quarta-feira, agosto 20, 2014

"A Voz de Trás-os-Montes"


Acabo de saber que o semanário "A Voz de Trás-os-Montes" poderá vir a suspender a sua publicação. A assim ser, Vila Real perde um dos seus jornais mais clássicos e eu perco a publicação onde, há precisamente 47 anos, em agosto de 1967, editei o meu primeiro artigo na imprensa e de que sou, creio que desde 1971, fiel assinante.
 
Nesses primeiros tempos, eu passava com ansiedade pela tipografia "Minerva Transmontana", para tentar "controlar" a colocação e o destaque dos artigos, contando para tal com a cumplicidade do meu amigo tipógrafo Carvalho, com quem, ainda há semanas, abanquei à conversa na esplanada da "Gomes". Recordo a publicação dos meus primeiros textos - o primeiro, creio, tinha o desinspirado título "De uma Viana alegre" - e do modo como, com o tempo, fui conquistando espaço e "direito" a novos temas. Desde cedo que a política passou a ser o essencial daquilo que por lá escrevi, mas recordo-me de ter feito igualmente a "cobertura" do Circuito internacional da cidade, bem como crítica de livros. Entre 1968 e 1971, a minha colaboração, quase sempre enviada de Lisboa, passou a ser mais regular, essencialmente dedicada a análises de política interna ou temas de política internacional, aproveitando a abertura moderada da "primavera" marcelista.
 
Um dia, porém, o censor local, o capitão Medeiros, terá levado dois "arrepios" quase sucessivos do serviço central da Censura, em Lisboa. O primeiro foi provocado por um artigo em que eu inseria uma frase em que previa que "o futuro da Rodésia será negro", procurada ambiguidade que o seu lápis azul deixou inadvertidamente passar. O segundo foi ainda mais grave: tratava-se de um comentário sobre um "filósofo" da Europa oriental, de seu nome Vladimir Ilyitch Uliánov, que o pobre do capitão desconhecia ser o nome verdadeiro de Lenine. O censor avisou então o diretor do jornal, o padre Henrique Maria dos Santos, de que eu não podia continuar a publicar por lá. Como só acontece nas pequenas cidades, teve, no entanto, a gentileza de se ir justificar junto do meu pai. Brandos costumes...
 
Depois de 1974, sempre muito a espaços, publiquei alguns textos no jornal, a propósito de temas ou figuras que a oportunidade justificava. Fui sempre acolhido com a maior das amabilidades, pelo ainda atual diretor, padre António Maria Cardoso, bem como pelas suas mais diretas e esforçadas colaboradoras, que asseguravam o essencial da publicação.

Convém notar que "A Voz de Trás-os-Montes", sendo um jornal regional, cumpriu durante as suas décadas de existência um insubstituível papel de ligação dos emigrantes às suas terras de origem. Por todo o mundo, encontrei muitos transmontanos assinantes do jornal, que agora lhe vai fazer bastante falta. Ou será que a nova geração de expatriados e seus descendentes desistiu de assinar o jornal?

Por todas as razões, de que as sentimentais não são as menores, quero deixar aqui uma palavra de grande simpatia ao pessoal de "A Voz de Trás-os-Montes", esperando que ainda lhes seja possível "dar a volta" por cima do conjuntural infortúnio.

9 comentários:

Defreitas disse...

A profecia do desaparecimento completo dos jornais daqui a cinco anos inscreve-se na analise de muitos especialistas dos media. Aparentemente, só os jornais que se situarão nas extremidades do espectro, os maiores e os mais pequenos, conseguirão sobreviver.

De compressão (dos "recursos humanos") em compressão, declinam e morrem. Queda das rendas publicitárias, queda dos leitores, o silêncio das catedrais instala-se . O digital acabará com o papel escrito.

Quando vi desaparecer o mítico France Soir, de Pierre Lazareff, o único jornal que vendeu, em certos dias, 2 milhões de exemplares, pensei que os outros, um dia, mais cedo ou mais tarde, seguiriam o mesmo caminho. Hoje vemos bem que os outros sofrem para sobreviver.

"A Voz de Trás os Montes" tem o mesmo destino que o "Noticias de Guimarães" , com um século de existência, assim como o "Povo", que desapareceram há alguns meses pelas mesmas razoes.

Os emigrantes perdem, assim, um fio que os liga à Terra . A Terra fica assim também mais longe. Mas é sobretudo um momento de tristeza quando o silêncio se instala na sala das máquinas.

E mesmo se se trata dum pequeno jornal local, a imagem duma voz que se extingue com milhares de outras, de dimensão superior, no vasto mundo, é de mau augúrio para a informação e para a liberdade , no momento mesmo em que Google abraça o mundo e ameaça de o abafar com o seu poder inimaginável.

O pluralismo da informação será o grande combate de amanhã.

Alcipe disse...

