domingo, maio 25, 2014

O meu voto

Naquele ano de 1969, eu tinha pela primeira vez a possibilidade legal de votar. E era ano de eleições legislativas, as únicas a que um cidadão português tinha então direito, depois da ditadura ter abolido, anos antes, a eleição direta para o presidente da República, assustada que ficara com o "fenómeno" Humberto Delgado. E eleições autárquicas era coisa nunca vista: todos os autarcas eram nomeados pelo regime.

Um dia, vindo a Vila Real em férias, inquiri como poderia inscrever-me nos cadernos eleitorais. Foi-me dito que isso se fazia na Câmara Municipal. Na respetiva secretaria, ao colocar a questão, vi a interrogação circular por vários funcionários. Aparentemente, eu era a primeira pessoa, desde há anos, a suscitar o problema, porquanto a atualização dos cadernos se fazia, por regra, por via oficiosa. Vislumbrei algumas caras conhecidas a manifestarem curiosidade pelo meu zelo cívico. Um deles, amigo da família, baixando a voz, segredou-me, através do balcão: "Não vale a pena votar. Ganham sempre os mesmos!". Outros, mais alinhados com a "situação", pressentindo claramente a razão pela qual eu queria exercer o direito de voto, olhavam-me com um ar algo jocoso, partilhando entre si ironias, à distância. A agitação entre os estudantes universitários, como eu era à época, era conhecida e já havia uns zunzuns de que eu andava metido nessas coisas "associativas" e com o "reviralho". "Sai ao pai", ouvi dizer que alguém do regime comentara um dia, numa tertúlia da "Pompeia".

"Tem de falar com o Sr. Barreira. É ele quem trata disso". Aparentemente, o sr. Barreira era quem "tratava" dos cadernos eleitorais. Era uma das figuras mais conhecidas da cidade. Defesa central histórico do Sport Clube de Vila Real, com uma altura a rondar os dois metros, trabalhava, se não estou em erro, nos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade, que acolhia sempre muitos futebolistas. Como andava bastante em serviço externo, o sr. Barreira era pessoa difícil de encontrar. Andei dias até conseguir reunir com ele, o que teve lugar numa pequena sala da Câmara. Levei toda a papelada necessária para o ato de inscrição, que não era pouca. Estava tudo em ordem, podia "ir descansado". 

Mas eu não estava descansado. O sr. Barreira ficou claramente surpreendido, e até algo abespinhado, quando lhe disse que necessitaria de uma certidão da minha inscrição. "Aqui não passamos isso!". Respondi-lhe que, por lei, tinha direito a esse documento e mostrei-lhe as disposições legais que obrigavam as autoridades a atestarem, se assim fosse requerido, a inscrição nos cadernos eleitorais. "Mas se eu lhe garantir que está inscrito, não lhe chega?". Não, não me chegava. Nada tinha a ver com a palavra dele, derivava da minha desconfiança face ao regime (mas, claro, isso não lhe disse). "Vou falar com o chefe da secretaria. Mas o senhor está a criar um problema, sem necessidade". Expliquei que não prescindia da certidão (tinha aprendido isso num livro sobre legislação eleitoral, de José de Magalhães Godinho), que, se acaso me a não quisessem emitir, recorreria por requerimento para o Governador Civil. O sr. Barreira olhou para mim e, já mais sério, não se escusou a deixar cair: "Veja lá no que se mete!" Eu sabia no que me metia. E, alguns dias e outras diligências depois, lá obtive a desejada certidão. Que ainda guardo. E espalhei a notícia: depois de mim, várias foram as pessoas que, em Vila Real, se inscreveram nos cadernos eleitorais, nesse ano de 1969, embora não saiba quantos pediram uma certidão. Meses mais tarde, era tempo de "eleições" legislativas e eu por nada do mundo perderia o ensejo de exercer o meu direito de voto. Mesmo tendo a perfeita certeza de que então ganhavam "sempre os mesmos".

É também por isso, porque agora já não ganham "sempre os mesmos", porque lutei e corri riscos para poder ter uma palavra na escolha de quem me representará, que exerço o meu direito de voto. Que é também um dever, mesmo para aqueles que votam em sentido oposto ao meu, para quantos legitimamente decidem deixar o boletim em branco, como forma de marcarem o seu desagrado pelo leque de opções que lhes é proposto. Mas quem opta, pura e simplesmente, por não votar, por não "dizer" algo da sua vontade, perde um pouco a razão para depois vir a protestar contra as políticas que (quem vota) lhes impõem, torna-se num irrelevante "zero à esquerda" (ou "à direita") na vida cívica. 

sábado, maio 24, 2014

Candidato

Andar por Vila Real, neste tempo de eleições, lembra-me um ano em que por aqui fui candidato autárquico à presidência da Assembleia municipal. O meu principal adversário chamava-se Passos Coelho - não esse em que estão a pensar, mas o pai, médico na cidade. Foi há 17 anos. A lista pela qual eu concorria como independente, a lista do PS, estava à partida condenada à derrota, num concelho que, à época, era inabalavelmente PSD.

