Esta manhã, ao escolher uma gravata, comecei a pensar que cor deveria usar, neste dia muito importante de referendo britânico, uma decisão que, qualquer que seja o seu sentido, terá reflexos sobre a vida de todos os europeus. Como à tarde vou estar num debate sobre o Brexit e à noite tenho de ir ao Telejornal da RTP 1, isso poderia não ser indiferente.
Uma gravata vermelha ("diz sempre encarnada", aconselham-me às vezes pessoas amigas, preocupadas com o meu estatuto) poderia ligar-me aos trabalhistas, uma azul aos "tories" e uma amarela aos "lib-dem", desaparecidos sem combate. Não me interessa a cor do UKIP. Lá fiz a minha escolha, sob um critério que não o político, esclareço.
Os britânicos têm um gosto bizarro para gravatas. Lembro-me de um dia, num Conselho Europeu durante uma presidência britânica, nos terem oferecido uma horrorosa gravata com umas garrafais estrelas da União em que, cada uma delas, representava um Estado membro. Já não sei o que nos calhou em rifa, mas os italianos treparam pelas paredes porque a estrela deles apresentava uma pizza... Ainda guardo esse inusável exemplar. Já pensei levá-la em idas às embaixadas britânicas, mas temo ter de passar o tempo a explicar porque me atrevia a usar aquilo.
Quem era famoso pelas suas nada convencionais gravatas era o jornalista televisivo Jeremy Paxman, que fazia o "Newsnight", na BBC 2. Tinha-as nos tons e desenhos mais fantásticos, muitas vezes exemplares pintados à mão. Paxman entrevistava com uma imensa displicência, embora sempre muito bem preparado sobre os temas, pelo que era temido pelos interrogados.
Uma noite de janeiro de 2000, fui convidado, em Bruxelas, a ir a um estúdio de televisão para ser entrevistado por Paxman, que estava na BBC, em Londres. O tema era complexo: as "sanções" à Áustria, por virtude do acordo de governo com um partido de extrema-direita. Eu passara horas a responder no Parlamento Europeu, em nome da presidência portuguesa, num agitado debate, onde alguns conservadores ingleses não me tinham poupado. Mas fora uma tarde bem estimulante, em que até troquei argumentos com Jean-Marie Le Pen!
Naqueles escassos minutos que antecederam a ida "para o ar" da entrevista, troquei umas palavras com Jeremy Paxman. Confesso que com o objetivo íntimo de o "amansar", elogiei-lhe a gravata que trazia e contei-lhe que, quando vivia em Londres, tinha sempre alguma expetativa quanto às que ele iria mostrar no "Newsnight". Fosse por via disso ou não, a verdade é que Paxman me tratou lindamente e a entrevista correu muito bem.
Não faço ideia se Paxman ainda está no ativo (não vejo a BBC), se as suas gravatas continuam notoriamente bizarras mas, reconheço, gostava que amanhã, ele e os seus concidadãos (estou a olhar para um "paperback" da sua autoria que tenho na minha estante, com o título de "The English, a Portrait of a People"), continuassem a fazer parte deste simpático clube de paz e de bem, que trouxe harmonia, bem estar e segurança a milhões de pessoas, durante décadas, que dá pelo nome de União Europeia.