segunda-feira, agosto 25, 2014

O erro de Ferreira Fernandes

Como os leitores deste blogue já terão notado, estou frequentemente de acordo com Ferreira Fernandes, nos comentários que faz na sua coluna na última página do DN. Mas, como é da vida, há exceções. Ontem foi uma delas.

Ferreira Fernandes, num exercício desafiador aos dois contendores pela liderança do PS, incita-os a porem cobro à prática lançada pelas estruturas distritais de Braga daquela estimável agremiação partidária no sentido de manter, quiçá mesmo de inscrever, alguns mortos nas suas listas. Insurge-se contra esta iniciativa, colando-se ao argumento de que isso pode distorcer a verdade do resultado eleitoral. O preciosismo é eticamente frágil e historicamente desrespeitador.

Sobre a ética, deixo a apreciação do mérito dos autos ao juízo de cada um quanto à moralidade das lideranças socialistas locais. Já quanto à História, alto aí! Um partido não nasce hoje, acarreta consigo uma memória, dele fazem parte os que cá estão, mas que não estariam onde estão se um passado não tivesse sido construído por quantos, entretanto, já se libertaram da chatice da lei da vida. Alguém que ajudou a construir um partido, apenas pelo conjuntural facto de ter deixado de ter participação ativa no quotidiano da existência, deixa de "existir"? Que leitura mais simplista!

Noutro registo, que seria da toponímia se nos esquecêssemos de quem fez as instituições? Acaso não recorda Ferreira Fernandes, ao subir diariamente o elevador da casa que já foi da Moagem e que hoje é cada vez mais do dinheiro vivo do senhor Mosquito, figuras venerandas de antigas direções do seu jornal, seja um dos meus antecessores na embaixada em Paris, Augusto de Castro, seja aquele que com ele próprio partilha as iniciais, Fernando Fragoso, cujos impagáveis editoriais me divertiam as manhãs da "primavera" pré-abril? O passado, caro Ferreira Fernandes, mesmo enterrado, está aí! Como dizia um filósofo de Santa Comba, "só havemos de chorar os mortos se os vivos os não merecerem". 

O PS de Braga, ao prolongar a presença de ilustres mortos nas suas listas - e são muitos! - revela uma apreciável devoção por um passado que, naquele partido e naquela cidade, não tem - não temos! - o direito de esquecer. Será que um Armando Bacelar, que nos idos da CEUD de 1969, por ali levantava com coragem a voz socialista contra os Santos da Cunha da época, e apenas pelo facto de ter desaparecido da lista dos vivos, merece ter uma palavra menos pesada nos destinos do PS local do que aqueles que, também em nome do partido, votaram a estátua de um cónego ou de quantos, ao longo dos anos, parquearam interesses ao lado de um empreendedor com o sugestivo nome de Névoa? Há mortos cuja voz dignifica mais um partido do que muitos que hoje por lá andam.

O PS de Braga só prova que não esquece Lopes Graça quando, no seu "Vozes ao alto!", proclamava: "E até mortos irão ao nosso lado". Deixe os mortos socialistas votar em paz, meu caro Ferreira Fernandes! Deixe-os participar na vida do partido, até porque por lá permanecem alguns vivos a fazer de mortos e outros que já o estão e ainda não se deram conta disso. E a única forma de não ter de descriminar entre toda essa fauna é deixá-los votar a todos. Até porque, como também dizia o outro, e no estado em que isto anda, "todos não somos demais"...

domingo, agosto 24, 2014

António Guterres

Está agora na moda falar-se de António Guterres para a presidência. Alguma esquerda suspira já por ele em público, a restante sentir-se-ia aliviada se acabasse por vê-lo em Belém, depois da década que atravessou. Sem inocência, a direita, que o teme como a ninguém, lança cada vez mais o seu nome, técnica vetusta de o tentar ir queimando em lume brando, ainda a quase 18 meses do ato eleitoral.

Faço, desde já, uma declaração de voto: se Guterres for candidato, apoiá-lo-ei com entusiasmo. E creio que não vale sequer a pena estar por aqui a explanar as razões por que o faço. Trabalhei com ele no governo e conheço as suas qualidades e qualificações.

Não faço a menor ideia se Guterres irá candidatar-se. Acho, com a maior franqueza, que se acaso, nos tempos que correm, ele tivesse dois botões à sua frente, em que pudesse definir definitivamente a sua posição sobre o assunto, um com um "sim" e outro com um "não", ele inclinar-se-ia por pressionar o "não". Tenho esta profunda convicção.

Ainda bem que ele não tem essa possibilidade. Isso significa que continua a existir a hipótese de uma das mais competentes, bem preparadas e eticamente irrepreensíveis personalidades portuguesas poder vir a assumir a chefia do Estado. E isso não é pouco.

sábado, agosto 23, 2014

Ainda Viana

                      

Hoje, ao assistir ao tradicional Cortejo Histórico, um ponto sempre cimeiro das Festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, e ao ouvir durante horas - nas vozes e nas bandas - o "Havemos de ir a Viana", escrito por Pedro Homem de Mello, musicado por Alain Oulman e que Amália consagrou, dei comigo a pensar em como esta cidade ficou a dever tanto a essa composição, que todos os portugueses trazem no ouvido. Quantos não terão vindo a Viana, ao longo dos anos, também pelo apelo da canção!