Estando no governo, tinha muito escassa disponibilidade para fazer campanha local. Intervim apenas num grande jantar na cidade, com largas centenas de pessoas, na presença de Almeida Santos, e num comício numa aldeia próxima. É desse que vou falar.

Uma noite, fui com o candidato à presidência da Câmara, Ascenso Simões, à Campeã. As freguesias rurais eram então a chave das sucessivas vitórias do PSD, dado que a cidade já então tinha "virado" à esquerda. Havia, por isso, que tentar inverter aquelas onde o desequilíbrio não era tão acentuado, onde havia hipóteses, ainda que remotas, de ganhar a Junta de Freguesia. A Campeã era uma delas.

O espaço coberto do comício, com toda a gente de pé, não era muito grande. Mas, surpreendentemente, estava bastante cheio. Embora a nossa entrada não tivesse provocado um especial júbilo, notei a juventude maioritária daqueles que nos iam ouvir e, cá para mim, devo ter pensado: "Isto é malta nova! Pode significar alguma coisa".

Lá fomos para o palanque e começaram as arengas. Depois dos responsáveis locais e do candidato à Junta, antecedendo a "estrela" que era o candidato à Câmara, falei eu, aí por uns dez minutos. Sem grande prática deste tipo de exercícios, não trazia a "cassette" que as repetidas intervenções eleitorais sempre justificam. Imagino que deva ter tratado das carências em acessos viários e em saneamento básico, bem como de uma ou outra ideia "desenvolvimentista", provavelmente referindo a Europa, que à época me ocupava.

Para o que aqui interessa, devo dizer que fui verificando que a reação das pessoas não era excessivamente entusiástica, face àquilo que eu dizia, "to say the least". Aquela gente jovem ouvia-me com um ar algo neutro, respondendo com manifesta parcimónia às palmas que, a espaços, alguns "claqueiros" partidários iam estimulando, estrategicamente espalhados pelo espaço do comício. Sem especial jeito para a função oratória, eu continuava a lançar algumas "catch-phrases" que achava adequadas ao terreno, às vezes num tom esforçadamente irónico e humorístico, com o mínimo de agressividade política que a situação justificava. No final, aqui entre nós, fiquei com a sensação que foi com algum alívio que o auditório me viu terminar o discurso. Talvez as palmas, simpáticas, com que foi acolhido o termo da minha intervenção significassem isso mesmo. Pouco mais.

Já no automóvel, inquiri da avaliação que os "experts" políticos locais haviam feito do exercício. "Não esteve mal", foi o mais entusiasmante que ouvi. Até que um deles disse, críptico: "A sala estava "composta". A banda foi boa ideia!".

A banda? "Que banda?", perguntei, surpreendido. Foi então que soube que, após o comício, subiria ao palco onde estivéramos uma banda de música "pimba". Aquela gente jovem que enchia o espaço, que eu ingenuamente pensara ali congregada pelo apelo da "boa nova" do socialismo transmontano, mais não estava do que a tomar lugar para o concerto que logo nos sucederia. Estava assim bem explicada a relativa "secura" da receção. No caminho de regresso a casa, fui imaginando a animação que deveria ir então por aquela sala, agora já liberta das palavras da política e tomada pelos êxitos de Ágata, Emanuel & companhia.

O dia mais estúpido

A imprensa portuguesa vive, neste sábado, o seu dia mais estúpido. Embora a campanha eleitoral europeia tenha estado muito longe de mobilizar a atenção da generalidade da população, a questão política, fruto das decorrências da situação social e económica, é uma temática muito presente nas preocupações de muitos de nós. E ainda bem. Porém, quem abrir a imprensa de hoje, quem olhar para os telejornais televisivos, ficará com a ideia de que o país se divide entre os adeptos dos Rolling Stones e os dos dois clubes madrilenos que disputam a final da Champions em Carnide. A isso se somam, em páginas e páginas, os "casos" da Justiça, os desastres e outras "buchas" de redação que resultam desta antecipada "silly season", forçada pela bizarra lei que nos governa. E que nos impõe, em exclusivo, as aventuras do "Palito" e as patetices dos treinadores de futebol.

