsabilidade de conduzir, por Londres, a espinhosa negociação do Brexit. Vi sempre David Davis como um conservador fortemente eurocético, dotado de um espírito sardónico, muito cáustico face aos costumes da máquina bruxelense, que visivelmente desprezava. Nessa sua vontade de afrontar a UE foi sempre coerente até ao fim, pelo chegou a ser interessante observar o modo como a nova administração trabalhista, sem perder por completo as "reticências" dos seus antecessores, se conseguiu adaptar a um estilo mais pró-europeu, sob a batuta de Tony Blair.

Por seu turno, Barnier, depois de ter sido ministro em governos franceses (da Agricultura aos Negócios Estrangeiros), foi membro da Comissão europeia e agora foi escolhido para chefiar as negociações, em nome dos 27, para a consecução do Brexit. É um homem muito diferente de Davis, com muito menor humor e quase sem capacidade de saber rir das coisas sérias, mas é seguramente um melhor conhecedor dos dossiês, pela sua ampla e diversificada experiência. É um fervoroso europeísta, bastante mais até do que o generalidade dos membros da sua família política da direita francesa.

Não vai ser um despique fácil. Boa sorte, Michel Barnier!

terça-feira, março 28, 2017

"Fake news"

Donald Trump fala muitas vezes de "fake news", quando as notícias não lhe agradam. Mas, às vezes, há mesmo "fake news". E a imprensa portuguesa está cheia delas, às vezes assinadas por plumitivos que, depois, se queixam de que não levamos a sério o que escrevem a propósito de outros assuntos.

Os leitores deste blogue podem ler o que escrevi (abaixo) sobre a questão da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto da Madeira. Peço que releiam o texto. Nele insurjo-me - e essa é a minha livre opinião, contestável como qualquer outra - contra o que considero ser a insensatez dessa decisão, que me chocou. E, no texto, referi "que me chocaria muito menos" (isto é, que também me chocaria, mas muito menos) se acaso o governo regional tivesse optado pelo nome do seu antigo presidente e principal promotor da modernização do aeroporto, Alberto João Jardim. No texto, como notará qualquer leitor de boa fé, faço um perfil muito crítico do modo político de atuar de AJJ, com o qual nunca me identifiquei, como fica claro. 

Pois muito bem, esta "comparação" entre os dois nomes, foi transformada numa "proposta" da minha parte, em notícias publicadas, para que ao aeroporto fosse dado o nome de AJJ O meu único comentário a isto é que o mau jornalismo e a má fé têm um nome: desonestidade. E quem assinou essas peças foi, além de mentiroso, desonesto. Isto é, fez "fake news" e isso fica-lhe no currículo.

segunda-feira, março 27, 2017

O nome

Meço bem o que vou escrever.

Durante décadas, chocou-me bastante o modo como Alberto João Jardim exerceu a sua ação como presidente do Governo Regional da Madeira. Não apreciei o seu frequente autoritarismo, o modo displicente e desrespeitador como sempre tratou a oposição, as instituições nacionais e a comunicação social. A Madeira, durante o seu longo reinado, teve uma existência política com sérias e evidentes falhas na democraticidade da sua vida cívica. Um estilo de caudilhismo ao jeito sul-americano impôs-se por décadas naquela região e Alberto João Jardim foi a cara dessa pouco prestigiante excecionalidade.

Dito isto, a Madeira contemporânea, com todas as suas desigualdades e fragilidades, está hoje a anos-luz da ilha pobre e subdesenvolvida que conheci nos anos 70. Foi, a meu ver, a zona do território português que mais beneficiou em termos de "salto em frente" em múltiplos domínios, através de um discutível mas eficaz "keynesianismo", bem visível na paisagem embora, infelizmente, também, injustamente, nos bolsos de alguns ramos de apadrinhamento local - sendo que, neste caso, julgo que ninguém poderá acusar Jardim de qualquer improbidade a nível pessoal. Uma vez mais, também aqui, a cara dessa imensa mudança positiva é, indiscutivelmente, a de Alberto João Jardim.

Sou testemunha presencial do modo como soube lutar, junto do governo central mas, muito particularmente, junto das entidades europeias, pelos interesses da sua região, do seu esforço continuado e persistente, às vezes por meios menos ortodoxos, para obter tudo o que considerava necessário para a sua Madeira. Recordo, porque estive diretamente ligado a isso, o seu extraordinário trabalho que, com o apoio do governo de Lisboa, veio a permitir a fantástica obra que foi a extensão da pista do aeroporto da Madeira, uma infraestrutura-chave para desbloquear o estrangulamento do acesso turístico à ilha. Alguns corredores de Bruxelas percorremos em comum para tal.

