Saiu há dias. É o romance de uma geração política que perdeu o império em que acreditava, que pretendia que se mantivesse "do Minho a Timor" (então já sem "escala" na Índia), que tentou que o mundo ficasse à espera dum Portugal ditatorial parado no tempo, teimosa e orgulhosamente só com a sua falsa e forçada verdade - como a história do alentejano que achava que eram todos os outros que iam em sentido contrário na autoestrada.
Em "Novembro", Jaime Nogueira Pinto relata a luta inglória dos "nossos" nacionalistas revolucionários, os fascistas a que tínhamos direito, ironicamente aliados e a usufruirem do capitalismo que ideologicamente antes abominavam. Em 1974, viram surgir abril como uma ameaça à sobrevivência do país com que haviam sonhado e que queriam impor aos todos quantos pensavam de forma diferente - sem nunca considerarem que outros, por esse mundo onde se fala português, também tinham direito a afirmarem as suas próprias pátrias e o seu destino.
Conheci o Jaime Nogueira Pinto em 1973, ao lado de quem iniciei o meu serviço militar, servindo ambos na operosa especialidade de "Ação Psicológica". Tal como ele estava a par do que eu pensava, também eu sabia das suas ideias, até porque o lera com atenção no "Agora" e na "Política" - até hoje, tenho o imparável "vício" de acompanhar o pensamento de quem tem ideias diferentes das minhas. Por isso, foi agora muito curioso ler este retrato de um país pintado a preto-e-branco, entre 1973 e 1975, um Portugal em tudo bem diferente do meu.
Por ele ficamos a conhecer, entre bem desenhados amores e desencontros - de Lisboa a Luanda, de Madrid a Londres, da África do Sul aos Estados Unidos - o trauma e as ressacas de abril, a desilusão com Spínola, a "golpada" frustrada do 28 de setembro, a "esparrela" em que caíram no 11 de março e, depois, no desespero, a conspiração violenta urdida em terras de Espanha. O livro levou-me à outra trincheira, na barricada ideológica que então me separava do Jaime. Por ele fiquei a saber como pensavam e se organizavam, muitos deles circulando entre bons hotéis e belos restaurantes madrilenos, quantos andaram pelo ELP e pelo MDLP, aliados a alguma igreja que os benzia, a uma certa banca que os financiava e a muito "lumpen" que os servia (que é pena não ser posto no livro com a evidência que "merece"), que se dedicavam a pôr bombas e a caçar "comunistas" - conceito abrangente que o radicalismo direitista alargava ao absurdo.
Por ele ficamos a conhecer, entre bem desenhados amores e desencontros - de Lisboa a Luanda, de Madrid a Londres, da África do Sul aos Estados Unidos - o trauma e as ressacas de abril, a desilusão com Spínola, a "golpada" frustrada do 28 de setembro, a "esparrela" em que caíram no 11 de março e, depois, no desespero, a conspiração violenta urdida em terras de Espanha. O livro levou-me à outra trincheira, na barricada ideológica que então me separava do Jaime. Por ele fiquei a saber como pensavam e se organizavam, muitos deles circulando entre bons hotéis e belos restaurantes madrilenos, quantos andaram pelo ELP e pelo MDLP, aliados a alguma igreja que os benzia, a uma certa banca que os financiava e a muito "lumpen" que os servia (que é pena não ser posto no livro com a evidência que "merece"), que se dedicavam a pôr bombas e a caçar "comunistas" - conceito abrangente que o radicalismo direitista alargava ao absurdo.
Esta é uma inédita história do "PREC" vista do outro lado, uma revolta revanchista titulada por quantos, se acaso tivessem ganho na noite de 25 de novembro de 1975 (obrigado, sempre, Ernesto de Melo Antunes), talvez tivessem usado as chaves do Campo Pequeno. Que a esquerda, mesmo quando gabarola e no poder, nunca usou, registe-se.
Em minha opinião, este romance, 640 páginas que se leem de um fôlego e que francamente recomendo, acaba por ser um não deliberado elogio à tolerância de quantos souberam conduzir o processo aberto em abril de 1974, e terminado em novembro de 1975, até desembocar pelos caminhos da democracia que hoje é matriz da nossa vida cívica. Embora, como seria expectável, saia algo mal de um livro onde praticamente não é mencionado, Francisco da Costa Gomes acaba, a meu ver, por ser o herói escondido desta obra.