Acho perfeitamente normal que a campanha eleitoral, na ação dos partidos, cesse à meia-noite da antevéspera do escrutínio. Mas considero um atestado de indigência mental aos portugueses o facto da comunicação social portuguesa, em termos informativos equilibrados, não poder trazer hoje uma normal cobertura do que ontem se passou na campanha, que não possam ser publicados artigos de opinião com, por exemplo, uma balanço do que nela foi dito. Com todo o respeito que a democracia me merece, mas também com toda a liberdade que ela me concede, devo dizer que este "black out" informativo me "cheira" muito a censura estadonovista. A nossa democracia não precisa de tutelas. Os portugueses não são, em geral, estúpidos e os que eventualmente o são não seriam nunca em número suficiente para determinarem, por influência perniciosa de última hora, o resultado das urnas.

sexta-feira, maio 23, 2014

Mónaco


Este fim de semana, tem lugar o Grande Prémio de Mónaco, em Fórmula 1. Os automóveis não me dizem rigorosamente nada, nunca dei um passo para ir ver uma dessas competições, fosse no Estoril, fosse noutros circuitos próximos de várias cidades onde vivi. Contudo, talvez tivesse gostado de ter ido um dia "às corridas" ao Mónaco. Como primeiro embaixador português no Principado, teria aliás sido fácil fazê-lo mas, por uma qualquer razão, nunca me organizei nesse sentido. Mas sempre me seduziu aquela feira anual de vaidades, um circuito onde a destreza conta mais do que a velocidade, onde o ambiente circundante, como a imagem ilustra, acaba por rivalizar com a importância desportiva do evento.

Ao longo de alguns anos, estive por diversas vezes no Mónaco, tanto em períodos em que a cidade tinha um ar calmo e quase provinciano como em momentos de grande agitação, em festas nacionais ou no casamento do príncipe Alberto, em que representei o nosso país. E é a propósito do príncipe que recordo aqui uma historieta com alguma graça.

Uma noite, em Paris, ainda antes de estar "acreditado" no Mónaco, fui jantar a casa de uns amigos. O convidado de honra era o príncipe Alberto. É um homem muito cordial, nada "poseur", bom conversador, que me falou com agrado do modo como, pouco tempo antes, fora recebido em Portugal e, muito em especial, nos Açores. Ao final da noite, que se prolongou mais do que esperado, dei-lhe conta que, no dia imediato, estaria presente num almoço com empresários e políticos, em que ele falaria sobre os esforços que o Principado estava a fazer para harmonizar as suas regras fiscais, fugindo às suspeitas que o seu estatuto de "paraíso" estavam a levantar. Simpático, o príncipe, retorquiu-me: "Coitado de si! Esteve aqui a ouvir-me toda a noite e amanhã vai ter de aturar-me de novo..."

No dia seguinte, num conhecido clube, fiquei colocado numa mesa redonda, perto da porta de entrada no salão, onde largas centenas de pessoas iam almoçar e ouvir o príncipe. Pela "geografia" da minha mesa, fui praticamente das primeiras pessoas com quem o príncipe Alberto deparou, ao entrar na sala. Ao ver-me, e recordado da cara com quem estivera a conversar até poucas horas antes, fez um largo sorriso e saudou-me de forma bastante efusiva. Vários dos meus colegas embaixadores, presentes na sala, ficaram visivelmente surpreendidos com o gesto e, no final do almoço, vieram inquirir de onde é que vinha aquela minha "intimidade" com o príncipe monegasco. Aí, confesso, não resisti e, com grande gozo, antes de mais tarde lhes revelar a verdade da circunstância, deixei cair para alguns: "O Alberto?! Oh! Grandes noitadas passámos juntos..." 

quinta-feira, maio 22, 2014

A Europa dos medos

A Europa foi construída pelo medo. Foi o medo à reedição do conflito franco-alemão que desenhou os primeiros esquiços do processo comunitário, que viria a redundar na União Europeia que hoje conhecemos. Foi o medo à União Soviética, que despudoradamente se "plantou" no Centro e Leste do continente, que reforçou a unidade dos "seis" que escolheram Bruxelas como sua capital. Por isso, alguns não hesitam ironicamente em colocar Estaline entre os seus "pais fundadores", quase ao lado de Robert Schumann e Jean Monnet. 

O processo de densificação e aprofundamento da cooperação entre os Estados, que conduziu a um notável processo de desenvolvimento coletivo e a um tecido cada vez mais ambicioso de políticas comuns, tornou-se sedutor e apelativo, o que levou à vontade de muitos outros Estados de se juntarem ao "clube", com fortes impactos no aumento da diversidade do conjunto, com efeitos detrimentais na unidade do processo.

