sábado, junho 11, 2016

O acordão

Os aumentativos em "ão" são uma forma brasileira de mostrar uma saudável sem-cerimónia com a língua portuguesa, tornando mais "gráficas" as expressões. 

( Para quem não saiba, as rotundas, no Brasil, designam-se por "balões". Um dia, conduzindo em Minas Gerais, perguntei a alguém se ainda faltava muito para cruzar com uma determinada estrada. A resposta não podia ser mais brasileira: "É logo ali, chegando ao balãozão", para designar uma rotunda bem maior do que as habituais.

Também as pessoas são referenciadas assim, sem o menor embaraço. Numa remota cidade do Amapá, fui apresentado ao Prefeito, um homem imenso, muito largo. Com a imbatível simpatia dos brasileiros, identificou-se: "Meu nome é José Carlos. Mas me chame de "Marmitão". Todo o mundo me conhece assim." )

Ao ouvir falar de que há um "acordão" no Brasil, alguns portugueses podem ser levados a concluir que isso designa a revolta ética da respetiva população, o "acordar" coletivo face à revelação dos escândalos de corrupção e outros graves atropelos às leis, que geraram manifestaçōes, revoltas populares e tensões sociais, com impacto na classe política. 

Mas não é nada disso! O "acordão" que se regista, ou se prepara, no Brasil é, apenas e só, um entendimento entre os titulares de cargos políticos no sentido de criar uma barreira à ação da Justiça, que agora começa a ameaçar setores de topo do sistema que saiu recentemente ganhador da luta pelo poder. 

A Justiça - em especial o Ministério Público e a Polícia Federal - foram os "heróis" do sistema, enquanto a sua ação tinha por alvo o PT e os seus "compagnons de route", isto é, até ao afastamento prático de Dilma Rousseff. Mas agora que a máquina judicial se colocou em movimento e não parou, ameaçando setores dessa hidra política que dá pelo nome de PMDB, já por ali se fala em "acordão".

Olhando em perspetiva este mês de poder de Michel Temer, fica a sensação, porventura injusta mas que ressalta inevitavelmente como tal, de que praticamente só se tem tratado da (re)atribuição de lugares no aparelho político e das empresas públicas, de paralelo com a tentativa esforçada de muitos políticos, de topo e não só, de escaparem à possibilidade de virem a ser transformados em réus. A demissão de ministros que saíram dias depois da posse, por alegadas implicaçōes em improbidades ou práticas puníveis, não contribuiu para dar um crédito de confiança à nova equipa dirigente.

Um estudo ontem divulgado no Brasil, ordenado pelo governo, dá conta da má imagem que o governo Temer, com a exceção do setor financeiro do executivo, continua a manter no exterior do país. Dessa imagem faz também parte a permanência, no imaginário do mundo, de que o afastamento de Dilma Rousseff configurou um "golpe" constitucional, isto é, de que foi um pretexto juridicamente magnificado para, muito simplesmente conseguir colocar a chefe de Estado fora do poder. O novo Brasil oficial pode ter ganho a batalha contra a presidente, mas, por ora, perdeu francamente a guerra da sua imagem e da sua credibilidade.

E o "acordão" para tentar evitar a detenção do presidente do Senado, do antigo presidente Sarney e de outra figura grada do PMDB não irá ajudar a melhorar essa imagem. (Posso agora revelar que era ao anúncio destes mandados de detenção que eu me referia aqui.)

18 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

E era um bom "scoop" sem dùvida ! Mas a arte do "jeitinho" darà a volta a isso tudo.

Anónimo disse...

Embaixador, como pessoa inteligente que sei que o senhor é, não vale a pena querer continuar a teclar nessa de golpe. Ou seja não adianta o senhor querer branquear os anos de roubalheira do Pt. O que eu aceito é o senhor fazer um post onde diga que a classe politica brasileira é das piores de Mundo em todos os aspectos, isso sim. Mas não queira dar a entender que são todos contra o PT. Foi precisamente com o PT que o Brasil mais afundou e muito rápidamente. Quanto ao senhor Freitas, continua nos seus delirios demagógicos.

Anónimo disse...

No Brasil quem tem por apelido Marmitão, significa que o cara é pau para toda obra, aquele que faz sempre os piores serviços. Quando não querem fazer determinado serviço, logo dizem Chama lá o Marmitão.

Anónimo disse...

O "Jeitinho" foi fundado no Brasil por dom João VI e Dom Pedro I, Dom João com o abandono de Portugal às pressas para o Brasil, com medo de Napoleão, e Dom Pedro com a independência, para não voltar a Portugal. Um fugiu e outro quis ficar, ái estava fundado o jeitinho luso brasileiro.

Portugalredecouvertes disse...