Mas, logo de seguida, mudei de ideias. Quantas localidades poderiam ter inspirado um poeta e um compositor genial, e mobilizado "a voz nacional", como Viana do Castelo? Das canções com algum destaque nacional assentes em nomes de localidades portuguesas - Lisboa e Coimbra, claro, mas também Porto, Porto Covo, Figueira da Foz, Porto Santo, Miranda do Douro, Ericeira, Elvas ou Alcobaça e não sei se me esqueci de alguma * - nenhuma tem o qualidade poética e musical da que levou Viana pelo mundo. Não terá sido afinal a esta cidade ímpar que ficaram devedores dessa inspiração?

* afinal tinha esquecido Grândola, Olhão e Covilhã

Senhora da Agonia

Ainda fui a tempo, despachado a meio da tarde da terra das tulipas, de chegar a Viana a tempo de ver o "fogo da festa" e comer uma fartura bem acervejada. Hoje, sábado, teremos os "gigantones e cabeçudos", o cortejo e a "festa do traje", seguido do "fogo do meio". E domingo as "festas" prosseguem.

Esta é a maior e mais bela romaria do país. "Sofri-a" durante anos, quando na minha infância e juventude por aqui passava os Verões e não achava graça alguma a toda esta confusão. Chamava-lhe então "a agonia das festas". Agora, venho cada vez com maior prazer às "festas", de quando em vez, a esta que é a minha segunda terra.

sexta-feira, agosto 22, 2014

Dam

Era o centro de um certo mundo, no final dos anos 60. A praça Dam era o local de encontro em Amesterdão. Vínhamos de mochila, chegados à boleia, às vezes sem a menor referência, sem saber onde dormir. Ali conhecíamos outras gentes, de toda a Europa e do outro lado do Atlântico. Ficávamos sentados à conversa naqueles degraus, com uma cerveja e uma sanduíche na mão, até que as mangueiras da municipalidade por lá passavam, ao final do dia, para varrer a lixeira. Era então o momento de zarpar, com os novos conhecimentos criados, para a noite em outras zonas da cidade, algumas mais aventurosas, outras apenas divertidas e agradáveis. Penso que não éramos nem piores nem melhores do que a juventude de todos os tempos. Éramos apenas diferentes.

O Dam de Amesterdão deixou, há muito, de ter esse estatuto mítico. Passei há pouco por lá. Chovia. Mas agora, em agosto, em trabalho, de blazer e gravata... É a vida!

quinta-feira, agosto 21, 2014

"So sorry!"

Ao final desta noite chuvosa na Holanda, depois de um jantar de trabalho, não resisto a reproduzir um episódio que um amigo britânico, chegado diretamente do "Fringe" festival das artes de Edimburgo, nos contou ao café. 

Foi ontem, durante uma atuação de "stand-up comedy". O ator, de nacionalidade alemã, relatou ao público que uma jovem americana que tinha conhecido (ele disse que era loira, mas eu evito referir isso aqui) lhe havia comentado que gostava muito da Europa, mas que achava triste que por aqui se falassem tantas línguas. O alemão, irónico, deixou cair: "Sabe por que é que não se fala uma só língua em toda a Europa: porque nós perdemos a guerra...". A jovem quis ser simpática e logo retorquiu: "Oh! Was that so? I'm so sorry for you!"...

UNITA

Na sua crónica de hoje no DN, Ferreira Fernandes refere o momento em que, como "convidado" da UNITA, se recusou a entrevistar Wilson dos Santos, um quadro caído em desgraça na organização e que, pouco tempo depois, viria por ela a ser assassinado, tal como toda a sua família. O jornalista disse então a frase que todos os profissionais da comunicação social deveriam proferir em idênticas ocasiões: "não entrevisto presos".

A UNITA é um caso, ao mesmo tempo politicamente interessante e trágico, quer na vida política angolana, quer nas relações daquele país com Portugal. Em Angola, foi a sua recusa em aceitar o veredito das urnas que prolongou uma guerra civil insensata. Em Portugal, o desafeto pelo MPLA levou parte da sociedade política portuguesa a alimentar uma bizarra admiração por um movimento em cujo anti-comunismo muitos viram a emergência de uma possível Angola democrática. Romagens de admiradores lusos de Jonas Savimbi fizeram-se então à Jamba, onde "viram a luz" e as raízes do nascimento de uma Angola utópica, de que se tornariam arautos em Portugal, com ampla benevolência mediática.

Há uma coisa que essas pessoas, entre os quais conto alguns amigos, parece nunca se terem dado conta: pode e deve-se criticar sem peias a barbárie sinistra montada por Jonas Savimbi sem, necessariamente, ter de se aplaudir os métodos do governo de Luanda. (Mas esses são precisamente os mesmos que, nos dias de hoje, logo levantam o dedo acusador a quem classifique de criminosas as ações praticadas por Israel em Gaza, acusando-os de cumplicidade objetiva com os métodos terroristas do Hamas).

