A história da V República francesa, regime que no final dos anos 50 pôs fim
a um modelo parlamentar atribulado e visivelmente ineficaz, tornou muito
evidente que o sistema partidário se transformou, naquele país, numa dimensão puramente
subsidiária na afirmação da vontade política. Quero com isto dizer que, à
esquerda e à direita, a dinâmica de agregação de forças se revela dependente de
lógicas conjunturais e, frequentemente, do apoio a alguns atores políticos. A
meu ver, os dias que aí vêm, vão confirmar isto de modo claro.
Durante alguns anos, o Partido Comunista Francês foi a exceção, conseguindo
sobreviver e prolongar, nesse regime constitucional quase imposto por De Gaulle,
um forte poder de influência política que, em particular, lhe advinha da sua força
sindical, como eficaz contra-poder. Curiosamente, os comunistas iniciaram aí o
seu imparável declínio, com a cooptação para o governo com que François
Mitterrand consagrou a sua vitória presidencial.
Convém lembrar que o Partido Socialista Francês é uma
« construção » de Mitterrand, feita pela agregação de várias
estruturas, clubes e sensibilidades socialistas, desejosas de esquecer o
passado pouco glorioso, na IV República, da estrutura dominante nesse setor.
Com a linha que impôs no início do governo, a partir da sua vitória em 1981,
Mitterrand « secou » o terreno à sua esquerda e ligou o PS a uma
agenda que tornou mesmo a expressão « social-democrata » num anátema.
É o ressurgimento dessa dualidade esquerda-direita que se verifica nesta
eleição presidencial, com Hamon e Macron a prenunciarem o que, com toda a
certeza, será a implosão do PSF.
À direita, desde De Gaulle, as forças políticas foram sempre desenhadas em
torno dos presidentes, com o chamado « centro » a ser chamado a
compor o ramalhete. Sem uma tradição democrata-cristã, o centro optou por uma
« fulanização » (como aconteceu com Giscard d’Estaing) ou um vago credo
liberal. Mitterrand tinha razão, quando ironizava que « em França, o
centro não está nem à esquerda, nem à esquerda », isto é, é um parceiro
tradicional da direita.
Assumindo que Emmanuel Macron ganha as eleições, com quem governará, partindo-se
do princípio que, no sufrágio legislativo subsequente, a direita de Sarkozy e
do « Les Republicains » sairão seguramente maioritários ? Como
se comporá a « majorité presidentielle » no pós-Hollande e
pós-PSF ? Terão futuro governativo as figuras da direita socialista que
entretanto se juntaram ao « presidente Macron » ? E como se
comportará, em termos de projeto, a direita democrática, desafiada pelo
crecimento do Front National de Le Pen ?
(O leitor terá notado que dou Le Pen por derrotada. É isso mesmo, embora eu
me tenha enganado no Brexit e em Trump.)