quarta-feira, setembro 23, 2015

Amigos de Órban?


O partido do primeiro-ministro húngaro, senhor Órban, cujo destaque nos últimos dias se fica a dever às atitudes repressivas que assume sobre refugiados que pretendem atravessar o seu país, para se acolherem em países que generosamente se disponibilizam para os receber, está inserido numa grande família política europeia, o Partido Popular Europeu.

Em Portugal, o PSD e o CDS-PP são membros do PPE. Longe de mim comparar com as posições do senhor Órban, face ao drama dos refugiados, com a atitude que tem vindo a ser assumida governo português, que tem seguido a honrosa sensatez da esmagadora maioria dos seus parceiros europeus.

Porém, não ficaria nada mal ao PSD e ao CDS-PP tomarem publicamente uma atitude de distanciamento face ao modo como o seu partido-irmão húngaro se está a comportar. Seria digno e talvez contribuísse para que o PPE pudesse fazer evoluir a sua posição de cobarde tibieza face ao senhor Órban e o colocasse numa saudável quarentena política.

Sylvia Athayde


Morreu a Sylvia Athayde! Confesso que ainda estamos em estado de choque. Há meses, numa passagem sua por Lisboa, não conseguimos ver-nos, como era sempre de regra. E agora, nunca mais teremos aquele sorriso aberto, aquele humor, aquela conversa à volta das coisas que nos eram comuns, dos conhecidos que partilhávamos, mas também do futuro, do Brasil e de nós. Era uma conversa sempre calma, suave, sem deixar de ser incisiva e muito atenta a tudo. Através dela, percebi melhor a Bahia, o sentido da complexa política local, os clãs e os seus conflitos, a graça imensa de um terra onde está, melhor que em qualquer outra parte, a alma cruzada do Brasil. Portugal, que ela amava como poucos brasileiros, fica a dever-lhe anos de contínuo interesse pela nossa cultura, que tão bem tratou no Museu de Arte da Bahia, que superiormente dirigia. O grande oficialato da Ordem do Infante Dom Henrique que recebeu em 2007 atesta o modo como Portugal também a reconhecia.

Conheci a Sylvia logo da primeira vez que fui à Salvador. Passou a ser nossa companhia permanente nas muitas vezes que por lá voltei. Ajudou-me muito a dar dignidade e projeção à contribuição portuguesa para a parte baiana das comemorações dos 200 anos da chegada da corte. Nenhum interesse português lhe era alheio, por nós movia mundos e fundos. Só uma grande insistência dela me conseguiu convencer a fazer um simples jantar a quatro, no Hotel Convento do Carmo, depois da gongórica comemoração oficial da "abertura dos portos", que dom João teve a triste ideia de ir decretar logo no dia que, dois séculos depois, iria ser o do meu 60º aniversário...

A nosso convite, esteve em Brasília a falar da passagem da corte portuguesa por Salvador. Depois de eu sair do Brasil, mantivemo-nos em permanente contacto. Visitou-nos por mais de uma vez em Paris, nas viagens que ela adorava fazer pela Europa da cultura. Em Lisboa, era ela quem nos mostrava novos restaurantes, de tal modo conhecia a cidade, aliás como todo o país, que percorria de lés-a-lés, cuja arte nos descrevia com detalhe e saber. Tinha amigos fiéis e devotados um pouco por todo o mundo, porque era uma mulher generosa, bem disposta, muito atenta a quem dela gostava, amante da vida que agora lhe fugiu, aos 75 anos.

Isto não é um lugar comum que se diz quando alguém morre: a Sylvia vai-nos fazer muita falta!

(Deixo aqui uma nota publicada na imprensa brasileira)

terça-feira, setembro 22, 2015

Poesia no Cais

Ontem, no final do jantar numa tertúlia, uma amiga anunciou: "Vou ouvir poesia para o Cais do Sodré!". Tive um sobressalto, por um instante. O Cais do Sodré é hoje uma coisa radicalmente diferente da imagem que ainda me ocorre à imaginação quando alguém me fala em "Cais do Sodré". Por muitos e (talvez menos) bons anos, era um local pouco frequentável, exceto por marinheiros e "rufias", com um grau de insegurança muito elevado em certas ruas. No que me toca, as exceções eram por ali três: o "British Bar", o "Porto de Abrigo" (um clássico, que há muito se foi e tinha um arroz de pato "de truz") e o cacau da Ribeira. Nos anos 80, com o "Jamaica" a mudar, o bairro começou a "abrir" mas, verdadeiramente, só na última década é que se deu a grande e agradável mudança que hoje por ali se vive, com espaços muito simpáticos, ajudando a esta nova Lisboa onde cada vez mais apetece viver. Deve-se, com certeza, à idade o facto de eu manter ainda este mesmo reflexo quando se fala do Cais do Sodré (seria a mesma coisa se me falassem do Intendente.) No fundo, ouvir dizer a alguém, principalmente a uma senhora, que ia "ouvir poesia" para o Cais do Sodré provocou em mim a mesma reação que os habitantes do "Pátio das Cantigas" tiveram quando o "Evaristo" lhes anunciou que ia "de águas para o Cartaxo"... Mas também quem é que ainda se lembra disso?

Nós e a Alemanha


No dia 8 de outubro, pelas 19 horas, no Beatus Bar, na rua Acácio Barreiros, nº 3, em Lisboa, será apresentada a versão portuguesa do livro "Pontes por construir - Portugal e Alemanha", organizado e apresentado por Luisa Coelho, com visões portuguesas sobre a Alemanha e sobre as nossas relações bilarerais. 

Este livro, cujo alvo primário é o público da Alemanha, terá uma edição em língua alemã num futuro próximo.

Os textos são da responsabilidade de 17 autores, entre os quais figuro com um capítulo intitulado "O lugar de Portugal".

segunda-feira, setembro 21, 2015

Regras para diplomatas


Já aqui falei um dia de Miguel Serpa Soares, que desempenha em Nova Iorque o importante cargo de principal consultor jurídico do secretário-geral das Nações Unidas.

Há dias, Serpa Soares deu uma entrevista ao "Diário do Alentejo" na qual falou das suas atuais funções e do método que utiliza para nelas ser eficaz. Retive isto, a propósito das intervenções em reuniões: "Pensar bem as nossas intervenções, preparar com cuidado as apresentações, fazer um esforço para ser sucinto e, claro está, não ter intervenções inúteis ou superficiais".

Como seria importante que esta recomendação de bom senso estivesse afixada em muitas salas onde vulgarmente, e durante horas, assistimos a monólogos de quem só se ouve a si próprio, de quem intervem apenas por intervir e para marcar o ponto, de quantos se enfatuam em platitudes e lugares-comuns, com ares de profundidade e importância que só o próprio parece reconhecer. Falar pouco, dizer apenas o essencial e, em especial, não tornar a repetir, por outras palavras, o que imediatamente antes já se disse - são algumas regras de ouro para a prática dos diplomatas, mas não só.

O barco


A conversa com aquele meu amigo teve lugar há muito tempo. Aliás, ele morreu também já há alguns anos, naquela localidade de província onde, com alguma regularidade, nos íamos vendo, nas minhas visitas.

Um pouco mais velho que eu, era uma pessoa metida consigo mesma, com muitos azares na vida, feitos de erros de percurso, as mais das vezes evitáveis por uma sensatez que a sua agitação interior não permitia. Era muito teimoso e reagia de forma às vezes desabrida quando eu, por realismo, tinha a ousadia de procurar dar-lhe algum conselho. Mas éramos bastante amigos, sempre o fomos. Ele sabia que podia contar comigo - e por uma vez ou duas contou, em situações de emergência - e eu tinha a sua lealdade pessoal por garantida.

Não me recordo de termos falado alguma vez de política. Mas isso deve ter acontecido, conhecendo-me... Ele sabia muito bem, e de há muito, por que lados eu andava e eu sentia-o tendencialmente conservador, fruto da sua passagem na guerra colonial e dos escassos círculos em que andava se situarem maioritariamente por essa área. Mas nunca por nunca o vi inclinado a afirmar-se em termos partidários.