Importa acrescentar, para benefício de quem já se não lembrar, que as Nações Unidas (mundo ocidental incluído) condenaram veementemente a inobservância pela UNITA dos resultados eleitorais em Angola, o que levou à imposição pela ONU de um alargado conjunto de sanções à organização, aos seus dirigentes e a todos os países que dela eram cúmplices. Uma "troika" para a monitorização do processo angolano foi criada em Nova Iorque, com Portugal, Rússia a Estados Unidos nessas funções. Ao tempo em que nos coube a presidência rotativa dessa "troika", recordo laboriosos almoços na nossa residência na ONU, com os representantes permanentes russo e americano, respetivamente Sergey Lavrov (atual MNE russo) e John Negroponte (que seria depois o verdadeiro "administrador" americano no Iraque), acompanhados por Ibrahim Gambari, um nigeriano que o SG da ONU destacou para acompanhar o Comité de sanções à UNITA. Esse trabalho continuou até um dia de 2002, em que Savimbi, que optara por continuar a alimentar a luta armada, foi morto numa emboscada. A UNITA regressou então à vida política normal, mas o passado da organização e as responsabilidades do seu líder não devem ser esquecidas.

Há pouco tempo, falei aqui do impressionante relato de Dora Fonte, "O Rapto", uma cooperante portuguesa presa pela UNITA em Sumbe e obrigada, com outros estrangeiros, a palmilhar milhares de quilómetros até à Jamba, numa mera operação de propaganda da organização. Esse interessante relato dá-nos conta, de forma impressiva, sobre o ambiente de terror que se vivia no âmbito da UNITA.

Agora, acabo de ler o relato, mais contido mas também muito claro, feito por Jardo Muekalia, um importante quadro da UNITA, sobre a sua experiência como representante da organização no exterior. O caso de Wilson dos Santos, que refiro no início deste texto, é por ele desenvolvido, com alguns detalhe e pormenores, nesse seu livro "Angola: a segunda revolução - memórias da luta pela democracia", já de 2010. E o recorte da figura de Jonas Savimbi fica bem claro nas suas páginas.

Muekalia era representante da organização em Washington ao tempo em que eu estava em Nova Iorque. Através de um amigo comum, manifestou um dia interesse em encontrar-se discretamente comigo. Mesmo sem pedir orientação a Lisboa, e num contacto telefónico breve, dei-lhe conta da minha indisponibilidade, como representante português na ONU, de ter uma conversa com o delegado de um grupo político que as próprias Nações Unidas tinham considerado "fora da lei". Portugal teria, se o quisesse, outras formas de contactar a UNITA, e o contrário também era verdade. Como membro da "troika" de observadores do processo angolano, não estava disponível para surgir envolvido num diálogo lateral cujo aproveitamento propagandístico seria bem provável. Muekalia, como o livro documenta, era um diplomata hábil. Julgo que compreendeu logo a minha posição.

Bairros & frustrações

Há bairros onde eu gostaria de ter morado - e nunca morei, nem morarei. Em Paris, claro que seria no Marais. Em Londres, não quereria outra área que não Hampstead. Em Nova York, o West Village seria a minha escolha. E a lista não ficaria por aqui, dentre aquilo que conheço (ou julgo conhecer).
 
Em Lisboa, não tenho dúvidas, como sabem todos quantos me conhecem: viver em Campo de Ourique era aquilo de que eu gostava. Por todas as razões: pelo imbatível ambiente de bairro, pela orografia "friendly", pelos restaurantes magníficos e/ou simpáticos, por um comércio variado, entre o contemporâneo e o tradicional. Defeitos? O estacionamento, pronto!
 
Passo muito por Campo de Ourique e ontem descobri por lá, numa parede da rua Coelho da Rocha, esta preciosidade identificadora do bairro. Para que serve ou terá servido? Alguém sabe? 

quarta-feira, agosto 20, 2014

"A Voz de Trás-os-Montes"


Acabo de saber que o semanário "A Voz de Trás-os-Montes" poderá vir a suspender a sua publicação. A assim ser, Vila Real perde um dos seus jornais mais clássicos e eu perco a publicação onde, há precisamente 47 anos, em agosto de 1967, editei o meu primeiro artigo na imprensa e de que sou, creio que desde 1971, fiel assinante.
 
Nesses primeiros tempos, eu passava com ansiedade pela tipografia "Minerva Transmontana", para tentar "controlar" a colocação e o destaque dos artigos, contando para tal com a cumplicidade do meu amigo tipógrafo Carvalho, com quem, ainda há semanas, abanquei à conversa na esplanada da "Gomes". Recordo a publicação dos meus primeiros textos - o primeiro, creio, tinha o desinspirado título "De uma Viana alegre" - e do modo como, com o tempo, fui conquistando espaço e "direito" a novos temas. Desde cedo que a política passou a ser o essencial daquilo que por lá escrevi, mas recordo-me de ter feito igualmente a "cobertura" do Circuito internacional da cidade, bem como crítica de livros. Entre 1968 e 1971, a minha colaboração, quase sempre enviada de Lisboa, passou a ser mais regular, essencialmente dedicada a análises de política interna ou temas de política internacional, aproveitando a abertura moderada da "primavera" marcelista.
 
