A Europa foi construída pelo medo. Foi o medo à reedição do conflito franco-alemão que desenhou os primeiros esquiços do processo comunitário, que viria a redundar na União Europeia que hoje conhecemos. Foi o medo à União Soviética, que despudoradamente se "plantou" no Centro e Leste do continente, que reforçou a unidade dos "seis" que escolheram Bruxelas como sua capital. Por isso, alguns não hesitam ironicamente em colocar Estaline entre os seus "pais fundadores", quase ao lado de Robert Schumann e Jean Monnet.
O processo de densificação e aprofundamento da cooperação entre os Estados, que conduziu a um notável processo de desenvolvimento coletivo e a um tecido cada vez mais ambicioso de políticas comuns, tornou-se sedutor e apelativo, o que levou à vontade de muitos outros Estados de se juntarem ao "clube", com fortes impactos no aumento da diversidade do conjunto, com efeitos detrimentais na unidade do processo.
O medo europeu mudou agora de natureza. Da Europa do entusiasmo, pela partilha positiva de soberanias, com ganhos de escala em que todos teriam a ganhar, com fronteiras abertas que facilitariam as trocas e embarateceriam custos, passou-se, em poucos anos, a um tempo em que as velhas nações se sentiram ameaçadas na sua identidade. E num mundo contemporâneo em que o "politicamente correto" já (ou ainda?) não permite, por lei, determinar a preeminência das suas culturas ou a "preferência europeia", o populismo salta com facilidade e despudor a terreiro e acena com o espetro do estrangeiro, da imigração, do perigo da diferença, da perda da identidade. É o velho medo de volta, só que de sentido contrário. Daí ao apelo ao regresso à comodidade familiar da nação, ao desmantelar do projeto que trouxe paz e segurança por décadas. O regresso à Europa das nações. Que foi o berço da Europa da guerra, convirá lembrar.
Hoje, um artigo do antigo presidente francês, Nicolas Sarkozy, está a marcar o termo da campanha eleitoral europeia. Nele, nomeadamente, propõe-se o fim do acordo de Schengen e a transformação da União num mero diretório de potências que "tomariam conta" dos restantes Estados. Esta é a solução fácil de uma certa linha política aos novos medos que a crise, o desemprego e a crescente incerteza instalaram um pouco por toda a Europa.
Estas ideias devem merecer uma resposta. Como sempre, a resposta ao medo continua a ter um único nome: coragem. Haverá?
10 comentários:
Algumas propostas de Sarkozy merecem atenção, independentemente de estarmos de acordo.
Ele, em bom rigor, não propõe o fim de Schengen, mas "Il faut suspendre immédiatement Schengen I et le remplacer par un Schengen II auquel les pays membres ne pourraient adhérer qu'après avoir préalablement adopté une même politique d'immigration."
Talvez ele queira uma política de imigração restritiva, o que é de bom tom recusar (mas também recusam a minha ideia de fronteiras abertas para todo o mundo, e fica-se num meio termo esquisito), mas isto de políticas europeias em que cada país depois tem as suas regras não me parece saudável.
Outra proposta que não pode descartar-se completamente: "La Commission ne devrait plus avoir de compétences législatives puisqu'il y a un Parlement européen, c'est à lui et à lui seul de légiférer."
Caro Artur Costa: e quem propõe o modelo da "mesma política de imigração". Quanto a retirar o poder de iniciativa legislativa à CE apenas significaria o fim da neutralidade (face à disparidade de interesses nacionais) no lançamento do processo legislativo, que assim ficaria nas mãos de um PE esmagadoramente dominado pelo maiores países, os quais, com a exceção da Espanha e Polónia, têm um padrão médio de interesses comum e que, dessa forma, imporiam facilmente aos outros. Chama-se a isto diretório.
A ideia rosa da Europa, simultâneamente:
"sol na eira e chuva no nabal", não está mal não senhor!
Alexandre
Quanto à imigração, havia de chegar-se a um modelo consensual, creio eu, porque o que estará em causa são detalhes. E quanto ao Parlamento, isso é apenas questão de uma lei eleitoral adequada, que não teria de ser necessariamente proporcional à dimensão do país.
Eu não digo que concordo com o homem, apenas que faz propostas concretas para problemas que existem.