O medo europeu mudou agora de natureza. Da Europa do entusiasmo, pela partilha positiva de soberanias, com ganhos de escala em que todos teriam a ganhar, com fronteiras abertas que facilitariam as trocas e embarateceriam custos, passou-se, em poucos anos, a um tempo em que as velhas nações se sentiram ameaçadas na sua identidade. E num mundo contemporâneo em que o "politicamente correto" já (ou ainda?) não permite, por lei, determinar a preeminência das suas culturas ou a "preferência europeia", o populismo salta com facilidade e despudor a terreiro e acena com o espetro do estrangeiro, da imigração, do perigo da diferença, da perda da identidade. É o velho medo de volta, só que de sentido contrário. Daí ao apelo ao regresso à comodidade familiar da nação, ao desmantelar do projeto que trouxe paz e segurança por décadas. O regresso à Europa das nações. Que foi o berço da Europa da guerra, convirá lembrar.

Hoje, um artigo do antigo presidente francês, Nicolas Sarkozy, está a marcar o termo da campanha eleitoral europeia. Nele, nomeadamente, propõe-se o fim do acordo de Schengen e a transformação da União num mero diretório de potências que "tomariam conta" dos restantes Estados. Esta é a solução fácil de uma certa linha política aos novos medos que a crise, o desemprego e a crescente incerteza instalaram um pouco por toda a Europa. 

Estas ideias devem merecer uma resposta. Como sempre, a resposta ao medo continua a ter um único nome: coragem. Haverá?

A trabalhar numas ideias

Conheço-o há muitos anos. Mas vemo-nos muito pouco. Não posso sequer dizer que sejamos amigos, somos apenas conhecidos, embora com forte cordialidade no relacionamento. Confesso que nunca o levei muito a sério e ele deve tê-lo pressentido ao longo dos tempos, pelo que mantém comigo uma atitude que tem por detrás uma difusa tensão. É uma pessoa culta, bem preparada, informada, com alguma graça, de quem, potencialmente, se espera alguma obra. E da boa. Quando, por acidente, nos encontramos, quase sempre com anos de intervalo, temo imenso perguntar-lhe como anda a sua vida. Porquê? Porque nunca está "em nada", está sempre a caminho de ir fazer alguma coisa. Fala-me de planos, de projetos, de ideias. Nunca de nada feito, concretizado. Não sei bem como e de que vive. Eu receio inquirir, com medo de o poder ofender ou afetar a sua privacidade. Curiosamente, ele, sem limitações, como num "preemptive strike", refere-se, "de cima", à minha própria vida profissional ("então li que agora andas pelas empresas? Olha p'ró que te havia de dar! Largaste as estranjas e as viagenzecas pelos Brasis?). Curiosamente, tem sempre o tempo muito ocupado. Quando nos cruzamos, numa esquina ou num café, nunca vem sem ser de passo apressado, um pouco inclinado para a frente, numa espécie de coreografia de movimento. Transmite quase a ideia de estar a perder o seu tempo, que lhe é precioso, conosco. De papelada na mão, tem uma agenda apertada ("saí agora de um almoço com Sicrano, em que estivémos a explorar uma ideia bem gira. Um destes dias, conto-te"). Refere outros encontros para "logo" ou "amanhã", bem como viagens futuras ("tenho de ir ao Porto para a semana, para estar com Fulano") ou passadas ("estive com Beltrano em Évora, em abril, para tratar de um projeto que estamos a preparar. Sou capaz de ter de ir à Islândia antes do Verão. Conheces alguém por lá?"). Deixa coisas no ar ("tens visto aquele tipo gordo, da Guarda, que era teu amigo? Preciso de falar com ele, para um estudo que estou a preparar") ou em que podemos vir a ser-lhe útil ("se calhar, vamos ter que falar um destes dias sobre uma coisa ligada lá às Necessidades. Dás-te bem como o teu colega em S. Marino?"). Mas logo deixa cair o assunto, que fica invariavelmente para "mais tarde". Quando lhe lembro, quase só para alimentar conversa, uma ideia que em tempos me tinha dito que andava "a trabalhar", na última vez em que faláramos, diz-me, com o despreendimento de quem tem uma "carteira" de tarefas incompatível com essa coisa que se revelou menor: "É pá! Larguei essa cena há muito! Não dava!". E passa à frente, rumo ao futuro que sempre lhe alimentou o presente. Uma coisa é certa: quase todos os nomes que cita, gente com quem falou ou vai falar, são pessoas credenciadas. Cultiva, assim, junto dos amigos, uma espécie de currículo feito dos conhecimentos que alega ter, e que, aliás, nem sequer duvidamos que de facto tenha. O que nos poderia conduzir, no fim da conversa, a ficarmos com a noção de que ele está, de facto, "a colaborar" com esses nomes mais ou menos sonantes, podendo ficar nós na expectativa de o ver associado ao respetivo trabalho. Só que, lá no fundo, todos os que o conhecemos, em especial essas pessoas, sabemos, de ciência segura, que tal acabará por nunca acontecer. Mas ele, ao contrário de nós, não desiste: continuará a "trabalhar numas ideias". Será feliz?