Foi assim que, um dia, o encontrei num café. Durante uma boa hora, "pusemos a escrita em dia". Veio à conversa, num certo momento, a casa onde ele vivera com os pais. Perguntei-lhe se lá residia. Disse-me que não, que vivia agora num bairro social, que estava mesmo muito satisfeito com o apartamento novo que havia obtido. Não era grande, mas chegava para as suas necessidades.

- Mas não foi nada fácil. Antes, tive de entrar para o barco! 

Estranhei a expressão. Barco? O que era isso de "entrar para o barco".

- Oh! Como se tu não soubesses como essas coisas são...

Eu não sabia, confesso! "O que é o barco? Diz lá!", insisti.

E então ele revelou que tivera de se inscrever no partido que dominava o município, antes que a assistente social que tratava dos processos de candidatura recebesse luz verde para lhe atribuir residência.

A política portuguesa tinha (tem) destas "grandezas", infelizmente, ao que parece, dos vários lados do espetro político.

domingo, setembro 20, 2015

Lembram-se da Grécia ?

Há menos de um ano, as eleições na Grécia traziam à Europa duas vias claras. 

Depois, foi o que se viu. As propostas gregas encontraram a oposição absoluta de quem manda na Europa do euro e o governo do partido que titulara essa recusa acabou por aceitar tudo quanto essa mesma Europa lhe impôs.

Imagino que, no dia de hoje, um cidadão de Atenas deve, mais do que nunca, "sentir-se grego", ao ter que optar pela austeridade ou ... pela austeridade!

sábado, setembro 19, 2015

De um arco, em Paris


Não foram poucas as vezes, quando vivi em Paris, que, chegado a um determinado local, senti pena por não ter por ali comigo o meu pai, falecido pouco antes. Gostaria imenso de poder ter andado com ele pelas ruas da cidade que, desde criança, me descrevia com pormenores afetivos que, durante anos, encheram a minha imaginação. Ele que, nesse tempo, nunca lá tinha ido! Mas, em nossa casa, havia um mapa com o centro da cidade desenhado em pormenor, com o título "Paris à vol d'oiseau" e um guia Baedeker que nos ensinava a capital francesa como se lá estivéssemos! Com o meu pai, nessa passagem dos anos 50 para 60, o que eu aprendi a "passear" pelos boulevards e a conhecer os nomes de alguns daqueles edifícios e de episódios da História que lhes está associada!

Francófilo como era, o meu pai deu, durante cerca de 20 anos, explicações gratuitas de francês a filhos de familiares e amigos, apenas pelo amor que tinha a uma língua que identificava com a liberdade. Estou certo de que teria gostado muito de rever comigo, com calma, os lugares da sua "pátria" de adoção, quando citava Thomas Jefferson: "Tout homme a deux patries: la sienne et la France". E teria um imenso gosto em saber que acabei a minha carreira como embaixador por lá.

Há dias, passei a pé junto ao Arco do Triunfo do Carrousel, um monumento situado entre o Louvre e a praça da Concórdia, no jardim das Tulherias, mandado construir por Napoléon Bonaparte para comemorar a vitória em Austerlitz. Subitamente, lembrei-me do meu pai. É que daquele pequeno arco, "pequeno" se comparado com o Arco do Triunfo na Étoile, possuo em Vila Real, deixada por ele, uma pequena reprodução em mármore, um objeto que sempre representou muito para mim. Bem miúdo, lembro-me, como se fosse hoje, de ouvir o meu pai dizer: "Se olhares deste Arco de Triunfo do Carrousel do lado do Louvre, irás ver que ele está em linha precisa com o obelisco egípcio da praça da Concórdia e, ao fundo, no alto dos Campos Elísios, verás o grande Arco do Triunfo, na Étoile". Ao tempo, repito, ele apenas sabia que as coisas eram assim.

Da primeira vez que fui a Paris, comecei a visita à cidade por aquele arco. Não para confirmar a asserção do meu pai, que era uma evidência óbvia, mas para começar a conhecer verdadeiramente a cidade pelo monumento que tinha iniciado o meu infindo gosto por ela.

Na tarde da passada segunda-feira, voltei a olhar os dois arcos, com o obelisco de ponta dourada pelo meio. E, olhando ao longe, os Campos Elísios, recordei o tom grave com que o meu pai descrevia a humilhação que a França sentira ao ver as tropas alemãs de ocupação descerem aquela avenida - ele que era um aliadófilo feroz. E de contar-me como, no dia da Libertação, De Gaulle caminhara, em apoteose, pelo mesmo caminho. É que, deste lado da Europa, o meu pai também sentiu que havia ganho a guerra!

Nem imaginam o que se pode ver de um pequeno arco quando as memórias são agradáveis!

Uma constatação óbvia

A decisão das agências de notação de subir a nota de Portugal significa, sem a menor dúvida, duas coisas incontestáveis e algo diversas entre si.

Desde logo, uma apreciação positiva sobre o modo como o nosso país se aproxima das metas macro-económicas que são desejáveis pelos investidores, o que representa um elogio para o trabalho do governo.

Mas esta decisão, a escassos dias de um ato eleitoral cujo resultado está totalmente em aberto, anuncia claramente que os mercados não veem o menor risco para estabilidade económico-financeira do país se acaso o partido oposicionaista mais bem colocado vier a ser governo.

sexta-feira, setembro 18, 2015

As aventuras de um diplomata de aviário


Hoje, com a assertividade e o rigor a que nos habituou, o "Correio da Manhã" titula "Diplomata acusado de desviar 962 mil euros".

Devemos nós ficar envergonhados por esta acusação a este nosso "colega"? Mas será que ele é "nosso colega", será que o "diplomata do Correio da Manhã" - quase que poderíamos dizer "o diplomata do crime" - é mesmo diplomata?

Já perdi a esperança, de tanto o tentar sem sucesso, de explicar à comunicação social que diplomatas são funcionários de uma carreira para cujo acesso se faz aquela que é, sem a menor sombra de dúvida e sem contestação, a mais exigente prova de acesso à função pública portuguesa. É verdade que, das não muitas centenas de pessoas que, em Portugal, já passaram pela carreira diplomática, nem todos nos deixaram orgulhosos, alguns - muito poucos, felizmente - não honraram o nome da profissão e não dignificaram o serviço do Estado que juraram respeitar. Mas isso foi uma escassa minoria. Na grande generalidade dos casos, a carreira diplomática é constituída por gente séria e honesta.

O alegado delinquente a que agora são atribuídas algumas falcatruas, não é nem nunca foi um diplomata, é uma figura a quem, por razões e "cunhas" que talvez fosse interessante o tão falado "jornalismo de investigação" desenvolver, foi nomeado para "vice-cônsul" numa cidade do Brasil, numa escolha completamente arbitrária e discricionária.

Ao tempo em que eu era embaixador no Brasil, numa asneira deliberada, erigida em política para as Comunidades, foi decidido fazer renascer a figura dos "vice-cônsules", que estava (e bem) arquivada nas páginas do regulamento consular e de que um iluminado de segunda linha se lembrou então, com o manifesto objetivo de afastar verdadeiros diplomatas da chefia de alguns postos consulares. Ao saber dessa intenção, alertei por escrito (para algum incómodo nas Necessidades) que achava que assim se estava a abrir caminho à emergência de alguns "vício-cônsules".

(Um parêntesis para dizer que gente séria, honesta e competente foi nomeada nesta leva, mas que a consequência lateral foi, como se vê, abrir caminho a figurões do jaez que agora se aprecia).

O renascimento da figura dos "vice-cônsules" não ofereceu, aparentemente, as menores dúvidas à oposição de então, bem como à máquina sindical que se alimenta da estrutura administrativa do MNE. Pudera! Todos ganhavam... PS e PSD podiam colocar por esses postos, sem concurso e "a olho" político, o seu pessoal fiel e ver-se livres de diplomatas de carreira; o sindicato do ramo via, também por ali, uma janela de oportunidade para ter gente sua a substituir os verdadeiros diplomatas - relembrando eu que estes últimos estão sujeitos a regras e escrutínio de que os vice-cônsules estão dispensados. Prometo que um dia, darei alguma contribuição escrita para a revelação das artimanhas, por via do "Diário da República" deste "bloco central" de interesses, onde também figuram alguns "cônsules honorários" (e aqui poder-se-ia falar-se, por exemplo, do alegado "diplomata" do negócio dos submarinos...)

