sexta-feira, fevereiro 19, 2021

O regresso de Bolsonaro


Há não muitos meses, eram bastantes os observadores da situação política brasileira que apostavam em como os dias do presidente Jair Bolsonaro estavam contados. Embora não fosse muito evidente o modo como ele podia vir a sair de cena - desde o “impeachment” até uma espécie de golpe militar “bondoso” -, tudo chegou a parecer melhor a muitos do que a continuidade de alguém que havia sido um quase negacionista da pandemia, que revelava uma flagrante impreparação para governar, com um executivo atravessado por frequentes crises e demissões. A fraquíssima prestação da economia e o agravamento de muitas políticas públicas apontavam um mau destino ao presidente.

Olhando para trás, muitos brasileiros que haviam votado Bolsonaro interrogavam-se sobre a opção tomada. Não porque estivessem arrependidos por terem contribuído para a derrota de Fernando Haddad, que substituíra Lula na “chapa” da esquerda, mas porque, manifestamente, Bolsonaro ficara muito abaixo das suas mais modestas expetativas.

Na realidade, Bolsonaro não foi eleito por si próprio, pela convicção maioritária na sua qualidade política, mas, pura e simplesmente, como cabeça de cartaz de uma coligação informal para travar o “petismo”. Claro que havia, e há bolsonaristas, pessoas seduzidas pelo seu discurso extremado, que vai do saudosismo da ditadura militar até à ideia de que, com o PT e o seu candidato no poder, o Brasil acabará por ter um futuro “venezuelano”.

Na Europa, curiosamente, nunca houve uma consciência real do impacto, por contraste, que o exemplo do “chavismo” sem Chávez havia provocado em muitos eleitores brasileiros. Além do mais, Lula e os seus foram sempre incapazes de condenar o regime de Caracas.

Enquanto largos setores da opinião pública internacional partilhavam alguma admiração pela figura de Lula, positivamente marcados pelo modo como a imagem do Brasil se tinha prestigiado nos seus anos de poder, uma maioria de eleitores, sinceramente convicta de que a corrupção tinha passado a estar na matriz do “petismo”, consagrou no voto em Bolsonaro toda a sua indignação.

Foi essa perspetiva de rejeição que ganhou e, com ela, Bolsonaro foi eleito.

À época, tinha ficado evidente que os políticos conservadores tradicionais haviam perdido a sua oportunidade, suspeitos que eram também de moscambilhas financeiras, surgindo muitos deles envolvidos em escândalos que minaram as suas hipóteses de serem escolhidos. Bolsonaro, vindo de fora do sistema, foi o feliz usufrutuário deste desencanto generalizado.

O novo presidente teve uma gestão errática. Começou por condenar a “velha política”. Esta resistiu, conseguiu convencê-lo de que era impossível obter soluções governativas sem o apoio dos partidos do “centrão”.

E, de um dia para o outro, o presidente optou por “costurar alianças” com os inimigos da véspera. Travou assim os riscos de “impeachment”, alargou a governabilidade, abrindo o governo a antigos críticos. E pode mesmo vir a conseguir ser reeleito.

O futuro da Europa


Nota-se, em alguns meios, um sopro de entusiasmo a propósito da ideia de uma nova conferência sobre o futuro da Europa. Começo por confessar que acho essa conferência, no momento que atravessamos, aquilo que alguns costumam crismar de uma falsa boa ideia.

Mas, é claro, se o tema vier a prosperar, não há como fugir-lhe. E, nesse caso, haverá que desenvolver uma posição portuguesa sobre o assunto, a qual, a meu ver, deveria ter um suporte político interno tão alargado quanto possível.

Vale a pena ter a coragem de assumir que o tão vilipendiado “centrão” foi a base política que nos permitiu, ao longo das últimas décadas, estruturar uma atitude europeia consistente, coerente e, o que é mais importante, vista de fora como uma vontade maioritária. Se a política europeia de Portugal tivesse ficado à mercê do vai-e-vem do CDS, do negacionismo do PCP e dos zigzags do Bloco, não teríamos ido longe.

Recorde-se que, por muitos anos, e desde o documento inicial de Roma, a estrutura institucional da Europa permaneceu inalterada. Foram o Ato Único Europeu e o Tratado de Maastricht que vieram a consagrar novas e substanciais adaptações de fundo no modelo de cooperação entre os Estados membros. Uma saudável onda de ambição atravessou então o projeto, soprada pelo ambiente do fim da Guerra Fria e pela noção de que uma Europa-potência, mais do que uma Europa mercado, era então possível, ancorada no eixo-franco alemão. A diluição dos nacionalismos, as oportunidades da globalização e, muito em especial, as vantagens óbvias do Mercado Único e o pesado custo da “não-Europa”, para usar a bela expressão de Delors, tudo isso criou um ambiente de euro-entusiasmo. Daí também o projeto do euro, em que já só alguns se empenharam, tal como, para a liberdade de circulação de pessoas, foi criado o acordo de Schengen.

Houve sempre, como sabemos, alguma ambiguidade quanto ao destino final do processo europeu. Uns diziam-se favoráveis a um salto federal, outros (entre os quais Portugal sempre esteve) privilegiavam um aprofundamento progressivo, outros ainda mostravam ser companheiros relutantes de jornada. Alguns mudaram entretanto de posição; nós não. Com pressões e cedências, foi-se andando.

A perspetiva de um grande alargamento, proporcionada ou forçada pelo fim da Guerra Fria, levou a que se procurasse adaptar as instituições, tendo como preocupação essencial a sua funcionalidade, para que a paralisia decisória nunca viesse a ter lugar. E, de caminho, foram aumentadas as competências da União, em especial em áreas que se tornavam essenciais para assegurar o êxito do mercado interno. Foram esses os passos dados em Amesterdão e Nice.

Ainda na lógica “delorsiana” de que a Europa é como uma bicicleta, isto é, de que é necessário continuar sempre a pedalar, sem o que se cairá para o lado, houve o sonho do Tratado Constitucional, logo travado pelo pesadelo dos referendos frustrados na França e nos Países Baixos. Com um jeito jurídico muito à moda de Bruxelas, foi possível dar a volta ao texto e retirar dele alguns dos seus maiores “escândalos” semânticos. E daí surgiu o Tratado de Lisboa, concluído durante a nossa presidência de 2007. É onde estamos hoje.

O que se passou na Europa, desde então? Muita coisa. Houve a crise financeira, seguida da das dívidas soberanas, emergiu uma inesperada e pouco saudável “diversidade” nas questões migratórias e no acolhimento dos refugiados, em certos Estados membros foi detetada uma deriva face aos compromissos de respeito pelos princípios do Estado de direito democrático.

A obsessão com a estabilidade financeira levou, entretanto, a gizar um outro tratado intermédio. A saída do Reino Unido trouxe, simultaneamente, um enfraquecimento do projeto mas, igualmente, para alguns puristas a ideia de que, finalmente, se pode caminhar sem esse empecilho.

Refundar a Europa? No estado de divisão interna que o projeto atravessa, com pulsões soberanistas e opiniões públicas a tê-la como bode expiatório das suas frustrações e medos, acho um suicídio tentar uma nova “síntese” a 27. Mas logo veremos!

Entrevista


Nunca tinha visto esta entrevista, depois de a ter gravado! Foi em 2008 que tive esta conversa, muito simpática, com Marina Pimentel e José Manuel Fernandes, difundida na RTP e na Renascença, editada também no Público.

Não tinha tido oportunidade de vê-la. Aqui entre nós, já nem me lembrava do que tinha falado! Hoje, uma pessoa mandou-ma.