Um dia, porém, o censor local, o capitão Medeiros, terá levado dois "arrepios" quase sucessivos do serviço central da Censura, em Lisboa. O primeiro foi provocado por um artigo em que eu inseria uma frase em que previa que "o futuro da Rodésia será negro", procurada ambiguidade que o seu lápis azul deixou inadvertidamente passar. O segundo foi ainda mais grave: tratava-se de um comentário sobre um "filósofo" da Europa oriental, de seu nome Vladimir Ilyitch Uliánov, que o pobre do capitão desconhecia ser o nome verdadeiro de Lenine. O censor avisou então o diretor do jornal, o padre Henrique Maria dos Santos, de que eu não podia continuar a publicar por lá. Como só acontece nas pequenas cidades, teve, no entanto, a gentileza de se ir justificar junto do meu pai. Brandos costumes...
 
Depois de 1974, sempre muito a espaços, publiquei alguns textos no jornal, a propósito de temas ou figuras que a oportunidade justificava. Fui sempre acolhido com a maior das amabilidades, pelo ainda atual diretor, padre António Maria Cardoso, bem como pelas suas mais diretas e esforçadas colaboradoras, que asseguravam o essencial da publicação.

Convém notar que "A Voz de Trás-os-Montes", sendo um jornal regional, cumpriu durante as suas décadas de existência um insubstituível papel de ligação dos emigrantes às suas terras de origem. Por todo o mundo, encontrei muitos transmontanos assinantes do jornal, que agora lhe vai fazer bastante falta. Ou será que a nova geração de expatriados e seus descendentes desistiu de assinar o jornal?

Por todas as razões, de que as sentimentais não são as menores, quero deixar aqui uma palavra de grande simpatia ao pessoal de "A Voz de Trás-os-Montes", esperando que ainda lhes seja possível "dar a volta" por cima do conjuntural infortúnio.

terça-feira, agosto 19, 2014

Património

Foi hoje anunciado que o Ministério dos Negócios Estrangeiros terá sido o departamento do Estado que vendeu mais imóveis, num total de 11 milhões de euros. Estou mesmo surpreendido em que não tenham já passado a patacos o Palácio das Necessidades ou o Palácio da Cova da Moura - que davam dois belos hotéis. Mas, se calhar, estou a dar ideias...
 
Imagino que algumas almas piedosas estejam satisfeitas pela delapidação do património público da diplomacia e apoio consular português levada a cabo nos últimos anos, no estrangeiro e no país. Em alguns casos, trata-se de bens que estavam ligados à memória portuguesa em muitas cidades, que uma política externa consequente - melhor, que uma política externa "tout court" - vai ter de reconstituir um dia, com custos agravados para o erário público de então. Mas, por essa altura, os Torquemadas financeiros que estiveram de passagem pelas Necessidades já se terão posto ao fresco. E, com eles, alguns tristes Quislings que por lá ajudaram e ajudam alegremente à festa... 

Uma guerra perdida?

Foi ontem, ao jantar, num restaurante de Lisboa. Na mesa ao nosso lado, dois franceses procuravam "desembrulhar-se" com o menu. Que estava escrito em português e inglês. O pessoal, com uma gentileza impecável, lá procurava ajudar, mas a incomunicabilidade era quase total. Tentámos dar "uma mão" mas, como é sabido, é precisamente nos momentos em que procuramos lembrar-nos do nome de um peixe ou detalhar o modo de cozinhar um prato que o conhecido "alemão" mais nos ataca e os nomes não nos saem.
 
A conversa, inevitável, com os franceses acabou com a constatação, por eles, de que a preservação do francês como língua internacional de comunicação era uma "guerra perdida". Sem querermos concordar em absoluto, tivemos de anuir que, nas novas gerações portuguesas, a apetência pela língua francesa é residual. Há semanas, esta nostálgica constatação já havia sido feita numa sessão no Instituto Franco-Português onde, perante uma dezenas de pessoas reunidas em torno da apresentação de um livro francês de ficção editado em Portugal, houve oportunidade de desenvolver um pouco mais o assunto.
 
A progressiva perda do francês em favor do inglês como língua conhecida pelas novas gerações é um "fact of life" - e não é por acaso que uso uma expressão inglesa para exprimir isto. O inglês veio para ficar como língua veicular. Não apenas o inglês simples, não sofisticado, com umas centenas de vocábulos, aquilo a que alguns chamam "o inglês de aeroporto" ou "de hotel", que será cada vez mais o meio comunicacional do futuro. Mas igualmente o inglês mais elaborado. Nos últimos meses, foi em inglês que dei aulas numa universidade portuguesa, fiz parte (em Lisboa e em outra capital europeia) de júris de concursos de acesso a uma empresa portuguesa em que foi usado o inglês, integro órgãos de direção de empresas nacionais em que as reuniões se passam exclusivamente em inglês (porque estão presentes pessoas de outras nacionalidades e o léxico comum dos negócios é em inglês).
 