Ao que parece o "jeitinho" tinha ideias republicanas muito humanistas com grande poder dos comerciantes, segundo se pode ler em vários sites do net por exemplo:

https://books.google.pt/books?id=-NEpxVAHGgYC&pg=PA233&lpg=PA233&dq=independ%C3%AAncia+do+brasil+discurso+o+ma%C3%A7om&source=bl&ots=HOtquK1foJ&sig=2qcioWhadQhtEFWNd_hde58e5c4&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwj4psCT0KDNAhWGAxoKHQJeDhkQ6AEIIjAB#v=onepage&q=independ%C3%AAncia%20do%20brasil%20discurso%20o%20ma%C3%A7om&f=false

Anónimo disse...

Então e o Picnicão? No meu tempo não havia continente...

Anónimo disse...

Ó anónimo das 14:10, tem que retornar ás aulas de História. Então o D.Pedro I acabou por regressar a Portugal, onde aliás morreu. Só para que saiba, ele apenas "regressou" ao Brasil em 1972 a pedido das autoridades brasileiras em virtude das comemorações dos 150 anos da independência. Como v~e, ele não regressou em 1821 ou 1822, mas veio em 1831. Como vê o bom filho a casa Lusitana torna. Mas também deixe que lhe diga outra coisa, o que seria dos brasileiros sem terem os portugueses para que se possam desculpar da boa porcaria de país que tem.

CORREIA DA SILVA disse...

Fazer render o peixe !
-Para bom entendedor....

António Pedro Pereira disse...

Ao senhor que se apresenta como anónimo (das 21:49),
O grande intelectual recentemente desaparecido, Umberto Eco, disse isto: «As redes sociais deram o direito à palavra a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só nas tabernas das aldeias, depois de uma taça de vinho, sem causar danos à colectividade. Os companheiros diziam-lhes imediatamente para se calar, enquanto agora têm o mesmo direito à palavra que um vencedor do Prémio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.»
Portanto, não se admire do comentário do seu homónimo das 14:10.

Anónimo disse...

Existe um repetente discurso de brasileiros (letrados - mais grave - e outros) caracterizado pelo analfabetismo inculto e xenófobo.

Ferreira Fernandes publicou há escassas semanas um texto que lhes assenta em grande medida, até no diálogo inventado (mas mais que provável) com o taxista João Pedroso da Cunha.

Chama-se "Receita para a salvação do Brasil" e deve ler-se em http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/ferreira-fernandes/interior/receita-para-a-salvacao-do-brasil-5085162.html



Anónimo disse...

Ó Freitas, então não denuncias o Golpe contra o Erdogan? não é que agora dizem que o Homem tem uma licenciatura tipo a do Sócrates e a do Relvas. Toca lá a delirar ai mais um golpe.

Anónimo disse...

Ó Manuel Silva, essas palavras do Umberto Eco, cabem que nem uma luva em si. Só com uma diferença, no seu caso nem seria preciso você beber uma de tintol para dizer tanta inbecilidade, porque essa já a tem de sobra.

Anónimo disse...

O Dia do Fico ocorreu em 9 de janeiro de 1822. Esta data ficou conhecida por este nome, pois D.Pedro I, então príncipe regente do Brasil, não acatou ordens das Cortes Portuguesas para que deixasse imediatamente o Brasil, retornando para Portugal.
Só voltou quando quis, depois de ter feito o serviço a mando de seu pai.
Esse foi um típico jeitinho Luso Brasileiro.

ignatz disse...

http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/cunha-diz-a-interlocutores-que-se-cair-sera-atirando/

António Pedro Pereira disse...

Presumo que o Anónimo das 17:59 seja o mesmo das 14:10.
Quanto ao assento das palavras de Eco em si, está espelhado no que disse nesse comentário e que foi muito bem observado pelo Anónimo das 21:49.
Quanto a mim, melhor seria que o demonstrasse com as minha afirmações e não com juízos de intenção infundados.
O senhor confunde o Manuel Germano com o Género Humano, como diz o escritor Mário de Carvalho.

Anónimo disse...

Sr. Manuel Silva, não somos a mesma pessoa.

António Pedro Pereira disse...

Senhor Anónimo das 13:51,
Como saberemos se se trata da mesma pessoa ou não?
Não é por acaso que há pessoas que se acobardam debaixo do anonimato. Eles lá sabem por que querem passar incógnitos: para dizerem alarve e impunemente o que quiserem sobre os outros.
Mas se não for a mesma pessoa é uma alma gémea.
A mesma falta de lucidez, a mesma ausência de argumentação, em suma, a mesma ignorância que os leva a falar do que não sabem e a acusar ou outros do que não conseguem provar.

Anónimo disse...

Sr. Manuel Silva, toda censura é abominável, tens as suas convicções, deixe outros a terem sem ser incomodados, censura foi-se lá nos tempos de Salazar, de triste memória para os Portugueses. Para o Brasil foi 7 se setembro, para os portugueses 25 de abril.
Viva a independência, Viva a democracia.

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...