Uma vez mais, foi a imagem dos verdadeiros diplomatas que "pagou as favas". Mas não tenho esperança que o "Correio da Manhã" corrija isto, claro!

Jogos com fronteiras

Talvez não nos estejamos a dar bem conta da real dimensão do que se está a passar, mas quero crer que a crise dos refugiados e as repercussões que ela está a ter na confiança entre os estados da União Europeia são, com grande probabilidade, o desafio mais importante que esta enfrenta desde a sua criação.
A presente situação testa os limites da coesão do processo europeu porque traz à evidência o modo diferenciado como os países encaram a partilha das responsabilidades a que a pertença ao espaço comunitário automaticamente os obrigaria. Muito raramente a distância entre os países europeus foi tão profunda. E isso é altamente preocupante.
Vivemos hoje um tempo em que se joga com as fronteiras à luz da preeminência dos medos nacionais, potenciando reações xenófobas, desrespeitando regras mas, essencialmente, desprezando valores que tínhamos por património comum. Alguns estados estão a mostrar-se indignos da solidariedade que, num passado não muito distante, os beneficiou.
No processo de discussão do futuro da liberdade de circulação na Europa, que inevitavelmente já se iniciou, a posição de Portugal tem de ser sempre de uma cristalina firmeza, evitando a tentação de seguidismo com outros, por mais poderosos e conjunturalmente próximos que pareçam. Como país geograficamente periférico, emissor regular de vagas migratórias, qualquer evolução que, neste domínio, pudesse apontar em sentido restritivo seria altamente detrimental para os nossos interesses. Também no plano económico, nomeadamente em matéria de liberdade dos fluxos turísticos, um reposicionamento prolongado de fronteiras teria sempre impactos muito negativos, sem contar com os efeitos nefastos para o interesse global europeu, que hoje integra também o interesse nacional.
Mas os nossos interesses como país não são apenas económicos e políticos, são também éticos. Ao longo dos anos, independentemente dos regimes, a voz moral de Portugal fez-se sempre ouvir em favor daqueles que o mundo tinha deserdado da sorte. Basta recordar o modo como soubemos responder aos apelos dos refugiados da 2.ª guerra mundial e o exemplo nobre de Aristides de Sousa Mendes. Nos conflitos e nas tragédias, o nosso país, nomeadamente a sua sociedade civil, soube sempre respeitar uma reiterada tradição humanista, de generosidade e solidariedade. Nesta crise, é justo lembrar que Jorge Sampaio cedo instituiu um exemplar processo de acolhimento de estudantes sírios e que António Guterres se tem ilustrado como um extraordinário alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Gostaria de ter a certeza que, no auge deste intrincado problema, o nome de Portugal, no plano internacional, continuará a soar como sinónimo de dignidade.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, setembro 17, 2015

Ainda o Syriza


Uma das maiores mistificações desta campanha é a esforçada utilização do tema Syriza, avançado pela maioria cessante como podendo vir a embaraçar António Costa. É um falso argumento, desmontável com grande facilidade.

Vale a pena recordar que, há cerca de um ano, coincidindo em parte com a entrada em funções da nova Comissão Europeia, mas claramente antecedido de um movimento de reflexão e propostas surgidas na família socialista, havia sido encetado um debate sobre o modo como deveriam ser futuramente desenhadas políticas alternativas ao rigor extremo das receitas austeritárias.

Essa receitas, impostas pelas "troikas" mas que ecoavam uma filosofia dominante cega ao sofrimento imposto às populações, afinal acabara por ter, num caso como o nosso, meros efeitos cosméticos no número do défice, que escondem um agravamento trágico da dívida, do PIB, do desemprego, da emigração, das desigualdades e das clivagens sociais, para além de uma carga fiscal elevadíssima, com uma brutal queda do investimento.

Com efeito, em Portugal como noutros países, essas políticas haviam mostrado à evidência a sua ineficácia, revelando-se detrimentais para o crescimento, afetando fortemente a eficácia das políticas públicas, o que havia gerado uma perigosa desafetação dos cidadãos com a própria ideia europeia.

A nova Comissão Juncker dava sinais de ter entendido esta mensagem trazida pela realidade e, no discurso assumido e nas suas primeiras medidas, notava-se que algumas lições tinham sido aprendidas. A conjugação com as propostas que a Europa socialista estava já a desenvolver parecia então possível.

A austeridade não afetou todos os países da mesma forma e, por isso, em cada um deles, as consequências políticas acabaram por assumir expressões diversas. Na Grécia, um país cuja situação económico-social havia atingido níveis de desespero, o voto concentrou-se no Siryza, um partido radical que havia feito da luta contra a austeridade a sua quase única bandeira.

A vitória do Siryza foi saudada em muitos países europeus como a expressão de que, também na Grécia, se abria uma nova frente na luta europeia contra as políticas de austeridade. Em Portugal isso também aconteceu e António Costa e outros dirigentes políticos e muitos comentadores deixaram, com naturalidade, uma nota pública pública de respeito pela decisão democrática do povo grego.

O que ninguém podia prever foi o modo como o novo governo grego veio a colocar-se perante as instituições de que o país era credor. Ao adotar uma postura negocial sem um mínimo de flexibilidade, o governo grego não apenas se deixou encurralar num "beco sem saída" - com as consequências que hoje estão à vista - como acabou por "caricaturar" o combate às políticas austeritárias, como se estas se pudessem resumir à sua agenda confrontacional. Com esta atitude, a Grécia acabou por facilitar a vida à ala conservadora europeia, que não queria ver postas em causa as opções que havia feito na linha das políticas de austeridade que havia imposto aos seus países.

O debate sereno e moderado que antes havia sido iniciado pela família socialista europeia, com apoio da nova liderança da Comissão Europeia, ficou assim fortemente prejudicado. E o que se viu foi a imposição, no imaginário público europeu, da ideia de que só havia duas posições: ou a atitude "à grega" ou o prosseguimento das receitas anteriores, impostas pelas "troikas" e por quantos lhe tinham imposto tal filosofia. A Grécia, aliás, foi quem acabou por pagar um duro preço ao não ter sabido colocar-se no debate com realismo e moderação.

É assim tão difícil compreender isto?


(Artigo publicado no "Acção Socialista")

Encontro no Chiado


Andava pelo Chiado, num "salto" a Lisboa, vindo de um qualquer posto onde estava colocado. Ao telemóvel, chamou-me António Pinto da França, embaixador aposentado há já alguns anos. Disse-me ter sabido que eu estava em Portugal e desafiava-me para um jantar num dos dias mais próximos. Falava em voz baixa, seguramente num espaço com outras pessoas. Eu subia a rua Garrett, com o som ambiente a não ajudar nada a uma conversa que era quase de surdos. Sem a agenda à mão, disse, de memória, que me parecia que tinha combinações já feitas para jantar no resto dos dias de Lisboa. E fiz a proposta de tomarmos um café, talvez ao final daquela tarde. A difícil charla continuava e, para ouvir um pouco melhor, recolhi-me na ombreira da Livraria Sá da Costa, olhando a rua. De repente, vindo de dentro, entretido a falar ao telefone, um vulto abalroa-me. Olhei para a pessoa, disposto a protestar. Era António Pinto da França, a falar ao telefone... comigo. Fomos abafar as nossas gargalhadas num chá na Bénard.

Hoje, cerca de uma centena de amigos de António Pinto da França reuniu-se, muito perto dali, no Círculo Eça de Queiroz, para falar dele, agora que passam poucos dias sobre a data em que teria feito 80 anos, e pouco mais de um ano sobre a sua morte. Teresa Gouveia, Fernando Neves, Pedro Canavarro e Jaime Gama detiveram-se nas suas memórias sobre o amigo e o diplomata. Num video enviado da Hungria, András Gulyas, antigo embaixador do seu país em Lisboa, deixou uma memória muito sentida daquele que foi seu grande amigo. Durante duas horas, o António esteve ali connosco, num evocação amiga, que todos apreciámos e de que a Sofia muito gostou.

Tambem eu gostei muito desta feliz oportunidade de voltar a encontrar o António, pelo Chiado, ao final desta bela tarde de outono.

quarta-feira, setembro 16, 2015

Gulbenkian em França


Foi há 50 anos que a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu instalar em Paris, na residência onde o seu fundador vivera, um Centro cultural que evoluiu para aquilo a que hoje se designa como Delegação.