quarta-feira, maio 21, 2014

De esquerda

Um velho amigo, que a saúde fez sair da vida ativa prematuramente, tinha uma fórmula imbatível para analisar quantos se diziam "de esquerda". Ao tempo do 25 de abril, com o surgimento de partidos das várias esquerdas, desde as extremas a alguns tão moderados que quase se diluíam na direita, muitos de nós, sob o radicalismo da época, interrogavamo-nos sobre se tal pessoa ou tal formação eram mesmo de esquerda. Aí surgia o António, com um sorriso, a esclarecer: "para mim, as coisas são muito simples: a esquerda "sou" eu e é pela aproximação ou não às minhas ideias que eu "meço" se uma pessoa ou um partido é ou não de esquerda".

Sempre achei a fórmula muito prática, embora conceda que, ideologicamente, é um tanto arrogante.

terça-feira, maio 20, 2014

Twitter

Agora "deu-me" para o Twitter (@seixasdacosta). Alguém me convenceu da graça que tem poder "meter" mensagens em 140 carateres. Não sei quando me vou cansar. Mas não custa tentar.

Lei de Murphy

Quando alguma coisa pode correr mal, acaba por correr mal. Às vezes, esta "lei de Murphy" funciona.
 
Uma das tragédias da situação económico-financeira portuguesa é que o essencial daquilo que pode influenciá-la é totalmente independente da vontade nacional. Foi assim para a descida dos juros, que permitiu o ambiente desanuviado em que se processou a "saída limpa" da fase "troika" do processo de ajustamento, como, no dia de hoje, o está a ser para o "mau humor" dos mercados, que reverte essa tendência para todos os países da periferia. Por mais bem "comportados" que sejamos.
 
Ao que dizem os especialistas, os tais mercados antecipam uma evolução europeia mais cética a partir de domingo mas, no que é mais importante, já perceberam que o Banco Central Europeu está limitado no seu leque de opções para contrariar as tendências deflacionistas e, muito em especial, que se sente sem legitimidade política para avançar no chamado "quantitative easing" - um neologismo que designa a sua possível ida ao mercado de produtos da banca e de outras instituições financeiras privadas, que iria muito para além da sua tradicional intervenção de atenuação das dívidas públicas.
 
Por tudo isso, e não por qualquer teimosia negativista, é que alguns prudentes observadores eram favoráveis ao "programa cautelar" e condenaram o facto do governo o não ter tentado, deixando aos parceiros europeus o ónus da sua inviabilidade conjuntural.
 
Mas pode ser que isto - a atitude dos mercados - não seja mais do que o surgimento de nuvens passageiras, que trazem uma chuva de verão e algum arrefecimento. Como hoje também está a acontecer com o nosso clima. Pode ser. Seja ou não seja, nada podemos fazer para o evitar. E essa é a nossa sina.

segunda-feira, maio 19, 2014

A direita

Não sei se tem ainda a ver com efeitos do 25 de abril, mas, contrariamente à esquerda, que se afirma abertamente, a direita portuguesa esconde-se quase sempre por detrás de alguns heterónimos - como  "conservador", "liberal" (este, quase sempre a medo, porque "neo-liberal" surge com carga negativa) ou, no máximo das ousadias, sob o conceito de "centro-direita" (durante muito tempo ser "do centro" era a mesma coisa). Muitos comentadores desse setor (Marcelo Rebelo de Sousa dizia ontem na TVI que 2/3 dos comentadores são ligados ao PSD) ou procuram neutralizar-se ou usam um curioso eufemismo - "não são de esquerda".

Porque as sociedades só ganham em ser transparentes, gostaria de ver a direita portuguesa assumir-se como tal. Temos hoje, por exemplo, talvez o governo mais à direita da nossa História democrática, mas não vejo nenhum dos seus membros dizer isso mesmo, sem sofismas - "somos de direita". Pelo contrário, quando alguém afirma que se trata de um governo de direita sente-se que ficam ofendidos, como se isso fosse um insulto, como se tivessem vergonha de não ser de esquerda.

Alguns dirão: mas se nos afirmamos como "de direita", a esquerda atira-nos isso à cara, chama-nos "fascistas", liga-nos ao tempo da ditadura. Sabem por que é que isso acontece? Porque muita direita se sente na permanente obrigação de relativizar a gravidade dos tempos salazomarcelistas, porque deixa cair, a espaços, alguns elogios ínvios a parte desse passado, porque não soube criar um "firewall" entre um pensamento contemporâneo de direita e as brumas sinistras da ditadura. Vê-se isso muito nos blogues ditos "liberais". Muitas das pessoas de direita em Portugal não fizeram ainda o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de abril. Quando o fizerem, quando conseguirem assumir uma denúncia aberta desse passado, a esquerda mais agressiva deixará de ter espaço para os atacar por isso, fazendo-o apenas no terreno das ideias atuais. Enquanto a direita democrática continuar envolvida num conúbio com a direita cavernícola, com o caceteirismo miguelista, isso não será possível.