Devo confessar uma imensa surpresa. Caramba! O embaixador português em Brasília permitir-se falar, para além dos temas do Brasil - língua portuguesa, CPLP, relações Brasil-EUA, conselho de segurança da ONU, relações brasileiras com Angola - do Iraque e de Bush, da atitude de Cavaco Silva sobre o reconhecimento do Kosovo, das relações com a China, da questão do Tibet e do modo como o Dalai Lama foi recebido em Portugal, de Timor, da política portuguesa de Direitos Humanos, da polémica em torno da presença portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim, da política europeia de Portugal, das relações transatlânticas e do modo como nós e Europa olhamos os Estados Unidos, enfim, da política externa portuguesa como um todo, foi uma imensa ousadia! Ah! E, 13 anos passados, não me arrependo do que disse, mas arrependo-me (muito!) da gravata!

(Apesar disso, alguém, que teve a paciência de ver e ouvir o que eu disse, avaliou: “Foste muito oficioso!”. Pudera! Era o mínimo que eu podia fazer!)

Dito isto, confesso que achei graça “rever-me”. Mas isso é normal! No passado, o futuro era melhor!

Pode ver aqui.

quinta-feira, fevereiro 18, 2021

“A Arte da Guerra”


Em conversa com António Freitas de Sousa, no “Arte da Guerra”, do “Jornal Económico”, abordamos hoje em video as próximas eleições legislativas em Israel, as pressões chinesas sobre Hong-Kong e a profunda crise político-social em que está mergulhado o Líbano.

Pode ver aqui.

Retrovisor


E é assim que se fala de Portugal por terras de De Gaulle.

Vou escrever uma carta de protesto ao Jean-Jacques Servan-Schreiber.

Vacinas

Dos 193 países que fazem parte da ONU, 130 ainda não receberam uma única dose de vacina.

O mundo não tem vergonha!

“ A Arte da Guerra”


Numa conversa com o jornalista António Freitas de Sousa, a que o “Jornal Económico” deu o nome de “A Arte da Guerra”, falamos da situação atual nos Estados Unidos, do novo governo italiano e do futuro do Kosovo, depois das recentes eleições legislativas.

A conversa pode ser vista aqui.

quarta-feira, fevereiro 17, 2021

Tratar do jardim


Para o mundo, George Schultz era a imagem sorridente da diplomacia dura dos Estados Unidos, no tempo de Ronald Reagan. Tendo substituído o erro de “casting” que tinha sido a escolha de Alexander Haig para o Departamento de Estado, Shultz revelou-se um pragmático inteligente.

Conseguiu o raro “milagre” de ter boas relações com o Conselheiro de Segurança Nacional, Colin Powell, e entendeu-se, às mil maravilhas, com Reagan, cujos instintos soube aproveitar muito bem e cujas gafes foi procurando evitar.

Coube-lhe desenhar, com reconhecido mérito, um tempo de aproximação tática com uma União Soviética que acelerava a sua decrepitude, a qual acabaria por redundar na sua implosão, resultante histórica para a qual, diga-se, os Estados Unidos muito trabalharam.

Schultz, de quem o mundo há muito não ouvia falar, morreu agora, com 100 anos.

Creio ter sido nas suas memórias que Schultz crismou a ideia de que fazer diplomacia era, basicamente, como tratar de um jardim: era necessário dar atenção constante aos diversos canteiros, em especial evitando que as ervas daninhas acabassem por arruinar o espaço. Peço perdão, se a metáfora não era exatamente assim, mas cito de cor.

Não sendo uma coisa muito sofisticada, a ideia tem os seus méritos práticos. Manter um mínimo de atenção em relação a cada uma das vertentes daquilo que constitui um quadro de relações externas, não deixando que um excesso de concentração em algumas temáticas, conjunturalmente mais relevantes, obscureça as outras dimensões e as deixe degradar, parece uma linha política saudável.

Os Estados são como as pessoas e, às vezes, também ocorre os espaços políticos serem amigos entre si. E os amigos cultivam-se, frequentam-se. Deixar cair, por desleixo diplomático, algumas dimensões nas relações internacionais é uma péssima prática. Não é prudente, nem sábio.

Vem isto, uma vez mais, a propósito da União Europeia e da sua afirmação externa. Pode ser que alguns achem errada esta perceção, entendendo que ela não corresponde à realidade dos factos. Mas, em política, como diria o outro, o que parece é.

E a mim parece-me muito evidente que, obcecada com o errático parceiro transatlântico, irritada com Moscovo, atrapalhada com a China, a União não presta a devida atenção à dimensão mediterrânica de onde emanam tantos problemas, tem uma retórica rotineira para a África, vive apenas a sua vocação comercial com a América Latina.

Se Bruxelas esquece isso, há que lembrar-lhe. E as presidências também servem para tal.

terça-feira, fevereiro 16, 2021

Carmen Dolores


Há dias (melhor, há noites), nas minhas voltas noturnas, passei por lá, pelo espaço onde foi a Casa da Comédia. Creio que foi já há bastantes anos que desapareceu aquele pequeno teatro na Lapa.

Devo lá ter ido umas duas ou três vezes. No entanto, apenas recordo uma única peça, com Carmen Dolores e Augusto de Figueiredo. E, pelas datas, só pode ter sido “A dança da morte em doze assaltos”, de Dürrenmatt, em 1972, encenada por Jorge Listopad, que tinha sido meu recente professor de ... russo!

Lembro-me da voz inconfundível de Carmen Dolores. E também de Augusto de Figueiredo, com uma maneira de dizer um pouco “à antiga”, muito enfático, mas um excelente ator. 

Mas nada dessa memória de vozes tem a ver com essa minha ida à Casa da Comédia. Nesse tempo, a (única) televisão que existia passava imenso teatro. Por isso, quem tem hoje uma certa idade viu representar, em teatro televisivo, todos os grandes (e outros um pouco menos) atores portugueses. E quem é mais novo também assistiu a alguns a reconverterem-se às telenovelas, porque tristezas não pagam dívidas.

Há pouco, foi noticiado que Carmen Dolores morreu hoje, com 97 anos.

Nas conversas não há cedilhas

Ia eu, pela noite, a fazer a minha caminhada, quando chegou o telefonema, de um amigo, leão e de forte esquerda: “Dupla vitória, não foi?”.

O Sporting tinha acabado de ganhar 2-0. Mas ”dupla vitória” porquê?

“Então! Ganhámos e derrotámos o Paços!”.

Nas conversas não há cedilhas...

segunda-feira, fevereiro 15, 2021

A Ajuda, Trotsky e o “Expresso”


Parece que já muito pouca gente se lembra da “pouca vergonha” que era a entrada traseira do Palácio da Ajuda, aquela chaga sinistra num edifício com alguma dignidade, mas que, à moda de Santa Engrácia, ficou incompleto mais de dois séculos. Mas, para que isso se atenue, vou deixar aqui uma retrato desses tempos.

Recordo-me de discussões, nos anos 80 e 90, sobre a necessidade de pôr cobro àquela indignidade, como tenho ideia de outros projetos surgidos, e nunca levados à prática, que foram engrossar a imensa torre do tombo onde foram têm sido arquivadas ideias arquitetónicas que nunca disso passaram.

Nos anos em que Luís Castro Mendes foi ministro da Cultura de António Costa, a ideia de “fechar” aquele espaço, com uma obra de novo estilo, foi retomada.

Saudei-a, com sincero entusiasmo, por aqui. Brinquei então com o facto de que o ministro poderia ficar “na História” se conseguisse lançar as bases da conclusão do palácio. E ele conseguiu.

