sexta-feira, agosto 14, 2015

As presidenciais socialistas


Não vale a pena esconder que o Partido Socialista tem um problema com as eleições presidenciais. Esse problema existe há muito, emergiu noutros sufrágios e inscreve-se na matriz daquele que é o partido central da democracia portuguesa.

Cavaco Silva foi o único presidente eleito no atual regime que não contou com o apoio socialista. Num país sociologicamente com uma maioria eleitoral de esquerda, foi mais uma vez a dificuldade decisória dentro do PS que facilitou a sua eleição. Em 2016, isso pode repetir-se.

À parte o caso muito particular de Soares em 1986, onde verdadeiramente se jogou, pela última vez, a trincheira esquerda-direita, numa eleição que ajudou a fixar o perfil essencial do regime, apenas Sampaio correspondeu, com rara precisão, ao “candidato ideal” do PS: sem particulares anti-corpos à esquerda e com um forte potencial de entrada no eleitorado político do centro, e até de alguma direita urbana.

De certo modo, embora bastante menos afirmado à esquerda, Guterres aproximar-se-ia agora desse perfil. A sua ausência da contenda volta a soltar no PS os “demónios” da divisão.

Sampaio da Nóvoa é um candidato que emergiu na indignação anti-troika. Cavalgou com inteligência essa onda justa e, com o tempo, foi elaborando sobre ela um discurso culto. Em seu torno, desenhou-se entretanto uma espécie de “neo-pintasilguismo”, o que, simultaneamente, seduz uma certa esquerda mas irrita outras áreas socialistas, que o associam, creio que injustamente, a um projeto intervencionista anti-sistema, onde ressoam memórias do PRD. Os militares e os ritos organizados que andam à sua volta ajudam muito a essa suspeita. Para a direita, é uma “bête noire”, o que, devendo ser tomado à conta de um forte elogio, reduz o seu proselitismo no centro político e não facilita a eleição.

Maria de Belém é o Guterres possível. Mulher, incomparavelmente mais carismática do que seria o excelente e mais denso Oliveira Martins, tem uma certa fragilidade, que é tocante mas não deixa de ser uma fragilidade. O seu perfil atrai o pessoal dos altares, tem uma simpatia natural capaz de vir a gerar um certo “appeal” popular, mesmo em setores da direita, à qual não assusta. Com o tempo, perceber-se-á também que tem uma leitura muito bem sistematizada do país. Há, porém, quem ache que pode ser “pêra fácil” nos debates com Marcelo ou que verá a sua assessoria no grupo Espírito Santo ser explorada pelo justicialismo de Rio. Dentro de algum PS, a sua candidatura é vista como uma espécie desforra do “segurismo”, o que muito limitará a mobilização da máquina dominante.

Como se diz na minha terra, o PS, em matéria presidencial, volta a estar metido num “lindo molho de brócolos”.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, agosto 13, 2015

Conversas no Pereira (6)

- Então tu achas mesmo que o PS corre o risco de se dividir no caminho para as eleições presidenciais...

- Claro que sim, "pelo andar da carruagem"...

- Mas há ainda alguma esperança de que as coisas se componham?

- Claro que há!

- Ainda bem que te vejo otimista com o PS.

- Com o PS não estou nada otimista.

- Já não estou a perceber nada!

- É que eu espero ainda que a direita se "ensarilhe" da mesma forma. Isso é que pode "empatar" tudo!

Guiné-Bissau

Há dias, falei por aqui do insuperável tropismo do "colono" de "mandar bitaites" sobre a vida política interna das antigas colónias. Contrariamente ao que alguns pensaram, não me estava a referir a Angola, tendo precisamente em mente a Guiné-Bissau, cuja crise política estava já iminente. Nas horas que se seguirão, vamos ter oportunidade de observar esse vício em todo o seu esplendor.

"Ipanema meisje"


Foi em 2008, durante a visita oficial ao Brasil do presidente da República, Cavaco Silva, por ocasião das comemorações dos 200 anos da ida da corte portuguesa para aquela então colónia tropical.

Numa das noites, Portugal ofereceu no Rio de Janeiro um espetáculo musical no celebrado Teatro Municipal. Creio que no intervalo do espetáculo, alguns dos espetadores aproximaram-se do chefe de Estado português, para o cumprimentar. Por ali estavam também membros da delegação e alguns jornalistas.

A certo ponto, um jovem brasileiro dirigiu-se a Cavaco Silva. Tinha aí uns 17 ou 18 anos. Disse ao presidente que gostava de Portugal mas que, como brasileiro, não podia deixar de lamentar que o seu país tivesse sido colonizado por um país como Portugal. E acrescentou que teria sido bem melhor para o Brasil se a Holanda tivesse acabado por ganhar a guerra contra Portugal, nos séculos XVI e XVII, e que, a partir daí, a sua cultura se tivesse imposto. O país seria, com toda a certeza mais próspero e desenvolvido.

A tirada do jovem não tinha nada de inédito. Faz parte de um reflexo cultural muito comum em certos setores da sociedade brasileira, de que a área universitária é um regular exemplo, a queixa de que a colonização portuguesa é ainda culpada por muitos dos defeitos do Brasil contemporâneo, seja na corrupção, seja na burocracia. É algo que alimenta uma certa lusofobia e que também se apoia na inferência de que os Estados Unidos, colonizados pelos britânicos, tiveram um destino bem diferente. Ouvi este argumentário frequentemente, com a ideia da colonização holandesa a vir à conversa. Às vezes, brincava com os meus amigos brasileiros que talvez os tivessemos poupado ao destino de serem "um grande Suriname" - a antiga colónia holandesa, hoje um pouco atrativo país no nordeste da América do Sul.  

Já não me recordo o que o presidente retorquiu ao rapaz e, confesso, só vim a lembrar-me do que eu próprio disse porque, no dia seguinte, li meu comentário irónico publicado com destaque num jornal diário de grande expansão: "Gostava de ouvir a "Garota de Ipanema" cantada em holandês". A minha frase foi retomada depois por alguma imprensa pró-portuguesa e aí foi glosada, por algum tempo.

Dias depois, num email recebido na Embaixada e que me era dirigido recebi a letra da "Garota de Ipanema", o poema de Vinicius de Moraes, traduzida em ... holandês.     

quarta-feira, agosto 12, 2015

Uma coerência bem patente

O presidente da República acaba de promulgar o acordo sobre o Tribunal de Patentes, assinado por este governo em 2013 e recentemente aprovado por esta maioria, com votos contra do PCP, do BE, dos Verdes e do deputado José Ribeiro e Castro, com a abstenção do PS. 

Ribeiro e Castro opôs-se sempre a que Portugal se juntasse a este acordo, pelo facto dele consagrar o que considerou ser "um regime profundamente discriminatório entre europeus no quadro do mercado interno e do seu funcionamento, através da imposição, em matéria de patentes, de uma troika linguística: alemão, francês e inglês". No dizer do deputado que o CDS afastou agora das listas de deputados, "o Português, quarta língua mais falada no mundo, terceira língua europeia global, a língua mais falada do hemisfério Sul, terceira língua do Ocidente, língua em afirmação e procura crescente, segunda língua do petróleo e do gás, é, assim, baixada - ou melhor, rebaixada - ao estatuto da terceira divisão das línguas europeias."

Esta promulgação por parte do presidente Cavaco Silva não é, contudo, surpreendente. Aproveito para recordar um facto que, aparentemente, está esquecido: o primeiro-ministro Cavaco Silva, em 1994, deu o seu acordo, em nome de Portugal ao estatuto do Instituto de Harmonização no Mercado Interno da União Europeia, com sede em Alicante (Espanha), que consagrou um regime linguístico ainda mais humilhante para Portugal no contexto europeu: inglês, francês, alemão, espanhol e italiano. 

Ficou patente a coerência de Cavaco Silva.

terça-feira, agosto 11, 2015

Áfricas

O estabelecimento de um ambiente de plena normalidade diplomática com os países saídos da colonização portuguesa, em especial depois das longas guerras mantidas com três dentre eles, representa um dos aspetos mais positivos do nosso quadro de relações externas em democracia. O posterior estabelecimento da CPLP veio consagrar a plena maturidade desse entendimento, que tem a língua portuguesa como cimento, permitindo desenhar, ao longo da última década, um modelo de cooperação que, não obstante as suas limitações, fez já um caminho interessante e promissor.