Por isso, no dia em que nasce o jornal informático "Observador", marcado por uma linha claramente de direita, aliás muito consentânea com os apoios financeiros de que dispõem e com os objetivos de sociedade que pretende, sinto pena em não ver isso mesmo assumido com clareza pelos seus responsáveis. Mas não: o máximo que surgiu, nos textos que acompanharam o lançamento do seu "site", foi a nota de ser de orientação "liberal". Ora bolas!

Já é tempo da direita portuguesa, a direita democrática que não tem realmente "esqueletos no armário" do tempo do Estado Novo, afirmar com orgulho o que é, defender as suas ideias e os seus projetos, ir à luta, sem disfarces. Embora, nem por um momento, alguma direita nisso acredite, foi também para isso que se fez o 25 de abril.

Em tempo: porque o "esbatimento" entre esquerda e direita faz parte do debate, aqui deixo o clássico pensamento do filósofo francês Alain: "Lorsqu'on me demande si la coupure entre partis de droite et partis de gauche, hommes de droite et hommes de gauche, a encore un sens, la première idée qui me vient est que l'homme qui pose cette question n'est certainement pas un homme de gauche".

Parabéns

Este é um blogue sportinguista. Assumido. Mas, sejamos justos, esta foi a época do Benfica, durante a qual ganhou, e bem, tudo o que por cá havia para ganhar, tendo perdido, por um conjunto de azares, circunstâncias e culpas várias, uma taça europeia. Não vou relativizar estas vitórias com a invocação de quaisquer desculpas. Ganhou e, pelo futebol que mostrou, ganhou merecidamente.

O Benfica é dirigido por um treinador cuja expressão às vezes roça o caricato, tem um presidente com uma "gravidade" que custa, muitas vezes, a levar a sério. Devo confessar que, sempre que os vejo na televisão, ambos me fazem rir. Mas convém não esquecer que esse presidente, há precisamente um ano, contra tudo e contra todos, apostou na continuidade desse mesmo treinador, mesmo depois de uma época dececionante. E tinha consigo toda a razão. E o treinador, para além da bizarria do seu estilo, provou que é um homem que sabe muito de futebol. Chama-se a isto profissionalismo e boa gestão. E isso, no futebol, como Pinto da Costa o tem provado no Porto há muito tempo, é a condição essencial para o sucesso.

Por tudo isso, aqui deixo os meus parabéns, sinceros, aos meus amigos benfiquistas. Neste ano em que Eusébio desapareceu, esta foi a melhor prenda póstuma que lhe poderiam ter dado. Sendo o Benfica o clube português com mais adeptos, a maioria do povo português deve andar mais satisfeita. Esta é a única maioria à qual, nos dias que correm, desejo alguma alegria (embora "breve", como escreveu Virgílio Ferreira).

Deve ser defeito meu...

Pedro Abrunhosa é, como pessoa, uma figura que me merece simpatia. De há muito, sinto-me próximo de algumas das suas atitudes cívicas e parece-me ser um homem inteligente.

"Having said that", como dizem os anglosaxónicos quando querem fazer um contraponto, desde sempre achei que Abrunhosa anda, por assim dizer, "a gozar" um pouco conosco. Ainda que a sua linha melódica seja agradável, a sua voz é fraca e, com escassíssimas exceções, as suas letras são muito limitadas. Há pouco, na televisão, numa gala, ouvi com atenção uma canção que criou a propósito dos novos emigrantes, um choradinho algo demagógico com um sentido um pouco oportunista. Nele, "casa" rima com "asa" e com "brasa", "bala" com "mala", "Paris" com "raiz" e tem coisas com a densidade lírica de "voam pombas no beiral".

Volto a dizer: Abrunhosa é um homem inteligente e o seu sucesso é a prova de que consegue levar água ao seu moinho.  

domingo, maio 18, 2014

"Welcome to Trofa!"

"Welcome to Trofa", foi a saudação com que ontem Paulo Rangel acolheu Jean-Claude Juncker, na deslocação ao Norte de Portugal do candidato conservador à chefia da próxima Comissão europeia. Juncker fala bem inglês, muito embora essa não seja uma das três línguas do seu país. Mas posso supor que Paulo Rangel já faça parte de uma geração portuguesa para quem o francês é uma língua menos cómoda.