Um dia, com a pompa republicana e os capacetes de segurança da praxe, lá vi Castro Mendes e Fernando Medina arrancarem com a obra - a qual, para surpresa de muitos, avançou mesmo e, ao que parece, vai agora concluir-se.

Castro Mendes, entretanto, deixou o governo, mas a obra que lançou, e cuja iniciativa promoveu, ali está e vai ficar, à vista de todos.

O “Expresso” publicou, entretanto, um longo texto sobre a obra. Mas aí consegue, voluntária ou involuntariamente, com a capacidade de ilusão de um Luís de Matos, retirar Castro Mendes da "fotografia". Terá sido deliberado? Nem quero crer!

Quem há muito conhece Luís Castro Mendes, como é o meu caso, sabe que ele andou, em tempos, nas bordas do “trotskismo”, essa doutrina persistente que sempre me surge, bem vincada na cabeça, quando dou por mim a partir gelo com um martelo.

Ora sabe-se que Trotsky foi, militantemente, "apagado" das fotografias históricas por Stalin, seguramente por tricas bolchevistas de alcova, que não vêm aqui para o caso. Houve mesmo um tal Mercader que se meteu ao barulho.

Não se suspeitava, no entanto, é que o “Expresso” pudesse sofrer, nos dias de hoje, de uma qualquer deriva estalinista, anti-trotskista, disso resultando o "apagamento" de Castro Mendes da fotografia das obras do Palácio da Ajuda.

Não excluo, repito, que possa ter-se tratado apenas de um erro pontual. Mas, a sê-lo, e sendo os factos o que são, não ficaria mal ao “Expresso” reconhecê-lo.



domingo, fevereiro 14, 2021

De capot aberto


O país do mundo onde me recordo de ver mais capots de carros abertos foi, sem a menor dúvida, a República Democrática Alemã. Por aquelas ruas e estradas, os históricos Trabant pareciam ter sido construídos para estarem com a bocarra à espera de um mecânico ou, muito simplesmente, sedentos de óleo ou água.

O Trabant foi uma espécie de Carocha de terceira classe, criado do outro lado do muro. Há não muitos anos, já na Berlim sem a parede a meio, assisti a um desfile de Trabant, hoje uma relíquia dos “maus tempos” do Leste Europeu - embora eu saiba que, lá no fundo, ainda há por aí uns saudosistas desse triste mundo a-preto-e-branco.

Lembrei-me dos dias dos Trabant quando, há pouco, fiz figura de cidadão leste-alemão numa rua de Lisboa. De capot do meu carro aberto, com o aquecimento do carro a saltar, num instante, do amarelo para um vermelho alarmante, lá fui eu, em dia de confinamento, de táxi, à procura de líquido refrigerador.

Pois isso! As estações de serviço hoje só vendem combustíveis e “comida empacotada”, como me foi dito em dois desses locais.

Desde há muito tempo que criei uma carapaça psicológica, algo artificial mas muito eficaz, que me tem dado um jeitão: quando alguma coisa me corre mal, nas coisas simples da vida quotidiana - se um vidro se parte, se um pneu tem um furo, se há um risco novo na pintura, se perco os documentos ou as chaves -, dou a mim mesmo apenas um minuto para me aborrecer com o assunto. E, a partir daí, penso: “É a vida!”. E não perco nem um segundo mais do meu tempo a blasfemar contra a sorte. Era só o que faltava que um qualquer azar me viesse estragar os dias! Em tempos normais, aliás, quando uma coisa assim acontece, procuro rir-me e vou mesmo beber um copo, de homenagem à imensa sorte que é estar vivo. (Em anos fora da pandemia, costumo usar o mesmo truque para as derrotas do Sporting. E também funciona! Nesra temporada, não tem sido preciso. Cruzes! Canhoto!)

O simpático taxista, que tinha ido comigo tentar encontrar o líquido refrigerador, constatada a impossibilidade de compra, iniciou logo um discurso a atacar as regras impostas às lojas, a insensatez de não deixarem vender óleo e outras coisas assim. E, claro, como qualquer sábio de esquina, tinha teoria assente de como “devia ser”.

E deve ter ficado um pouco desiludido quando me viu reagir num sentido em tudo contrário ao seu: “Isto não tem a mais pequena importância! Passa-se por um indiano, compram-se duas garrafas de água e desenrasca-se o assunto. Com um dia tão bonito como está, só faltava eu estar a aborrecer-me com as regras do confinamento. Se as coisas têm de ser assim, que sejam, pronto!”

O homem embatucou. Tinha querido ser solidário com a minha (moderada) desventura e via-me (não via, porque eu usava máscara) a sorrir com a vida, mesmo com o dia a não me correr de feição. “Que tipo estranho!”, deve ter pensado! E lá me levou de volta ao meu carro, que continuava de capot aberto, a arrefecer, ajudando-me mesmo a pôr a água do Luso, muito por conta da boa gorgeta que eu lhe tinha dado.

Contei, divertido, esta história a um amigo, a quem telefonei a pedir um conselho sobre os tempos do fim do meu carro (que, com mais de 15 anos, bem mais de 200 mil kms e a gastar mais do que 10 litros de gasolina aos 100, já está a pedir reforma ou “lay off”).

Ao ouvir a reação que eu tinha tido perante os protestos do taxista, teve esta saída: “Havia de ser no tempo do Passos! Estavas aí a clamar contra o governo, não era?”.

E não é que ele é capaz de ter alguma razão?! O que só prova que o António Costa no governo me põe bem disposto. Pode dizer-se melhor de um governo do que afirmar que ele nos põe bem dispostos?

(E, agora, façam favor: os comentários são livres).

“Observare”


No “Observare” desta semana, na TVI 24, falamos das eleições na Catalunha, no quadro dos equilíbrios políticos em Espanha, bem como das aventuras de Josep Borrell no país de Vladimir Putin, com análise à diplomacia de uma Europa muito dividida estrategicamente. Por mim, falei tambem dos direitos de cidadania das mulheres na Arábia Saudita e da repressão aos dissidentes na China.

O programa pode ser visto aqui.

sábado, fevereiro 13, 2021

Um Presidente é assim!



Há dias, publiquei por aqui uma fotografia do arco da rua Augusta. Também o fiz no Twitter. Alguém, olhando o cabo que pendia, à vista, perguntou por lá: “Que cabo é aquele?”

Respondi que era “o cabo dos trabalhos”. E acrescentei: “Já pedi ao Fernando Medina para o tirar. Tentarei de novo, para a semana”.

(Claro que não tinha pedido nada! Era pura brincadeira).

Passaram 48 horas. No mesmo Twitter, Fernando Medina publica uma nova foto do arco, já sem o cabo pendente, com a nota: “Já foi retirado, caro Francisco. Cumprimentos”.

Estar atento à cidade a que preside qualifica um Presidente.




Um mau dia


Era preciso resolver aquele assunto, que já se arrastava há uns tempos. Se tentasse fazê-lo através do MNE, com ofício para cá e para lá, as coisas não iam funcionar. Provavelmente, um contacto com a pessoa certa seria suficiente para desbloquear o problema. E pessoa certa era o presidente da Câmara Municipal de ... Eu tinha-o conhecido, uns anos antes, e lembrei-me de lhe telefonar.

Era então embaixador em Brasília. Disse à minha secretária: “Ligue-me para Portugal, para a secretária do presidente”, acrescentando o nome da Câmara que o homem chefiava. Como mandam as regras de boa educação telefónica, disse que me passasse o secretariado, porque queria já estar no outro lado da linha, quando o edil viesse a atender.