Não tem sentido tentar esconder, por detrás de um qualquer discurso congratulatório, a subsistência de naturais diferenças, na abordagem de certas temáticas, nomeadamente as que se prendem com questões de democracia, de Direitos humanos e do funcionamento do Estado de direito. Se algum exemplo mais concreto fosse necessário, aí estaria o recente caso do acesso da Guiné-Equatorial à CPLP como prova de que nem sempre as perspetivas coincidem. Mas isso faz parte da natureza de Estados que nascem e evoluem em contextos diferentes, com histórias e processos internos muito díspares. A sabedoria de uma diplomacia madura reside, precisamente, na capacidade de sublinhar os fatores de identidade e de potencial aproximação, não deixando que a magnificação das diferenças prejudique aquilo que é essencial.

Ao longo das quatro décadas que passaram desde a independência das colónias africanas, não raramente o, também variado, olhar de Lisboa divergiu do dos governos desses novos Estados, quer na avaliação dos esforços para a sua reconciliação interna, quer no modo como alguns valores comummente aceites pela comunidade internacional, em matéria político-institucional, neles mereceram observância. Curiosamente, e em tempo mais recente, vimos também emergirem, da parte desses Estados, críticas a determinados aspetos do sistema institucional português.

Às vezes, o tom de algumas dessas apreciações ultrapassa o razoável, roça a ingerência, pode ser lido como desrespeitoso das ordens jurídico-políticas. A linha é muito fina entre aquilo que pode configurar uma legítima observação sobre certas disfunções dos sistemas e um tom crítico que pressupõe a não aceitação dos fundamento da ordem de valores em que eles se apoiam.

Compete aos agentes políticos manter a serenidade e ver um pouco para além da espuma polémica de alguns dias, de algumas vozes mais excitadas e de alguns títulos de jornais. Cabe às diplomacias, sob a sua orientação, preservar e desenvolver o tecido comum de relações e olhar para ele na perspectiva da História e dos interesses comuns de que se alimenta.

(artigo que hoje publico no "Acção Socialista")

Europa em movimento

Há dois movimentos na Europa que legitimam uma inferência.

O primeiro movimento prende-se com a proposta britânica de negociar uma "repatriação" de competências comunitárias para a esfera dos governos nacionais, num sentido desintegrador.

O segundo, impulsionado pela crise grega e ilustrado pela inopinada proposta francesa, configura um possível regresso a um "core" da UE, num sentido integrador.

Curiosamente, ambos os movimentos, na sua aparente contradição, podem acabar por conjugar-se. E a forma de ultrapassar o "espartilho" que, no entender de alguns, a atual diversidade de perspetivas e vontades induz à evolução do projeto europeu poderia assentar na retoma do debate sobre a flexibilidade / integração diferenciada / cooperações reforçadas. Um debate da maior delicadeza, como a experiência portuguesa nas "conferências intergovernamentais" que trataram o tema bem registou.

De qualquer forma, uma inferência parece-me óbvia: terá de haver uma nova revisão dos tratados, porque, conhecendo estes, tenho por seguro que atualmente não existe neles margem para poderem ser utilizados nesse sentido. Portugal deveria, assim, preparar-se desde já para essa reforma institucional. 

Um destino europeu


Para o bem e para o mal, a Europa é o nosso destino. O Atlântico pode ser a vocação de há muito incumprida, as Áfricas podem apontar-se como eterna promessa de um clube, feito de língua e algum afeto, a abrir-nos as portas internacionais, mas a Europa é o que aí está, no imediato e na realidade, como uma inevitabilidade – geográfica, económica, cultural. E porque assim é, manda a racionalidade que seja nela que devamos concentrar muita da nossa política para o mundo, sem prejuízo de procurarmos manter vivas todas as nossas restantes dimensões de afirmação externa. Até porque essas mesmas dimensões são também, elas próprias, constitutivas do nosso poder dentro da Europa.

A Europa revelou, em anos recentes, insuspeitadas debilidades. Como projeto com múltiplos atores, não necessariamente consonantes entre si sobre os caminhos do futuro, na expressão simultânea das suas vontades, a Europa comunitária provou, à saciedade, que é de uma grande e exasperante lentidão na resposta aos factos, que navega quase sempre à vista, que é arrastada pelos acontecimentos, em lugar de os conduzir. Isto não é uma crítica, é uma mera constatação. Provavelmente não poderá ser de outra forma. Conglomerado de vontades democráticas, mobilizadas por agendas nacionais diversas e frequentemente divergentes, a Europa, no seu processo decisório, tem de “ficar à espera” de todos e de cada um, sem o que arrisca a ilegitimidade nos procedimentos, por muito que um juízo de eficácia justificasse o contrário.

No passado, no processo europeu, o sentido da urgência era bem menor. Em causa estava, à época, avançar-se mais ou menos rapidamente no completamento ou criação de certas políticas, que iam conferindo uma coerência progressiva ao projeto. O tempo da maturação democrática era respeitado, a identidade dos interesses comuns era mais evidente, a comunidade era então menos extensa e mais coesa.

Foi a ambição que trouxe a nova urgência. Foi a “entrada” da Europa em domínio que antes era do múnus exclusivo da soberania dos Estados – como a moeda, a política exterior comum ou a gestão das fronteiras – que lhe criou a necessidade de uma capacidade de resposta idêntica à que cada país tradicionalmente tinha na gestão desses domínios. Perante esse desafio, a Europa mostrou a sua escassa agilidade, uma lentidão paquidérmica. Vê-se isso na crise da moeda e no caso grego, viu-se na caótica gestão do processo ucraniano e na falta de soluções para uma afirmação coletiva face ao Estado Islâmico, constata-se, à evidência, na patética reação face às vagas migratórias mediterrânicas ou às hesitações sobre o que fazer no buraco do túnel para o oásis britânico.

A crescente constatação de que o “timing” é vital para a sua eficácia está a levar a Europa a concentrar as suas decisões, a colocar de lado o “método comunitário”, que se havia revelado confortável para as democracias constitutivas do projeto coletivo. A preeminência do Conselho – isto é, dos Estados – sobre a Comissão Europeia, a expressão de poder de instâncias como o “eurogrupo”, tudo isso configura uma significativa mudança de natureza no projeto.

Contrariamente a muitos, entendo que não compensa ser nostálgico de outros tempos. Como nas regatas, há que ser hábil e saber navegar com os ventos que estão, desde que se tenha uma estratégia, se proceda a uma reflexão contínua, assente num amplo consenso político, sobre o modo como atingir o nosso objetivo. Ter uma política europeia por omissão, como tem sido o caso nestes últimos anos, é uma não-solução. E um imenso risco para o país.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

segunda-feira, agosto 10, 2015

Rivais


Num final de tarde de 2007, aterrei no aeroporto de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Durante a viagem no taxi que me conduzia ao hotel, vi passar carros com bandeiras, no que me pareceu ser o prelúdio de um qualquer evento desportivo. Perguntei ao motorista de que se tratava. O homem olhou para mim com cara de poucos amigos e, claramente, com algum desprezo justificado pelo meu desconhecimento: "Hoje o Grêmio joga com o Inter".

Foi então que me veio à memória que, em Porto Alegre, existe uma das maiores rivalidades que opõem clubes na América Latina. O Grêmio de Porto Alegre e o Internacional de Porto Alegre são, desde há anos imemoriais, adversários ferrenhos, numa conflitualidade que já produziu mortos e que transforma o clássico Fla-Flu (Flamengo-Fluminense) carioca numa rixa de infantário. Quando um desses clubes gaúchos joga com uma equipa da Argentina, um país ali ao lado pelo qual nenhum brasileiro morre de amores, metade de Porto Alegre "vira", por 90 minutos, argentina...

Não estimulado pela má catadura do meu condutor, hesitei uns segundos antes de colocar a pergunta: "E o meu amigo de que clube é?" O sentimento de pena do homem para comigo acentuou-se ao ter de revelar o que sentia dever ser óbvio: "Sou do Grêmio. Só pode, não é?!".

Já não me recordo do correr da conversa, mas fixei para sempre as palavras de quase ódio com que, a certo ponto da verborreia anti-Inter por que enveredou, me falou de um filho que se tinha convertido em adepto do Inter, por via do namoro com uma jovem de uma família que era adepta do rival. "Mandei ele sair de casa na noite em que soube que ele se dava com gente dessa! Com roupa e tudo. Foi há quatro anos, vive noutra zona da cidade. Não quero saber dele. Nunca mais."