Dito isto, este post é menos sobre o cosmopolitismo linguístico e mais sobre as críticas que, segundo a imprensa, Juncker deixou ao "programa socialista de governo", que alguém lhe deve ter traduzido. É pena que Juncker não se tenha informado melhor antes de se pronunciar. Se acaso tivesse falado com alguns dos vários amigos socialistas que tem em Portugal, eles ter-lhe-iam explicado que esse programa ainda não existe, que naturalmente só deverá aparecer quando eleições legislativas estiverem à vista.

Mesmo assim, antes que alguma vestal rosa se ponha para aí a falar de "ingerência" ou coisa do género, é importante deixar claro que, passando as instituições comunitárias a ter uma dimensão de escolha nacional, projetando-se cada vez mais as grandes formações políticas europeias na nossa vida interna, temos de nos habituar a que estas figuras mandem os seus "bitaites" sobre opções dessa nossa ordem política. É a vida, como diria alguém que espero que, em breve, ande por aí de novo.

Juncker não é o candidato socialista. Mas, aqui entre nós - e só espero que os socialistas não me oiçam! - é um excelente candidato, um homem sério e que já provou ser nosso amigo, um europeísta que, por exemplo, sabe bater o pé à Alemanha.

sábado, maio 17, 2014

Telefonema

Foi há minutos. Telefonema de uma amiga.
- Então hoje não pões nada no blogue?! Logo no dia em que alguns jornais falaram de ti?!
- Mas achas que escreva sobre o que publicaram?
- Claro! Seria estranho que não o fizesses...
- Mas para dizer o quê? Queres que diga que é mentira ou que pode ser verdade?
- Sei lá! Qualquer coisa! O que será estranho é que não fales do assunto...
- Estranho? Mas eu não tenho nada a ver com o facto daquilo ter surgido!
- Isso sei eu!
- Então achas que vou dar importância ao que diz um jornal?
- Um, não! Eu li em dois! Com fotografias e tudo!
- Ou isso! Dois. Nem que fossem três! Uma especulação não passa de uma especulação só porque é repetida.
- Mas é verdade ou não é?
- Se eu te disser que não é verdade, já sei que vais acreditar nos jornais, não é?
- Bem, de facto...
- Então não vale a pena eu escrever nada, não achas?
- Pronto! Já vi que não vais pôr nada no blogue!
- Vou.
- Ah! Bom! E o quê?
- Vou pôr esta nossa conversa.
- Livra-te!

sexta-feira, maio 16, 2014

"Made in France"

O governo francês, sob a inspiração do seu novo ministro da Economia, Arnaud Montebourg, decidiu publicar uma legislação destinada a condicionar a aquisição de empresas francesas por capitais estrangeiros. Vivendo nós no país em que vivemos, onde a ânsia liberal de "vender o país" leva tudo à frente, parecerá bizarra esta atitude de nacionalismo económico. Mas não é isso que aqui hoje importa.

A decisão do governo de Paris tem diretamente a ver com a recente disputa em torno da tentativa de aquisição da empresa Alstom, que provocou fortes ondas internas de choque. Montebourg é conhecido por ser um acérrimo defensor do protecionismo económico, uma atitude que, desde há muito, está no ADN dos franceses, à esquerda ou à direita do espetro politico. O facto das eleições europeias estarem à porta é também um fator que ajuda a entender esta posição.
 
Pelo que vi escrito sobre a nova legislação, ela parece-me, em absoluto, não conforme com as normas do "Mercado interno" comunitário, que a França livremente subscreveu nos tratados europeus e que, ironicamente, é tutelado, no seio da Comissão, pelo comissário francês Michel Barnier. Quero com isto dizer que teremos um inevitável processo de contencioso à vista. Enfim, como se diz na banda desenhada francófona, "à suivre"...

quinta-feira, maio 15, 2014

Vida de nababo!

Quem nunca ansiou dormir uma noite num quarto hiper-requintado como o que a fotografia mostra à evidência, com um mobiliário de design "de autor", colocado num espaço com cores apelativas, "ton sur ton", fruto de uma  decoração de altíssimo nível internacional? Olhem bem! A elegância falsamente discreta da madeira (mogno, pela certa) da cabeceira da cama. Não é um sonho? Pois esse sonho pode realizá-lo, no próximo sábado (noite da final da "Champions" em Lisboa), se se decidir pagar 5000 (cinco mil) euros, neste hotel situado no Chiado, em Lisboa.
 
Um hotel - não é uma pensão, não senhor! - que injustamente não aparece referenciado nos "Leading Hotels of the World", que a inveja faz com que não integre (ainda!) os "Relais & Chateaux", mas que, com garbo, cobra um preço ao nível de famosos 5 estrelas do mundo. Ah! e tem pequeno-almoço incluído, claro. 
 
Despachem-se porque, há minutos, já só tinha um quarto vago!