Passaram uns minutos e a minha secretária disse-me que estavam a responder do gabinete do presidente. Era uma voz de senhora. Estranhei o tom que me chegou do outro lado, num registo muito baixo, quase sussurrante. Expliquei quem era e que gostaria de falar uns minutos com o “senhor presidente”.

Notei que a senhora, embora muito delicada, continuava um tanto atrapalhada. Começou por dizer: “Vai ser difícil!” Eu percebia que o homem podia estar em reunião, que não fosse possível interrompê-lo. Tantas vezes me acontecia a mim o mesmo. Perguntei a que horas podia ligar ou se seria possível ao ”senhor presidente” ligar-me de volta.

A atrapalhação, do lado da senhora, continuava. “Hoje vai ser mesmo muito difícil!”. Pronto, paciência, tentaríamos num outro dia! E preparava-me para desligar, dizendo à minha secretária para me relembrar o assunto, quando a minha interlocutora, sempre quase ciciando, adiantou as razões, bem fortes, para o impasse: “Sabe, o senhor presidente está ali ao lado, no gabinete, com a Polícia Judiciária, que veio, de surpresa, revistar as papeladas da Câmara! Hoje é um dia mau!”

Caramba, claro que era um péssimo dia! Não se falava mais nisso! Desliguei, disse que esperava que corresse “tudo bem”, já com pena do homem, embora não fizesse a mais leve ideia do assunto que o envolvia. E tive o pudor de não insistir, nos dias seguintes. Aliás, nunca mais liguei!

Anos mais tarde, na imprensa, vi que todas as imputações que tinham levado as autoridades da justiça ao seu gabinete, nesse malfadado dia em que eu tinha tido a extraordinária “pontaria” de lhe telefonar, não tinham o menor fundamento. Era um homem honestíssimo!

Por que é que me lembrei disto, agora? Porque, há minutos, numa notícia digital, já antiga, me surgiu o nome do homem. Ah! E o meu assunto? Sei lá! Pode ser que o tempo o tenha resolvido...

sexta-feira, fevereiro 12, 2021

Forum Demos


Álvaro Vasconcelos anima o “Forum Demos”, onde regularmente se passam debates do maior interesse. Foi esse o caso hoje.

quinta-feira, fevereiro 11, 2021

“Take away”


Não achas que pode ser um pouco chocante, neste tempo em que há mais gente desempregada, em que tantas famílias passam por dificuldades, estar a falar de serviços de “take away” de restaurantes, que não são propriamente baratos, a que nem todos podem ter acesso?”.

Há pouco, ao referir, ao telefone, a uma pessoa amiga, a minha intenção de dar nota de três restaurantes aos quais, nos últimos tempos, recorri, para encomendar refeições, recebi a resposta com que abro este texto.

E respondi assim: “E achas que as pessoas que trabalham nesses restaurantes não têm família para sustentar, não precisam de encomendas e não têm de fazer algum negócio para pagar as rendas e os seus empréstimos?” A pessoa amiga concordou.



Pronto, aqui vai o que quero dizer: mandei vir refeições dos excelentes “Salsa & Coentros”, do “Poleiro” e do “Nobre”.

Nos três casos, fiquei muito satisfeito com o serviço. E isto não é publicidade. Foi um serviço pago, a preços que não me pareceram excessivos. É só isto que queria dizer.



“Flatiron” à moda da Madragoa


 

quarta-feira, fevereiro 10, 2021

“Atlantic Talks”


Filipe Santos Costa é um jornalista cujas qualidades ultrapassam, em muito, a peculiar circunstância de partihar comigo as mesmas iniciais. Leio-o por aí com regularidade e, gostava de dizer, tenho pena de o não ler mais. Quem quiser perceber a política portuguesa de décadas recentes não pode deixar de conhecer a obra sobre o jornal “O Independente” que, há alguns anos, escreveu com Liliana Valente. Não sei mesmo se alguns já lhe perdoaram essa ousadia...

Há semanas, chegou-me, “por mão amiga” (já não se vê muito escrita esta simpática expressão antiga), um livro, editado pela Fundação Luso-Americana (FLAD), em que Filipe Santos Costa entrevista vinte personalidades portuguesas sobre a influência dos Estados Unidos da América em Portugal, nos últimos 35 anos, os mesmos que a FLAD leva de existência. O volume chama-se “Atlantic Talks” e traz-nos visões, frequentemente bastante informativas, sobre diversas áreas. As entrevistas podem ser apreciadas nos “podcasts” originais.

Os livros institucionais são, muitas das vezes, uma imensa chatice, servindo apenas para encadernar a rotina da casa que os edita e encher-nos as estantes. Não é, manifestamente, o caso de este. Rita Faden, presidente da FLAD, está de parabéns por esta bela iniciativa.

Não vou destacar nomes, dentre os entrevistados no livro, para que se não diga que, a contrario, estou a não querer relevar outros. Nem sequer vou colocar a fotografia da capa, indiciando alguns dos entrevistados, para não facilitar a vida aos medíocres preguiçosos do “Ah! O livro tem uma entrevista com essa? Ora aí está uma boa razão para não o ler!”.

Imagino que, no site da Fundação, possam saber mais sobre esta bela iniciativa.

Fomento de polémica

É chicana politiqueira a polémica sobre a escolha do presidente do banco de Fomento. Haverá, no mundo financeiro, alguém que tenha capacidade técnica para presidir a um banco e que, simultaneamente, não tenha passado por instituições bancárias onde tenha havido problemas?

RTP

Não deve haver órgão de comunicação cujas “bad news” sejam tão “saudadas” pelos seus “camaradas” de “métier“ como a RTP. A bisbilhotice sobre a vida da empresa tem mesmo os seus “especialistas“ quase diários, acolitados por compacentes “correspondentes”, que lhes alimentam o fel da má língua.

CDS

Acabam de me garantir que não tem o menor fundamento a ideia, posta a correr, em alguns meios maldosos, de que a crise que abalou o CDS, nas últimas duas semanas, teria sido criada com o único objetivo de garantir ao partido alguns títulos e artigos de imprensa, bem como tempo de antena nas TVs.

Brasil

Olhando o debate político no Brasil, fica a sensação de que o PT, ao insistir na aposta no nome de Lula e, no caso de ela falhar, no seu “genérico” Haddad (o nome menos ”poluído” dentro das ”cartas” que o partido pode apresentar), não terá aprendido suficientemente as lições do passado.

Ao pretender continuar a hegemonizar a liderança da esquerda, sem fazer um compromisso de modéstia com forças e personalidades mais ao centro, o PT pode estar, irremediavalmente, a afastar-se da possibilidade de voltar a ser uma alternativa de poder.

Em baixa!



A Baixa está bastante em baixo! Melhores fotógrafos e mais turistas virão! 

Um poder solitário


Há dias, ao ver o ministro russo Sergei Lavrov assumir uma atitude de arrogância para com o chefe da “diplomacia europeia”, Josep Borrell, travei, num segundo, a vontade de rir que a cena me deu. Era a União Europeia que ali estava a ser humilhada - e isso não deve regozijar quem se sente solidário com esse projeto. Naquele instante, contudo, tive uma melhor perceção do drama que, nos dias de hoje, atravessa o poder europeu, na sua expressão internacional.

Não vale a pena entrar muito pelo detalhe do óbvio, que já foi dito e redito: a União Europeia é um gigante económico e um anão político. Já foi mais gigante e já foi mais anão. Sob o impulso de alguns Estados membros e desajudado por outros, a União tentou, nas últimas décadas, afirmar-se no cenário internacional das potências. Quer o Brexit quer os anos Trump funcionaram, contudo, a contra-ciclo desse objetivo, a que o Tratado de Lisboa tinha procurado dar algum músculo internacional.