Chegámos ao hotel. Paguei, não lhe desejei felicidades para o jogo. À noite, na televisão, vi que o Grêmio tinha perdido. Ontem, ganhou por uns rotundos 5-0 ao Inter. Se ainda é vivo, o meu motorista deve ter apanhado um "porre" de caixão à cova!

domingo, agosto 09, 2015

Retificar

A demissão do diretor de campanha de António Costa é um ato de responsabilidade. Consciente de que algumas falhas estavam a prejudicar o desenrolar da campanha por que era responsável, Ascenso Simões não quis que a culpa morresse solteira. E, com dignidade, abriu espaço para que quem lhe suceda possa vir a fazer melhor.

O PS mostrou que sabe aprender com erros. Só lhe fica bem. Convém, agora, que não perca tempo.

A bandalheira liberal

Desde há muito, as unidades hoteleiras são classificadas segundo escalões de qualidade da oferta, vulgarmente designadas por uma a cinco "estrelas". Esta classificação era estabelecida pelo Estado, como entidade licenciadora, com base em critérios objetivos, testados ao longo dos anos. Assim se protegia o consumidor: ao ver um determinado hotel classificado com um certo número de estrelas, o potencial cliente sabia com o que podia contar, quer em termos de equipamento, quer no tocante ao preço que lhe podia ser exigido.

Com a multiplicação recente das unidades hoteleiras no país, com o surgimento de sítios informáticos em que a manipulação das imagens cria frequentemente uma perceção distorcida e edulcorada daquilo que é oferecido, com a onda de ofertas publicitárias auto-elogiosas, com a divulgação jornalística falsamente independente, que todos os dias dá conta de novas unidades, adjetivadas numa apreciação arbitrária "à vontade do freguês" e na realidade paga por quem seduz o "jornalista", entrou-se numa selva de mercado em que o cidadão-consumidor está cada vez mais desprotegido, sentido-se confuso face à diversidade das ofertas - que vão dos hotéis e pousadas ao turismo de habitação e rural, a que se somam os novos hostels.

Perante esta crescente diversidade da oferta, o dever primeiro do Estado, como garante do interesse comum, deveria ser o de proteger o cidadão, o de garantir, através do reforço do normativo, que ele não "compra gato por lebre". Pois vai acontecer exatamente o contrário: é precisamente neste contexto que anuncia a "liberalização" da utilização das "estrelas", que se deixa ao arbítrio dos proprietários das unidades hoteleiras, cujo objetivo natural é o maximizar dos lucros, a decisão sobre a utilização daquelas classificações. Entramos assim na desbragada promoção da "selva hoteleira", por decisão oficial. Um decisão tomada nas últimas semanas de exercício do governo. Já assim aconteceu com os sobreiros, lembram-se?

sábado, agosto 08, 2015

Conversas no Pereira (5)

- Já viste o novo cartaz do PS, com uma boa fotografia do Costa, a falar de "confiança"? Finalmente, um excelente cartaz!

- Espero que assim tenhas percebido a razão de ser dos anteriores cartazes!

- A "razão de ser"?! Essa agora! Eram uns cartazes sem sentido nenhum...

- Ora aí está! Isto é que é uma campanha genial! Porque é que reagiste de forma tão positiva ao novo cartaz? Precisamente porque o comparas com os anteriores, o que te permite destacar este. Se não tivesse havido maus cartazes, se calhar não terias notado a ótima qualidade deste... O PS não brinca em serviço!

Berlin Ball Index


Hoje, no "Expresso", é sugerido o recurso ao prestigiado "Berlin Ball Index" como indicador fiável da inflação. Só posso concordar com esta sugestão.

Na praia por onde ando, as bolas de Berlim - apresentadas com o pregão "Não engorda!, só alarga!" - são este ano vendidas a 1,50 euros.

Assim, na ausência de um leilão independente gerido pela DECO, vejo-me por aqui esmagado por um escandaloso monopólio, em que a minha fonte calórica vespertina me chega a este absurdo e especulativo preço. Ora eu sei que, em praias mais populares e modestas, como a Quinta do Lago ou o Ancão, o preço pedido é 1,10 euros. Pobres, mas com muita sorte...

Ah! A culpa é das gentes de Berlim, como não podia deixar de ser! 

Corregedor ou Poulidor?

Durante anos, a APU e depois a CDU - compostas pelo PCP, pelos Verdes e pela Intervenção Democrática - concorreram às eleições legislativas em listas conjuntas. Nesse tempo, nunca a ninguém passou pela cabeça que Corregedor da Fonseca, um simpático cidadão de que a maioria dos leitores nunca ouviu falar e que era o líder aparente da Intervenção Democrática, tivesse um tratamento televisivo próprio, isto é, que fosse chamado aos debates em pé de igualdade com António Guterres ou Marcelo Rebelo de Sousa.

Esse é o preço das coligações pré-eleitorais: quem procura ganhar sinergia com listas conjuntas, colocando-se sob a tutela de uma "chapa" única, concede à liderança dessa mesma coligação a titularidade para a representar. E isso começa logo pelos debates televisivos.

O dr. Paulo Portas, não obstante as qualidades mediáticas que o convertem num "must" televisivo, como mestre de "soundbites", onde quer que vá falar da "lavoura" e de outros temas magnos de interesse pátrio, converteu-se hoje, goste ou não, numa espécie de novo Corregedor da Fonseca. 

Por isso, não se queixe. Foi o dr. Portas quem atribuiu a si mesmo - e isso começou no dia em que abandonou a JSD e deixou de ser o diretor dessa esplêndida folha informativa que dava pelo nome de "Pelo Socialismo" - o destino eterno de Poulidor da política portuguesa. 

"Poupou" também era muito popular entre os franceses, que lhe achavam imensa graça, durante a Volta à França. Só que nunca ganhou nenhuma! Ficou várias vezes em segundo, lugar que, numa competição, acaba por ser o mais parecido com o último. E Paulo Portas já terá entendido que ser o "second best" da direita é, para todo o sempre, a sua triste sina.

sexta-feira, agosto 07, 2015

Neocolonialismo

Habituámo-nos e já nem nos apercebemos deste tropismo vulgar que é o facto de nos permitirmos, com regularidade, dar opiniões sobre a vida política interna das colónias que já foram portuguesas. Não há partido político nacional que, de quando em vez, contra ou a favor, se não permita dar “bitaites” sobre eleições ou conflitos políticos nos Palop. Há figuras nacionais que têm o hábito de tomar partido sobre o que se passa nas “nossas” Áfricas ou em Timor-Leste, com uma naturalidade que se torna chocante, sendo legítimo perguntar por que diabo o não fazem, com a mesma regularidade, sobre as eleições no Vanuatu ou na Gâmbia. Por cá tivemos, por muito tempo, apoiantes da Unita contra do MPLA, da Renamo conta a Frelimo, e vice - versa. Já assistimos mesmo ao espetáculo triste de ver parlamentares nacionais presentes num escrutínio num desses países, ao lado de candidatos. 

Aqueles territórios foram colónias portuguesas, autodeterminaram-se, tornaram-se independentes. Desde logo, de nós. Se têm problemas e, às vezes, pedem a nossa ajuda, isso não nos dá o menor direito de nos imiscuirmos na sua vida política, tomando partido entre uns e outros. Os políticos portugueses, que têm tantas e importantes questões internas que não conseguem resolver, fariam bem melhor se se dedicassem mais à sua “paróquia” e deixassem de se meter na vida política dos outros. Particularmente dos Estados que foram suas colónias. Isso tem um nome. Neocolonialismo.

Conversas no Pereira (4)

- Caramba! Que tom crítico perante a campanha do PS! Só no dia de hoje, vi um artigo assinado por ti num jornal e um texto no blogue. Já há dias te tinhas "atirado" contra o Edson Athayde.

- Acho que o tom da mensagem do PS está errado. E é mesmo um tanto esquizofrénico: tanto põe nuvenzinhas com ar de harmonia e paz celestial como, de seguida, caras de gente carrancuda a lembrar desgraças. O que as pessoas querem é conhecer as soluções concretas que o PS vai pôr no terreno para resolver os problemas que hoje têm. Em mensagens simples e curtas, facilmente percetíveis. Só isso!

- Mas não achas que, ao criticar abertamente a campanha, podes estar a "fazer o jogo" do adversário? 