Por isso, e sabendo bem que o que escrevo é polémico e desagradará a muitos dos meus amigos (e, infelizmente, agradará a muitos que prezo em não ter como tal), quero aqui dizer, com total frontalidade e sem ambiguidades, que me chocaria muito menos que o nome de Alberto João Jardim fosse dado ao aeroporto da Madeira, em lugar do de Cristiano Ronaldo, cujas qualidades atléticas ficariam, com certeza, muito mais adequadamente consagradas num estádio ou outra instalação desportiva.

O oportunismo turístico tem limites, que são os do bom-senso, da justiça e, claro, do ridículo.

À Madeira!


Afinal, confirma-se, já chegámos à Madeira!

Humor & covilhetes



Ontem, na "Gomes", com um covilhete à ilharga.

- É um exagero andar para aí a dizer que o PSD vai ter maus resultados nas capitais de distrito, nas próximas autárquicas.

- Como é sabes? 

- Ora essa! Porque os distritos já acabaram há muito...

domingo, março 26, 2017

O Arnaldo


Arnaldo Matos, que a pequena história e a grande ironia política consagraram eternamente como o "grande educador da classe operária", bolçou há dias mais algumas das suas habituais inanidades discursivas. 

Desta feita, defendeu a legitimidade do ato terrorista em Londres, adiantando mesmo alarvidades (não consigo deixar de escrever isto assim) sobre a hipótese de tragédias idênticas virem a ocorrer por cá.

Desde há muitos anos que o tal Arnaldo goza, entre nós, de um complacente mas justificado estatuto de inimputabilidade, associado a um registo anedótico que o seu aspeto favorece e que atravessa os tempos. Pelo que me toca, confesso já ter perdido a paciência para a personagem.

O que mais me surpreende é a circunstância dos parentes do pobre Arnaldo não terem ainda recorrido aos serviços da unidade hospitalar que leva o nome da família.

sábado, março 25, 2017

Mário Centeno


No ano passado, escrevi por aqui isto:

"Há cerca de dois anos, uma organização de alunos da Universidade Nova de Lisboa convidou-me para um debate sobre os novos desafios da Europa. Teria como parceiro de mesa Mário Centeno. O nome dizia-me alguma coisa, mas pouco. Fiz uma pequena pesquisa e ela fez-me lembrar que ouvira Mário Centeno na conferência anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde se pronunciara sobre Economia do trabalho. Ficara então muito bem impressionado com a apresentação feita, muito estruturada e com perspetivas que não conhecia.

O nosso debate na Nova correu muito bem. Voltámos, depois disso, a cruzar-nos algumas vezes, em reuniões, e, com naturalidade, vi-o surgir à frente da pasta das Finanças no governo de António Costa, de quem havia sido o "guru" na área económico-financeira. Todos nos recordaremos que havia então em Centeno uma jovialidade que se espelhava num sorriso franco, quase adolescente, que se manteve em muitas aparições públicas, em que foi sendo conhecido pelos portugueses."

No meu texto de 2016, notei ainda que o sorriso de Mário Centeno se tinha esvanecido. O peso da responsabilidade e as dificuldades da conjuntura estavam, claramente, a afetar a sua jovialidade.

Nos dias que correm, Mário Centeno já tem razões para rir. Conseguiu o mais baixo défice da democracia, obteve a recapitalização da Caixa - essa impossível missão, segundo algumas Cassandras - e ganhou indiscutível credibilidade junto das instituições europeias. Não esqueço que foi António Costa quem lhe propocionou as condições políticas para poder levar a cabo a política orçamental de sucesso que implementou. Mas os ministros das Finanças não são uns governantes quaisquer e Centeno provou, em escasso tempo, estar à altura da escolha feita por António Costa.

Estará já Carlos Costa arrependido em não ter aprovado o nome de Mário Centeno para a direção do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal? Ao fazê-lo, apenas retirou uma linha ao currículo do seu provável sucessor.

O desastre de Trump


Donald Trump aprendeu ontem uma lição: a de que ter vencido as eleições presidenciais e ter um Congresso com maioria republicana em ambas as câmaras legislativas são condições insuficientes para poder gerir o país a seu bel-prazer. E isso é uma boa notícia, que prova que os "checks and balances" não desapareceram no cenário constitucional americano.