O historiador Rui Ramos está a preparar um estudo de fundo sobre essa presença portuguesa em França e ontem, durante uma sessão realizada em Paris, divulgou um primeiro esboço desse trabalho.

É muito interessante, através desse texto, olhar, em perspetiva comparada, a presença parisiense da Fundação com a evolução e interação, cultural e humana, das sociedades portuguesa e francesa, nesse meio século. E é também importante contextualizar a evolução dessa presença com os desafios que a própria Fundação foi sofrendo, em Portugal e no mundo.

Em 1965, ao tempo da criação do Centro, a guerra colonial começara em Angola há apenas quatro anos, em Moçambique e na Guiné apenas no ano anterior. Dias antes da abertura do Centro, cerimónia a que esteve presente André Malraux, um escândalo envolvia internacionalmente a ditadura portuguesa: fora descoberto em Espanha o cadáver de Humberto Delgado, que, com razão, logo se suspeitou ter sido assassinado pela polícia política de Lisboa. Malraux, ministro da Cultura, acedeu a estar presente à cerimónia mas pediu que nela não houvesse uma representação ministerial portuguesa.

Ainda antes da inauguração do Centro, muito graças à influência e habilidade diplomática do embaixador Marcello Mathias, a coleção de arte que Calouste Gulbenkian fora reunindo na casa da avenue d'Iena, que adquirira em 1922 (e que a Fundação veio a alienar em 2011), foi transferida para Portugal, constituindo o acervo do Museu que hoje existe. A ideia de que existiu um "trade-off" mais ou menos informal fez sempre parte de uma certa "mitologia": o governo francês teria autorizado a partida da coleção e, em troca, a Fundação criava o Centro e, igualmente, financiava a construção da "Maison du Portugal" na "Cité Universitaire de Paris". A síntese de Rui Ramos não aprofunda ainda esta curiosa questão. Uma coisa é certa: nada parece ter ficado formalmente acordado que confira veracidade a esta teoria.

O estudo aborda o percurso do Centro, que foi também muito marcado pelo perfil dos diversos diretores que o titularam, e descreve a filosofia evolutiva que esteve subjacente ao seu funcionamento: desde o seu caráter de estrutura dedicada  à "alta cultura" clássica portuguesa, muito próxima dos interesses dos especialistas "lusófilos" que sobretudo no século XX existiam em França, até a uma leitura bastante mais contemporânea, ligada a temáticas de modernidade, seja na vida europeia, seja em áreas do pensamento à escala global.

Nestes seus 50 anos, o Centro atravessou períodos marcantes. Desde logo o Maio de 1968 em França, a desaparição política de Salazar e a emergência do "caetanismo", bem como toda a tensão provocada pela crescente existência em Paris de uma comunidade migrada de Portugal por razões económicas e, marginalmente, políticas, de que o Centro sempre se procurou isolar. 

Depois, ocorreu o 25 de abril. Em 1975, ano em que a Revolução estava no seu auge, o Centro teve como tema de trabalho ... Damião de Góis. Ontem, ao ouvir falar sobre isso, não pude deixar de lembrar-me da TV Rural, por essa época: embora a Reforma Agrária fosse então o tema maior desse setor económico, o engº Sousa Veloso continuava impavidamente a falar do combate ao míldio e maleitas agrícolas correlativas... 

Hoje, os desafios são outros e a Delegação da Fundação tem uma agenda muito marcada pela contemporaneidade temática, na linha de outras fundações com vocação global, com uma ação aberta à lusofonia e, de forma crescente, a uma nova geração da comunidade luso-francesa. O mundo mudou, Portugal em França também e a Fundação, cuja imensa qualidade se sabe ter sido a capacidade de saber acompanhar os tempos, está a encontrar novos caminhos para a sua presença em Paris, agora numas instalações modernas, onde se abriga a segunda maior biblioteca de temas portugueses no mundo, fora do país. 

Nas funções que desempenho como presidente do Conselho Consultivo da Fundação Gulbenkian para a Delegação em Paris, que reune personalidades portuguesas e francesas, espero conseguir dar uma contribuição útil, não apenas para o contínuo redesenho do novo perfil de intervenção da Delegação em Paris, mas, muito particularmente, para o êxito deste ano comemorativo do cinquentenário da presença da Fundação na capital francesa, que ontem se iniciou.

terça-feira, setembro 15, 2015

Os dias da Europa

1. Não surpreende surpreende o impasse ontem verificado na reunião ministerial de Bruxelas, que não aprovou o acolhimento do número suplementar de 120 mil refugiados, como era proposto pela Comissão europeia. As posições conhecidas dos governos europeus iam nesse sentido. Como um responsável francês dizia há pouco, por cada hora perdida sem acordo perdem-se muitas vidas. Esperemos que não se percam muitas mais.

2. Saúde-se a posição solidária do governo português na matéria. E não quero seguir a irónica ideia, de uma pessoa que me é próxima, que acha que o executivo português só assim atua porque segue a posição alemã.

3. A generosidade alemã no acolhimento dos refugiados tem sido notável. Angela Merkel terá agarrado esta oportunidade para colocar a Alemanha do lado certo da Europa, como que tentanto desfazer a ideia de um país "sem coração", que ficara dos debates mais acesos sobre o caso grego. Ser um país rico ajuda, claro. Mas o facto da sociedade civil a seguir prova de que é para isso mesmo que os líderes servem: para liderar.

4. Percebe-se perfeitamente que a Alemanha tenha invocado as cláusulas de salvaguarda que Schengen permite para controlar os fluxos de refugiados. Acolher significa também poder organizar o acolhimento e isso obriga a certos controlos, que não são incompatíveis com a generosidade. Berlim não colocou em causa Schengen, como Sarkozy preconiza em França, apenas usou, com naturalidade, as cláusulas apropriadas.

5. Expectável, no seu pior sentido, foi a posição dos países de Visegrado (com a Polónia mais "nuancée") e outros Estados do centro e Leste da Europa. Sei bem que não é saudável, para o bem-estar intra-europeu, estar a estigmatizar países. Mas é importante que fique clara a posição de quem tem na Europa uma atitude humanista, à altura das grandes tradições do continente, e de quem a não tem, recriando agora para outros os "muros" que denunciou, e bem, no passado.

6. Sabiam, por acaso, que no anonimato cobarde das redes sociais de muitos desses países, circulam graçolas xenófobas,que se congratulam e ironizam com a morte de Aylan, a criança curda que morreu na praia grega? Sabiam que a maior parte da imprensa desses países "escondeu" até onde pôde a foto de Aylan, nalguns casos recusando-se a publicá-la, porque  podia gerar sentimentos contrários a orientação dos governos? Sabiam que estão em vigor em alguns desses países instruções para as televisões não filmarem crianças e mulheres refugiadas, privilegiando homens jovens com aspeto de emigrantes económicos? 

7. Não obstante, foi arrogante e inaceitável a atitude do ministro alemão do Interior, "ameaçando" com os corte dos fundos estruturais aos Estados que não acolham refugiados. Concordo que a atitude desses países está a ser miserável e indigna, porque negam agora solidariedade a alguns quando antes a receberam de outros, mas não quero uma Europa cujas regras podem ser subvertidas e ditadas por um ministro alemão. Principalmente do Interior.

8. Devemos manter-nos muito atentos ao debate sobre o futuro do acordo de Schengen, que é inevitável. A filosofia europeia que enforma a nossa postura na ordem externa, a que não são alheias considerações que relevam da nossa particular posição geográfica, do facto de sermos origem de migrações económicas e de possuirmos uma diáspora que tem toda a vantagem na livre circulação europeia deve obrigar qualquer governo nacional a estar na vanguarda da defesa desse importante princípio. 

O Novo Buraco


Não fiz parte de quantos diabolizaram a solução encontrada para o caso BES, nem sequer pelo facto de termos servido de cobaia a um modelo não testado, desenhado na Europa para instituições de menor dimensão. Com a vida, tenho aprendido a relativizar o meu “achismo” e tendo a só me pronunciar sobre aquilo de que julgo saber alguma coisa. Mas constato que os especialistas, que tão enfaticamente nos vendem soluções, vivem afinal, também eles, num mundo de aproximação titubiante à realidade, embrulhada apenas num artificial discurso afirmativo.