- Estaria a fazer esse "jogo" se fingisse que achava a campanha eficaz, quando acho que ela não o é. Creio mesmo que é contraproducente! Na minha opinião, quem, involuntariamente, acaba por "fazer o jogo" do adversário e prejudicar o trabalho de António Costa é quem lhe prepara aquelas coisas.

Genialidade ou cretinice?

Com a idade, tornamo-nos mais sábios? Não tenho essa certeza. Comigo, a idade teve como efeito interrogar-me cada vez mais sobre as opções que tomo na vida, tentar evitar que a precipitação, num juízo ou numa atitude, constitua um erro desnecessário. É claro que essa hesitação pode ser lida por alguns como calculista, como derivada de uma "agenda" ou da necessidade de nos preservarmos para poder vir a tê-la. Num outro registo, esta pausa deliberada para reflexão pode ser interpretada como alguma angústia na decisão, aquele estado de incapacidade de escolha, típico de quem se baralha nos prós-e-contras das coisas, num reflexo da idade. Como, felizmente, o primeiro caso (já) não se me aplica, só posso caber na segunda e frágil opção. Constato-a com pena, mas sou suficientemente lúcido para não me inquietar demasiado com o assunto.

Ontem, ao olhar para o cartaz em que o PS coloca uma senhora a dizer que está desempregada desde há cinco anos, isto é, desde o tempo do governo Sócrates, dei comigo a pensar: este cartaz ou é uma imensa genialidade ou é uma enorme cretinice. Mas porque não acredito que, no seio de uma campanha que imagino deva ser altamente pensada, profissional e responsável, se façam cretinices com tal ligeireza, sou conduzido à conclusão de que o cartaz, na sua (só) aparente irracionalidade, corresponde afinal a uma estratégia profundamente estudada, testada e "straight to the point". O cartaz tem, assim, de ser genial. Apenas em teoria me atrevo a admitir outra opção, sem sequer ousar expressar o que pensaria dos responsáveis da campanha, se acaso assim não fosse. 

Chover no molhado


Foram anos terríveis. A vida correu-lhe mal. A empresa onde trabalhava fechou, o novo emprego é precário, a pensão dos velhotes foi cortada, a mulher caiu doente. O filho, sem ocupação, emigrou. Vendeu a casa, prescindiu de ter férias. A certo passo, sentiu-se como que impotente perante os desafios da vida. Mas aguentou. Com a passagem do tempo, adaptou-se (que remédio!), diminuiu ambições, baixou as expetativas, resignou-se. Agora só quer esquecer os anos em que quase desesperou.

Um destes dias, cruzou-se na rua com um amigo que já não via há muito. No meio daquela conversa do "como estás?", ao amigo deu para perguntar-lhe pelo passado recente, inquirir das maleitas, físicas e materiais, da família (que continuavam), se a nova ocupação já era mais estável (não era), se o filho afinal tinha uma atividade compatível com os seus estudos (não tinha).

Sentiu-se incomodado. Que diabo! Logo agora, quando ele só queria olhar em frente, o amigo falava-lhe do que o atormentava, trazia-lhe à ideia a fragilidade da vida que conseguira. As coisas não iam bem, era evidente. Mas ele olhava à volta e via outros em situação ainda pior. Na desgraça coletiva, comparava-se e sentia-se menos mal. E logo vinha aquele amigo “chover no molhado”…

Às vezes, ao ouvir algumas mensagens da campanha eleitoral socialista, dou comigo a pensar se os portugueses, num tempo em que querem ver-se livres de fantasmas, em que desesperadamente pretendem encontrar razões para sorrir, desejam ser confrontados com um discurso onde prevaleça a crítica do passado e a denúncia do que lhe fantasiam como melhorias no presente.

Muitos sabemos que o “oásis” que o governo nos vende é rotundamente falso, que os índices de desemprego são manipulados, que o regresso aos mercados vive da firmeza do BCE, que a retoma é débil, que as empresas estiolam por falta de crédito. Já percebemos os truques oficiais que, em época pré-eleitoral, alambicam algumas facilidades fiscais, colocando nos NIB mais alguns euros.

O português - você e eu – é um ser desencantado que, ao olhar hoje o futuro, tem de ter razões concretas para mudar o que está, no novo ciclo que aí vem. Não chega desconfiar deste pessoal que nos enganou no último quadriénio, porque a lógica do “the devil you know…” pode acabar por impor-se.

O cidadão eleitor tem de sentir que as novas propostas que são colocadas à sua frente são credíveis e que o seu futuro pode mudar para melhor se forem postas em prática, tituladas por gente capaz e de bem. Ser alternativa é isso: transmitir confiança e configurar a esperança. 

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, agosto 06, 2015

Luis Roseira


Com 91 anos, morreu Luis Roseira. Um grande homem do Douro, uma notável figura de cidadão.

Uma opinião

"A economia portuguesa está a beneficiar de fatores externos positivos. Finalmente conseguiu travar o pânico do verão de 2012. Além disso, as políticas de quantitative easing do BCE têm feito baixar os custos dos empréstimos portugueses para mínimos históricos. A descida do preço do petróleo e um euro mais fraco também têm ajudado. Internamente, a extrema austeridade de 2011-12 foi aliviada: o aperto fiscal é muito menor neste ano. Como resultado a economia está a crescer outra vez, lentamente. Mas Portugal ainda está num buraco fundo. A economia está ainda 7,5% mais pequena do que no seu pico no início de 2008 - na verdade está mais pequena do que em 2002 - e ao nível atual de crescimento de 1,5% não vai voltar aos níveis de 2008 antes de 2020: mais de uma década perdida. As dívidas globais - das famílias e das empresas - são insuportavelmente grandes. Os bancos ainda estão numa confusão, com o escândalo do BES à cabeça. Os salários caíram. A pobreza aumentou. O desemprego continua altíssimo. Muitos portugueses emigraram. Ajustando para a população ativa que não tem trabalho e o subemprego, o FMI calcula uma redução do mercado de trabalho de 20%. O FMI também diz que as reformas portuguesas foram inadequadas e que ainda têm de produzir benefícios. Portugal é um país europeu relativamente pobre. Devia estar a aproximar-se dos mais ricos através de mais investimento e aumentando a produtividade. Em vez disso, está a posicionar-se para ser ultrapassado pela Polónia e outros. É trágico."

Phillippe Legrain, economista britânico, consultor da Comissão Europeia

Jon Stewart


Somos todos, um pouco, americanos. Cada um à nossa maneira. Por muito que alguns o não queiram assumir, todos temos "a nossa América" em que nos revemos, todos "votamos" nas eleições por lá. Às vezes, cansados do Chile ou do Iraque, fingimos que nada temos a ver com "aquilo", mas, logo que nos aparece um ET pateta a defender a Sarah Palin, temos logo um Obama para lhe mandar à cara. Quando os "neocons" da paróquia destilam Chicago, lançamos mão de um Stiglitz ou um Krugman para lhes retorquir. Por cada Reagan ou Wayne que saia do baralho mccarthista, emergirá sempre um Woody Allen ou um Sean Penn para nos reconciliar com o Novo Mundo. Para cada "Washington Times" há sempre um "The New York Times". 

Há uma América para todos os gostos. A minha tem lá dentro Jon Stewart e hoje, dia em que vai para o ar o seu último "Daily Show", não consigo conter a minha nostalgia.

Conversas no Pereira (3)

- Então o Duarte Lima tinha dois Brueghel? Aquilo deve valer uma fortuna...

- Sim, parece que ele tinha uma bela coleção de quadros. Todos com o mesmo tema.

- Ah! Sim? Que tema?

- Naturezas mortas.

quarta-feira, agosto 05, 2015

Conversas no Pereira (2)

- Neste início de época, o teu Benfica parece esquisito. Bom, sem Jesus, não há milagres...

- Está bem, está bem! No domingo, logo veremos!

- De qualquer forma, uma coisa é certa: no final do jogo, têm Vitória no papo...

- Também não estou assim tão seguro...

- Eu referia-me ao treinador. Ter um treinador chamado Rui Vitória sempre vos amacia as derrotas...

Entre portas


Ontem, o "Diário de Notícias", no seu "folhetim" de Verão, ficcionava um encontro secreto no largo do Rato, entre António Costa e Paulo Portas, a pedido deste último. Dizem-me que, por algum tempo, a Santana à Lapa tremeu, antes de perceber que, pelo menos por ora, se tratava de uma invenção. É que o PSD não confia, mesmo nada, em ... António Costa. Ao ler esse segundo episódio do anónimo escriba que vai fazer tremer o país político nas semanas que se seguem, recordei uma cena que, de certo modo, dá alguma verosimilhança ao episódio ficcionado.

