sábado, junho 18, 2016

O olhar dos embaixadores

Desde que, há pouco mais de três anos, regressei a Lisboa, e por um conjunto cumulativo de razōes, tenho contactos frequentes com bastantes embaixadores estrangeiros acreditados em Lisboa. E tem sido muito interessante poder acompanhar a sua evolutiva curiosidade sobre a nossa situação política, muito em especial o modo como procuram recortar o perfil dos nossos atores políticos, as suas interações, as linhas predominantes dentro das formaçōes partidárias e, naturalmente, os cenários mais prováveis para o futuro próximo.

Quando aqui cheguei, em 2013, as grandes interrogações prendiam-se com a solidez da coligação então no poder, em especial sobre o tandem Passos Coelho - Paulo Portas. Vivia-se um tempo posterior às manifestações de 2012, num ambiente exausto dos efeitos das políticas da "troika". A Lisboa diplomática estava cheia de intrigas sobre as "traições" e "desconfianças" entre os líderes do PSD e do CDS, em dias "irrevogáveis".

A coreografia dos consensos promovida por Cavaco Silva obrigava os diplomatas a interrogar-se bastante sobre a personalidade de António José Seguro, sobre a sua eventual abertura a entendimentos com os ocupantes do poder. Iria Seguro ser sensível aos apelos de Cavaco? Convencidos de que eu "bebia do fino", muitos me interrogavam sobre as intenções do líder socialista. Alguns não acreditavam na verdade, isto é, que eu sabia tanto como eles.

Por algum tempo, o papel de Sócrates no tecido da esquerda, em especial depois das suas aparições televisivas, foi fator de interesse para esses olhares estrangeiros. A sua detenção reduziu o foco na personagem, embora mantendo-se a curiosidade (que era também a nossa) sobre o efeito que isso iria ter no futuro dos socialistas. Também a importância das tomadas de posição de Mário Soares suscitava questões sobre o modo como isso se iria repercutir no PS.

Um dia, surgiu a surpresa António Costa. Surpresa? Bom, ele era o chefe da municipalidade lisboeta com cuja bonomia os diplomatas se tinham habituado há muito a lidar. Mas o registo era agora outro. Costa era, de há muito, um potencial candidato a tudo - de S. Bento a Belém - mas o facto de agora surgir a concorrer à liderança, depois da "débacle" eleitoral das Europeias, afrontando Seguro, revelava um perfil algo diferente daquele que dele tinham desenhado. Curiosamente, muitos embaixadores haviam-se habituado, nos "dîners en ville" a ouvir a direita tecer loas a António Costa. Agora, de um momento para o outro, Costa parecia ser o "radical", perante um Seguro que lhes era mostrado, pelo Portugal conservador com que conviviam socialmente, como um socialista finalmente "aceitável".

Vieram as eleições e a grandes dúvidas, suscitadas pela radicalização da campanha. Até onde iria o PS? Romperia com a Europa, "à Siryza"? O que faria Costa se ganhasse? Foi um tempo de muitas conversas especulativas, onde algumas das posições de certos interlocutores revelavam, com ingénuo reflexo, os opinadores que frequentavam. Eles ouviam, "entre la poire et le fromage", aquilo que esses "experts" iriam debitar nas TV, horas depois. Às vezes, isso dizia-me respeito e eu ria-me intimamente.

A montagem da "geringonça" desorientou, de vez, a Lisboa diplomática. Não por uma necessária oposição ao modelo (embora fosse essa a atitude amplamente maioritária) mas porque pretendiam, muito legitimamente, tentar saber o que poderia sair dali, em termos de opções e escolhas políticas, em especial no terreno europeu. Todos nós, portugueses, também queríamos saber isso, convém recordar. Avaliar o grau de influência dos comunistas e do Bloco na orientação do executivo foi uma tarefa em que os diplomatas em posto em Lisboa se entretiveram por muito tempo, até estabilizarem, aparentemente, no dias de hoje, essa sua visão. Políticos, jornalistas e empresários carrearam para os ouvidos dos embaixadores informações que iam de dados concretos a meros "bitaites", tudo misturado com muito "wishful thinking". Tempos interessantes esses, que devem ter dado origem a curiosos telegramas.

As eleições presidenciais que se seguiram nunca mobilizaram muito os embaixadores em Lisboa. Maria de Belém era sobejamente conhecida, Sampaio da Nóvoa era quem suscitava as dúvidas conservadoras e Marcelo Rebelo de Sousa era... Marcelo!

Se surpresa houve, desde então, de que ainda se não refizeram por completo, essa tem sido a "lua-de-mel" do presidente com o primeiro-ministro. Entre o divertido e o espantado, desde logo com a inesperada informalidade inicial do chefe de Estado, os nossos amigos diplomatas estrangeiros em Lisboa olham-nos, nos dias de hoje, com uma pontinha de inveja institucional. Porém, infelizmente, ela logo se esbate quando olham o fio da navalha económico em que Portugal permanece. Mas em muitos deteto alguma amiga simpatia pelas nossas dificuldades.

Imagino que Lisboa deva ser um posto muito interessante para se estar como diplomata estrangeiro. Embora o sol deste junho só agora dê os devidos créditos ao nosso verão.

3 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Curiosamente penso que os próximos dias, segundo o resultado do Brexit, podem afectar o panorama económico da « Geringonça ». O ligeiro pânico criado pela eventualidade do “Leave” nas taxas das dívidas espanhola, italiana e portuguesa podem ampliar-se, e então as coisas seriam mais difíceis. Senão, António Costa continuará a exercer a sua gerência “social-democrata” sem percalço de maior. O socialismo vai longe. Como na França. Os diplomatas contam os pontos !

A Nossa Travessa disse...

Chicamigo

Hoje em Paris procura-se sem candeia um ábaco ou uma calculadora a vapor... Não há embaixador que resiste...
Abç

Leãozão

Anónimo disse...

Quem faz um cento pode fazer um "Centeno"

Tem o ar daquelas "melgas" do liceu que apanhavam "caldos" de todos, incluindo sexo feminino , porque sempre que abria a bocarra só saía asneira, como esta:


Portugal é bom para fazer investimentos porque "os portugueses são os que mais horas trabalham na Europa», além de serem muito baratos quando comparados com os franceses"

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...