Estou mais do que certo de que o Jaime estará muito longe de concordar comigo, em toda a avaliação do seu livro que acabo de fazer, como terei oportunidade de testar na conversa que teremos, aqui em Paris, no jantar de hoje. É que, desde há quadro décadas, nós habituámo-nos a celebrar, sempre com muito humor e de há muito com uma leitura irónica do nosso extremado e contrastante radicalismo de então, uma amizade que o facto de termos estado em polos bem opostos da trincheira política nunca beliscou, talvez porque ambos, cada um à sua maneira, pensou sempre no interesse de Portugal. Para a conversa e a alegria da noite ficarem completas, faltar-nos-á, contudo, a Zezinha.
28 comentários:
O post parece-me uma síntese claríssima da política (à) portuguesa. Se não foi assim desde sempre, retrata-a bem no período focado, ou seja:
A direita e a esquerda a digladiar ideologias, com superior elaboração, mas tudo se passa à volta ali do Chiado, decerto “próximo” de um local de repasto conceituado, terminando todos, “à direita e à esquerda”, com um dimple numa mão e um coihba na outra a falarem do desemprego e da desertificação do interior… bem…quem tiver mais mãos…
Há um Portugal novo visto de fora?... de muito de fora…
Caro Anónimo da 1.41: a foto não é do Chiado, eu só bebo (raramente) whisky novo e nunca fumei. Quanto ao resto...
Seja por curiosidade intelectual sobre uma época de que apenas possuo vivências pelos olhos de terceiros, seja porque não abundam relatos dos "derrotados" da história, irei de pronto ler o livro.
Nuno 361111
PS. Sem reticências, não sei se haverá um novo Portugal visto de fora, eu que fui forçado pela vida a ser pragmático já me contento se o pensarem de dentro.
Parece-me uma excelente apresentação de um livro de amigo mas não me convence a lê-lo. Talvez porque a história que se vê daquele lado me tivesse deixado mazelas na "alma" que ainda não cicatrizaram... e também porque não quero ver o que levava aquela gente a pensarem que tinham razão. Sei que quelas "verdades" não se discutiam. Ou se aceitavam... Ou ai daqueles que as contestavam.
José Barros
parece-me a subida da baixa para a rua da madalena, não sei se ainda há electricos por aí, passando depois pela sé. espero que sim. creio que nesse cruzamento existia ainda há anos o notário mais idoso de lisboa, um cartório ao lado da igreja.
isto de perder o imperio e descolonizar, coisa que tinha de ser feita, não se aguentava manter, leva-me à frança, pais que mantem ainda um verdadeiro imperio colonial, hoje integrado na ue: martinica, guadaluppe, st martin, guiana (uma colonia na america do sul, que se independentizou há 200 anos!!) reunião, nova caledonia, tahiti, kergelen, st pierre et miquelon (no canadá!!) e mais algumas que ignoro. que se passou, qual foi o truque dos franceses ou de de gaulle? e porque fechou os olhos a onu?
bem, o livro despertou-me a atenção, a resenha é detalhada, irei folhear numa livraria.
há uma onda de romances sobre a época, 25a, desconolização ou vida nas colónias, salazar, lisboa durante a 2a guerra, raros são bons, li um de que gostei, "fala-me de áfrica". mas o texto despertou-me a curiosidade por este.
Uma certa esquerda nunca usou as ditas chaves porque disso foi impedida, mas rugem a irascibilidade até hoje, como se percebe nos disparates tenebrosos que por estes tempos se propalam.
Não deixa de ser bom, para sabermos ao que vêm.
Oportuníssimo o PS de Nuno 361111...
A foto é de facto da esquina da Rua da Conceição com a Rua da Madalena e podia ter sido tirada ontem pois o mais famoso eléctrico de Lisboa - o 28 - espera que o sinal abra .
O 28 sempre cheio de turistas , de reformados e de alguns amigos dos pockets dos outros ...
Quanto ao livro , há que lê-lo mesmo que não se concorde com as ideias do autor (o meu caso).
Díria mesmo : e sobretudo se não se concorda com elas .
A História é sempre a versão dos vencedores e conhecer só a opinião de uns (dos "nossos") pouco nos enriquece , pouco nos adianta , acaba por ser um "prazer solitário" .
P.S. - Exceptuo naturalmente todos aqueles que sofreram na "alma".
A fotografia parece-me ser junto à igreja da Madalena.
Se o electrico pudesse virar à esquerda iria parar ao largo do Caldas... ;-)
Am I wrong?
xg
Mas não se trata de um romance ficcionado ou de uma ficção romanceada?
LPA
Pois é.... mas é um romance que se lê com muito agrado até para perceber a decadência de uma parte da sociedade da época que.... nem está tão diferente da de hoje. O poder torna as pessoas moles. Mas... eu não sei
Ao anónimo das 21.25 do não menos anónimo das 18.06 :
A fotografia é tirada da porta da Igreja da Madalena .