Não sei a data do que vou relatar. Ou melhor, sei, mas não vou dizer, apenas posso revelar que o facto se passou entre 1995 e 2001.

O governo socialista, chefiado por António Guterres, governava então com maioria relativa. Necessitava, por isso, de compromissos permanentes com os partidos situados à sua esquerda e à sua direita, para fazer passar os seus orçamentos e legislação. Foi uma sina diária de negociações, "peça-a-peça", que obrigava a desgastantes negociações, mobilizava bastidores e obrigava a entendimentos que, para todos os atores políticos, eram sempre complicados de gerir. E, as mais das vezes, difíceis de explicar abertamente, perante as opiniões públicas e partidárias.

Num desses tempos, o processo político no seio do governo estava a revelar-se mais complicado. Como sempre sucede nestas coisas, seguia-se a regra clássica da "intelligence": o clássico "need to know" aplicava-se ao nosso dia-a-dia de membros do governo. Sabíamos apenas o que devíamos saber, nada mais. Presumíamos que, à nossa revelia, se passavam muitas "conversas", mas não éramos mantidos, e bem, no "segredo dos deuses". E raramente perguntávamos, não fora termos como resposta o também britânico "mind your business!".

Num sábado de manhã, fui chamado a S. Bento. Era necessário preparar uma qualquer mensagem a transmitir a Bruxelas, já não me recordo a propósito de que assunto. Eram tempos ansiosos, em que não tínhamos a certeza de que os nossos propósitos pudessem fazer vencimento. Não ter maioria fragilizava muito a nossa posição. A nossa capacidade de garantir determinados objetivos na Assembleia da República era limitada, e isso afetava a governabilidade.

A reunião da meia dúzia de membros do governo que Guterres convocara acabara entretanto. Por algumas horas, havíamos estado naquela sala que, ao tempo de Cavaco Silva, fora criada na cave de S. Bento, com o objetivo de ser uma espécie de "gabinete de crise". Numa decisão que ainda hoje reputo de infeliz, Guterres tinha decidido transferir para aí as reuniões do governo em S. Bento (outras tinham lugar no edifício da Presidência do Conselho de Ministros, na rua Gomes Teixeira, em Campo de Ourique). Foi assim que se acabou com uma bela sala, ornada por uma estupenda tapeçaria de Portalegre, que Marcelo Caetano decidira transformar em sala do Conselho de Ministros, no 1º andar da residência oficial. Seria depois um gabinete que, se bem me recordo, foi ocupado por António Vitorino, Guilherme Oliveira Martins e José Sócrates, entre outros que se por ali se seguiram.

A reunião caíra sobre a hora do almoço. Saí apressado pela pequena escada que leva ao hall rés-do-chão, em direção à porta exterior. À passagem, não pude deixar de olhar, por um instante, para a porta entreaberta da sala de espera. Esse é, muitas vezes, o espaço para encontros ou entrevistas, a zona mais ampla que os primeiros-ministros têm ao seu dispor, para receber, naquele edifício.

Por entre portas, vi-o então, de modo fugaz. Era um dos líderes da oposição. Nas semanas anteriores, no areópago a cem metros de distância, durante os debates parlamentares, ele zurzira, sem dó nem piedade, o primeiro-ministro, a quem acusara das maiores malfeitorias feitas à pátria, das abdicações mais ignominiosas perante Bruxelas. Por humilde tabela, como responsável direto por essa frente europeia, eu próprio fora atingido por essa catilinária oposicionista. Imagino que, na bancada do governo, com a bonomia que lhe era própria, olhando o meu nervosismo de neófito político, Guterres me possa ter dito: "Não se preocupe, meu caro, é a vida!".

Agora, ali estava ele. Vinha, com toda a certeza, para uma conversa (senão mesmo para um almoço!) com o primeiro-ministro, num daqueles encontros que se não podem contar, mas que o compromisso nacional justificava. Com uma curiosidade insanável, ou com uma impaciência legítima, espreitara quando ouviu passos e, desprevenido, acabou por revelar-se a quem passava. Que era eu. 

Não hesitei. Escancarei a porta. Ele sorriu-me, tentando não se mostrar embaraçado, fingindo à-vontade, procurando ser mestre da cena.

- Então por aqui?!, lancei-lhe, com um sorriso do tamanho da minha supresa.

Ele não se deu por achado. Fingindo, sem fingir, uma seriedade que o momento justificava, lançou-me esta frase que, ainda hoje, não esqueci:

- Você não me viu, Francisco! Eu não estive aqui...

Procurando estar à altura da tragicomédia, retorqui:

- Era o que mais faltava! Você nunca aqui viria!

Ontem, ao ler o relato da "ida" de Portas ao Rato, lembrei-me deste episódio. Às vezes, a realidade é mais imaginativa do que a ficção.

terça-feira, agosto 04, 2015

"Os Verdes"



Fotografia de pormenor de um recente comício do Partido Ecológico "Os Verdes".

Quem descobrir onde foi o comício, tem direito a um volume de 600 páginas onde se elencam as divergências entre Os Verdes e o PCP.

Os dias da Europa

Nos dias que correm, por esta Europa, abalada pela crise grega e pela tragédia migratória, todos temos mais interrogações do que respostas. Mas é na forma inteligente como as questões certas são colocadas, mesmo se de forma desencantada e com chocante realismo, que sempre reside a chave das soluções do futuro.

Hoje, respetivamente no "Público" e no "Diário de Notícias", Fernando Neves e Bernardo Pires de Lima escrevem "Racismo e muros, voltem, estão perdoados" e "Batemos no fundo". 

São dois textos que põem o dedo na ferida. Leiam-nos.

Dirceu


Se há alguém a quem Lula deva muito na sua ascensão ao poder essa pessoa chama-se José Dirceu. Líder estudantil durante a ditadura brasileira, foi preso, esteve exilado em Cuba, regressou clandestinamente ao Brasil e viria a ser um dos grandes organizadores do Partido dos Trabalhadores, a frente ideológica que teve Lula da Silva como figura de proa.

Com a chegada de Lula à Presidência, Dirceu foi, clara e naturalmente, o número dois da nova administração. Sem surpresas, Lula confiou-lhe a poderosa chefia da Casa Civil, um lugar que, numa certa medida, pode ser equiparado ao de primeiro-ministro. 

No Brasil, o governo, sendo dirigido formalmente pelo presidente, é uma entidade cuja dimensão (são bem mais de trinta ministérios) não permite reuniões coletivas regulares. Durante os cerca de quatro anos em que fui embaixador em Brasília, recordo-me de ter havido uma meia dúzia de reuniões completas do governo. Por esse modo peculiar de funcionamento, o papel do chefe da Casa Civil torna-se vital. É ele quem cria e coordena grupos sectoriais de trabalho que, de certo modo, e no seu somatório, substituem as reuniões plenárias dos ministros.

José Dirceu foi um chefe da Casa Civil com força e visibilidade. Hoje, parece provado que, em paralelo, esteve no centro do chamado "mensalão", um esquema de financiamento de deputados que permitia ao governo assegurar a aprovação das suas medidas. As verbas para esse mecanismo provinham, ao que ficou provado, da sobrefaturação de certos contratos. Dirceu acabou por ser um dos condenados nesse famoso processo, que abalou fortemente o prestígio de Lula. Teve de abandonar a Casa Civil, sendo substituído por Dilma Rousseff.

Conheci José Dirceu em 2005, poucos dias após a minha chegada a Brasília, num jantar que me foi oferecido em casa de um amigo comum, onde também estavam figuras como o antigo presidente José Sarney, o presidente do Supremo Tribunal, Nelson Jobim, ou o então como agora de novo presidente do Senado, Renan Calheiros. Dirceu era então um homem confiante, que emanava poder, bastante cordial e simpático para comigo e para Portugal, embora projetasse sempre uma aura de mistério, talvez fruto do facto de o olharmos conhecendo o seu complexo passado político.

Dirceu volta agora a ser detido, curiosamente quando cumpria uma pena em prisão domiciliária. Em escassos anos, de figura hiper-poderosa e temida, tornou-se numa das personalidades mais detestadas do Brasil. Ainda antes da sua condenação, sabia-se que tinha dificuldade em viajar de avião, porque era regularmente insultado nas salas de espera dos aeroportos. Com o seu alegado envolvimento na nova operação que investiga a corrupção na Petrobras, Dirceu entra agora num outro calvário. 

