Em Portugal, não há tradição de surgimento de relatos serenos sobre eventos políticos situados num passado próximo, centrados em temáticas indutoras de forte polémica, ainda prolongadas nos dias em que as obras são publicadas. Por essa razão, entendo que a edição de "Resgatados - os bastidores da ajuda financeira a Portugal", dos jornalistas David Dinis e Hugo Filipe Coelho, merece ser saudada como uma interessante contribuição para se conhecerem melhor os bastidores do tempo muito complexo que antecedeu o pedido de ajuda externa feito em 2011.
O livro, no seu ritmo quase cinematográfico, descreve uma tormenta em
progressivo desenvolvimento. E, como todos sabemos, quem se envolve em
tempos revoltos lê os factos e as suas circunstâncias de modo, muitas
vezes, oposto. Por essa razão, sei que algumas pessoas não apreciaram este trabalho, porque continuam a cultivar sobre os factos nele referidos uma memória de envolvimento que se não coaduna com a frieza equilibrada que os autores - a meu ver, bem - procuraram atingir.
Como em todos os textos deste género, há evidentes lacunas, há perguntas implícitas que ficam sem resposta. Mas este tipo de trabalhos vive sempre da abertura dos interlocutores que é possível mobilizar, bem como da sabedoria e equilíbrio com que neles se colocam as várias versões dos factos, sempre enviezadas pelo interesse de todos em edulcorar o seu lugar na pequena História. Nem toda a gente esteve, com certeza, disponível para contribuir para este livro. Sei do que falo, porque fui contactado por um dos autores, a quem, com toda a cordialidade, expliquei que a lealdade imanente às funções que exercia à época, e que ainda exerço, me não autoriza a revelar o pouco que sei de alguns factos e que, de resto, rigorosamente nada adiantaria de substancial ao trabalho.
Este livro é, assim, o livro possível, escrito por dois "impacientes da História", como Jean Daniel qualifica todos os jornalistas. Mas é um "guião" que reputo de muito útil e pelo qual felicito os autores. A sua leitura permite recortar melhor o papel das principais personalidades envolvidas, a sua diferente avaliação das circunstâncias vividas e, porque não dizê-lo, estabelecer um primeiro inventário das várias decisões e das motivações, políticas, económicas e até pessoais, que, no seu todo, desenharam o caminho que obrigou o país a recorrer ao "resgate". Acho que todos saímos deste livro com uma perspetiva mais clara sobre o papel desempenhado por cada responsável político, do governo e da oposição, na crise que acabou por estar na origem da situação que o país hoje atravessa, cuja moldura institucional e as condicionantes, em matéria dos compromissos que vieram a ser assumidos, não poderão nunca ser desligadas dos factos elencados neste trabalho.
8 comentários:
Interessante. Vou - devido a este comentário. Obrigado
embora não pense ler, este tipo de trabalho jornalistico de investigação serena sobre assuntos ainda quentes é de facto de louvar.
o paradigma deste jornalismo talvez seja o trabalho sobre o watergate de woodward e bernstein all the president's men.
Ao ler este post, que não contém qualquer desmentido ou oposição radical ao livro, presumo que as referências ao embaixador de Portugal em Paris estão correctas, o que só abona em favor do livro e dos autores. Li-o de um fôlego!
LPA
Caro LPA: as referências são muito escassas, como a realidade dos factos aconselhava.
Também achei o livro com bastante interesse, sobretudo por estarmos a viver os reflexos desse tempo. Vemos agora por dentro, tanto quanto é possivel, os acontecimentos que analisávamos como observadores.
Os meus cumprimentos,
Maria Eduarda Boal
Já dizia o outro:Uma mentira muitas vezes repetida...
Toda a informação sobre essas mentiras me interessa.
Vou ler!
Por favor, vejam o "toon" de António Jorge Gonçalves no Público de Sexta,26.
"Supervisão".
Genial.
Vale muitos livros sobre a situação portuguesa no que concerne a políticas financeiras, e não só.
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