"Repeal & replace" o Obamacare era algo que os Republicanos tentavam há muito. Mesmo em tempos de Obama, poderiam já ter conseguido esse objetivo, desde que se tivessem entendido entre si. Com efeito, a maioria de que hoje dispõem em ambas as câmaras legislativas já existia antes das recentes eleições presidenciais. Só que, durante anos, os Republicanos não conseguiram acordar numa lei alternativa. Trump pensou que o impulso dado pela sua vitória facilitaria o entendimento entre aqueles republicanos que têm uma leitura reformista das mudanças a introduzir no Obamacare e quantos, pura e simplesmente, querem um regresso ao "statu quo ante", anulando-o por completo. Foram estes últimos que "roeram a corda" ao presidente, jogando agora no "quanto pior melhor", esperando pela implosão do Obamacare, através da sabotagem administrativa, já anunciada, de algumas das suas componentes. Verdade seja que, mesmo que o "Repeal & replace" tivesse passado na Câmara de Representantes, nada garantia uma aprovação no Senado. Mas o efeito político de uma passagem na câmara baixa teria sido muito importante.

Esta derrota de Trump, somada às objeções judiciais que dificultam a aplicação das medidas restritivas do acesso ao território americano e a outros recuos menos visíveis, induz uma imagem de ineficácia operativa numa presidência que já provou necessitar de êxitos adjetivados de forma gongórica para viver. A palavra fracasso não parecia fazer parte do vocabulário de Trump, que tinha saído de todos os relativos desaires anteriores sempre "aos ombros de si próprio", numa coreografia de megalomania que parecia imparável. Agora, com esta derrota, não há como esconder o desastre. Se eu fosse um comentador independente também esconderia a minha satisfação.

sexta-feira, março 24, 2017

24 de março


Gostei de ouvir o ministro Manuel Heitor, na intervenção que fez hoje no auditório da UTAD, recordar a data de hoje, o dia 24 de março, Dia do Estudante.

O Dia do Estudante não é nenhum pretexto para borga e copos, não é uma data lúdica e inconsequente, ocasião para festarolas. É uma data com uma história política. 

Em 1962, foi precisamente a circunstância do governo de então não ter permitido a sua comemoração no dia 24 de março (alguém sabe o porquê de ser essa a data?) que foi a origem da chamada "crise académica", com greves, prisões e o afastamento posterior da universidade de muitos estudantes e alguns professores.

Na sequência dessa repressão, Marcelo Caetano, já há três anos fora do governo, demitiu-se do cargo de reitor da Universidade de Lisboa, iniciando a "travessia do deserto" que, seis anos depois, o levaria ao lugar de Salazar. É assim uma ironia constatar que a sua (imerecida) fama de "liberal" lhe havia ficado do "24 de março" de 1962.

Repito: foi bonito ouvir o ministro falar na data mas, confesso, interroguei-me a mim mesmo sobre quantas pessoas, naquele largo auditório, tinham o 24 de março como uma etapa fundadora da nossa democracia.

E será que haveria alguém por ali que se recordasse da "República 24 de março", uma casa alugado por estudantes de esquerda, que existia no Porto, perto do Largo de S. Lázaro, na segunda metade dos anos 60?

Turras

Os mais novos não conhecem o termo. Os "turras" era a expressão simplificada que, no início da guerra colonial em Angola, qualificava aqueles a quem o regime chamava "terroristas" - isto é, todos quantos lutavam de armas na mão pela independência das colónias portuguesas, das quais se sentiam mais cidadãos do que portugueses. 

Nos idos de 1961, a palavra "turras" andava na boca de toda a gente e sempre desconfiei que a expressão "tugas" representou contraponto fonético de resposta nacionalista para designar os "portugas" brancos (devia escrever "europeus"?) de quem os independentistas se queriam ver livres.

Os "turras" eram portugueses? Na maioria, claro que sim, "jus solis" e "jus sanguinis", como a rapaziada do Direito gosta de dizer no latim que lhe nobilita os pareceres. 
Porquê? Porque eram nascidos no Portugal de lei, fihos de portugueses de lei. Mas seria mesmo assim? Ou não se daria o caso de os pais serem "assimilados", essa deliciosa fórmula racista que o Estado Novo consagrou, como que a dar a "honra" do aportuguesamento a quem vivia nas suas Angolas? E os "turras" brancos, de que o MPLA estava entãbatulhado.

Lembrei-me disto ao ouvir Theresa May dizer que o autor do atentado era "britânico de nascimento". É deliciosa, esta "de nascimento". O assassino das cinco pessoas em Londres era tão "britânico" e europeu como o anormal que hoje, em Barcelos, matou quatro. Este era "tuga" e, se calhar, também será "turra", ao olhar de alguns.