Essa parte de colocar o problema da imigração em tantos debates, penso que ocupa muito do espaço que deveria ser utilizado para a resolução de problemas dos povos europeus. Penso que neles deveria haver a discussão sobre maior igualdade entre povos do norte e povos do sul e de leste por exemplo, e no interior dos próprios países; a cooperação entre instituições com dignidade entre os vários países para conhecimento partilhado das realidades de cada um; o apoio desinteressado aos habitantes de países cuja governação lhes cria problemas antes que isso aconteça;
a prevenção na exploração dos mais desfavorecidos cujos baixos salários não lhes permite viver com dignidade; a prevenção na exploração que uns países fazem aos outros na própria Europa.
E também penso que se deve valorizar a consciência de que a Europa é um espaço privilegiado de cultura e de tolerância, e que devemos defender para que assim seja no futuro
Senhor Embaixador: Não sei se pode dizer que a Europa esteve em paz estes últimos 70 anos. Se esteve em paz , foi precisamente graças à divisão da Europa em duas partes. Entretanto, houve a queda do muro e logo a seguir, com uma certa interferência da UE, houve a guerra dos Balcãs, que ocasionou a implosão da Jugoslávia e milhares de mortos. Hoje, ainda com uma interferência da UE, há a "guerra" da Ucrânia. A Turquia , entretanto, invadiu Chipre .
Quanto ao Sarkozy, que participou na criação da Europa actual, da qual critica hoje certos aspectos, e com razão, pena foi que quando era o Presidente do segundo motor europeu, e amigo de Frau Merckel, não fez as mesmas propostas que faz hoje. Porque as invasões dos povos africanos e dos países de leste não são de hoje.
Quando propõe de substituir Schengen por un Schengen n¨2, é perfeitamente estúpido, porque se abolir o primeiro não haverá um segundo, porque ninguém jamais o aceitará.
Mas para fazer oposição ao FN e Le Pen, é boa táctica de repetir o que este partido diz já há anos. Sarkozy é um "esperto" na arte de beber na fonte do FN.
E depois, francamente, a Europa dirigida de Berlim, com um acolito chamado França, na qual, a França, aliás, seria engolida pela Alemanha !!! Como se fosse possível alinhar duas economias tão diferentes. Esta política destruiria a industria francesa.
E de qualquer maneira, uma Europa dirigida pelos dois grandes, não pode eliminar a tara de nascença do Euro, quando os pequenos países perderam o mecanismo de ajustamento que representava a variação das taxas de câmbio.
Sarkozy escreveu um panfleto de propaganda para 2017, porque, com ou sem o UMP, ele será candidato. E até talvez mais "sem UMP" que "com UMP".
Um panfleto de autopromoção, que deixou de lado os problemas cruciais do emprego, do Euro e das relações da UE com a Rússia.
Francisco.
Me perdoe mas a Europa ainda está muito longe de mim. Mesmo pela internet. Mas as noticias sao espantosas! que acabam ficando por perto!
com carinho Monica
OBS: Enviei um email comentando sobre o livro tá?
Um abraço
Ao Senhor António Costa, gostaria de dizer que o Reino Unido, que pertence à UE, mas não está no espaço Schengen, admitiu mais emigrantes (530 000) , que a França (320 000). O que prova que os países podem ter uma politica de imigração independente .
Enfim, o "assalto" dos povos da periferia europeia à "fortaleza" supostamente rica da Europa, é compreensível. O ser humano partiu sempre à procura da felicidade, por toda a parte. E os Portugueses são um bom exemplo.
O drama dos Africanos é terrível. As pirogas dos pescadores arruinados pela pilhagem ocidental da pesca nas costas africanas, transformam-se em embarcações de morte transportando clandestinamente os jovens Africanos em direcção da Europa.
Alguns escondem-se mesmo no trem de aterragem dos aviões.
Na realidade , todos estes jovens querem simplesmente viver. Ficariam de certeza mais felizes se pudessem ficar no pais deles, mas não há perspectivas. ( Mais uma vez, isto é e foi válido para os Portugueses). Partir fica caro. Ignora-se o numero de mortes. São milhares no fundo do oceano.