Na leitura de muitos brasileiros, esta nova detenção de José Dirceu faz aproximar cada vez mais o atual processo judicial de Lula da Silva. Embora quem conheça a situação no seio do PT, e as relações internas que a estruturam, não deva ter dúvidas que o entendimento entre Dirceu e Lula já há muitos anos que estava bem longe desse dia longínquo de início de 2003, em que ambos entraram no Palácio do Planalto, com uma agenda em que os brasileiros colocaram então uma forte esperança.

segunda-feira, agosto 03, 2015

Despedida de um amigo

O corpo pesado estende-se pela cadeira, por detrás da secretária. A custo, insiste em levantar-se. Para me abraçar, para agradecer a visita. O seu olhar perde-se naquela sala tão cheia de recordações, de histórias, de História. As palavras saem-lhe com alguma dificuldade, quase automáticas, sempre amáveis. Suscita os temas que o mobilizam, as emoções e as certezas últimas que lhe dão alento à vida, mas também as tristezas que o abatem. Escolho as palavras, mas não sei se são as certas. Relembro tempos comuns, mas não tenho a certeza de me estar a seguir. Procuro assuntos que o façam reagir, agarra alguns, deixa passar outros em silêncio. Os nomes fogem-lhe, vive já com essa realidade, organiza o discurso em torno desses espaços vazios. Pergunta-me pela vida, mais para se orientar do que por real interesse. Dou-lhe novidades que, há pouco tempo, seriam para ele banalidades. Instalam-se entre nós as pausas, cada vez mais longas. Fico muito triste, sem saber o que dizer. Despeço-me com a quase certeza de ser aquele o nosso adeus. 

domingo, agosto 02, 2015

Pérolas de Belém

Américo de Deus Rodrigues Tomaz foi "eleito", em 1958, Presidente da República, cargo em que permaneceu até ao dia 25 de abril.
Ao longo dos seus mandatos, algumas frases dos seus improvisos tornaram-se um "must" do anedotário nacional e chegaram a ser objeto de cortes dos serviços de censura. Vejamos algumas dessas pérolas (hoje recordadas por um excelente blogue, mas que não admite partilha):
  • Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados..."
  • “A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.” 
  • “É uma terra [Manteigas] bem interessante, porque estando numa cova está a mais de 700 metros de altitude...”
  • "O Senhor Professor Oliveira Salazar, ao longo de mais de trinta anos, é uma vida inteiramente sacrificada em proveito do país, e desconhecendo completamente todos os prazeres da vida, é um homem excepcional que não aparece, infelizmente, ao menos, uma vez em cada século, mas aparece raramente ao longo de todos os séculos."
  • "Eu prolongo no tempo esse anseio de V.Ex.ª e permito-me dizer que o meu anseio é maior ainda. Ele consiste em que, mesmo para além da morte, nós possamos viver eternamente na terra portuguesa, porque se nós, para além da morte vivermos sempre sobre a terra portuguesa, isso significa que Portugal será eterno, como eterno é o sono da morte."
  • "Neste almoço ouvi vários discursos, que o Governador Civil intitulou de simples brindes. Peço desculpa, mas foram autênticos discursos."
  • "Pedi desculpa ao Senhor Engenheiro Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Senhor Engenheiro Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Senhor Engenheiro Machado Vaz."
  • "É a primeira vez que cá estou depois da última vez que cá estive."
  • "Hoje visitei todos os pavilhões se não contar com os que não visitei".

Função pública

Em 1979, o governo chefiado por Maria de Lourdes Pintasilgo publicou uma legislação, idêntica à que era já aplicada por muitos outros países, que permitia que os funcionários públicos que fossem cônjuges de pessoal português destacado para missões oficiais internacionais pudessem acompanhá-los, mantendo o vínculo profissional, continuando a descontar para a Caixa Geral de Aposentações, tendo como valor de referência o último salário auferido. Assim se evitava terem de optar por uma simples licença sem vencimento, para poderem acompanhar o marido ou a mulher. Não obstante suspender qualquer progressão na carreira, com perda de promoções e cargos de chefia, o que tinha natural impacto no montante da pensão no momento da aposentação, o mecanismo legal permitia manter o vínculo básico, não prejudicando nem onerando minimamente a globalidade do sistema. Quando o destacamento era suspenso ou terminava, o cônjuge funcionário regressava ao seu serviço de origem ou, de acordo com o interesse do Estado, era reafetado a outras funções.

O dispositivo funcionou sem problemas por mais de 35 anos. Evitou a separação de casais, facilitou a educação dos filhos num ambiente normal, contribuiu para a estabilidade e harmonia familiar. Foi aplicado a centenas de pessoas, não só aos diplomatas como a muitas outras profissões. Não prejudicava ninguém, não concedia nenhum privilégio indevido, garantia um mínimo de direitos.

Dizem-me agora que, há dias, os funcionários no ativo que estão nesta situação foram informados que, por uma subreptícia mudança na legislação introduzida em 2014, o decreto-lei de 1979 fora revogado. Muitos haviam entretanto descontado debalde durante cerca de um ano. No caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, está por conhecer-se o que eventualmente terá feito para tentar evitar este arbítrio ou estará a fazer para o remediar.

A garagem da Varina


Cada vez mais, a facilidade de estacionamento é um fator de valorização de um restaurante, quando pensamos em escolher um local para comer. A densificação do tráfego tornou algumas zonas de Lisboa locais "iníveis", isto é, onde verdadeiramente se não pode ir de carro.

(Já estou a ver os críticos: "Este tipo é um burguês, quer parar o carro à porta dos restaurantes!" Ao que respondo: "Claro que quero! Se puder!". Faço parte de quantos, com todo o orgulho, cuidam em preservar, com todo o gosto, a sua "zona de conforto").

Os parques e o estacionamento de rua estão caríssimos e já tenho visto a "fatura" do parqueamento corresponder a bem mais de 10% do custo de uma refeição. Essa é uma das razões (a outra é o desagradável mas indispensável controlo etílico) pelas quais muita gente usa hoje taxi (ou Uber, que é bem mais agradável) para ir comer fora. Esse é também o preço do comodismo.

Os bairros históricos são, neste particular, um bom exemplo do que afirmo. Recordo-me dos tempos em que se conseguia um lugar para estacionar no Bairro Alto, ou até em Alfama ou no Castelo.

A historieta que passo a contar tem a ver com a Madragoa, um bairro onde hoje também é muito difícil estacionar. Por anos, ali pelo Quelhas ou pela velha Emissora, em baixo na Esperança ou pelas Trinas, conseguia-se sempre um lugar. Hoje, nem o meu Smart tem sorte!

Por ali fica um dos meus restaurantes de culto, a "Varina da Madragoa". Criado após o regresso de África do celebrado Francisco Queirós, figura inesquecível que viria a marcar uma época de Lisboa com o seu "Sua Excelência", a "Varina" passou depois, durante muitos anos, para as mãos do meu amigo António Oliveira.

As décadas de 70 e 80 foram o período dourado do restaurante. Meia Lisboa parava então por ali. Dada a proximidade do parlamento, os políticos eram imensos aos almoços. (A saudável concorrência era a antiga "Travessa", chamada "as belgas" pelos "habitués", o que tinha a ver com a nacionalidade da Vivianne, mas nada com a da Sofia). José Saramago e Isabel da Nóbrega eram clientes fiéis aos almoços de domingo (a "Varina" ainda hoje tem a inestimável qualidade de abrir todo o domingo). Até Cavaco por lá passou, levado por Eurico de Melo, como as paredes atestam. O êxito levou então o Oliveira - que hoje vive placidamente a sua reforma num simpático lugar da "outra banda" - a abrir, quase ao lado, a "Mercearia" e, mais tarde, a "Carvoaria". Na "Varina" me despedi dos amigos quando fui para Oslo, em 1979, e para Nova Iorque, em 2001. Aí comemorei o meu meio século e fiz muitas jantaradas de amigos e família, às vezes "fechando" mesmo a casa. Na vizinha "Mercearia" disse adeus aos próximos antes de partir para Londres, em 1990.

