Não vale a pena esconder que o Partido Socialista tem um problema com as eleições presidenciais. Esse problema existe há muito, emergiu noutros sufrágios e inscreve-se na matriz daquele que é o partido central da democracia portuguesa.
Cavaco Silva foi o único presidente eleito no atual regime que não contou com o apoio socialista. Num país sociologicamente com uma maioria eleitoral de esquerda, foi mais uma vez a dificuldade decisória dentro do PS que facilitou a sua eleição. Em 2016, isso pode repetir-se.
À parte o caso muito particular de Soares em 1986, onde verdadeiramente se jogou, pela última vez, a trincheira esquerda-direita, numa eleição que ajudou a fixar o perfil essencial do regime, apenas Sampaio correspondeu, com rara precisão, ao “candidato ideal” do PS: sem particulares anti-corpos à esquerda e com um forte potencial de entrada no eleitorado político do centro, e até de alguma direita urbana.
De certo modo, embora bastante menos afirmado à esquerda, Guterres aproximar-se-ia agora desse perfil. A sua ausência da contenda volta a soltar no PS os “demónios” da divisão.
Sampaio da Nóvoa é um candidato que emergiu na indignação anti-troika. Cavalgou com inteligência essa onda justa e, com o tempo, foi elaborando sobre ela um discurso culto. Em seu torno, desenhou-se entretanto uma espécie de “neo-pintasilguismo”, o que, simultaneamente, seduz uma certa esquerda mas irrita outras áreas socialistas, que o associam, creio que injustamente, a um projeto intervencionista anti-sistema, onde ressoam memórias do PRD. Os militares e os ritos organizados que andam à sua volta ajudam muito a essa suspeita. Para a direita, é uma “bête noire”, o que, devendo ser tomado à conta de um forte elogio, reduz o seu proselitismo no centro político e não facilita a eleição.
Maria de Belém é o Guterres possível. Mulher, incomparavelmente mais carismática do que seria o excelente e mais denso Oliveira Martins, tem uma certa fragilidade, que é tocante mas não deixa de ser uma fragilidade. O seu perfil atrai o pessoal dos altares, tem uma simpatia natural capaz de vir a gerar um certo “appeal” popular, mesmo em setores da direita, à qual não assusta. Com o tempo, perceber-se-á também que tem uma leitura muito bem sistematizada do país. Há, porém, quem ache que pode ser “pêra fácil” nos debates com Marcelo ou que verá a sua assessoria no grupo Espírito Santo ser explorada pelo justicialismo de Rio. Dentro de algum PS, a sua candidatura é vista como uma espécie desforra do “segurismo”, o que muito limitará a mobilização da máquina dominante.
Como se diz na minha terra, o PS, em matéria presidencial, volta a estar metido num “lindo molho de brócolos”.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
11 comentários:
Infelizmente, são principalmente alguns socialistas, por má fé e/ou estupidez, que estão a meter o próprio partido no tal "bonito molho e bróculos".
O "pessoal dos altares" e os "ritos organizados"... Estás a comprar inimigos, ó Seixas
Falta "nervo" ao PS. Talvez porque queira sempre ficar a balançar-se em cima do muro, para ver qual o melhor lado para onde cair.
O problema é que se estrepa.
Com um governo e um presidente como os actuais, as próximas legislativas e presidenciais deveriam ser um passeio para o PS. Se não tiver maioria absoluta nas legislativas e se o presidente não for da sua área, a culpa é exclusivamente dele.
JPGarcia
Caro Senhor Embaixador:
O PS é, talvez, o partido mais fratricida (com o PSD a roer-lhe os calcanhares).
Há dias um deputado do PS de Leiria, de seu nome João Paulo Pedrosa, ao falar, precisamente, da eleição presidencial, declarou isto a um jornal de difusão nacional sobre os seus camaradas de partido: «Eu acho o [Sampaio da] Nóvoa um candidato apenas apoiado pelos comunistas, bloquistas e gajos do PS que vão aos comícios do Bloco».
Para começo de discussão política não há melhor, pela substância e densidade que introduz no debate político, pela elegância do discurso e das relações que os actores políticos deviam saber cultivar.
E é este senhor deputado da nação.
Não explicando tudo, isto talvez seja um sinal das razões por que o país está como está: nas mãos de credores, superendividado, e nós feitos num infinito molho de bróculos.
Mas a culpa também é, em parte, nossa, pois somos nós que aceitamos (e alimentamos) um sistema que elege deputados com esta falta de qualidade.
Os responsáveis socialistas portugueses encontram-se na mesma situação que os seus homólogos franceses, e não somente.
Incapazes de romper com o social liberalismo que os transforma em partido social democrata, no fundo , estão de acordo com aqueles que dizem que o capitalismo é, por essência, performante, mas não partilha suficientemente a riqueza produzida. Se a análise é correcta, e a denunciação justa, os actos não acompanham. Caiem assim no neo liberalismo que devasta a Europa., faz desaparecer o Estado e as suas funções de protecção da sociedade.
Basta ver como agiu o socialista Moscovici, ministro das finanças de Hollande, quando se transformou em Comissário europeu em Bruxelas . Frente a Tsipras, foi o mais agressivo!
Uma esquerda que não põe em causa a verdadeira natureza da globalização e das formas que esta tomou , e que , ao contrário, considera que a crise deve ser tratada quase exclusivamente como um problema de técnicas e de praticas bancárias e financeiras a reformar ou melhor controlar.
O povo interroga-se sobre a diferença entre os que lá estão, e os que querem lá chegar. E quando a diferença é nula ou ínfima, e que as "personalidades" não se impõem de si mesmas de maneira "indiscutível e incomparável", o risco de empate é grande.
Ora o verdadeiro socialismo não se pode satisfazer de continuar a gerir a economia como um partido social democrata ou mesmo social liberal, sem atacar com um espírito revolucionário a supremacia duma economia de renda, de desperdícios maciços, de especulação financeira desabrida e também de corrupção e de injustiças flagrantes.
Uma sociedade onde o dinheiro continua a beneficiar aqueles que o têm, em detrimento daqueles que não têm nada.
A Maria de Belém não passou por Macau ao tempo do Melancia...?
Embaixador, continua muita gente de forma errada a colocar a equação entre PS e PSD. Explico de forma simples esta minha afirmação; PS e PSD não são alternativa um ao outro, mas sim peças da mesma máquina, que é aquela que protege interesses. A alternativa a este Bloco, seria uma alternativa radical e de corte profundo, mas ai as pessoas bem instaladas nos vários poderes e na própria sociedade em si não querem isso. Para lhe dar um exemplo do que falo, dei o exemplo da nossa cidade(Vila Real), em que muitas vezes as trocas de favores se fazem entre pessoas destes dois partidos atrás citados.
Com tanta galambice, o PS arrisca-se a estar em maus lençois, já em Outubro. Os cartazes são um mau fait divers, mas as incoerências e derivas quase diárias na TV, que como é evidente a seguir são ampliadas nas "redes", não se augura nada de positivo
Só li este post depois de ter feito o comentário no post em cima. As minhas desculpas.
A santinha é a mãe dos prec's 2015,furõesitos, narcisistas e genéricos indefinidos...
"O Guterres possivel"..... ! LOL.. (????!!!!!!), mesmos não concordando com o politico Guterres, era um homem respeitavel.
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