Posso estar enganado, mas com o caminhar para esta sofisticação no léxico, que conduz alguns a discriminar entre os cidadãos de lei do mesmo país, regredimos ao tempo dos "filhos de algo", que a corruptela veio a designar já não sei como - e a que um decreto pós 5 de outubro pôs termo. Definitivo.

Miguel Cadilhe


Conheci Miguel Cadilhe em meados dos anos 60, quando ambos éramos estudantes na Universidade do Porto. Segui depois, à distância, a sua brilhante carreira profissional e observei o seu posterior percurso político.

O país testemunhou a miserável campanha que lhe foi montada por essa escola de falta de ética deontológica que se chamou "O Independente" - que nem a circunstância de, pelo caminho, ter produzido alguns excelentes jornalistas isenta da culpa eterna de ter frequentemente utilizado métodos mais do que indignos. Como viria a suceder a outras figuras políticas, e sempre com impunidade, sobranceria e preconceito, Cadilhe foi então vítima de uma operação nojenta de denegrimento por parte daquele jornal, para a qual sempre olhei muito para além das barreiras ideológicas que nos separavam.

Há mais de uma década, voltei a reencontrar Miguel Cadilhe na Associação Portuguesa para o Investimento (API), a que presidia, onde, como embaixador, com ele trabalhei por algum tempo, como membro do respetivo "forum". Nos últimos anos, temo-nos cruzado em alguns espaços públicos de reflexão.

Miguel Cadilhe é conhecido - e acho que vive muito bem com isso - por não ter um feitio fácil e vi o modo como alguns tinham grande dificuldade em lidar com essa sua maneira de ser. Mas, para além de ser um homem honesto e de bem, é uma figura intelectual para cuja opinião, nos temas económicos, sempre olhei com atenção: diz o que pensa, mesmo contra a corrente, com frontalidade e sem qualquer receio de enfrentar o "politicamente correto", qualidade que vai escasseando por aí.

Hoje, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) vai testemunhar-lhe o seu reconhecimento institucional, por ter tido um papel de relevo na consagração do Alto Douro Vinhateiro como Património da Unesco, atribuindo-lhe o título de Doutor "honoris causa". 

Com amigos e admiradores de Miguel Cadilhe estarei presente, também como antigo presidente do Conselho Geral da UTAD, na ocasião desta sua justa consagração.

As sombras sobre a festa


Passam amanhã 60 anos sobre a data em que um grupo de seis democracias europeias decidiu instituir entre si aquele que é, sem a menor sombra de dúvida, o mais bem sucedido processo de cooperação internacional que a História regista. Aquilo a que hoje chamamos União Europeia resultou do aprofundamento dessa ideia, nascida para curar as feridas da guerra e para dar solidez a um espaço onde a economia de mercado se contrapunha ao modelo das “democracias populares”. Com os Estados Unidos, a Europa viria também a partilhar a vitória na Guerra Fria, simbolizada pela implosão da União Soviética e pela recuperação da soberania plena por parte dos países que, no Centro e Leste do continente, deixaram então de respeitar a tutela de Moscovo.

Esses países, com toda a naturalidade, procuraram integrar o projeto que, ao longo de décadas, lhes tinha sido mostrado, por cima do Muro de Berlim, como um horizonte de esperança radiosa, um novo modelo de felicidade coletiva – depois da desilusão que o “socialismo real” fora para uma grande maioria. Fazer parte da União Europeia, bem como da NATO, foi o instrumento utilizado por esses Estados para exorcizar a memória do tempo anterior. Muitos deles carrearam para a União toda a sua experiência traumática, consagrando isso numa hostilidade aberta face a Moscovo e numa pulsão muito forte contra modelos de solidariedade social que fizessem lembrar o voluntarismo igualitarista que antes lhes havia sido imposto. A recuperação da soberanias conduziu-os, em alguns casos, a tropismos autoritários, com desrespeito pela separação de poderes, pelas minorias e por alguns Direitos Fundamentais. Afinal, provava-se, o “template” de valores da União podia ceder perante algumas agendas nacionalistas recém-chegadas.

