segunda-feira, junho 20, 2016

O Brexit num esfregar d'olho


Não obstante ser este o tempo das reflexões profundas sobre o Brexit, confesso que me não sinto tentado - embora tenha tido pedidos da imprensa para escrever - a perorar muito sobre a questão. Vou apenas alinhar aqui uns breves pontos:

- David Cameron foi um irresponsável ao ter libertado, por oportunismo eleitoral, os demónios que agora não consegue controlar. Hoje, no Reino Unido, os eurocéticos radicais têm muito mais força e visibilidade mediática do que alguma vez tiveram. E, no resto da Europa, há outros a esfregar as mãos.

- Os britânicos, que são dos grandes beneficiários da Europa comunitária, pagam agora anos em que se dedicaram a usá-la como bode expiatório para muitos dos seus problemas.

- Ao não fazerem um mínimo de pedagogia pró-europeísta, e a campanha pelo "sim" se ter limitado a uma agenda defensiva ou de criação de novos medos, os britânicos que querem ficar na Europa revelaram uma inabilidade rara. 

- Se alguém pensa que as mensagens ou as ameaças exteriores para condicionar a opinião britânica tem algum efeito. desenganem-se! Os britânicos pensam pela sua cabeça e quanto mais os tentarem convencer, com opiniões de fora, pior!

- O RU já tem quase tudo o que queria da Europa: está fora do euro, de Schengen, das regras da livre circulação, de muito do quadro da Justiça e Assuntos Internos, da observância da Carta dos Direitos Fundamentais. Antes, excluíra-se do protocolo social e recebia um "rebate" anual em forma de cheque. As concessões dadas pelos 27 há semanas foram a "cereja no bolo" da excecionalidade britânica.

- Há uma quase unanimidade, nos meios e analistas económicos, sobre o impacto negativo da saída da União para o Reino Unido. Mas com essa realidade podemos nós bem. A mim, confesso, nesta fase do campeonato, é o futuro da União que me preocupa, não a felicidade ou infelicidade britânica.

- Uma saída britânica induzirá um ambiente de instabilidade e imprevisibilidade no seio da UE que pode vir a desencadear um movimento centrípeto de "refundação" da Europa, com "purga" do euro. E nesse grupo, dificilmente Portugal terá condições para ficar. Sobre isto não tenho a mais leve dúvida.

- Há ainda um cenário que não excluo: é o RU vir pedir mais excecionalidades à Europa para não sair e esta, por temor, vir a concedê-las. A "caixa de Pandora" já está aberta e, não tarda, outros Estados (vá lá, com alguma legitimidade!) vão querer aproveitá-la.

- A negociação entre o Reino Unido e a UE, para organizar a sua saída, sendo embora algo de inédito e sem precedentes, não me parece uma tragédia. As ordens jurídicas, naquilo que importa, são as mesmas e Londres, sendo um negociador "tough" e às vezes bastante "rough", é um poder amigo.

- A UE, em caso de Brexit, tem na sua mão alguns trunfos muito importantes. Nesse contexto, devo confessar que não me parecem preocupantes - pelo menos muito mais do que já foi dado nas recentes concessões - os impactos sobre a situação dos portugueses que vivem naquele país.

- Na quinta-feira, se votarem a saída, o britânicos vão perder milhares de lugares numa máquina europeia onde têm uma posição dominante e decisiva - na Comissão, no Conselho, no Parlamento Europeu, nas missões diplomáticas europeias pelo mundo. Esse pessoal deve estar em pânico! E há muitos mais a esfregar as mãos...

- Se o Brexit tivesse lugar, o dia seguinte seria o dia 1 para um novo referendo para a Escócia. E, nesse caso, bom dia Catalunha!

- O meu "guess", no dia de hoje? O Brexit não passa. À boca da urna, a aposta no desconhecido é demais para um eleitorado que, no fundo, é esmagadoramente "conservador" - quero com isto dizer, que tem algo a conservar. E não é nada pouco! Mas se estiver enganado, o que pode acontecer com grande facilidade, "apertem os cintos"... E mesmo que os britânicos por cá fiquem, muita coisa será diferente no futuro.