A oração

A historieta que vou contar passou-se em 1988. O Benfica disputava a final da antiga Taça dos Campeões Europeus, em Estugarda, na Alemanha, contra os holandeses do PSV Eindhoven. De Lisboa, tinham partido muitos aviões e eu estava - já nem sei bem porquê! - entre os convidados para ver o jogo, em que se contavam imensos sportinguistas, que iam abertamente apoiar o Benfica. O nosso grupo era divertidíssimo e lembro-me que Miguel Esteves Cardoso escreveu uma crónica imperdível sobre aquela experiência.

O partida foi difícil, com as chuteiras dos jogadores do Benfica a descalçarem-se, por inexplicadas razões. Ao final do tempo regulamentar, o resultado era um nulo. Foi-se para prolongamento e tudo se manteve igual. Restavam os penáltis. E é aí que a cena se passa.

José Vera Jardim, um sportinguista dos sete costados, voltou-se para outro grande "leão", o padre Vitor Melícias, e apelou:

- Ó padre Melícias. Contamos com umas oraçõezinhas suas para os penáltis!

Vitor Melícias quebrou a nervoseira geral, naquele momento algo tenso, com a sua pronta resposta, no tom de voz tão típico que é o seu:

- Orações?! Essa agora! Eu já aguentei isto a "pai-nossos" e "avé-marias" até ao final do prolongamento. Agora, para os penáltis, só o cardeal patriarca!

O cardeal não estava lá e o Benfica perdeu nos penáltis. Como ontem.

Monarquia

Os monárquicos portugueses comemoram, na data de hoje, o nascimento daquele que consideram o herdeiro legítimo da antiga coroa. Trata-se de um homem simpático, cordial e patriota, que acarreta consigo o sonho da restauração desse regime que a nova República derrubou em 5 de outubro de 1910.
 
Talvez valha a pena recordar que a diplomacia portuguesa está ligada ao nascimento, em 15 de maio de 1945, dessa criança, a quem a família decidiu dar o nome de Duarte (o nome completo é Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança!). Com efeito, foi na Legação portuguesa em Berna, na Suíça, que esse nascimento teve lugar. E a curiosidade maior advém do facto de, sob os pés da cama onde o parto ocorreu, terem sidos colocados pedaços de terra idos expressamente de Portugal, para melhor marcar o "solo português" onde o acontecimento tinha lugar.
 
Não tenho mais pormenores - embora já os tenha lido algures - sobre a conjuntura que permitiu a utilização da nossa residência diplomática para esse fim. Com efeito, os herdeiros da "casa de Bragança", que aliás não derivam em linha direta do último rei, só cinco anos mais tarde foram autorizados a viver em Portugal, prevalecendo até então o banimento que a Constituição salazarista de 1933 havia acolhido da sua antecessora de 1911.
 
Com a tolerância que a minha República permite, deixo aqui a imagem da velha bandeira que vigorou até 1910, a qual, aliás, considero até esteticamente mais bonita que aquela a República introduziu. Mas que não reste a mais leve dúvida: a bandeira introduzida pela República é, para mim e para sempre, a única bandeira de Portugal.  

Scolari

Um peculiar sentido do tempo é algo que nos habituámos a ligar à Justiça portuguesa. Ela tanto deixa prescrever processos, como os prolonga por eternidades, como escolhe momentos particulares para os fazer emergir à luz do dia, neste caso através de "fugas" que alguém combina com uma comunicação social ávida de títulos escaldantes.

Vem isto a propósito de Scolari e das suas alegadas dívidas ao fisco português. É no mínimo estranho que o labéu de arguido ao antigo selecionador português, num processo que se reporta a factos ocorridos há largos anos, surja a público precisamente a escassas semanas do início do campeonato do mundo, onde o Brasil, dirigido por Scolari, joga uma aposta que vai muito para além da bola. Para muito cidadão brasileiro a quem esta notícia deve estar a chegar - nada habituado ao consabido rigor, precisão e eficácia da máquina judiciária portuguesa - esta coincidência vai ser lida como um fator oportunista de desestabilização, num torneio onde Portugal é também interessado. E isso vai ajudar a alguma lusofobia sempre recorrente.
 
Só nós, portugueses, temos a certeza de que nada foi de propósito. Conhecendo-a como conhecemos, todos sabemos que a Justiça portuguesa seria incapaz, de forma deliberada, desta precisão temporal. 

"For the record"

Vejamos como fica, ao final da noite de ontem, o "ranking" português nas três competições europeias:

Liga dos Campeões - Benfica e Porto, 2 títulos cada (em 58 edições)
Liga Europa - Porto, 2 títulos (em 46 edições)
Taça dos Vencedores das Taças - Sporting, 1 título (em 39 edições)

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...