Também a restante União Europeia, nesse mesmo tempo, se foi alterando. Alguma desilusão sobre a capacidade do projeto integrador provocar um contínuo choque de riqueza e bem-estar, somada a tensões culturais e étnicas que alguns modelos nacionais se revelaram incapazes de superar, com consequências de disrupção nos seus sistemas políticos, veio mostrar que o consenso de décadas estava definitivamente abalado e que o anterior “mainstream” partidário, mesmo com alternância, podia estar em vias de esgotar as suas virtualidades. O surgimento em força do populismo e de modelos confrontacionais, conjugado com alguma desintegração europeia, pode estragar a festa da sexagenária Europa comunitária.

Para nós, portugueses, que entrámos há 30 anos, precisamente a meio da viagem percorrida pela Europa comunitária, a experiência provou à saciedade que este é projeto onde melhor podemos ancorar a nossa democracia e o nosso futuro. Lutar pela Europa é um desígnio nacional imperativo.

(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, março 23, 2017

Alvo manto


Se as coisas ainda são o que eram, esta neve primaveril que cai sobre Vila Real não vai "pegar" - como se dizia no meu tempo de infância, então fazendo figas para que o nevão fechasse o caminho para a escola. 

Nesse outro tempo, a neve caída na cidade, com ou sem fotografia (do Marius ou do Macário), era notícia garantida na meia página que "O Comércio do Porto", "O Primeiro de Janeiro" e o "Jornal de Notícias" - os três jornais do Porto que chegavam à cidade (havia também o vespertino "Diário do Norte", mas não se vendia em Vila Real) - dedicavam diariamente às principais cidades nortenhas.

Em minha casa, lia-se o "Comércio" e o "Janeiro", respetivamente comprados para o meu pai e para o meu avô. Todos os anos, por ocasião da queda da neve (nesse tempo, a neve parecia cair com maior regularidade), o meu pai lembrava:

- Ora deixa cá ver qual é o jornal que traz a frase batida "a cidade acordou sob um alvo manto de neve". 

É que essa figura estilística, muito própria de um gongórico jornalismo de província então em voga, era repetida com regularidade e sem pudor do ridículo.

Se não vinha nesses dois jornais comprados na loja do Albertino, o meu pai, antecipando o gozo de a encontrar, procurava-a no "Notícias", numa ida ao café no Excelsior, na Rosas ou na Pompeia (a Gomes foi para ele um pouso mais tardio). 

O "Notícias" era um jornal então menos conceituado, com muita nota desportiva da região (nisso só ultrapassado pelo "Norte Desportivo", do Alves Teixeira) e com um pendor para o crime e para o "sangue": "Carteiro de Contumil mata a sogra"... (Mas nunca, porque o respeitinho social-geográfico era muito bonito: "Crime passional em Nevogilde").

Amanhã, mais pela força do degelo do que pela melhoria do jornalismo, "cheira-me" que a cidade não vai acordar "sob um alvo manto de neve"...

Trump


Muitos nos enganámos no resultado das eleições americanas, mas muito poucos nos equivocámos quando antecipámos o modo como o início da presidência Trump iria ser.

Passos Coelho

O futuro político de Pedro Passos Coelho começará a vislumbrar-se mais claramente quando pudermos saber quantos candidatos autárquicos do seu partido querem o líder nos seus comícios.

Londres


O modo como a consciência europeia reagiu à tragédia de Londres poderá ter mostrado aos britânicos que, por muitas fronteiras que o Brexit um dia venha a criar, a solidariedade humanista atravessá-las-á sempre.

Dijsselbloem

Ficou bem evidente, no incidente que provocou, que Dijsselbloem não pensa nas coisas que diz, mas ficou também claro que o que disse foi o que realmente pensa.

quarta-feira, março 22, 2017

Os arrebentas

Os blogues, algum jornalismo e a saloiíce lusitana dão-lhes pasto para afirmação. São os contestatários militantes do senso-comum, os abaladores radicais do pensamento "mainstream", os desmancha-prazeres de qualquer fumo de consenso. São os "arrebentas" mediáticos.

Quando, por um qualquer processo coletivo de sentimento partilhado, acaso se cria pela sociedade publicada uma linha de atitude comum, logo eles surgem, ao cair do post ou da colunazinha, no seu papel de observadores endemicamente heterodoxos, à cata da originalidade, sempre "do contra": "Ai toda a gente acha isso? Pois eu, não senhor!" Aconteceu agora com a reação àquilo que Dijsselbloem afirmou. Passadas umas horas sobre o zurzimento do tipo dos caracolinhos, lá vieram eles, rasteiros, a roer a corda.

Há quem ache graça ao estilo, quem se divirta com a originalidade, enfim, quem os leve a sério. O subdesenvolvimento também é isto.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...