A "Carvoaria" desapareceu cedo. A "Mercearia" durou mais. Mudou entretanto de dono e de nome, chama-se hoje "Osteria", é um "conceito" (esta moda terminológica diverte-me) diferente, com uns petiscos italianos bem simpáticos e basta gente nova a dar alegria ao espaço e ao bairro.

A "Varina" lá continua, com a eterna simpatia do meu amigo Veiga no serviço às mesas, às vezes com clara dificuldade para, sozinho, aguentar as salas, noutras (vou ser sincero) para justificar algum evidente declínio de uma cozinha que, sem nunca ter sido soberba, chegou a ser bastante recomendável e agora, com frequência, tem falhas. A relação qualidade/preço continua, no entanto, aceitável.

Uma noite, já há muitos anos, andei bastante tempo até conseguir um local para estacionar perto da "Varina". Abri o guarda-vento do restaurante, que estava praticamente cheio. O Oliveira recebeu-me com um sorriso, lá do fundo. Fui avançando por entre as mesas e, à distância, lancei-lhe: "Foi um inferno para conseguir estacionar! Tem de pedir aos seus clientes para apertarem melhor os carros na vossa garagem". E, discretamente, pisquei-lhe o olho! O Oliveira não se "descoseu". E respondeu: "Aquilo é sempre difícil. Também são só oito lugares..." Recordo os olhares surpreendidos de vários dos presentes, entre os quais o meu saudoso amigo Eduardo Azevedo Soares. Afinal, a "Varina" tinha garagem e eles não sabiam! Prolongámos a graça por uns minutos mais, até tudo se desfazer em risos.

Até hoje, ainda tenho "saudades" da garagem da "Varina"! 

sábado, agosto 01, 2015

Propaganda


Edson Athayde, na senda de um grupo de brasileiros que fizeram muito bem ao mercado publicitário português nos anos 90, desenhou, com grande êxito, a campanha do PS de Guterres para as eleições legislativas. Mas isso foi há 20 anos.

Athayde é um criativo inteligente (deduzo eu, que nunca falei com ele) e culto. O seu livro "A publicidade segundo o meu tio Olavo" é muito divertido pelo que trouxe para férias (como faz parte de algumas dezenas de volumes, não sei se o chegarei a reler). 

O DN relata hoje que, para os lados do Rato, andam em polvorosa com a ineficácia da campanha de "outdoors" inventada por Athayde. Já tinha notado a mediocridade desses cartazes. Há um, em que uma jovem surge a tirar a cortina a um horizonte onde desponta um sol, que parece copiado do céu dos livros de Religião & Moral do meu tempo de liceu. Como mensagem, é mais que pífio.

Mas posso imaginar que a campanha de Athayde se confronte também com um problema doutrinário. Que mensagem quer o PS fazer passar? Conclamar a ira das "massas" contra as safadezas do governo, passando a ideia de que, chegado a S. Bento, "vai tudo raso"? Ou transmitir uma mensagem de alternativa tranquila, a qual, por seu turno, pode "ajudar à festa" de esquecimento das patifarias cometidas nos últimos quatro anos?

Não está fácil a vida para António Costa. Mas Athayde não está a ajudar.

sexta-feira, julho 31, 2015

Conversas no Pereira (1)

- Bons olhos te vejam! Então já vieste?

- Não, pá! Só venho amanhã...

Sampaio



Em tempo de democracia, a presença portuguesa nas instituções internacionais deve muito aos socialistas. Mário Soares foi, e ainda é, a cara respeitada do Portugal democrático. António Guterres deixou uma marca impressiva na Europa, seguida de uma prestação excecional como Alto Comissário para os Refugiados. António Vitorino permanece a memória da excelência portuguesa na Comissão Europeia. Vitor Constâncio assume-se como um prestigiado vice-presidente do BCE.

Jorge Sampaio recebeu, há dias, o prémio Nelson Mandela, destinado a galardoar, de cinco em cinco anos, figuras que se destacam na promoção dos valores da paz e da solidariedade à escala global.

Desde que deixou a presidência da República, em 2006, cargo que exerceu com uma elevação e uma dignidade excecionais, o antigo secretário-geral do PS foi chamado a importantes responsabilidades no quadro das Nações Unidas, inicialmente como representante do secretário-geral da ONU na luta contra a Tuberculose, mais tarde como Alto Representante para Diálogo das Civilizações. Ainda mais recentemente, Sampaio tem-se mobilizado em favor dos estudantes sírios, afetados pela tragédia que atravessa o seu país.

Pertenço a uma geração que se habituou a ter Jorge Sampaio como referente ético na ação cívica, muito para além da conflitualidade que a espuma dos dias introduz na política doméstica. Da luta académica à defesa dos presos políticos, da mobilização democrática durante a ditadura ao empenhamento institucional em democracia, passando pela experiência governativa e autárquica, em tudo Jorge Sampaio deixou sempre uma marca indelével. Nele me habituei a admirar a capacidade de diálogo e de compromisso, o sentido de equilíbrio, a palavra culta e informada, o respeito absoluto pelos outros, a permanente intransigência perante a mesquinhez e a intriga, uma seriedade à prova de bala - sinais que fazem hoje parte da imagem de marca deste grande homem e português de bem.

Há dias, olhando os presentes na sessão de homenagem que a Fundação Calouste Gulbenkian lhe dedicou, ficou muito clara a transversalidade da admiração e respeito que suscita no país.

É muito bom, para Portugal, poder contar com figuras da estatura de Jorge Sampaio, que honram a imagem do país à escala internacional. E não se estranhará que os socialistas tenham um especial orgulho de poder contar com ele entre os melhores da sua família política.

(Artigo que hoje publico no "Acção Socialista Digital")

Inês Rosa

Em circunstâncias trágicas, desapareceu agora a Inês Rosa. Conhecemo-nos em janeiro de 1986, na então Direção-Geral das Comunidades Europeias, nesse início da aventura europeia. Voltaríamos a trabalhar juntos uma década mais tarde. A sua vida profissional passou depois por diferentes desafios, onde a sua imagem se firmou e prestigiou. Era muito competente, e recordo que pensava bem a Europa e os nossos interesses dentro dela.

A Inês era uma mulher suave, elegante, com um andar inconfundível, uma voz doce. Vimo-nos a última vez em Paris, há mais de cinco anos.

Para a família da Inês, em especial para o seu irmão José, deixo um abraço sentido.

A Volta

 
Esperávamos, ansiosos, a chegada dos ciclistas, lá por Vila Real. Um pouco antes, nessa charneira dos anos 50 e 60, em que quase não havia transístores, alguém teria espalhado: "Já passaram no Alto de Espinho!". Esse era o separador mágico dos que estavam "p"ra cá do Marão", bem no topo das dezenas de curvas que começavam a nascer lá de baixo, em Amarante, contadas a partir do Largo do Arquinho. Imaginávamos então a descida infrene pela Boavista, Campeã e Arrabães, a derradeira subida desde a Ponte do Cabril, sob aquele calor transmontano dos "três meses de inferno".
 
Foi um tempo em que o ciclismo "eram" os clubes de futebol. Fora destes, havia, claro, outras vedetas, de Alves Barbosa a Ribeiro da Silva. Contudo, a nossa clubite congénita prevalecia sobre essas figuras, pelo que as camisolas de cor verde, encarnada (não se dizia vermelho, porque a censura cortava) ou azul eram por nós saudadas, à chegada, com um fervor que nos ligava diretamente a Alvalade, à Luz ou às Antas.
 
Nessa cidade que aqui recordo, onde nada ou quase nada se passava, a Volta era um acontecimento. As equipas distribuíam-se pelas pensões locais, as mais ricas iam para o Hotel Tocaio.
 
Desmontada a meta onde, horas antes, nos apinháramos para ver a chegada da caravana suada, o espetáculo passava então para a Avenida Carvalho Araújo, convertida num parque caótico de "carros de apoio", cheios de rodas com um reluzir metálico, de veículos da organização com papelada colada, os passeios subvertidos por hordas de estranhos, de identificação pendurada ao peito, o que lhes conferia uma dignidade mítica.
 
De chanatos arejados, numa mais do que duvidosa elegância, cheirando aos óleos da massagem pós-competição, os nossos "heróis" passeavam-se, impantes, ou jaziam refastelados em cadeiras de esplanadas, da Gomes ao Camposana, passando pela Brasileira.
 
