segunda-feira, novembro 05, 2012

Os dias do movimento (*)

Estes não são dias como os outros. Na carreira diplomática, as pessoas mudam de postos, de tempos a tempos. Uns transitam entre embaixadas ou consulados, outros passam de Lisboa (da "secretaria de Estado", no jargão da carreira) para lugares no estrangeiro ("para posto"), ou vice-versa. Às vezes, estas novas colocações acontecem caso-a-caso, espaçadas entre si no tempo. Outras vezes, as nomeações têm lugar para um conjunto mais ou menos largo de funcionários. Neste caso, ocorre aquilo a que se chama, na tradicional linguagem das Necessidades, "o movimento". São esses os dias que vivemos.

O movimento é um evento sazonal importante, uma reorientação dos destinos da casa pela tutela, com a atribuição de novas responsabilidades aos funcionários. O movimento mais importante, como é natural, é aquele que envolve os embaixadores e os lugares de chefia em Lisboa. Nunca se sabe, ao certo, quando esse movimento tem lugar, pelo que é invariavelmente precedido de uma imensidão de boatos sobre a sua efetiva concretização ("dizem que já está para assinatura em São Bento"), com palpites diários sobre datas ("cheira-me que ainda sai esta semana. Já tem o OK de Belém"), sempre de "fontes fidedignas" ("uma senhora do 'quarto andar' garantiu-me que já está para publicação") e bem informadas ("já seguiram os pedidos de "agrément", consta do gabinete") Umas vezes, as coisas vão-se sabendo aos poucos, fruto das fugas nas "consultas" ("Não digas a ninguém! O homem pediu-me silêncio, mas foi sondado e aceitou, com a garantia da "promoção", vá lá!"), noutras permanecem "no segredo dos deuses" até bastante tarde.

Sobre a substância do movimento, a "cultura" do claustro e dos corredores cria, durante semanas consecutivas, "bocas", mais ou menos fundamentadas ("nem te passa pela cabeça quem vai para Bamako!" ou "já está tudo assente: o homem vai mesmo para Hanói. Até já tratou da escola para o filho..."). A coreografia também é vista à lupa ("o tipo já se passeia como se o lugar fosse dele" ou "dizem que o homem anda, há dias, a rondar o 'terceiro andar'" ou ainda "viram-nos a almoçar juntos nas 'Espanholas'; não é por acaso!").

Com a aproximação do seu anúncio, as informações sobre o movimento vão-se tornando mais fidedignas, sendo progressivamente preenchido o quadro virtual de vagas ("afinal, confirma-se que 'fulano' sempre avança para Kampala. O 'beltrano' bem tentou, mas lixou-se e não conseguiu o posto"). Há sempre uns "connaisseurs" frustrados, que depois procuram justificar os seus erros de avaliação ("estava para ser como eu te tinha dito na semana passada, mas houve acertos de última hora, garantiram-me! É sempre assim!"). Há, ainda, as desilusões ("'sicrano' está fulo! Tinha por certo ir para Dushambe e, afinal, fica na secretaria de Estado. Parece que está à espera de Ulan Bator, que só 'abre' em maio, com a passagem 'à disponibilidade' do outro").

E, por fim, há as surpresas. As surpresas são o verdadeiro "sal" dos movimentos, as nomeações de quem se julgava "não colocável" ou de quem se não esperava que viesse a assumir certas funções. Tanto podem emergir de postos atribuídos ("então não queres ver que aquele tipo, depois de tudo o que se passou, ainda conseguiu ser colocado em Cartum? Francamente!...") ou (caramba! Viste o "postaço" que o tipo apanhou, vindo de onde vinha?) como dos lugares "na secretaria de Estado" que foram objeto de preenchimento ("e o homem lá vem para o lugar que queria. Vamos ter que o aturar em Lisboa. Com o feitio dele, vai ser bonito!").

Frases mais ou menos parecidas com estas devem ouvir-se, por estas horas, no claustro e corredores das Necessidades. Foi sempre assim! Os dias do movimento são sempre dias movimentados.


(*) Esta é, no essencial, a reprodução de um post de 3.1.12. Voltou a ser atual, razão pela qual o republico

18 comentários:

São disse...

Para mim, leiga que sou em diplomacia, é interessante poder saber como as coisas se passam.

Gostaria de saber se for possível, obviamente, o que origina esses movimentos .Que segundo julgo perceber acontecem de tempos a tempos e envolvem grupos de funcionários.

Se me permite, ainda lhe peço outro esclarecimento.


Um destes dias, num debate,um dos particpantes acusou o actual Minnistro dos Negócios Estrangeiros de andar a fazer viagens e contactos pelo mundo e não ter uma política europeia, descurando assim o espaço onde Portugal se integra.

A esta censura, respondeu outro dos participantes que os ministros dos Negócios Estrangeiros europeus não têm poderes nenhuns relativamente à União Europeia e que nem têm assento nas respectivas reuniões.