A supervisão bancária falhou em Portugal, como havia falhado um pouco por todo o mundo, aquando da crise financeira. No nosso caso, é uma evidência que o peso do grupo Espírito Santo, associado ao receio de lançar uma faúlha com impactos reputacionais nos mercados, misturado ainda com o espírito de “old boys network” em que vive o sistema financeiro, coibiu a supervisão de tomar medidas drásticas, a tempo e horas. Basta pensar que Oliveira e Costa chegou a fazer parte dos mecanismos de supervisão do Banco de Portugal...

Soma-se a isso – e digo alto o que muita gente pensa – a circunstância dos governadores do Banco de Portugal terem uma independência limitada face aos governos em funções. O facto deste não ter querido partilhar com a oposição a questão da recondução de Carlos Costa diz tudo. E só lamento que Carlos Costa, pessoa que não só tenho por séria como sei que o é, se tenha prestado a um estranho papel face à cobardia política demonstrada pelo governo neste caso.

Todo o país já percebeu que o Ministério das Finanças foi o “backseat driver” por detrás da decisão sobre o BES. O que torna mais escandaloso – e espero que os portugueses não esqueçam – o tom “nonchalant”, em pose estival, como que Pedro Passos Coelho dizia que o caso BES era apenas e só com o Banco de Portugal, nessa atitude de Pilatos liberal que também ajudou a enterrar a PT. Como pode vir a acontecer com a CGD.

Carlos Costa tinha o dever, desde o primeiro dia, de explicar que não podia garantir, a 100%, que a solução por que se optara no caso BES, não teria custos para o contribuinte. Bastava-lhe dizer que, num quadro de incerteza, aquela fora a resposta considerada potencialmente menos gravosa. Afirmar isso entrava em contradição com a “narrativa” otimista do governo? A dita independência de um governador serve para isso mesmo.

É preciso que os portugueses hoje saibam – e isso não lhes está a ser dito – que o caso da venda do Novo Banco tem fortes probabilidades de vir a tornar-se num pesadelo para as contas públicas e para a banca em geral. É muito grave que o primeiro-ministro cessante se refugie em artifícios semânticos para iludir esta realidade.



                                                                     ***


Este texto culmina, por vontade própria, a colaboração regular que mantive no "Diário Económico" desde novembro de 2013. Agradeço aos dois diretores que amavelmente me acolheram, bem como a toda a equipa do jornal, onde só deixo amigos. A quem me lê, prometo que nos continuaremos a ver por aí.


(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")



segunda-feira, setembro 14, 2015

Eça agora



Quando ontem olhei para o "voucher" com o nome do hotel em Paris que me destinaram, houve qualquer coisa que me soou a familiar. Mas achei que era um daqueles "déjà vu" que nos ocorrem sem razão. Quando, ao final da manhã de hoje, entrei na rue de Berri, "a ficha caiu", como dizem os nossos amigos brasileiros.

A chancelaria do Consulado de Portugal, quando Eça de Queiroz chegou em 1888 à capital francesa, para assumir funções como Cônsul-Geral, estava instalada no nº 16 da rua de Berri.

E é neste mesmo edifício que está hoje o Hotel California, onde vou passar a noite.

Foi neste primeiro escritório que Eça de Queirós se defrontou com a intransigência da mulher do Cônsul cessante, a Viscondessa de Faria ("odiosa megera"), que se recusava a abandonar o local, o que provocou "cenas extraordinárias" descritas numa carta a Oliveira Martins, datada de 19 de Setembro de 1888.

Posteriormente, o Consulado mudou-se para o nº 35 da mesma rua, onde está atualmente o Hotel Champs-Elysées Plaza, escritório que António Nobre, numa carta a Alberto de Oliveira, datada de 25 de Novembro de 1890, dia de aniversário de Eça, descreve como "muito pobrezinho". Eça trabalhou aí até à sua morte, em 1900.

O Hotel California já deve ter tido dias bem mais gloriosos, mas, sem eles saberem, o local onde está instalado também já teve. Por "Eça" razão, sabe-me muito bem ficar aqui.

Contras e prós

Não foram poucas as vezes que achei algumas escolhas temáticas de Fátima Campos Ferreira para o seu "Prós e Contras" algo descabidas. Mas sempre vi, da sua parte, mau grado certas opções menos felizes na escolha de intervenientes e até, por vezes, deficiências na condução do programa, uma vontade de trazer para o debate público uma reflexão séria. E nunca alinhei nas leituras conspirativas que, aqui ou ali, foram feitas de que tinha uma "agenda" interventiva no quotidiano político. Pelo contrário: tenho-a como uma jornalista que, ao longo da sua carreira, sempre se esforçou por estruturar uma imagem de independência.

Choca-me - diria mais, entristece-me bastante - o facto de Fátima Campos Ferreira se ter prestado agora àquilo que não passa de um óbvio frete político (não tenho outra palavra, Fátima, desculpe lá!), claramente dirigido contra o principal partido da oposição, num tempo pré-eleitoral que recomendaria à RTP, que todos nós pagamos, um mínimo de isenção.

Fátima Campos Ferreira, uma pessoa por quem não escondo que tenho consideração pessoal, comete com esta sua (será sua?) decisão um erro que irá manchar, para sempre, a sua imagem como jornalista. Espero que tenha disso consciência.

domingo, setembro 13, 2015

Chuva


Pronto! É a vida! Ela aí está! Parabéns aos bate-chapas!

"Olhar o mundo"


Com António Mateus, discuti a crise migratória na Europa, a situação na Grécia antes das próximas eleições e o estado do mundo 14 anos depois do 11 de Setembro. Mas também se falou de Donald Trump e das eleições presidenciais americanas, dos efeitos globais da desaceleração da economia chinesa, da crise política que afeta o Brasil, do novo surto de instabilidade institucional na Guiné-Bissau, das fortes tensões que atravessam a Turquia, os riscos que marcam o quotidiano da Venezuela, a continuidade das ações do Boko Haram na África Central e da implementação do acordo nuclear com o Irão.

Quem tiver curiosidade, pode ver isso aqui.

sábado, setembro 12, 2015

Corbyn


A eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista britânico é uma excelente notícia para o PS português.

Pelo radicalismo insensato do seu programa, que infelizmente vai condenar o "Labour" a uma penosa via sacra até conseguir voltar ao poder, será bem mais fácil avaliar o realismo e a moderação das propostas que António Costa titula com o seu programa, que não coloca em causa os compromissos europeus do país e desenha uma linha "possibilista" responsável para uma governação eficaz. 

E se alguém da maioria cessante vier por aí com o argumento "corbynário", espero que o PS lembre que o partido em cuja iniciativa o novo líder trabalhista esteve presente em Portugal, foi o Bloco de Esquerda. Por que será que isto não é mais divulgado?

Recordo que, sobre Corbyn, já aqui tinha escrito isto há dias.

Campanha


Uma das grandes (imensas, mesmo!) surpresas desta pré-campanha tem sido a fragilidade das prestações do primeiro-ministro Passos Coelho. Todos nos lembramos da frescura argumentativa de Passos Coelho nos debates de 2011, face a um interlocutor nada fácil como era José Sócrates. E pensávamos, também à luz da desenvoltura revelada nos debates parlamentares, que o primeiro-ministro e a sua palavra iriam ser uma arma decisiva da maioria cessante no caminho até às eleições. Por isso muitos se admiraram pelo facto de Passos Coelho ter optado por "esconder-se", recusando entrevistas, indo ao mínimo de debates possível. Por mim, confesso, achei que a estratégia era tentar dar-lhe uma espécie de estatuto "de Estado", libertando-o das polémicas, colocando-o "acima" da "politiquice", tentando que Paulo Portas e os escudeiros televisivos do PSD tivessem de fazer esse "dirty work" a que os rituais democráticos obrigam quem está predestinado a exercer as magnas tarefas do poder.