12 comentários:

Portugalredecouvertes disse...


Eles também dizem, penso que para se perceber algo um pouco obscuro e as suas motivações: "follow the money!"
não sei se se aplicará aqui, mas como se aplica tantas vezes ?!

Joaquim de Freitas disse...

Brilliant, as usual, Sir !

o Merceeiro disse...

como sabemos, os ingleses são um bocado apatetados, mas os britânicos são inteligentes.
por isso o Brexit ( que ajudou a comunicação social a faturar à grande ),não vai passar.
agora, que a EU precisa de levar um GRANDE COICE, à lá isso precisa, precisa (plagiando o outro senhor).

Anónimo disse...

"...ingleses são um bocado apatetados, mas os britânicos são inteligentes..." ,
o merceeiro... então os Ingleses não são Britânicos ?

o Merceeiro disse...

ó Anónimo;
não percebeu, pois não !?
é problema de pensarmos que sabemos tudo.

Unknown disse...

Eu defendo a saída do Reino Unido pois para eles é o melhor!
A Europa Está em pânico pois sabe que,se o RU sair,esta implodirá...
Senhor Embaixador: Não considera muito conveniente a morte daquela deputada? Perfeito demais para ser verdade.
Provavelmente foi crucificada...

A Nossa Travessa disse...

Chicamigo

Como sabes e como tenho dito e, principalmente, escrito, já fui um europeísta fervoroso e empenhado. Até andei pelo nosso país a ensinar e informar sobre o euro. Mas, agora, jáo o sou; melhor dizendo sou mas muito pouco.

Tenho o hábito (quiçã mau...) de na maioria dos casos que abordas concordar contigo. m destes dias vou experimentar discordar só para ver se tu me bates.

Dito isto acho este texto mais uma maravilha entre os muitos que pares ou dás à luz (para os defensores do politicamente correcto que não é de todo o meu caso...). Uma análise correcta - que se lixe o famigerado Acordo - uma futurologia de uma Sibila (passe a comparação exagerada) um aviso para a Europa (des)Unida que pode dar o berro se o Brexit passar. Porque, se assim acontecer:

" «É fartar, vilanagem»!" (que como sabes mas pode haver quem não saiba, é o brado dado por Álvaro Vaz de Almada, conde de Avranches, no final da batalha de Alfarrobeira, quando morria...

Abç do Leãozão

Anónimo disse...

Não há pessoal em pânico pois não poderão ser postos na rua, mas apenas esperar calmamente pela sua reforma. O que não haverá são novos concursos, embora quem já cá esteja já tenha começado a tratar de mudar de nacionalidade, mas não tens razão Francisco Duarte Azevedo de te lamentares dos ordenados dos colegas da UE: a mim nem que me pagassem eu ia para lá, embora não tenha poder para me livrar das conspirações das Necessidades...

Anónimo disse...

Como há muito profetizei aqui, a UE pode evoluir para um grandíssimo mercado interno incluindo as periferias sul e leste com umas assembleias parlamentares simbólicas associadas à la Conselho da Europa, so what? A mim não me desagrada, o que me desagrada é o eterno capital de queixa, à la Alberto João, a ser brandido. Querem sair saiam, a porta é já ali, mas era bom demais para ser verdade...

Anónimo disse...

Para países com pendor despesista como Portugal, será perigoso, assim como para os restantes que gostam de incubar e acarinhar "ovos de serpente" no seu ventre.

Anónimo disse...

Ninguém reparou que a vitória do M5S em
Itália é a entrada dos ayatolas no poder depois da partida precipitada do xá. Dizes tu Mário Gomes que em Londres ainda não podemos respirar de alívio. Depende de que lado de alívio, mas o próximo referendo vai ser o do ITEXIT...

AV disse...

Boa análise. Não há um ponto de que discorde.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...