E, no entanto, o francês continua a ser uma língua magnífica, dá-nos acesso a uma cultura ímpar e insubstituível. Por isso, posso anunciar aos leitores "francófilos" que está em curso uma saudável "conspiração" para fazer renascer em Portugal o "Cercle Voltaire", uma estrutura que pretende promover a língua e a cultura francesa, organizando eventos e outras iniciativas nesse âmbito. Este blogue não deixará de dar conta, em breve, do que vier a ser público nesse âmbito. A "guerra" pode estar perdida, mas há ainda belas "batalhas" a disputar em torno da língua francesa. Lutar pelo francês "c'est de bonne guerre"!

segunda-feira, agosto 18, 2014

Pires Veloso


A História é feita de heróis improváveis. Pires Veloso, o general que agora desaparece aos 88 anos, é um deles. O bom senso com que conduziu o processo de transição de S. Tomé e Príncipe para a independência (um tempo que não foi tão fácil como alguns podem hoje supor) trouxeram algum prestígio a este militar, um tanto simplório (e que muitos acabaram por vir a conhecer quase apenas como o tio de Rui Veloso), que as forças conservadoras haviam de incensar e conseguir colocar no comando da Região Militar Norte.
O país com memória recorda as "romagens" do país político a um hospital onde recuperou de um aparatoso acidente de helicóptero, um "beija-mão" quase ridículo, que ficou no anedotário do "Verão quente" de 1975. Pires Veloso era a "resposta" de uma zona conservadora do país que abertamente rejeitou a tutela gonçalvista, titulada pela figura militar de Eurico Corvacho. À sua volta, juntou-se toda a gente que rejeitava a deriva esquerdista: desde verdadeiros democratas até bombistas (do MDLP ao ELP). Veloso terá cometido o erro de não pretender distinguir, com algum critério, dentre quem se opunha ao "inimigo" e isso levou-o a aceitar coisas que só a candura dos costumes políticos lusos é capaz de ter esquecido. Militarmente, e por conflitos mais pessoais que políticos, cometeu o erro de se opor a Eanes e isso acabaria por ditar o seu destino como figura com alguma ambição.
Tal como Pinheiro de Azevedo, Veloso acreditou que os episódicos banhos de multidão anti-comunistas se transformariam um dia numa maré de votos, pelo que arriscou protagonizar uma triste candidatura presidencial. As memórias que deixou - sob o titulo significativo de "Vice-rei do Norte" - são um registo de acrimónia desnecessária, que nada lhe acrescentam à biografia, que hoje se completou.

domingo, agosto 17, 2014

Os postos

Há dias, numa solta conversa de Verão, surgiu a questão frequentemente colocada aos diplomatas: qual a colocação no estrangeiro de que mais gostámos. Tenho sempre uma grande dificuldade em responder a essa pergunta, que nunca resolvi bem perante mim mesmo. A razão, aliás, é bem simples: não somos "os mesmos" ao longo do tempo, não temos exatamente a mesma anterior experiência e as expetativas quanto ao futuro quando nos confrontamos com um novo desafio. Em cada lugar a que chegamos somos pessoas diferentes ou, como dizia Ortega y Gasset, "nós somos nós e as nossas circunstâncias". A idade influencia o modo como olhamos as coisas, a vivência anterior torna certos lugares mais interessantes num certo período da vida, essas mesmas cidades ou países tornam-se mais atrativas ou menos agradáveis, dependendo do tempo em que por ela passamos. Mas também são importantes os amigos que criamos, os colegas com que convivemos e até os estados de saúde, nossos ou alheios, que alteram as perceções que nos ficam desses locais.

Vivi um posto como Oslo com o entusiasmo "maçarico" de ser a primeira experiência de trabalho no exterior, passei em Luanda dos tempos mais tensos e profissionalmente desafiantes de toda a minha carreira, pude "ler" em Londres o que Portugal significa perante essa Europa que ainda conta, pressenti em Nova Iorque que, com empenhamento, podemos facilmente "to punch above our weight", tive em Viena a prova de como, com alguma "arte" se pode dar a volta por cima a "ratoeiras" profissionais bem urdidas, vivi no Brasil uma das experiências humanas e diplomáticas mais fascinantes que um diplomata português pode ter e, finalmente, reeencontrei em França, cuja idiossincrática leitura da Europa sempre mobilizou a minha curiosidade, um Portugal expatriado de extrema dignidade, embora sob o peso dos tempos mais dramáticos da nossa afirmação externa recente.

Mas, depois daquela conversa de Verão, e da constatação clara de que me posso dar como excecionalmente satisfeito com todas as experiências profissionais que tive, dei comigo a colocar-me outra questão: que postos diplomáticos não fiz e gostaria de ter feito? Afastadas as opções lúdicas - o Estado não nos paga para estar em certos locais só porque eles são agradáveis para viver ou para fazer turismo - olhei friamente para as alternativas profissionais que me "falharam" e cheguei a três cidades em que, com total franqueza, gostaria de ter trabalhado: Madrid, Rabat e Buenos Aires. Por duas vezes me foi oferecido o ensejo de ser colocado na capital espanhola, e nunca aproveitei a hipótese. Rabat poderia ter sido, se assim o quisesse, o meu primeiro posto. Já Buenos Aires nunca apareceu no meu "screen".

A Espanha é o mais relevante posto bilateral que um diplomata português pode ter. A intensidade das relações, os desafios estratégicos da proximidade, a frequente diferente perspetiva nos assuntos europeus e a diversidade cultural e nacional espanhola devem constituir uma experiência fascinante para um diplomata entusiasmado e atento, como sempre procurei ser. O nosso único vizinho terrestre, com o qual temos uma relação não isenta de uma inescapável ambiguidade, converte Madrid num desafio profissional único. A eleger uma única "frustração" em toda a minha carreira, essa terá sido o facto de não ter servido em Madrid.