Se quisermos controlar este desejo generalizado de fuga, é preciso coragem política, é preciso atacar as politicas económicas que não funcionam, que privam a juventude desses países de futuro. Porque é a (APE) Acordos de Partenariado Económico que santificam esta relação desequilibrada. Os dirigentes africanos são vulneráveis , pilham, os seus homólogos dos países ricos e industrializados pilham também, embora com menos arrogância.
Crer que será possível criar um dique contra a invasão da miséria vinda do mar, é uma utopia.
Há um pormenor que não esqueço na lista daqueles que aparecem agora nas nossas fronteiras : O facto que jovens Líbios também procuram fugir da pátria deles. Este fenómeno é recente. Porquê ? A Europa invadiu a Líbia por razoes de "luta contra a ditadura de Kahdafi." Para salvar os habitantes de Benghazi. Conhecemos a razão real: o petróleo. Entretanto, os islamistas tomaram o controlo de Bengahzi e da Líbia. O petróleo é finalmente um factor de desintegração. E veremos, talvez, um dia a Cirenaica independente de Tripoli e milhares de Líbios atravessarem o Mediterrâneo em barcos de pesca. A Europa não poderá fazer nada.
A Europa só pode fazer muito quando os "imigrantes" têm muito dinheiro. Em Londres , os nababos Árabes e Russos compram as melhores propriedades ...e um visto permanente. Em Portugal, idem, um visto permanente, e mesmo a nacionalidade portuguesa! Em Portugal, não importa qual estrangeiro pode obter o famoso "Visto Gold" que lhe permite de viajar dentro do espaço Schengen, sem restrição. Os Chineses ricos descobrem assim os charmes do nosso pais, e da Europa, mas com a condição de comprar uma propriedade de 500 000 euros. Em Macau, no Consulado, há uma bicha de espera longa ....
300 Chineses, 20 Russos, etc., já aproveitaram esta oportunidade. Mas nenhum investiu na industria como este direito lhe permitia !
Estamos longe dos dramas de Lampedusa.
E depois do medo a europa assegurou a paz.
Mas o projeto alemão para a europa manteve-se. Custe o que custar, como por cá se diz, a Alemanha avança triunfalmente. Sem homens, mas com miséria e grandes lucros, desigualmente repartidos. Até porque, como diz Angela M., a união europeia não é um projeto social. Já todos entendemos isso.
David Caldeira
A liberdade de circulação foi e é um dos plilares da UE embora a mobilidade intra-europeia de trabalhadores represente apenas 3 por cento, o que convenhamos é pouco e que é explicável pela falta de oportunidades de trabalho.
Uma migração controlada é necessária. A abertura de canais legais de imigração é necessária. O respeito dos Direitos do Homem para migrantes e refugiados é necessário.
O relatório do Semestre europeu indica que uma boa parte dos imigrantes de países terceiros estão na Europa em situação de precariedade. Isto merece reflexão e respostas.
A proposta do antigo PR francês é inquietante, embora compreensível pela necessidade de pescar votos, dernière minute, na extrema-direita e destina-se sobretudo a consumo interno dos eleitores franceses. Faz pendant com as polémicas declarações de Jean-Marie Le Pen.
Se os cidadãos europeus já estão desmobilizados para votar, então se a Europa funcionasse em regime de directório, por maioria de razão, ainda mais o estariam.
A Comissão europeia nem sequer chega a ser um proto-governo. Se fosse reduzida a nada, como sugere Sarzoky, então seria o desnorte total.
O modelo de uma Europa a duas velocidades, com vários círculos concêntricos, vem ciclicamente à tona de água e também o Reino Unido e a Holanda já o propuseram. Nada de novo. É uma opção que permitiria alargar a Europa à sua periferia a um grande espaço económico, mas com falta de coesão política e de ideário.
Felizmente que Portugal sempre foi um recanto da Europa onde todos os povos de muitas e diferentes origens sempre desembocaram. Talvez isso explique a nossa convivialidade e a nossa abertura ao mundo. Não me choca especialmente a concessão de vistos gold se isso fizer parte de uma orientação global de promoção da mobilidade, incluindo aqueles que disfrutam de rendimentos inferiores, embora o assunto possa e deva ser discutido. Parece ser essa a orientação da UE ao ter aprovado há um mês um Smart Visa Package que irá tornar para todos a concessão de vistos mais fácil.
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