Onde está hoje a Europa, como poder, pelo mundo?

Com a Rússia, depois de, há anos, ter alinhado na aventura ucraniana da administração Obama, soprada pelo ódio anti-Moscovo que prevalece no Leste da sua geografia, a União tem a relação que ficou patente na cena Lavrov-Borrell. Há quem deseje um divórcio total com Moscovo, há quem veja a Rússia como parceiro incontornável mas, por ora, algo incontrolável.

Com os EUA, ignorada no primeiro discurso sobre política externa de Joe Biden, Bruxelas pode estar já a pagar o preço de um apressado “acordo de princípio” de investimento com a China, o qual, sendo uma afirmação legítima da sua “autonomia estratégica”, arrisca consequências nefastas no relacionamento transatlântico. Se o pendor multilateralista da nova administração americana abre um mundo de esperanças, há muito quem, na Europa, não esteja disponível a comprar a boa vontade americana a custo de uma subalternização e tutela política.

Com a China, a Europa não se decidiu ainda sobre o que fazer: como compatibilizar o aproveitamento das fantásticas oportunidades económicas sem perder o ensejo de se mostrar firme perante as posturas autocráticas, e estrategicamente desafiadoras, de Beijing.

E poderíamos continuar, por aí adiante. A verdade é que a União Europeia dos novos tempos é um compósito com contradições internas longe de superadas, espelha interesses frequentemente contraditórios e, o que é mais preocupante, não parece a caminho de afirmar uma unidade de propósitos estratégicos. Ora isso é que carateriza uma potência.

terça-feira, fevereiro 09, 2021

Medidas de contingência

 


A mulher coragem


É uma mulher com algumas vidas, com muitos livros, com imensos amigos, com uma coragem acima do mundo. À minha amiga Leonor Xavier, a existência tem pregado partidas, sustos e, às vezes, jogado com ela às escondidas. A Leonor, com aquela voz rouca e doce que, à primeira vista, poderia transportar um discurso naïf, é alguém que descobriu que as dificuldades se agarram de caras, que os problemas se resolvem combatendo em terreno aberto. É uma cabeça arejada, positiva, que olha as pessoas de frente, guiada por uma ética à prova de bala, com valores que caldeou ao longo dos anos. Quando saímos do seu convívio, das conversas sempre interessantes que com ela temos, fica-nos uma admiração imensa pela sua força e determinação. Posso dizer uma coisa muito sincera, sem correr o risco de se julgar que estou a fazer um ’número’?: saio sempre melhor do que me sentia, depois de falar com a Leonor, nem que seja apenas pelo telefone. Mas, claro, tenho saudades dos almoços lentos no Ribatejo, das ocasiões em que ela sabe juntar a gente certa, para horas divertidas, coisa que a pandemia interrompeu. Lembrarei para sempre aquele seu aniversário louco, com baile, na Barraca! E a poesia na igreja do Rato. E o debate sobre o Brasil no El Corte Ingles. E as histórias com Sérgio Godinho e Nélida Piñon no CCB. E também me fazem falta as noites na Dois, no Procópio, com a Leonor a dar a deixa para as gargalhadas da Alice. Em outros tempos, também com o Raul por lá, depois os tempos passaram a ser com alegres saudades dele. A Leonor faz sempre da vida uma festa - e, para nossa sorte, convida-nos para ela!

A Leonor publicou agora, renovada, uma carta que acho que devia ser lida por muita gente. Quando há tanto défice de esperança, há por aí gente, como a Leonor, que tem um admirável superávite de coragem. Como podem ler aqui.

Os Estados Unidos e a China


 Pode ler aqui.

A União Europeia e a Rússia

 


Leia aqui.

Deve haver uma sa-brosa...

 


Os estaleiros


Desde que, em criança, passei a ir de férias, todos os anos, para a terra do meu pai, Viana do Castelo, os “estaleiros” faziam parte do meu cenário da cidade. Rara era a pessoa conhecida que não tinha familiares que ali trabalhavam. Quando se atravessava o campo da Senhora da Agonia, para as tardes na Praia Norte, vinham dos estaleiros barulhos metálicos imponentes, com sirenes que soavam estranhas ao miúdo que eu então era. Os estaleiros eram parte integrante da personalidade da cidade, como a ponte Eiffel ou Santa Luzia. Para mim, que vinha de uma Vila Real quase sem indústria, aquilo e a vizinha doca comercial eram um luxo que dava a Viana um ar de grande urbe.

Veio o 25 de abril e surgiram muitas notícias dos estaleiros, falava-se de navios vendidos à Rússia. Depois, com o correr do tempo, os jornais trouxeram relatos sobre os altos e baixos daquela fábrica de barcos. Há uma década, viu-se Viana na rua, mobilizada pela polémica que envolveu a privatização dos estaleiros, um assunto que se transformou num caso nacional. Agora, de quando em vez, os estaleiros ainda voltam à baila.

Há pouco tempo, vi que a Câmara Municipal de Viana publicou um livro intitulado “O Estaleiro da saudade - gerações, cultura e desfecho”. Como expectável, é uma memória nostálgica assente no outro tempo dos estaleiros. É uma peça editorial bonita e bem documentada, que acolhe memórias e imagens, para mim inéditas, de outros tempos da empresa, com notas humanas das alegrias e tristezas de quem nela trabalhou. Curiosamente, o livro não se fecha apenas no passado, soube abrir a porta àquilo que aquela empresa hoje é, embora não escondendo nunca para que lado o seu coração pende.

Li, com gosto, “O Estaleiro da saudade”. Aprendi bastante sobre uma realidade que, embora sempre ali estivesse, por décadas, à frente dos nossos olhos, arrastava, por detrás das suas paredes, muitas vidas e muitas emoções.

segunda-feira, fevereiro 08, 2021

Cassandra

Há por aí pessoas tão catastrofistas e com alma de Cassandra que passam a imagem de que estariam dispostas a sacrificar alguns anos da sua vida só para terem o “prazer” de poderem testemunhar, dando assim razão a si mesmas, na lógica do “eu bem dizia!”, o “fim do mundo” que, dia após dia, insistem em prever.

Conselho para reuniões

À volta de uma mesa de reuniões, é sempre bom lembrar a máxima de Pierre Desproges: "Il vaut mieux se taire et risquer de passer pour un con, plutôt que l'ouvrir et ne laisser aucun doute à ce sujet."

“Super Bowl”


Nunca me passou pela cabeça ver um “Super Bowl”. Mas há muitos milhões de doidos por aquilo! Há anos, em Nova Iorque, numa conversa, caí na asneira de dizer que, nessa noite, pensava ir ao cinema. Dois americanos olharam para mim com um ar que nunca mais esqueci...

Confiança

O cúmulo da confiança é um amigo, tão sportinguista como eu, que ontem, depois do empate do Porto, comentava, em tom já sério: “Alguém tem de começar a mexer-se para se garantir autorização para podermos comemorar no Marquês. Se os comunistas fizeram a Festa do Avante...”

Verde

Se este ano não ganhamos o campeonato, então não sei quando é que o voltamos a ganhar!

domingo, fevereiro 07, 2021

António Barreto

António Barreto, um homem inteligente e culto, desenhou, ao longo dos últimos anos, uma laboriosa e sofisticada narrativa sobre o país. A necessidade de ter de a republicar todas as semanas, renovando-a semanticamente, tem-se revelado uma tarefa pesada e nem sempre com sucesso.