Às vezes, viamo-los confraternizar com os jornalistas "da Volta". É que ali estavam, à nossa vista, o Aurélio Márcio, o Carlos Miranda, o Artur Agostinho, o Amadeu José de Freitas, o Manuel Dias, o Nuno Braz - nossos "íntimos" de "A Bola", do "Record", de "O Mundo Desportivo", do "Norte Desportivo" ou da "Emissora".
 
Ah! A cidade tinha um ciclista! Chamava-se Firmino Claudino. Emérito bilharista no "Excelsior", durante o ano arranjava e alugava bicicletas junto à estação. O Firmino às vezes corria a Volta, outras vezes não. Raramente chegava ao fim. Em qualquer caso, as etapas em Vila Real eram para ele momentos de glória, ao ser visto de braço dado com os companheiros famosos, como que a mostrar à terra: "Veem? Eu sou um deles!". Nesse dia, era.
 
(Artigo que hoje publico no JN)

quinta-feira, julho 30, 2015

Apanhado!

Recebi há minutos um mail: "Apanhei-te! Hoje, pela primeira vez, em seis anos e tal, não publicaste nenhum post".
 
Imagino o gozo desse meu amigo, um exegeta deste blogue, quase desde a sua fundação, a "apanhar-me" nesta gravíssima falta.
 
Pois ele está enganado. Saiu um post na quinta-feira! Já o estou a imaginar, roído de certeza, a espiolhar o blogue. Vai encontrar um post na quinta-feira. Qual? Este... Quando é que foi publicado? Sei lá!

quarta-feira, julho 29, 2015

Varoufakis


Depois da sua saída de ministro das Finanças da Grécia, Varoufakis tem estado muito ativo no seu blogue, como se pode ver aqui.
 
Aí defende a sua ação e insere interessantes textos, dos quais é legítimo inferir a diversidade de opiniões que hoje atravessa o Syriza - o que também não é indiferente para a negociação com as entidades europeias e para o próprio curso político interno na Grécia.
 
Varoufakis permanece assim como uma figura curiosa no cenário político grego, muito para além da proeminência institucional que, nos últimos meses, acabou por ter.
 
Há dias, numa conversa na Gulbenkian, quando alguém falava dos públicos que assistiam regularmente às iniciativas culturais da Fundação, Eduardo Lourenço saiu-se com esta:
 
- Querem encher o grande auditório? Tragam o Varoufakis! A sala fica logo a transbordar de mulheres...

terça-feira, julho 28, 2015

O retrato de Cavaco

 
A questão surgiu, há dias, num ambiente onde pontuavam algumas figuras das artes: quem será o eleito para pintar o retrato de Cavaco Silva, que integrará a galeria onde, em Belém, se acolhem os óleos que consagram a imagem dos antigos presidente?

Não podendo dizer-se que os presidentes se medem pelos retratos, a escolha do pintor tem frequentemente algum significado. Por isso, a pergunta, no tocante a Cavaco Silva, é pertinente: que artista emprestará o seu pincel à figura do ocupante que sairá de Belém em 2016?

Columbano Bordalo Pinheiro imortalizou Manuel de Arriaga, Teófilo Braga e Manuel Teixeira Gomes, figuras da cultura de quem era amigo. O retratismo da ditadura deu tempo a que Henrique Medina pintasse Carmona e Américo Tomaz, mas também que regredisse até à Primeira República e fizesse o retrato de Canto e Castro e Sidónio Pais - curiosamente, um chefe de Estado com tendências autoritárias e um presidente da República... monárquico. Mas também pintou António José de Almeida. Ainda na mesma escola, Malta foi responsável por Craveiro Lopes. Um nome menos sonante pintou Bernardino Machado (Martinho da Fonseca).

Com a Revolução de abril, Spínola escolheu Jacinto Luis, um amigo da casa. Costa Gomes escolheu Joaquim Rebocho e não foi feliz. Eanes optou por Luís Pinto Coelho, num estilo artístico social abastado, que ia bem com o ar do tempo e angulou ainda mais a rigidez do general. Soares rompeu o rigor figurativo e escolheu a heterodoxia alegre de Pomar. Sampaio colocou-se nas mãos prestigiadas e imaginativas de Paula Rego e deu no que deu.

E Cavaco? Quem o imortalizará?

ps - a obra que ilustra este texto é de Magaly Gouveia. Não é a pintura oficial.

segunda-feira, julho 27, 2015

Errata

Há semanas, escrevi por aqui um post intitulado "Notas para dois amigos". Nele comentava a saída de Augusto Santos Silva da TVI, numa decisão que me parecia ser da responsabilidade de Sérgio Figueiredo, que tem a seu cargo a informação daquela estação televisiva. Na "nota" que endereçava ao Sérgio eu adiantava: "Sei que as coisas às vezes são mais complexas do que parecem. Por isso, por não conhecer os detalhes da decisão, imagino que eles possam eventualmente ser mais esclarecedores do que aquilo que já veio a público. Mas, para já, e antes que esses possíveis factos sejam conhecidos, apenas me posso pronunciar sobre os resultados." E concluía que esses resultados afetavam o pluralismo da comunicação social televisiva. Não o dizia, mas queria com isso significar que a saída de Santos Silva do seu comentário da TVI vinha agravar o flagrante desequilíbrio do panorama do comentário político "residente" nas televisões portuguesas, o qual, no caso dos canais de sinal aberto, não é sequer desequilíbrio, é o total predomínio de uma só linha partidária - a que está no poder.

Sérgio Figueiredo veio hoje a terreiro - e só posso lamentar que o não tenha feito mais cedo - esclarecer, num longo mas elucidativo artigo publicado no "Diário de Notícias", não ter havido qualquer discriminação política na decisão. O que escreve no artigo convence-me, pelo que o assunto fica para mim muito claro: Sérgio Figueiredo não foi responsável por qualquer "saneamento" de Santos Silva e este terá feito uma leitura dos factos que não colam com a realidade objetiva dos mesmos. Muito embora eu tivesse feito o "disclaimer" que acima deixei reproduzido, acho que devo um pedido de desculpas ao Sérgio pela precipitação da minha conclusão sobre o assunto.

Regras

Num artigo que o "Diário de Notícias" hoje publica", o editor do "Financial Times", Wolfgang Münchau, explica, com uma simplicidade que só está ao alcance de quem pensa muito bem, a incongruência de algumas regras europeias. Neste caso, o articulista dedica-se à questão das contradições entre jurisprudências, muito em especial à utilização que delas é feita pelos mais poderosos atores do teatro comunitário. Sem utilizar a expressão, Münchau - uma figura que esteve Portugal em 2013, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos - acaba por concluir que as regras europeias, no seu aparente rigor, podem ser, em alguns casos, "à vontade do freguês".

O normativo comunitário existe para dar segurança jurídica à complexa máquina da União, para garantir que há um referencial de regras a respeitar. Mas todos nos demos conta de que essas regras existem para servir uma realidade, no quadro da qual foram estabelecidas. E que a realidade pode mudae. Não são "direito natural", são acordos, contratos, entendimentos entre vários países para, à luz das circunstâncias existentes, otimizar o funcionamento da máquina. Por exemplo, se as regras do euro fossem assim tão "automáticas" que sentido tinha o senhor Draghi poder dizer, com o efeito de "bomba atómica" que teve, a frase de que faria "whatever it takes" para salvar a moeda única? E não ficámos nós, por toda esta Europa germanizada na moeda, a aguardar com ansiedade da decisão do tribunal de Karlsruhe, a corte constitucional alemã, sobre algumas medidas do BCE?

Se deduziram que este post é sobre o Tratado Orçamental, acertaram.

domingo, julho 26, 2015

E então, o Chico Cereja...


Nos últimos fins de semana, vilarrealizei os meus dias. 

No primeiro, em Vila Real propriamente dita, numa imersão nas corridas, com o cheiro a gasolina e a pneus que faz a alegria regular dos "garotos da Bila", pontuada por covilhetes e cristas-de-galo. 

Nos dois fins de semana seguintes, já pelo Sul, o cenário foram fartas comidas e longas e divertidas conversas, com grupos diferentes de amigos, que têm em comum saberem de cor o trajeto entre a Albenina e o Cabo da Bila, terem conhecido o Bertelo e o Pincha, o Digníssimo e a Bichoqueira, e saberem de cor a sequência das casas da rua Direita, da Capela Nova ao Óscar.

A Vila Real de hoje está magnífica, diferente, para melhor. Lembrar o passado sem nostalgias é a melhor forma de celebrá-la.

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...