sábado, agosto 16, 2014

Falar na cadeia

A propósito da recente morte de Canais Rocha (1930-2014), um nome de que a esmagadora maioria dos portugueses nunca ouviu falar, veio ao de cima uma história antiga, relacionada com esse grande dirigente sindical e antigo militante do PCP.

Era um episódio conhecido nos meios políticos, ao tempo do 25 de abril: Canais Rocha, que se tornara na grande figura do sindicalismo português no início do período democrático, ao ser eleito o primeiro coordenador geral da CGTP, desapareceu de cena poucas semanas depois. Aparentemente, através da consulta da documentação interna da PIDE/DGS, o Partido Comunista veio a constatar que Canais Rocha havia revelado, sob tortura durante uma anterior prisão, nomes de militantes comunistas que, por essa razão, seriam presos. O PCP não perdoou, obrigou-o a renunciar ao cargo e afastou-o da sua militância. Anos mais tarde, Canais Rocha apareceu ligado ao MDP-CDE, uma espécie de partido "genérico" onde os comunistas colocavam os seus "compagnons de route".

A história das ditaduras está cheia de casos de militantes políticos, de todas as cores, que acabaram por "fraquejar" sob pressão da tortura - e a PIDE/DGS era particularmente violenta, com o uso da "estátua" e outras formas de tortura do sono. Victor Serge, um revolucionário mítico, tem sobre esse tema um livro muito curioso, que li há muitos anos, onde fala destes processos: "Ce que tout révolutionaire doit savoir sur la répression". O PCP tem também um pequeno manual intitulado "Se fores preso, camarada..."

Nunca na minha vida consegui condenar alguém que, sob tortura, tivesse "falado". Sei lá como me portaria se tivesse de suportar idênticas circunstâncias!. Tenho amigos que "falaram" e outros que "não falaram" na cadeia. Não tenho menor ou mais apreço por eles, por essa razão. Acho assim miserável que o PCP nunca tivesse reabilitado este seu antigo militante. Um partido também se mede pela sua humanidade.

7 comentários:

ignatz disse...

todos os presos políticos confessaram coisas ou pelo menos assinaram confissões, falsas ou verdadeiras, que depois do assalto aos arquivos da pide, serviram para chantagear quem ousou ser livre. de resto o poste até nem tá mau como resumo da notícia do observador.

patricio branco disse...

é sabido e conhecido que sob tortura policial ou outra muitos falam, revelam, contam, não resistem ao medo, à dor, ao terror. poucos dos que foram torturados e acabam por revelar informação ("denunciar")o dizem depois, em liberdade ou noutros tempos.
há anos entrevistaram na televisão um oposicionista ao antigo regime, conhecido arquitecto,que contou várias coisas das suas prisões entre as quais que tinha revelado à pide sob tortura informações sobre outros opositores. tal disse na entrevista de forma um pouco velada, envergonhada, mas fez essa corajosa confisão sobre não resistir à tortura numa entrevista em plena liberdade e democracia

Anónimo disse...

Caro Embaixador, onde é que nalgum lugar do mundo alguma vez os comunistas foram humanos? Em sítio nenhum e nem sequer com os seus pares. Porque seria o PCP uma excepção?

Anónimo disse...

Se a memória me não falha, o pcp não resistiu à campanha de denúncia do "pide Canais Rocha" lançada e mantida pela "linha vermelha" (durão barroso) do "Luta Popular", jornal do MRPP.

Anónimo disse...

Falei com o Canais Rocha várias vezes nos anos 80, tendo-me confirmado sem problemas que realmente falou na prisão. Mas foi, de facto, como já aí disse alguém, o MRPP que pôs a informação a circular em Agosto de 1974 (e não umas semanas depois do 25A), tornando inviável a permanência de Canais Rocha à frente do Secretariado da Inter e até no partido, embora tivesse sempre ficado ligado ao partido por outras vias.
Ele tinha sido colocado pelos comunistas à frente do secretariado das reuniões intersindicais ainda em 1973, pouco depois de ter saído da prisão, onde esteve 5 anos. Foi substituir nesse posto Avelino Gonçalves, bancário do Porto que depois foi o primeiro ministro do Trabalho. Como Canais Rocha foi em 1973 trabalhar para os serviços administrativos de um sindicato controlado pelo PCP, foi nessa qualidade que se filiou no Sindicato dos Escritórios de Lisboa e que ascendeu a breve trecho à coordenação da estrutura Intersindical, que na altura já se chamava assim, apesar de viver na semi-clandestinidade. Houve outros sindicalistas comunistas que falaram sob tortura na prisão e por isso foram igualmente expulsos do PCP, mas que depois do 25A continuaram na Inter em cargos importantes, mas de menor visibilidade. Um desses foi durante muitos anos, e creio que é ainda, uma éminence grise da CGTP.
Abraço,
ZB

Anónimo disse...

Meu Caro Dr. Seixas da Costa
O PCP não tem o folheto em causa. Tinha. O tempo do verbo é, neste caso, muito importante. E o tempo em que esse folheto era importante já passou. Felizmente. A questão que aborda é muito complexa, não permitindo, do meu ponto de vista, o simplismo da conclusão. O importante é salientar que esse tempo já passou. Embora na Ucrânia pareça ter voltado.
Cumprimentos, JHS

Pinto de Sá disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...