Nós julgávamos isso, mas Passos Coelho, o seu PSD e os seus vendedores de imagem, afinal, sabiam a verdade e sabiam o que faziam. E essa verdade ficou claríssima na tristeza da sua prestação face a António Costa e, de forma ainda mais chocante, na "abada" que ontem levou de Catarina Martins, num espetáculo que só não foi mais deprimente porque foi num canal de cabo e todos sabemos que o "empobrecimento", um dia dito por ele como necessário, a que Passos Coelho e a sua governação conduziu o país não ajuda muito a que a esmagadora maioria do povo português tenha TV paga e, assim, tenha tido oportunidade de observar essa monumental "coça" e dela tenha tirado as conclusões óbvias.

Mas será que, na verdade, Passos Coelho é assim tão "mau" na passagem da mensagem política? Um ator político não perde qualidades e, pelo contrário, havia muito boa gente que pensava que ele "crescera" no lugar, que melhorara e aprimorara o seu estilo. O que se terá passado, então?

Julgo que é muito simples. Passos Coelho primeiro-ministro não é pior do que o Passos Coelho candidado de 2011. O "script" é que é diferente. Nessa altura, era o tempo das promessas e do "bota-abaixo". Agora é o tempo da prestação de contas. E essas não batem certas com o que foi prometido e isso é um "produto" muito difícil de vender. A grande questão está em saber - e sabê-lo-emos no dia 4 de outubro - se os portugueses ainda estão disponíveis para "comprar gato por lebre".


sexta-feira, setembro 11, 2015

Catarina

Eu sei que este post é muito críptico, mas creio, com ironia, que, hoje à noite, Pedro Passos Coelho teve saudades do Carrajola...

Pensão completa?


Há tempos, um amigo referia-me o facto de ter pretendido obter alojamento em algumas pequenas unidades hoteleiras da Região do Douro e ter verificado que muitas delas não dispunham de quaisquer lugares vagos, fosse para que data fosse. Disse-me ter-lhe acontecido o mesmo em algum turismo de habitação e turismo rural, já noutras regiões. E explicou-me que isso não ocorria apenas no verão, como seria natural, mas ao longo de todo o ano.

Congratulei-me, naturalmente, com o facto da nossa ocupação hoteleira viver um período de alta, de haver uma crescente procura de zonas do país que fogem ao conceito do "sol e praia". Muitos estrangeiros estavam, por fim, a perceber que, neste canto da Europa, existe a oferta de um produto turístico de qualidade, com diversidade cultural e monumental, servido por uma excelente rede viária, muito pouco "viciado" no modelo de exploração intensiva que "matou" outras regiões, com espaços naturais preservados, com uma diversidade gastronómica e vinícola muito rara, tudo isto cumulado por um acolhimento pessoal quase sempre de grande simpatia. Graças também a fatores externos que nos ajudam, Portugal está "na moda" e é preciso apoiar e estimular esse movimento.

Esse meu amigo logo arrefeceu, contudo, o meu entusiasmo. De facto, tudo isso era verdade, só que muitas dessas pequenas unidades hoteleiras, afinal, estavam, na prática, vazias. Vazias? Ao que ele constatou por mais de uma vez, ao contactar mais de perto muitos desses espaços, alguns proprietários mantêm essas unidades sem a menor utilização turística, ficcionando a sua ocupação apenas para justificarem os fundos que receberam para a construção ou remodelação das casas.

Ao longo das últimas décadas, já tinha ouvido falar de casos semelhantes: solares, casas antigas e muitas unidades de turismo rural cuja reconstrução tinha sido feita com dinheiros públicos (sim, porque as verbas da União Europeia são verbas públicas), numa ajuda que tinha como contrapartida obrigatória aumentar a oferta hoteleira regular mas que, na realidade, apenas serviram para alguns "empocharem" essas ajudas, comporem as habitações e, depois, manterem-nas comodamente vedadas ao uso turístico.

A pergunta que eu faço é muito simples e gostava de para ela poder ter uma resposta de quem de direito. É feito um acompanhamento do modo como as casas que foram construídas ou remodeladas com fundos públicos cumprem a sua obrigação de se manterem permanentemente abertas à utilização de potenciais utentes? São feitas inspeções regulares sobre as taxas de ocupação? É que se casas estão sempre assim tão "cheias", então quero crer que a receita fiscal deve ser bem significativa. Ou não?

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, setembro 10, 2015

quarta-feira, setembro 09, 2015

Orbán


Há já bastantes anos, acompanhei o então presidente Jorge Sampaio numa visita oficial à Hungria. No curso dessa deslocação, Sampaio teve um encontro com o primeiro-ministro, Viktor Orbán. Foi uma conversa de cerca de meia-hora. A Hungria ainda não era membro da União Europeia, embora já o fosse da NATO, desde há escassos meses.

Não vem aqui para o caso o teor detalhado dessa conversa, quando estavam iminentes os ataques militares à Sérvia, por virtude da tragédia que se vivia no Kosovo. Passei muitos anos na vida diplomática e, fruto dessas andanças, ouvi uma imensidão de políticos estrangeiros em registo privado. Mas recordo-me sempre - e conto isto a amigos, desde há muito - que, ao terminar essa conversa entre Orbán e Sampaio, estava um pouco perturbado. Não apenas por algumas coisas que ele então disse, pela forma como as disse, mas também pela maneira como nos olhava ao dizê-lo. Ambos saímos desse encontro - e estou certo que Jorge Sampaio tem isso bem presente - com um sentimento estranho, cujo fundamento confirmámos noutras conversas, nesses dias de Budapeste.

Sempre fui um defensor do alargamento da União Europeia mas, nessa tarde na Hungria, dei-me conta, não sei se pela primeira vez, que alguma da "nova Europa" que aí vinha trazia consigo algo de diferente, que tinha bastante menos a ver connosco, com a nossa forma de estar no mundo, do que era habitual entre aqueles que connosco se cruzavam nos corredores de Bruxelas.

Várias vezes entrei em choque com amigos dos países bálticos ou outros vizinhos da Rússia por virtude do modo como olhavam para Moscovo. Nessas conversas, contudo, eu podia perceber o trauma profundo de países que haviam estado sob a tutela soviética e até justificar, nas suas atitudes, alguma irracionalidade anti-russa, mais recentemente ajudada pelo manifesto autoritarismo ameaçador de Putin. Mas com Orbán era diferente. Era outra maneira de equacionar o poder, era um sentimento de afirmação nacional que, mesmo que implicitamente, como que tocava alguns fantasmas indizíveis do passado do centro do continente.

O tempo veio a dar razão a esta minha perceção. Todos assistimos, durante os últimos anos, ao progressivo desprezo de Orbán pelas regras de separação de poderes na Hungria, à produção legislativa que, no limite, foi cerceando direitos, numa "mainmise" progressiva do aparelho político-institucional, no sentido da limitação da alternância do poder. A Europa, salvo algumas posições do Parlamento Europeu e pontuais reações da Comissão, passou a conviver, aparentemente sem pejo, com um parceiro que, dia após dia, se vai afastando do património de valores em que se funda a comunidade a que todos pertencemos - e que a Hungria se comprometeu a respeitar na sua adesão. Mas nem por isso Orbán deixa de figurar, sorridente, entre os seus pares, nas fotos de família dos Conselhos europeus. E os outros sorriem para ele, o que é bem mais grave.

Quando hoje penso na humilhação que fizémos passar ao governo austríaco, em 2000, por ter feito uma aliança de incidência governamental com um grupo de extrema-direita, e comparo com o que se vive em governos desta Europa de 2015, quase que me apetece pedir desculpa pela pressão a que então sujeitámos Viena. E quando observo o inqualificável comportamento de Viktor Orbán e das autoridades húngaras face aos refugiados que, em desespero, pretendem atravessar o país para chegaram a uma Alemanha que, com grande dignidade e generosidade, admite recebê-los, tenho a sensação de que não faço parte da mesma Europa que esse cavalheiro.