Pois o meu primeiro artigo publiquei-o eu em 1966 no "Notícias de Chaves". Mas a distância entre Chaves e Vila Real, com as estradas do tempo, afastava-nos dessa animada capital do nosso distrito, a que preferíamos a animação de Verín e até mesmo Orense...

maria disse...

Com o meu Irmão -Álvaro, muito seu conhecido -, com o Tony Barroso, com alguns outros colegas meus e nossos, fazíamos parte das Conferências Académicas de São Vicente de Paulo, sob a orientação do Padre Henrique da Sé. Na sacristia da Sé reuníamos. Aí foi decidida um dia a criação de um jornal. Veio a ser A VOZ DE TRAZ- -OS-MONTES. Estaria eu e alguns dos outros "conferencistas" no 5º do Liceu, o meu Irmão, o Tony e outros no 7º. Teria sido por 1948-45. O meu Irmão ainda lá colaborou assiduamente, com a rubrica "De Lisboa, com saudade"
Se vai acabar -depois do Vila-realense (ou seria Vilarrealense?)... é pena! Parece que são mais as coisas que acabam do que as que surgem.
Abraço - Magalhães dos Santos

Anónimo disse...

Chato Defreitas! A "terra" fica mais longe, como? Nunca ouviu falar de internet? Blogues, sites, facebooks e mais o camandro? Nunca tanta notícia houve da "terra" como hoje!

Raios partam estes eternos profetas da desgraça!

Anónimo disse...

O tempo tudo muda. Umas vezes para melhor, outras para pior. É pena se o Jornal acaba! Certamente o fator financeiro fala mais alto.
Curioso é o nome do padre "António Maria Cardoso"...

patricio branco disse...

por vezes aparece 1 mecenas...
é pena a vida destas publicações terminar, tantos outros jornais que terminaram, alguns de qualidade, e a imprensa regional cada vez mais pobre.
essa está tambem ligada às historias pessoais dos seus colaboradores, como a fsc e outros.
por mim, tenho saudades de certos jornais de que muito gostava, a começar pelo o século, seguindo pelo diário de lisboa e diário popular.
havia na regional o jornal do fundão, não sei se ainda, o jornal do funchal, finito, outros, um alentejano onde publiquei alguns exercicios aos 17, 18 anos, nem sequer guardei exemplares, a coordenadora do caderno cultural era uma filha do almada negreiros, paula, seria.
pois os assinantes desta imprensa (riquissima no tempo do eça) vão escaceando(escasseando?), há a crise, a internet...
pois pode ser que apareça um mecenas e avdtom tenha ainda futuro, faço muitos votos.
entretanto é tentar coligir o que lá escreveu, a redacção deve ter a colecção dos jornais desde esses anos...

Defreitas disse...

Olha que grande "chatice" ! O anónimo das 17:50 considera que o desaparecimento dum jornal da terra não tem importância nenhuma! Que este elo de ligação entre aqueles que partiram e aqueles que ficaram, que, como o escreve justamente o autor do blogue : " cumpriu durante as suas décadas de existência um insubstituível papel de ligação dos emigrantes às suas terras de origem.", não tem importância!

Colaborei , também, durante anos, nos jornais da minha terra de Guimarães, que mencionei. Através deles recebia noticias dos meus velhos amigos, por vezes boas, por vezes más, acompanhava o desenvolvimento da terra, os problemas e dificuldades das gentes, e também expunha a minha opinião e lia a dos outros. Desta maneira, era como se nunca tivesse partido. Vivia um pouco a vida da minha terra.

Um jornal local é a vitrina permanente das recordações e alimenta um pouco a nostalgia, porque um emigrante nunca partiu definitivamente no seu espírito.

Claro que cada um pode livremente procurar e mesmo encontrar no caixote do lixo planetário que é Facebook, algumas noticias . Há de tudo neste recipiente! Depende da qualidade que se pretende. Mas não é com a sensibilidade social e artística das gentes de Palo Alto que se alimenta aquele elo indissociável entre aqueles que deixaram um pouco do seu coração na velha aldeia ou na cidade que nos viu nascer.

Anónimo disse...

Curiosa essa questão dos jornais em papel desparecerem. Não acredito. Ou melhor, até é possível que desapareçam mas nunca serão substituídas pelas assinaturas digitais. Essas dificilmente vingarão. Se os jornais em papel desaparecerem as pessoas deixarão efectivamente é de ler notícias ou irão ler apenas aquelas que forem gratuitas.

josé ricardo disse...

Não sabia desse previsível desaparecimento. Colaborei com alguns artigos com o jornal (alguns anos), a convite do padre Cardoso. Acontece que um jornal não pode parar no tempo, tem de pensar nos novos leitores, mais preparados e heterogéneos. Infelizmente, se se concretizar esse desaparecimento, estou em crer que muito se deve a essa incapacidade de ler os novos tempos. Vila Real, como o resto do país, já não é, felizmente, o que era, apesar do turiferário saudosismo de muito boa gente.

Um abraço,

José Ricardo

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...