Considero Marrocos, não obstante toda a dificuldade que a barreira cultural deve criar, uma outra oportunidade profissional de extremo interesse. Vou dizer uma coisa que alguns portugueses não entenderão: Marrocos, cuja capital está mais próxima de Lisboa do que Madrid, é um país cujo potencial de desenvolvimento da relação com Portugal o país está ainda muito longe de ter entendido, em especial na perspetiva da própria relação marroquina com Espanha e França. O futuro se encarregará de o demonstrar, se e quando viermos a ter uma política externa à altura.

Finalmente, porquê Buenos Aires? Desde logo, porque é um país fascinante, mas essencialmente porque entendo que, tendo nós a relação que temos com o Brasil - uma relação que, só por si, mereceria um "tratado" -, temos estrita obrigação de saber (um dia...) explorar o imenso potencial que existe na nossa articulação com um representante singular de um mundo hispânico que é o seu contraponto, que nos olha como um parceiro interessante e amigo, até para "escapar" ao abraço demasiado paternal  (com tudo o que complexo isso traz, como bem sabemos) da antiga potência colonial. E a Argentina é um caso ímpar nesse mundo latino-americano, no qual projeta a sua história ciclotímica, a sua ambição e a sua cultura, as suas frustrações e o modo muito particular de se colocar no xadrez desse espaço geopolítico de imenso futuro.

Nesta altura do texto, alguns colegas que me estejam a ler, estar-se-ão a perguntar: mas não gostaria ele de ter sido embaixador num posto tão importante como Washington? E Roma, essa cidade mítica para tanto diplomata? E a Representação junto da União Europeia, por onde hoje passa o essencial dos nossos interesses? Em diferentes tempos, tive o ensejo de ter sido colocado nesses três importantes postos e não o fiz, sempre e exclusivamente, apenas por opção pessoal. Reconheço, sem a menor dúvida, que se trata de postos diplomáticos cimeiros, do maior interesse e relevância, mas a nossa vida é feita de escolhas e eu sou plenamente responsável pelas minhas.

Mas vou mais longe. Noutra dimensão, ter-me-iam também interessado Moscovo, Nova Deli, Berlim (se falasse alemão, confesso que seria das primeiras opções), Pequim ou Tóquio. E teria curiosidade profissional em ter servido em postos tão diversos como Teerão, Ancara, Varsóvia ou em consulados-gerais com a importância de Barcelona ou São Paulo. Cada um de nós tem o direito de fazer as suas opções e as minhas aí ficam, de forma muito sincera. Aposto em como alguns amigos meus devem ter ficado surpreendidos com o que acabam de ler.

sábado, agosto 16, 2014

À conversa no "Pereira" (15)

- Então já te vais embora? Foi pouco tempo...
- É pá! A brincar, a brincar, foram duas semanas. Mas, tens razão, parece que foi ontem...
- E voltas para o ano?
- Se puder, volto.
- Já essa certeza não podem ter alguns Espírito Santo! Ainda há semanas andavam por ali calmamente na Comporta e hoje é o que se vê! 
- Se a Justiça que temos não funcionar, p'ró ano, ainda eles vão comer o belo peixe do Dona Bia ou os novos petiscos do Cavalariça.
- E, na pior das hipóteses, vão para férias um pouco mais abaixo...
- Mais abaixo? Para o Pego?
- Não! Para o Pinheiro da Cruz...

Falar na cadeia

A propósito da recente morte de Canais Rocha (1930-2014), um nome de que a esmagadora maioria dos portugueses nunca ouviu falar, veio ao de cima uma história antiga, relacionada com esse grande dirigente sindical e antigo militante do PCP.

Era um episódio conhecido nos meios políticos, ao tempo do 25 de abril: Canais Rocha, que se tornara na grande figura do sindicalismo português no início do período democrático, ao ser eleito o primeiro coordenador geral da CGTP, desapareceu de cena poucas semanas depois. Aparentemente, através da consulta da documentação interna da PIDE/DGS, o Partido Comunista veio a constatar que Canais Rocha havia revelado, sob tortura durante uma anterior prisão, nomes de militantes comunistas que, por essa razão, seriam presos. O PCP não perdoou, obrigou-o a renunciar ao cargo e afastou-o da sua militância. Anos mais tarde, Canais Rocha apareceu ligado ao MDP-CDE, uma espécie de partido "genérico" onde os comunistas colocavam os seus "compagnons de route".

A história das ditaduras está cheia de casos de militantes políticos, de todas as cores, que acabaram por "fraquejar" sob pressão da tortura - e a PIDE/DGS era particularmente violenta, com o uso da "estátua" e outras formas de tortura do sono. Victor Serge, um revolucionário mítico, tem sobre esse tema um livro muito curioso, que li há muitos anos, onde fala destes processos: "Ce que tout révolutionaire doit savoir sur la répression". O PCP tem também um pequeno manual intitulado "Se fores preso, camarada..."