“Observare”


No programa desta semana, sob a coordenação de Filipe Caetano, Carlos Gaspar, Luis Tomé e eu analisamos a ratificação (e não a retificação, como, por lapso, surge no título do vídeo) pelos EUA da extensão, por cinco anos, de acordo nuclear com a Rússia, bem com a situação política após a ação dos militares no Myanmar.

No meu caso, referi a censura à internet na Índia e um apelo, num artigo de Merkel, Macron, Guterres e outros subscritores publicado na imprensa internacional, para um esforço multilateral assente na luta comum contra a pandemia.

Pode ver aqui.

Sergey Lavrov


Nas Nações Unidas, em Nova Iorque, existe uma sala imensa, conhecida por Indonesian Lounge. É um espaço aberto, com cadeirões e cadeiras, a toda a volta. Serve para encontros breves, entre políticos ou diplomatas: consultas, apresentação de uma candidatura, transmissão de uma mensagem. Passei por lá horas, em “rapidinhas” diplomáticas de toda a natureza. O mesmo aconteceu, com toda a certeza, com quem me antecedeu e sucedeu.

Quando cheguei a Nova Iorque, em março de 2001, vai agora fazer 20 anos, e como é costumeiro, fui cumprimentar colegas embaixadores (além da imensa “máquina” onusina). Em regra, para um país como Portugal, visitam-se os representantes da União Europeia, os de língua portuguesa, os dos países membros permanentes do Conselho de Segurança, um número importante de latino-americanos, asiáticos e africanos com relações fortes connosco e uma dúzia de “key players”. Mas eu decidi mudar um pouco o registo: fui visitar os representantes de todos os países. Todos? Todos. Os então 190! Posso estar enganado, mas acho que nunca ninguém fez isso! Nem imaginam a trabalheira que aquilo me deu! Mas, um dia, explicarei por que assim procedi.

Um dos primeiros embaixadores que quis visitar, logo que cheguei a Nova Iorque, foi o russo, Sergey Lavrov, desde há 17 anos ministro dos Negócios Estrangeiros do seu país.

Com os EUA, a Rússia é a “chave” das Nações Unidas. Claro que há a China e, naturalmente, o Reino Unido e a França - os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, os chamados P5, no fundo, o diretório que manda na “casa” e sem o acordo dos quais nada se faz.

Em particular à época, Moscovo e Washington determinavam fortemente o dia a dia da organização. Os EUA viviam então as primeiras semanas da administração George W. Bush e, após a saída do embaixador de Bill Clinton, Richard Hallbrook, tinham apenas um encarregado de negócios (substituto do embaixador). Ora Portugal, com a Rússia e os EUA, compunha então a “troika” de acompanhamento do “processo de paz” em Angola. 

Lavrov foi muito simpático. Respondendo pessoalmente ao pedido de audiência que tinha sido feito por secretárias, telefonou-me a convidar para jantar em sua casa, na semana seguinte, com amigos. Mas também percebeu que não era bem isso que eu pretendia. “Estás livre, amanhã à tarde, ás 15 horas, para falarmos, no Indonesian Lounge, Francisco”. Claro que sim. Estranhei um pouco o “Francisco” e não terei retorquido “Claro, Sergey!”

E lá falamos, no dia a seguir, no tal espaço, os 20 minutos da praxe, comigo a deixar-lhe todas as mensagens políticas que queria. Sergey Lavrov foi extremamente simpático, como o seria durante todo o tempo em que coincidimos em Nova Iorque. Ele já tinha já tido um relacionamento exemplar com o meu antecessor, António Monteiro. Era um “vieux routier” e um excelente diplomata. Ficámos amigos.

A certa altura, com um sorriso aberto, foi pedagógico para o “newcomer” que eu era. E disse: “Posso dar-te um conselho, de quem já anda aqui há muito tempo?” (Lavrov chegou sete anos antes de mim e acabaria o seu posto dois anos depois de eu sair).

Apontou então para uma esquina que existe, na entrada do Indonesian Lounge, que é um espaço aberto, que não tem propriamente uma porta de entrada: “Cuidado com aquela esquina!”

Fiquei perplexo! Que diabo de especial tinha aquela esquina? Ele explicou: “Nos próximos tempos, vais regressar a esta sala centenas de vezes. Tens de contornar aquela esquina o dobro dessas vezes, na vinda e na ida. De repente, à entrada ou à saída, depararás com um colega nosso - somos quase 200! -, de um qualquer país, africano ou asiático. Vais ter apenas dois ou três segundos para te recordares se ele é o representante do Niger ou da Nigéria. Se lhe disseres “bonjour” e for o da Nigéria, ele nunca mais te perdoará. Se for o do Niger e lhe disseres “good morning”, esquece para sempre o apoio do país dele em qualquer eleição futura! Basta lembrares-te de como te sentirias se te confundissem com o embaixador de Espanha!” Como ele tinha razão! Além disso, Lavrov cuidava em saber os nomes de cada um de nós. Sempre sem falhas.

Ontem, ao vê-lo dar um “baile” de diplomacia agressiva, e até arrogante, ao Alto-Representante da União Europeia, Josep Borrell, “reencontrei” o excelente (e feroz) diplomata russo que é Sergey Lavrov.

sábado, fevereiro 06, 2021

“Observare”


Daqui a pouco, na TVI 24, de sábado para domingo, depois do noticiário da meia-noite, estarei no “Observare”, com Carlos Gaspar e Luís Tomé, sob a coordenação de Filipe Caetano, a falar dos acordos de armamento entre os EUA e a Rússia e da turbulência política em Myanmar.

Centrices

A ideia de que António Lobo Xavier seria capaz de utilizar o seu estatuto profissional no BPI para influenciar a política de crédito do banco (e este vergar-se ao “golpe”) em desfavor do único partido da sua vida é uma das maiores imbecilidades da temporada.

Livros

Em algumas incursões que (quando posso ou podia) faço por livrarias, penso sempre (mas esqueço logo) esta ideia: mas, afinal, lá por casa, não há ainda uma imensidão de livros para (por) ler? E reajo logo a tão desconfortável ideia.

CDS

A sobrevivência do CDS, com um património democrático que soube resistir ao revanchismo bombista mais reacionário, bem como a várias e contraditórias manobras de apropriação cesarista, com derivas pelo liberalismo paroquial, seria um bom sinal para o sistema político. Acreditem!

Ainda a vacina

Ter ou não ter vacina a tempo pode ser uma questão de vida ou de morte. Mas é precisamente nas questões essenciais, mesmo nas de vida ou de morte, que se mede o estofo ético das pessoas. Quem não espera pelo momento que lhe compete na vacinação é, além de um cobarde, um canalha.

O raio do vírus

No início, ouvíamos de falar de casos de desconhecidos. Depois, de nomes mais sonantes. Seguiram-se conhecidos, alguns amigos. Vieram, em seguida, os mortos próximos. “Está ventilado!”. Ou o alívio: ”Saiu dos cuidados intensivos!”. Se não morrermos da pandemia, morremos de susto.

Sem adjetivos

Pacheco Pereira explica no “Público”, com meridiana clareza, que a democracia não se “adjetiva”. Vulgarizou-se o uso laudatório da “democracia liberal”, zurzindo, em contraponto, o conceito de “democracia iliberal”. Ou há democracia ou não há democracia!

Contrição

Quando o Sporting foi buscar ao Braga, por um preço brutal, o treinador Rúben Amorim, pareceu-me um exagero.

Agora, vendo o trabalho feito (nada está ganho, claro!) e, em particular, a sua atitude serena (nunca lhe ouvi a voz, porque não vejo nem um segundo de “futebol falado”), dou a mão à palmatória.

