1. Decididamente, o "Le Monde" já não é o que era. O meu parceiro do lado, no avião em que anteontem à noite seguia para o Porto, deve ter achado que eu estava a ler alguma anedota, pela súbita gargalhada que dei, a certo passo do folhear do jornal: num artigo sobre Portugal, falava-se da "ditadura do general Salazar". Se o José Rebelo, que durante anos foi o correspondente do jornal em Lisboa, leu esta referência, deve ter ficado chocado e talvez mais triste que divertido.
2. O hotel em que fiquei em Braga faz parte daqueles que necessitam de um MBA para se perceber como se acendem as luzes, para descortinar o modo de regular a água nas torneiras, o misterioso funcionamento das cortinas e o segredo para se evitar acordar a meio da noite com uma louca e inopinada programação do aquecimento. No resto, o hotel era excelente, muito confortável e com gente amável. Mas por que diabo os arquitetos de interiores não se dedicam a desenhar coisas simples, práticas e imediatamente percetíveis, que não nos obriguem a perder tempo?
3. Antes de adormecer, observei a Senhora Merkel em doses maciças, por tudo quanto era noticiário. Sem capacidade mínima para gerarem substância (confundindo "renegociação" com "reestruturação", desta vez dispensando a "refundação"), todos os canais colocaram as suas "Sónias Cristinas" e correspondentes colegas masculinos (é minha impressão ou há caras novas todos os dias? Ainda dizem que há desemprego no jornalismo...), de cornetos na mão, em cenários tendo em fundo polícias e carros a passar, a encher o tempo com platitudes, na cata obsessiva dos "fait-divers" possíveis, desde os cortes de trânsito ao custo e "exageros" da segurança. Se tivesse havido algum incidente, podemos estar seguros: seriam as "falhas" da segurança responsabilizadas. E o "jeito" que teria dado às "reportagens" um acidentezinho com uma das viaturas do cortejo, logo acusadas de velocidade excessiva...
4. A Universidade do Minho, em Braga, onde ontem falei, é uma das grandes realizações académicas do Portugal contemporâneo. Há muito que tenho uma grande admiração pelo que está a ser feito naquele espaço académico, com gente muito qualificada e uma motivação muito forte, bastante empenhada em "dar a volta" a uma região que foi altamente abalada pelas disfunções sofridas pela política industrial portuguesa, com fortes impactos sociais, nas últimas décadas. Já havia sentido isso na sua relação, muito eficaz, com Guimarães - capital europeia da cultura. Onde voltei a receber dados nesse sentido.
5. Tenho a impressão que, em Portugal, não se valoriza devidamente o magnífico trabalho que tem vindo a ser feito pelo nosso Instituto de Defesa Nacional. Ontem, como já me aconteceu várias vezes no passado, falei sobre questões europeias e internacionais para algumas dezenas dos respetivos "auditores", saídos da sociedade civil para estes exercícios de aculturação sobre temáticas de interesse nacional. Há escassos meses, tive o ensejo de trabalhar, no quadro da comissão que elaborou o novo Conceito Estratégico de Defesa, precisamente com base num excelente documento produzido pelo IDN. Devo dizer que o debate em que ontem participei, durante mais de duas horas, foi dos mais ricos em que tenho estado envolvido, desde há vários meses - e ando muito por esses meios.
6. De há uns anos para cá, cada vez tenho mais dificuldade de achar graça à comida que é servida nos aviões. Mesmo não a achando má de todo, muitas vezes evito-a, em especial nos percursos curtos. No regresso a Paris, ao fim da noite de ontem, "saltei" a refeição e só acordei com a aterragem em Orly. "Nem um copo de água bebeu!", surpreendeu-se a hospedeira de bordo, que teve a gentileza e o bom-senso de não me acordar, com aquele tabuleiro cheio de coisas previsíveis, onde não falha o famigerado triângulo de "Président", um medíocre "camembert" que anda pelo menu da TAP quase desde a era dos "Caravelle". No início da viagem, nem jornais portugueses pedi, porque já presumia o que iriam dizer, tanto mais que, com a visita da chanceler alemã, o ansiado regresso de Vale de Azevedo acabou por perder o espaço mediático que legitimamente seria o seu. Há dias aziagos para certas águias fugidias, que finalmente regressam à gloriosa luz da sua pátria.