Nunca na minha vida consegui condenar alguém que, sob tortura, tivesse "falado". Sei lá como me portaria se tivesse de suportar idênticas circunstâncias!. Tenho amigos que "falaram" e outros que "não falaram" na cadeia. Não tenho menor ou mais apreço por eles, por essa razão. Acho assim miserável que o PCP nunca tivesse reabilitado este seu antigo militante. Um partido também se mede pela sua humanidade.

sexta-feira, agosto 15, 2014

À conversa no "Pereira" (14)



- Já leste o documento do Costa? E as propostas do Seguro?
- Estou em férias... Para a semana, leio.
- Mas é muito importante saber o que cada um deles pensa para o futuro do país, ou não é?
- Claro que sim. Mas diz-me lá uma coisa: se acaso viesses a ler o programa do candidato que menos gostas e concluísses que, afinal, as propostas dele eram fantásticas, muito melhores do que as do teu preferido, mudavas e ias a correr votar no outro, nas "primárias"?
- Eu?! Cruzes, canhoto! Eu sei muito bem em quem vou votar, diga o outro o que disser. Sobre isso não haja a menor dúvida!
- Então isso quer dizer que, mesmo que o teu candidato tenha o programa mais fraco, tu votarias nele na mesma. Estás-te "nas tintas" para o texto que apresente. Votas é na pessoa que mais te agrada, não é?
- Bom, de facto, é assim.
- Então para que é que tu queres que eu leia os manifestos dos dois?
- Para te informares...
- Mas eu também já sei muito bem em quem vou votar.
- Ai sim?! E pode saber-se em que é?!
- Claro! É muito simples: é naquele que eu acho que mais facilmente pode derrotar este governo.

Uma nova NATO?

Há poucos anos, em Lisboa, a NATO estabeleceu o seu novo "conceito estratégico". Como acontece sempre com este tipo de documentos, ele traduz necessariamente um compromisso sincrónico entre várias perspetivas e diversas geografias de interesses. Assuma-se ou não, este "conceito" NATO dependeu essencialmente da nova filosofia americana sobre o mundo, fruto conjugado do ambiente pós-11 de setembro, das esperanças de poder encaminhar o espaço muçulmano para um diferente futuro institucional e daquilo que se pressentia poder vir a ser o modelo de enquadramento da Rússia num compromisso global de estabilidade. Os europeus, todos eles, carrearam para o texto as suas limitadas ambições como eterno ator secundário, desde logo a começar pela UE, esse poder vocal que, à falta de músculo militar, se anda a tentar convencer a si próprio de que pode exercer um papel de "soft power", armado dos seus instrumentos económicos, sacudidos pela fragilidades recentes. 

Muito mais rapidamente do que, há uns escassos anos, se poderia legitimamente estar à espera, o mundo mudou - e não no melhor sentido. Para além da continuação da cobardia euro-americana em fazer frente à recorrente chantagem israelita (o que, aliás, já teve mais importância como potenciador de descontentamento no Médio Oriente do que tem hoje), o "mundo NATO" começou por perceber as suas limitações na intervenção nos processos árabes, com o "fracassado êxito" da Líbia, com a total incapacidade de ser minimamente relevante na Síria e com o (já discreto e hipócrita) esbracejar perante o regresso da ditadura ao Cairo. No Afeganistão, a NATO contentou-se em ser "carro vassoura" dos EUA, país com o qual o diretório europeu partilha o "diálogo crítico" com o Irão nuclear, um Estado que, ironicamente, conseguiu ganhar tempo para ser hoje chamado a participar no quadro de resolução do atoleiro iraquiano. Ao que obriga a "realpolitik" do petróleo!

Mas é o caso da Ucrânia, e a revelação fria do modo como a Rússia de Putin II olha o seu "near abroad", que parece ser o banho de realismo de que a NATO necessitava para entender que o documento estratégico aprovado em Lisboa já está mais do que datado. Essa constatação autoriza-nos a revisitar abertamente os instrumentos institucionais que regularam o fim da guerra fria, bem como os compromissos deles recorrentes em matéria de colocação de armamentos convencionais. Mas isso deve ser feito preservando um forte sentido de realismo e de responsabilidade. Quero com isto dizer que essa reflexão deve afastar-se claramente de quaisquer perspetivas aventureiras, em especial sopradas por quem, no Leste do continente e da organização, já deu sinais de pretender transformar os seus medos e os seus traumas na linha diretriz da futura relação com Moscovo. Não temos a menor obrigação de tomarmos como nossas as fobias estratégicas dos outros, salvo se elas se revelarem relevantes para a nossa própria leitura do quadro de segurança em que acreditamos. A NATO é uma organização de defesa. Isto significa que pode ter de sacrificar vidas dos seus soldados para proteger os seus objetivos. Nem um tiro poderá ser disparado - até porque se sabe que seria sempre o primeiro de muitos - se não corresponder a necessidades imperativas da nossa defesa. Repito: imperativas.

Nos dias de hoje, a NATO e a Europa necessitam de olhar para Rússia com grande frieza. Devem perceber que estão perante um poder cujo maior risco é poder ter tentações imediatas de ação que não são controladas por um processo decisório interno equilibrado pelos "checks and balances" que caraterizam as democracias. Pelo contrário, estão marcadas por um poder autoritário tanto mais perigoso quanto dispõe de uma forte popularidade interna. Mas a NATO também deve compreender que não lhe podem ser indiferentes (e os não podem tratar como irrelevantes) os temores que hoje alimentam as atitudes de Moscovo. Por isso, mais do que nunca, "medidas geradoras de confiança" têm de ser tentadas e implementadas e é necessário um esforço multilateral nesse sentido. 