O “ministro”


É uma vergonha para a União Europeia colocar-se na posição do seu “ministro dos Negócios Estrangeiros” ter de ouvir isto. E calar-se.

Não se vai a Moscovo mandar ”bitaites” (embora cheios de razão) sobre política interna russa sem ter capacidade de reagir com ações concretas.

Fados e pandemias

Ver na televisão programas filmados em casas de fados, com pessoas encostadas umas às outras, faz pensar: vai ser possível repetir aquilo no futuro, ali como nas caves de jazz e em outros locais com muita gente e pouco espaço? Vai haver alguma vacina contra o medo?

Biden

Vale a pena refletir na razão pela qual Joe Biden, no seu muito pensado primeiro discurso sobre política externa, não teve uma única palavra para a União Europeia - embora falasse do Reino Unido, da França e da Alemanha. E, ao dizer isto, não estou a criticar a União Europeia.

Nós e os outros

Não é agradável, para Portugal, surgir aos olhos dos outros em estado de necessidade, nesta pandemia. Mas é muito agradável assistir a mostras concretas de solidariedade, sem politiquices. Devemos tomar muito boa nota disso.

sexta-feira, fevereiro 05, 2021

Expliquem lá!

Este blogue tem uma média diária regular de leitores que segue, quase sempre, acima dos 1500. Até aqui, tudo bem: é um número muito lisonjeiro. Mas agora expliquem-me lá, se souberem, por que diabo, de ontem para hoje, passou largamente os cinco mil leitores! É que eu não escrevi nada que pudesse dar origem a este “alvoroço”! Ele há cada mistério!

Margens

Na ”segunda circular”, vistas bem as coisas, há uma imensa distância entre ambos os lados.

CDS

Com a quantidade de pessoas que, nos últimos dias, se têm demitido da direção do CDS, aquilo devia ser uma montanha de gente! (Que me perdoem a graça os amigos que tenho naquela estimável agremiação).

Os maluquinhos do “não é por acaso que...”

Não há nada de mais descredibilizante para um boato do que ouvir um amigo dizer: “Nem eu, que acredito em todas as teorias da conspiração, caio nessa!”

Pronto, fui à rua!

 


... com máscara, claro! 

quinta-feira, fevereiro 04, 2021

Presidência portuguesa

 


Coitados!

Há, por aí, um “jornal” zangado com a vida. Clica-se qualquer coisa, da alinhada opinião às notícias comentadas, e é um “vale de lágrimas”: tudo está mal, há um “finis patriae” ao virar da esquina. Diz-se que têm uma edição otimista, mas é longe para se ir comprar: parece que é em Massamá.

As palavras, o seu sentido e as vacinas

Perguntaram-me, de um jornal, se achava que António Costa devia suscitar na Europa, dada a sua qualidade de primeiro-ministro do país que tem a presidência, a possibilidade de virem a ser adquiridas as vacinas russa e chinesa. Achei a ideia muito bizarra. Tentei explicar que, depois da decisão política do Conselho Europeu de colocar em comum as aquisições, foi à Comissão Europeia, instituição executiva da União, que competiu negociar as vacinas e até financiar a investigação pelos laboratórios. Qualquer nova iniciativa no domínio do alargamento das compras seria assim da sua responsabilidade. Mas um Estado membro poderia suscitar isso? Por decisão “política”? António Costa, por exemplo, como “presidente” europeu? Sublinhei que António Costa chefiava o país que detinha a presidência europeia, mas que ele não era o presidente do Conselho Europeu. Achei estranha a insistência neste possível “papel” de Costa. Falei das dúvidas que, por muito tempo, tinham rodeado a fiabilidade da vacinas russa e chinesa, que parecia que se estavam a esbater. E que, de facto, parecia haver agora mais gente a pensar comprá-las. Mas a Comissão Europeia saberia, melhor do que ninguém, se isso era compatível com os compromissos que tinha com os outros laboratórios. Mas Costa poderia ter essa iniciativa? insistiu o meu interlocutor. Claro que, se assim entendesse, Costa teria ”autoridade” para isso. Para não ter contrariar, em absoluto, um raciocínio que ia por um caminho um pouco absurdo, lá disse que, naturalmente, se a questão eventualmente se colocasse à mesa do Conselho, se uma qualquer outra vacina (eu disse “da Rússia, da China ou até de Marte...”) pudesse resolver os problema da Europa, seria “criminoso” não aproveitar essa oportunidade, por mera questão “política”. Pronto e a coisa saiu assim! Nunca mais aprendo!



quarta-feira, fevereiro 03, 2021

Bastonários

Sou de um tempo, não muito longínquo, em que, como regra geral, quando se ouvia um bastonário de uma determinada ordem profissional, havia a quase certeza de estarmos perante uma pessoa equilibrada e sensata, um “espelho” do melhor da imagem da profissão. A regra passou a exceção.

Unidade

Um governo de ”unidade nacional”, além de democraticamente pouco saudável, poderia ter um efeito político muito negativo: polarizaria nos partidos de protesto, à esquerda e à direita, o descontentamento e mal-estar social que o agravamento da crise económica inevitavelmente irá criar no país nos próximos meses.

Amigos da onça

De um benfiquista amigo, para este sportinguista: “Parabéns! Chegar ao fim da primeira metade do campeonato nesta posição é obra! É como chegar ao topo da serra da Estrela. A seguir, é sempre a descer...”

Não percebi bem o que ele quis dizer com aquilo...

Francisco Ramos

A saída de Francisco Ramos da coordenação da “task force” das vacinas, por virtude de outro assunto, não nos deve fazer esquecer que ele é, em Portugal, uma das mais sérias e competentes personalidades na área da administração da saúde, com uma vida dedicada ao serviço público

Ajuda

No início da pandemia, a Itália recebeu muita ajuda internacional. 

Será que os piadéticos transalpinos - políticos e jornalistas - também por lá se entretinham a fazer graçolas nas redes sociais sobre a origem nacional dessa ajuda, apenas para chicana política interna contra o seu governo?

Mortos e mortos

Uma comparação que está na moda fazer é entre o número de mortos da pandemia e as vítimas da guerra colonial.

Note-se, porém, que as estatísticas sobre essas baixas são sempre “eurocêntricas”, referem-se ao “lado” português, não contando os guerrilheiros adversários mortos.

Draghi

Mario Draghi vai ser nomeado primeiro-ministro de Itália.

Draghi tinha um belo curriculum.

SEF

A acreditar no resumo das declarações dos agentes do SEF, sobre a morte do cidadão ucraniano, fica a dúvida sobre se, afinal, esses polícias não terão sido vítimas inocentes de uma feroz agressão, em que o verdadeiro culpado do incidente, no final, se mata a si próprio, com o único objetivo de deixar gente pacífica em maus lençóis e com a sua reputação beliscada. É que há quem tenha visto porcos a voar.

À flor da pele


Vivemos um tempo de tensões à flor da pele. O país responsável está visivelmente assustado com a pandemia, as pessoas vêem a sua vida subvertida, num horizonte que não conseguem limitar, e, não vale a pena esconder, paira uma erosão na confiança num poder público que, fazendo seguramente o melhor que sabe e pode, oferece um saldo efetivo de realidade pouco palpável. Morreu já muita gente, muita mais do que, há poucos meses, muito pensavam ser possível.

Politicamente, sente-se que as pessoas estão hoje acantonadas em trincheiras. As redes sociais, esses novos megafones da democracia, são disso um exemplo claro.