Pedindo desculpa pelo alongamento do comentário e agradecendo desde já, desejo-lhe uma excelente semana.

patricio branco disse...

um xadrês, portanto, bem escolhida a imagem, em que há mudança de peças, jogadas de reis, rainhas e peões, de bispos não creio, etc
ps. tenho de ver onde é dushambe, never heard.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Senhor Embaixador,

Não tinha lido o anterior pelo que para mim foi a 1ª vez. FANTÁSTICA a sua descrição, até parece que conseguimos ouvir os comentários.

E quem vai para Paris? Deve ser um posto bem cobiçado, mas imagino que não seja para qualquer um.

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara São: os diplomatas "rodam" de X em X anos, entre os postos ou passando pelas capitais. Com regras mais ou menos idênticas, passa-se o mesmo em todas as carreiras diplomática no mundo.

Quanto à política europeia e Portugal, perceberá que não possa comentar nada.

patricio branco disse...

não estou a responder às questões da comentadora são, mas efectivamente diz-se por aí que o ministro não vai às reuniões da ue por não serem da sua competencia.
não sei se vai ou não, mas creio há reuniões que são da sua responsabilidade, ir ele ou acompanhar o pm. aliás dentro da estrutura do mne existe uma direção dos assuntos europeus, sinal que o dito ministerio tem muitas competencias directas e de coordenação nessa zona.
sobre paris tambem já deve haver rumores e movimentos de influencias, mas é pergunta prematura e o lugar está estavel e bem ocupado.

Helena Oneto disse...

A efervescência é mais que legitima tendo em conta que "movimento" 'promove' ambaixadores colocando-os nas cidades/capitais que o Senhor mencionou...

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena Oneto: Portugal não tem embaixada em nenhuma das capitais que eu referi no texto...

Anónimo disse...

Caro Senhor Embaixador, ninguém conhece melhor um diplomata do que o seu mordomo! Talvez por isso, por temer o meu olhar lúcido e crítico, Vexa não quis aceitar os meus serviços, quando eu me separei do Senhor Alcipe... Também sofri uma "nega" da Dra. Helena Sacadura Cabral, não esqueço! Hoje, empreendedor triunfante ao serviço da Senhora Engenheira, movo-me entre Chungking e o Golungo Alto na primeira classe das melhores aeronaves e sorrio do meu passado. Mas gostava ainda de poder participar no próximo jantar do Procópio. Posso, Senhor Embaixador?

a) Feliciano da Mata, passageiro dos Emirate Airlines, em primeira classe


Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Feliciano da Mata: se calhar não vai gostar de ouvir isto, mas o jantar vai ser self-service...

Anónimo disse...

Pois é... No MNE parece haver movimento mas nada comparável com o movimento no país que parece imparável e às vezes semelhante a um novo PREC, sem ter o mesmo sentido do outro. Mas... eu não sei

Anónimo disse...

A velha senhora está doida de entusiasmo:

é mesmo self-service o jantar?
a gente escolhe o que quer?
e o que quer pode levar?
um qualquer?
amores não posso crer!

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador então esqueceu-se das Embaixadoras? Só falou no masculino? E delas nada corre?
Ó genero ingrato, o delas!

Helena Sacadura Cabral disse...

Ò Feliciano da Mata, você, dando cumprimento ao desígnio do PM, exportou-se para o Golungo Alto e agora só viaja de Emirates e em primeira.
Cumpriu a missão e deu corpo ao emigrante bem sucedido.
Eu jamais poderia concorrer com tal estatuto. Daí a "nega" que lhe dei. Também, diga-se a verdade, nesta altura da minha vida, pouco mais posso dar do que isso. Noutros tempos... talvez pudesse ser mais generosa. Mas que fazer, agora, meu caro e premiado Embaixador?
Apenas dar-lhe um abraço no dia 14 se a UGT e CGTP permitirem a ousadia!

Helena Oneto disse...

Senhor Embaixador,

Diplomacia oblige, referi-me às que citou a pensar nas mesmas que o Senhor não mencionou...

Anónimo disse...

Que crónica! Ao repetir o texto alterando a data já parece as aulas no Liceu do Funchal nos anos 60, daqueles professores que sabiam tudo de cor e salteado...

Anónimo disse...

Cartum ou Cairo?

Maria Climénia Rodrigues disse...

Diz-se por cá, que os laços amarelos são a nova moda, pelas salas do velho Palácio das Necessidades, pelo menos para os residentes....Boa sorte lhe desejo, e espero que o Dr. Morais Cabral, consiga angariar na cidade Luz, a mesma auréola que Vexa, conseguiu, com o devido mérito, em verdade se diga (ou se diz)...manter. Claro que tudo isto são meras suposições como deve saber...
Lisboa continua a ser apesar de tudo uma cidade linda, com uma fantástica luminosidade para se trabalhar e viver, e os jardins das Necessidades muito bonitos...

patricio branco disse...

a agencia lusa publicou ontem uma noticia ou despacho sobre o movimento, que inclui onu, paris, vaticano, madrid, e varios mais, dando os nomes dos postos e das pessoas escolhidas. tambem acrescenta que deixou de haver embaixadores politicos com este movimento diplomatico e diz quem será o proximo secretario geral do mne.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...