Se da reunião ministerial da NATO, em setembro, no Reino Unido, sair apenas uma linguagem jingoísta, como aquela que o seu atual secretário-geral se entretem desde há meses a espalhar, com "cara de caso", para "assustar" os russos, não iremos a lado nenhum. Os setores mais razoáveis da NATO necessitam de dizer aos russos que devem ajudar a irganização a fazer uma leitura real daquilo que são as suas verdadeiras pretensões. Respeitando os seus atendíveis interesses e confrontando com firmeza as suas ambições desrazoáveis.

Seria importante que, desde já, percebêssemos o que Portugal pensa sobre isto, sem necessáriamente surgir como um discreto "master's voice" do parceiro transatlântico. Muito da "batalha" futura com o autoritarismo moscovita, que veio para ficar, passa por este mar atlântico onde não somos um parceiro menor. Já perdi a esperança em que isto seja percebido no Restelo. Ainda conservo algum residual atentismo de que, nas Necessidades, alguém esteja acordado para isto. Mas posso estar a ser inocente.

quinta-feira, agosto 14, 2014

"A Questão Agrária"


Foi em 1971, em Paris. A livraria existia (ainda existe?) na rue de Monsieur le Prince, quase a chegar ao boulevard St. Michel, ao Luxembourg. Tanto quanto me recordo (mas posso estar enganado), havia, na altura, uma grade a bordar um passeio alto. Hoje, julgo que há por aí umas escadas a compensar o desnível forte desse passeio.

Não sei como fui lá parar, mas deve ter sido por uma dica de alguém que me disse que era possível aí adquirir a primeira edição, brasileira, da obra de Álvaro Cunhal, "A Questão Agrária em Portugal", editada pela "Civilização Brasileira". Não a devo ter encontrado na "Joie de Lire", repositório de "esquerdalhices" portuguesas onde me abastecia, sempre que passava por Paris.

Cunhal surgia-nos então como a grande figura mítica dentre os principais atores políticos da oposição à ditadura. Eu ouvira falar desta obra, que era tida por "fundamental". Consegui-la foi algo para mim muito interessante, porque me permitia ajudar à construção de uma biblioteca que, por essa época, eu cuidava em formar sobre a oposição ao Estado Novo - e que, ainda hoje, constituiu um conjunto muito completo de obras que me orgulho possuir (e que um dia irá também integrar a Biblioteca Municipal de Vila Real). Lembro-me que adquiri logo dois exemplares - e que foi uma compra cara! -, um dos quais para um amigo "do partido". Não sei como os trouxe para Portugal.

Anos mais tarde, em 1980, de passagem por Paris, fui a uma "Fête de l'Humanité" em La Courneuve. Lá estava o livro à venda no stand do PCP. Comprei mais um exemplar, também para oferecer.

Esta questão agrária ainda é atual? Leio que a ministra Assunção Cristas quer reverter a decisão de Francisco de Sá Carneiro de entregar parcelas de uma herdade alentejana a diversos rendeiros. O "Público", no quadro de comemoração das obras proibidas pela ditadura, anunciou ontem o lançamento de um "fac-simile" desta obra. Resta-me confessar que me não recordo de ter lido uma única linha desse livro "histórico". E agora, tenho mais que ler... 

quarta-feira, agosto 13, 2014

Eduardo Campos

A morte, às vezes, tem dias bem ocupados. Eduardo Campos, o promissor político brasileiro, neto de Miguel Arraes, candidato às eleições presidenciais brasileiras, morreu, há pouco, num acidente aéreo. Era uma figura de recorte "kennedyano", um orador convincente, com uma agenda de modernidade reforçada pela aliança, por muitos vista como algo estranha, com a ambientalista Marina Silva. Campos não parecia ter hipóteses de colocar em causa a condição de principal "challenger" de Dilma, assumida por Aécio Neves, mas numa eleição a duas voltas o seu papel poderia vir a ser importante nos "marchandages" em que a política brasileira é muito fértil. Esta tragédia reabre agora vários cenários de futuro.

Emídio Rangel (1947-2014)

Tal como se pode dizer, num outro tempo, para Luís Filipe Costa, a informação na rádio portuguesa não seria a mesma sem a TSF criada por Emídio Rangel. Que fez muito mais: ele foi a alma por detrás da SIC, o primeiro canal privado de televisão no nosso país e, por essa via, uma das maiores e mais criativas figuras nesse setor. Era alguém que tinha em si aquela irrequietude e ambição inventiva que os retornados trouxeram à sociedade portuguesa - e isto é um elogio, entenda-se.
 
Alimento há muito a tese de que, para o mal e para o bem e medidas as distâncias, Rangel acabou por ajudar à "criação" de dois primeiros ministros sucessivos - Santana Lopes e José Sócrates -, ao tê-los colocado por longos meses em confronto (e evidência política) dominical nos telejornsis da RTP.
 
Conheci mal Emídio Rangel. Recordo que não era um homem fácil, no seu estilo cortante e algo ácido-irónico, que lhe criou bastantes inimigos. Mas nunca ouvi ninguém negar-lhe a genialidade criativa. Deixar uma obra feita é coisa que conforta uma vida, como é de justiça ser lembrado na hora da morte.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...