Os adeptos do governo, confortados pelas sondagens, entendem que seria impossível fazer-se melhor, que há razões externas e comportamentos sociais internos que ajudam a explicar o que se está a passar. Louvam as autoridades, a dedicação dos governantes, denunciam a falta de solidariedade subjacente às atitudes críticas, num momento coletivo desta gravidade, olham a comunicação social como abutres que exploram insegurança das pessoas, contribuindo para o desânimo coletivo.

Os críticos da governação apontam o lugar objetivo de Portugal no “ranking” triste da tragédia, sublinham as contradições e os vai-e-vem, denunciam a falta de rigor na questão das vacinas e dos seus fura-filas. E notam o caos em muitos hospitais, o que não foi feito e teria sido prometido. E porque o unanimismo, na sua perspetiva, nada resolve, acham que é democraticamente legítimo, e releva da transparência exigível, expor o que está mal e chamar à responsabilidade quem tem obrigação de responder pelo estado das coisas.

Até ver, a bissetriz possível, na terra de ninguém entre estas duas frentes, parece chamar-se Marcelo Rebelo de Sousa. Podemos imaginar que hoje, mais do que nunca, se sinta tentado a ser um verdadeiro provedor dos portugueses. Provavelmente, também ele se exaspera com as insuficiências evitáveis em alguns setores, mas igualmente se irrita com quem cavalga os percalços oficiais para alimentar a chicana política. Conhecendo, como bem deve conhecer, os erros cometidos, mas também as deficiências que pouco dependem das vontades, tendo ele próprio pisado o pé em ramo verde por palavras a mais, é dele que o país parece esperar alguma neutralidade, na abordagem, com a serenidade e equanimidade possíveis, do modo como a pandemia está a ser gerida. E o país parece entender que o seu papel tem sido positivo. Pelos vistos, seis em cada dez portugueses também terão achado isso.

terça-feira, fevereiro 02, 2021

Saudades do fumo


Tenho saudades de ir ao Brazen Head, em Dublin, quando o pub vivia cheio de fumo de tabaco. Como foi criado em 1198, alimentei a ideia de que, com um pouco de sorte, o dom Afonso Henriques quase podia ter passado por lá, numa aventura de turismo céltico. No Café Club, em Vila Real, que eu atravessava, fugidio e preguiçoso, para evitar dar a volta ao quarteirão, havia uma núvem de tabaco que quase escondia os cajados dos feirantes. Já para não falar da sala de dominó do Excelsior ou do Imperial do Lima, na noite de 24 de dezembro, também lá por Vila Real. Ou da sala de jogo por detrás dos bilhares no Montecarlo, ao Saldanha, em Lisboa, ou da cave com balcão do Montarroio, na Sampaio Bruno, no Porto, cidade onde a zona do strip da Candeia também pedia meças. Ou da zona do balcão do recém inaugurado Viana Mar, ou do Bar Oceano, lá por Viana do Castelo. Não guardei nenhuma imagem do Ronnie Scott’s, onde se ouvia bom jazz ou outro assim-assim, em Londres, sem estarmos todos a bufar uns para cima dos outros, com uma onda de fumo a encher o espaço. Havia também uma cave, em Luanda, abaixo do Trópico, cheia de “garinas” (connosco, os da embaixada, a portarmo-nos sempre bem, para que conste) com um ar quase tão espesso e irrespirável como o das noites da boîte do Méridien de Brazaville, onde histórias passadas (com outros, claro) não são para contar aqui. Já tive saudades (nos últimos anos, já não tinha, confesso) do branco fumarento do Procópio, nos tempos do Juvenal, quando a ASAE não nos poupava os pulmões, épocas em que ainda era “facilitado” tabaco ao balcão, em noites de carência extrema do Nuno Brederode. Para sempre, guardo na memória olfativa o cheiro do Blue Note, em Nova Iorque, onde o tabaco era “moderado” por alguma “green grass tea”. Curiosamente, o mesmo cheiro que havia no De Karpershoek, em Amsterdam e num restaurante abaixo de qualquer classificação, em Oslo, no final dos anos 70, local cujo nome esqueci (às vezes também tenho esse direito, caramba!), em que se passeava entre as mesas um tipo a tocar viola que, mal nos via, entoava o “¿ Ai Portugal por qué te quiero tanto?” 

Tenho saudades de todos aqueles fumos. Sei lá bem porquê! E, já agora, esclareço: eu não fumo nem nunca fumei!

Uma dúzia deles!


O avião chegou atrasado a Paris, nesse final de tarde do dia 2 de fevereiro de 2009. Os serviços do protocolo francês têm como regra receber na “sala VIP” os novos embaixadores. Naquele dia, no “Salão 500” de Orly, que eu bem conhecia das várias vezes que por ali tinha passado, em outras encarnações, até com a presença da simpática funcionária asiática que conduzia o carro dos aviões até lá, estava à minha espera o pessoal diplomático e técnico da embaixada e do consulado-geral, com quem eu iria trabalhar nos anos seguintes. Alguns conhecia, outros não. De todos fiquei amigo, diga-se.

Paris ia ser o meu último posto diplomático. Era interessante fazer parte de uma carreira na qual, no dia em que nela se entrava, se sabia a data exata de saída (hoje em dia, alguma coisa mudou nisso). Dali a quatro anos, quase dia por dia, sabia que regressaria a Lisboa.

Senti então pena, recordo-me, de que o meu pai, que tanto gostava da França e de Paris, já não pudesse ir lá visitar-me. Mas ele já se tinha ido “embora”, menos de dois anos antes.

Seguimos para a residência. Havia um jantar à nossa espera. Achei sempre muito curiosa a primeira refeição à chegada a uma nova embaixada: servem-nos o que entendem, o que há por lá resta, com o vinho simpaticamente deixado pelo antecessor. Só no dia seguinte é que vamos “às compras” e se começa a “orientar a casa”, como eu ouvia em criança.

Numa sala junto ao quarto, vi que havia um computador. Imaginei que houvesse. Ainda antes da meia-noite, abri-o, vi o meu correio e fiz aquilo que tinha pensado no avião: criei um blogue. Já tinha experiência disso e um blogue faz-se num minuto.

Em Brasília, de onde eu saíra algum tempo antes, tinha inventado um blogue “oficioso”. Era, creio, a primeira vez que uma embaixada fazia isso. Foi um sucesso: chegou a ter uma média de nove mil leitores diários. Escrevi-o, sozinho, durante dois anos. Depois, passei-o ao conselheiro de imprensa, que o continuou.

Em Paris, decidi que ia assinar um novo blogue com o meu nome. Seria um modelo diferente. Os textos iriam ser personalizados. Quanto ao estilo, logo se veria. Tinha intenção de falar das coisas da vida. Iria também contar algumas histórias da carreira, poucas. Enganei-me, afinal foram muitas, algumas centenas. Pensava ir escrever a um ritmo irregular, talvez de dois em dois dias. Por isso, subtitulei o blogue de “notas pouco diárias”. Enganei-me, também: iria escrever todos os dias. Todos? Todos. 4380 dias! Quase 8700 peças, quase dois posts por dia!

Dei ao blogue o nome uma parte do título de um filme de Jean-Luc Godard, que tinha muito a ver com Paris: “Deux ou trois choses que je sais d’elle”. Há tempos, o meu amigo Zé Ferreira Fernandes, mestre da escrita e “parisiense” a sério, lembrou-me cenas da fita, que eu já esquecera. E ali percebi melhor a razão subliminar da minha escolha.

Este blogue chega hoje, assim, à “dúzia” de anos. Se acharem graça, continuem a ler. Se se cansarem, não sejam piedosos. Amigos, amigos, blogues à parte!

Escrito em 14 de novembro!

 


Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...