Há dias, Orbán proferiu uma frase que melhor define o seu espírito "europeu". Perguntado qual era a diferença entre a "cortina de ferro" do tempo soviético e o "muro" de 175 km que mandou construir entre o seu país e a Sérvia, disse isto apenas: "O primeiro era contra nós, este é a nosso favor".

terça-feira, setembro 08, 2015

Recado aos taxis


Vistam-se como deve ser, usem carros cómodos, impecavelmente limpos e sem cheiro a comida, tabaco ou odor pessoal intenso, fechem as janelas e usem o ar condicionado quando o pedirmos, sejam educados, simpáticos e atentos com os clientes, calem a rádio aos berros, baixem a voz da "menina" da central a chamar os colegas, não protestem com os outros condutores, conduzam suavemente e com a preocupação da comodidade e segurança dos clientes, não nos atazanem os ouvidos com queixas contra "eles" e contra "isto", não nos falem do estado do trânsito, de futebol, de política e dos "pretos", não façam cenas com os trocos e passem recibo sem o pedirmos, deem-nos a permanente garantia de conseguirmos ir do aeroporto ao Campo Grande sem ter de passar por Alcântara, tratem os estrangeiros como clientes normais e não como fonte de especulação. Quando oferecerem um serviço SEMPRE assim, podem estar certos que esqueceremos o UBER. Até lá, habituem-se!

"Olhar o Mundo"


Na sexta-feira, dia 11, na RTP, estarei a comentar a situação internacional com António Mateus, em mais uma edição de "Olhar o Mundo".

"Jihadismo Global - das palavras aos actos"


"Encostados à Parede"


Adeus, Chico


Olhei sempre para o Chico Menezes como alguém mais velho. Nesses idos de 60, então com 16 ou 17 anos, ser cooptado para integrar grupos mais maduros significava uma orgulhosa ascensão social no estatuto de adolescente.  

O Chico Menezes era um desses "mais velhos". Filho de militar, ele próprio viria a seguir essa carreira. O inconfundível "estilo" com que se passeava pela cidade, passo pausado, serenidade madura, patilhas longas e atitude já adulta, tudo isso lhe conferia um estatuto que, teoricamente, o distanciava de nós, mais novos, mais "putos". Quantos anos mais velho era o Chico? Sei lá! Dois ou três, o que é uma imensidão quando não se havia chegado ainda aos 20 anos. E, por isso, ser integrado pelo Chico no seu grupo foi, para mim, uma coisa importante.

Em meados dos anos 60, naquela inenarrável "seca" de vida que era Vila Real, o Chico tinha ao seu regular dispor um carro, coisa não muito comum à época. Era mesmo um carro grande, creio que um Vauxhall, preto, pertencente ao pai. Um grupo de "habitués", de que tive o privilégio de fazer parte, passou a ser utente regular dos passeios no carro do Chico. Eu tinha "chumbado" a Ciências no 7º ano e, por isso, "fiquei" com essa cadeira, como então se dizia. Isso significava um período de imensa "calaceirice", sem aulas, sem horários, uma espécie de "preparatórios" para aquilo que viriam a ser os "dois anos em férias" (tomo de empréstimo o título do livro do Jules Verne), que, logo de seguida, fui passar ao Porto, nesse projeto frustrado que foi o "meu curso" de Engenharia Eletrotécnica.

O Chico Menezes foi assim meu companheiro quase diário nesse ano de 1965. Ao final da manhã, depois de um sagrado "covilhete" na Gomes, encontrávamo-nos no "Excelsior", para um café de saco servido pelo Manuel Rato, em cujo setor de bilhares o Chico "tinha taco". "Ter taco" estava para os bilhares como "ter garrafa" estava para os bares: conferia automático estatuto, implícito prestígio. O Chico Menezes era um dos grandes bilharistas de Vila Real, aproximado, mas ainda assim à distância, pelo Olívio das bicicletas (o pai tinha uma loja disso), esse o meu mais antigo amigo - nascemos na mesma rua, no mesmo ano, fomos para a escola juntos. 

Com o Chico, o Olívio e o Mourão, este último funcionário da garagem S. Cristóvão (ainda há dias o vislumbrei numa tertúlia de reformados, no "shopping"), às vezes com outros integrantes menos regulares, constitui-se, nesse ano de 1965 (caramba, já lá vão 50 anos!), uma "troupe" que, à hora de almoço, fazia um invariável e sucessivo percurso, para ver "miúdas". Às dez para a uma passávamos a "galar o pequename" à saída do liceu, depois subíamos a Avenida rumo à Escola Comercial e Industrial, daí rumávamos ao Pioledo observar as "externas" do Colégio de S. José e, descida a rampa do Calvário e chegados ao "cabo da Bila", "cobríamos", finalmente, a saída da Escola do Magistério Primário. Em 15 minutos, melhor era impossível!

O percurso era feito no imenso Vauxhall, com cada um de nós, se o tempo o permitisse, bem estilosos, com o cotovelo fora do vidro (o meu lugar era atrás, à direita - o Chico, muitos anos mais tarde, brincava que eu já ensaiava para assento "de embaixador" ou "de governo"!). Hoje, posso imaginar o ridículo dessa "troupe" motorizada, a armar em "conquistadores", com um sucesso, diga-se, raramente muito expressivo.

Aos sábados, o programa era, muitas das vezes, exterior: partilhada irmamente a "gasosa", rumávamos em expedições a Chaves, à Régua, a Amarante, a Famalicão e até a Guimarães! Nunca ousámos o Porto, terreno mais denso, desconhecido. Connosco aperaltados para o engate, as coisas às vezes corriam "bem", na maioria dos casos vínhamos de "orelha murcha", porque o "fossado" romântico redundara em insucesso. Não concretizámos uma muito especulada ida a Espanha, a Orense, mas isso nunca nos deprimiu porque, com base nas experiências com as jovens "hablantes" que passavam em excursões por Vila Real, a doutrina era que "com as espanholas nunca dá nada!" Não era verdade: às vezes, "dava"! Teorias empíricas, antes da "movida", claro...

Os domingos eram "sagrados": as tardes eram passadas em mesas de "lerpa", a doer, no primeiro andar da "Maria do Carmo", uma tasca (hoje um simpático restaurante) em Abambres, no "circuito", regadas a "lapardana", uma mistura de vinho branco, cerveja e, creio, açúcar. Em fundo sonoro, ouviam-se então os relatos de futebol "da Emissora", com a expressão clássica  do Artur Agostinho, em Alvalade ou na Luz, a passar a emissão ("alô, Nuno"), para o Nuno Braz prosseguir das Antas. A função dominical acabava, impreterivelmente, às seis, porque, às seis e meia, estávamos todos, armados em galãs, encostados à esquina da Gomes, a assistir à saída das pequenas da "missa das seis" na Sé. Alguns bailes nesse tempo, em garagens, não são para aqui chamados. Outras expedições noturnas, de outra índole iniciática, idem.

No ano seguinte, saí de Vila Real. Desde então, fui encontrando o Chico Menezes a espaços, pelas esquinas da cidade, nos Natais ou outras férias. Sem surpresas, como referi, seguiu a carreira militar, na tradição familiar, chegando a oficial superior. Projetava sempre o seu ar muito sereno, simpático, com grande dignidade e esmerada educação. Não sei se voltou aos bilhares ("bilhar livre", claro, clássico, nada dessa coisa de "snooker") ou se, com o tempo, foi "perdendo a mão". De qualquer forma, o "Excelsior" entretanto fechou, as mesas da "Pompeia" e da "Brasileira" também se foram há muito, as "tabelas" dos bilhares da cave da "Gomes" secaram com o estranho desuso e o Chico nunca confiou (nem eu) no equilíbrio da lousa da mesa do "Clube". Ainda haverá hoje bilhares (livres, claro) em Vila Real?

No "Primeiro de dezembro" do ano passado, numa "ceia" de amigos e conhecidos, alguém me apontou o Chico numa mesa. Já quase o não conheci. Fui ter com ele. Caímos em abraços mas, no meio dos sorrisos, achei-o algo triste, disseram-mo doente. Nunca mais o vi.

Ao final do dia de ontem, contaram-me que morreu. Adeus, Chico! Não cheguei nunca a matar a curiosidade sobre qual foi a tua maior "tacada", nas gloriosas jornadas de que fui testemunha na mesa do "Excelsior". Fosse ela qual fosse, meu caro, ontem perdeste a última partida. Deixo-te aqui um abraço, muito amigo e sentido. 

segunda-feira, setembro 07, 2015

Está tudo doido?!