Não está assim "wrong" nesta conclusão mas está decerto "wrong" ao pôr a hipótese de o eléctrico poder virar à esquerda ali .
E não pode por uma razão simples e não deve por outra razão também simples :
1ª) a Rua da Madalena é ali muito difícil de abordar para um eléctrico que acaba de dar uma curva a 90º ;
2ª) turistas , reformados e pickpockets variados pouco interessados estarão em virar à esquerda e ír ter ao Largo do Caldas , para eles é só mais um largo que até nem lhes fica em caminho , é tudo gente que "está noutra" ...
ao anónimo das 00:11:
SE PUDESSE foi o que escrevi.
xg
Cara Margarida: mil perdões: esquecemo-nos do Palácio de Cristal...
Ao anónimo das 00.29 que já tinha sido anónimo comigo um pouco antes:
Eu sei , eu li o que escreveu .
Só que decerto por distracção deixou lá uns petits points de suspension e mais uns caracteres que algum simbolismo terão , vejo-os muito por aí , muitas vezes acompanhados de LOL e outras expressões típicamente portuguesas.
Veio ao de cima a minha formação técnica como podia ter vindo a política .
E como sou um dos reformados que gosta de ír almoçar à Baixa e volta no 28 dá-me imenso jeito que ele não dê a volta pelo Largo do Caldas .
Uma boa noite para si .
RMG
(assim já sou um poco menos anónimo !)
As aulas de Política Externa Portuguesa, no ISCSP, ministradas pelo professor Jaime Nogueira Pinto, foram das mais interessantes a que assisti. Saudades do professor!
Creio que há uns tempos o Senhor Embaixador falou neste blog do cavalheirismo qu se está a perder. Vejo que o pratica, como deve ser entre Homens de bem
presumo que o 28 seja o electrico e nao o autocarro:
tanto a direita como a esquerda extremada ou por extremar
o pessoal
gosta em geral
de caviar
pois, pudera, é bom!!!
bh
Excelência: "quem vai à guerra, dá e leva" ou "quem não quer ser lobo, não lhe vista a pele".
Cara Margarida: eu não visto pele. Tenho-a. Mas, de facto, para o seu gosto, talvez me tenha esquecido do estádio das Antas...
Caro Manuel Joaquim Leonardo: por não ter outro meio para o fazer, aqui registo que recebi as suas mensagens e as interessantes informações que fez o favor de transmitir-me.
Caro LPA: trata-se de um romance apoiado na história de um setor político onde, muitas vezes, se recortam figuras que, bem ou mal, tendemos a reconhecer.
É o 28. A carreira de eléctrico mais conhecida de Lisboa. Se atendermos ao valor simbólico dos números; o dois já era sinónimo de dualidade, e ao oito caberia-lhe o papel de "regeneração". Prefiro o valor do oito para os chineses: dinheiro, dinheiro. Bem que se precisa que subam muitos turistas no 28... Patrício Branco acertou em cheio.
Excelência, o verbo torna tudo mais criptográfico, verifica-se constantemente. E mais uma vez, percebo...
Falava do histórico episódio do 'Palácio de Cristal' e das pelejas político-ideológicas entre a direita e a esquerda nesses idos de 70.
Do século passado.
Deve ser disso..., estou demasiado desfasada destes tempos tão... originais.
Cara Margarida: nada disso. Eu apenas pensei que o seu bairrismo acrisolado tivesse ficado ofendido com a escolha que o Campo Pequeno representava como possivel prisao. Por isso me lembrei do Palacio de Cristal. Mas, em alternativa, sempre poderiamos ter as Antas, o campo da Constituição, o Bessa, Vidal Pinheiro, o Academico, o estadio universitario ou do Mar. Tudo alternativas a Custoias...
O meu, como crisma, 'bairrismo acrisloado' é apenas um natural e assumido amor ao berço.
Quanto a cárceres, não existe mais forte do que aquele que nos impomos.
Como bem sabe.
Senhor embaixador:
os que vão "ao contrário" na auto-estrada (ou nos desvãos) da história são "os Lisboa", "os da linha", "os dos corredores do poder" e não "os alentejanos", ou "os transmontanos", ou "os beirões"...
Confesso-lhe, ferozmente, que não acho graça nenhuma a essas muletas dos que como o senhor embaixador estão onde estão, longe do povo, longe de quem é pobre, e passa, mesmo sem se dar conta, essa posição de base.
Manuel Joaquim Calhau Branco
o Dr.Jaime nogueira pinto quando escreveu este livro, apenas retratou a verdade de um país que pensa que Desordem significa liberdade.
Os partidos de esquerda foram os que ganharam mais com a revolução ou seja roubaram a quem tinha mais e ainda dizem que são partidos "justo"?
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