Com o representante da empresa que vai gerir o nosso condomínio, marquei hoje, para o meio-dia, a abertura de uma conta bancária, numa dependência da Caixa Geral de Depósitos. Ainda tive a tentação de combinar um almoço com um amigo para uma hora e tal depois, mas tive um pressentimento de que seria algo imprudente fazê-lo.

Era a terceira vez (!) que passávamos por aquela dependência da Caixa. Das duas anteriores, ou a ata da assembleia geral não estava explícita ou faltava um papel ou faltava uma assinatura ou não aceitavam uma fotocópia ou um outro pormenor qualquer ("Sabem? É o Banco de Portugal..."). Desta vez, a cara da "menina" pareceu-me ser outra. Cheirou-me "a esturro". Era outra! O espaço em que somos recebidos até nem é mau: guichezinhos com cadeiras, num "open space" disfarçado com tabiques de nova geração, a dar ares de tratamento personalizado ao "sr. Francisco" - já desisti de me irritar com esta designação de tasca de aldeia. Já quase só falta "musak" em fundo, para completar a "música" com que nos cobram as cada vez mais elevadas taxas, num oligopólio miserável a que a Autoridade da Concorrência fecha os olhos e a Deco não tem força para pôr termo.

As "meninas" são educadas, formatadas, só sabem mesmo aquilo que lhe dizem para saber, escudam-se nos "regulamentos", numa espécie de "need to know" que lhes facilita a vida, que as isenta de pensarem de forma prática, de terem a menor flexibilidade. "Eu bem gostava de poder ajudar, mas já sabem, é a lei!"). Vivem redomadas num "template" mental, que, lá no fundo, lhes deve ser cómodo. Trabalham por "objetivos" e nós ali estávamos, pela terceira vez - se o nosso "objetivo" fosse medido pelo tempo que temos perdido para abrir uma conta de condomínio estávamos irremediavelmente arrumados na nossa "promoção".

Como não há duas sem três, as coisas iam, uma vez mais, correr mal. Afinal, elementos que a "menina" anterior tinha dado por conhecidos e desnecessários de prova, da última vez que lá foramos, tornavam-se agora necessárias ("Sabe? São os regulamentos, não posso fazer nada..."). Os regulamentos devem ter mudado drasticamente desde 21 de agosto, quando interrompi férias para, infelizmente sem sucesso, visitar a outra "menina".

Dez minutos passados, não tendo a nova "menina" aceite que o AP no meu cartão da ADSE significava que eu estava aposentado (a minha aposentação é paga pela Caixa Geral de Aposentações, na Caixa Geral de Depósitos, isto é, que consta "lá na casa"), exigindo-me dados pessoais que a Caixa tem de mim há décadas (entrei como funcionário da Caixa em 1971, recebo lá a minha aposentação, numa conta criada, para mim, pelo meu pai, em 1965, há meio século!, também, por isso, que consta "lá na casa"), "passei-me": levantei-me, pedi à "menina" para fazer o obséquio de dizer ao gerente dela que era uma "imensa estupidez" tudo aquilo que me estavam a pedir, rasguei delicadamente, na frente dela, toda a papelada já meio preenchida, agradeci a atenção e rumei a outra dependência da Caixa Geral de Depósitos. Tudo acompanhado com o funcionário da empresa de administração de condomínios, tão siderado como eu. Podia ser que tivéssemos mais sorte, se mudássemos de "menina".

Ali, na nova dependência, de facto, as coisas foram um pouco mais simples, embora demorassem, mesmo assim, uma hora e tal. As "meninas" que nos atenderam, primeiro uma depois outra, a quem, num eficaz "preemptive strike" dei nota da fúria com que vinha, tiveram a sensatez de perceber o caráter ilógico de alguns dos anteriores pedidos. Nem por isso, porém, deixei de ter de preencher uma folhas imensas com espacinhos para maiúsculas, de repetir o meu mail por três vezes e o NIF e endereço sei lá quantas! Até me pediram a data do casamento (creio que foi a primeira vez, em toda a vida, que isso me aconteceu!). Vá lá que me dispensaram de uma certidão de nascimento narrativa completa...

Depois dessa montanha de papelada ter sido completada, assinei e rubriquei (sem ler, claro, porque tinha de ir almoçar, já eram duas e meia!) mais de uma dezena de folhas, fiquei com (mais) uma resma de códigos (para a caderneta, para o netbanco, sei lá para que mais) e, se tudo tiver corrido bem, lá teremos conseguido, eu e o paciente representante da empresa que gere o condomínio (com quem já passei tantas horas que quase já se tornou meu íntimo), abrir essa coisa, pelos vistos de grande magnitude formal, que é uma conta bancária para o nosso condomínio. Diga-se que somos três simples condóminos, e que a tarefa imensa de administração se resume a pagar a luz da escada, o elevador e a mulher-a-dias (será politicamente correto escrever isto?). Ah! A "menina", a quarta e última, espera-se, não deixou de nos avisar que a taxa bancária a aplicar será a mais elevada, porquanto o saldo da nossa conta será muito baixo. 

Será que sou eu que sou esquisito? Andam por aí uns fabianos a anunciar que se constitui uma "empresa na hora" e eu já perdi quase cinco horas, entre conversas com "meninas" várias em guichets a armar a modernos, com deslocações e custos de estacionamento, para abrir uma simpes conta bancária para um condomínio! Há uns anos, antes da vaga de meios informáticos, supostamente criados para nos facilitar a vida, em poucos minutos abria-se uma conta bancária. Agora é isto! Está tudo doido?!

domingo, setembro 06, 2015

O segundo mergulho de Marcelo


Foi em 1989 que Marcelo Rebelo de Sousa mergulhou num Tejo poluído para chamar a si alguma visibilidade, por ocasião da sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Como ele já explicou, embora à época fosse um cronista influente do "Expresso" e até antigo membro do governo, o professor não era a vedeta mediática em que os anos vieram a transformá-lo e os portugueses, mesmos os lisboetas, não o conheciam muito bem. Esse mergulho, tal como outras iniciativas pretendidamente inéditas, como guiar um taxi pela cidade, não lhe vieram a servir de muito: seria derrotado facilmente por Jorge Sampaio.

Neste fim de semana, assistimos a Marcelo a visitar a Festa do Avante. Dir-se-á que, no passado, já havia estado naquela feira, mas ninguém deixará de ligar esta visita, acompanhada por câmaras de televisão, em tempos de uma próxima eleição presidencial, a um gesto marcado por algum oportunismo. 

Marcelo (o facto de ser conhecido por "professor Marcelo" e não por "professor Rebelo de Sousa" é algo que deve ser ponderado) é uma figura única no panorama público português. À sua notoriedade corresponde um evidente registo de simpatia. Consegue ser popular sem ser popularucho, talvez porque o qualificativo de "professor", isto é, de alguém "que sabe" (ao que quer fazer parecer, sabe um pouco de tudo), introduza sempre uma certa distância face àqueles que o contactam e o ouvem. Ao encontrá-lo na rua, as pessoas sentem que está ali alguém que lhes entra pela casa dentro com regularidade, são naturalmente tocadas por uma espécie de distanciada intimidade, na sensação de que, no fundo, o conhecem, tantas vezes e tão obsessivamente o ouvem falar de tudo e de alguma coisa.

Será isso suficiente para o fazer eleger presidente da República? Melhor: será isso imperativo para que o PSD de Passos Coelho o venha a apoiar para essa aventura, sabendo, à partida, que, em caso de eleição, estaria longe de ter um "yes man" em Belém (também o não teriam com Rui Rio)? Depois da saída de cena de Santana Lopes, de um Rui Rio que continua a dizer coisas muito pouco marcantes, embora com ênfase quase artificial, o que não contribui para a fixação de uma imagem nacional sólida, Marcelo surge como alguém que todos achamos que já "conhecemos", pelo que parece ter a vida cada vez mais facilitada à direita - e, sejamos honestos, a cacofonia à esquerda também lhe está a "dar uma mão".

Mas, voltando ao princípio: no que me toca, ver um potencial candidato da direita a ir à Festa do Avante, para tirar umas "selfies" e ter um banho de abraços de camaradagem (no sentido mais "típico"), condiz muito pouco com a imagem que me apetece ter do presidente da República para o meu país. Mas eu não faço parte do eleitorado de Marcelo Rebelo de Sousa, pelo que o meu voto aqui nada conta...  

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...