O corpo pesado estende-se pela cadeira, por detrás da secretária. A custo, insiste em levantar-se. Para me abraçar, para agradecer a visita. O seu olhar perde-se naquela sala tão cheia de recordações, de histórias, de História. As palavras saem-lhe com alguma dificuldade, quase automáticas, sempre amáveis. Suscita os temas que o mobilizam, as emoções e as certezas últimas que lhe dão alento à vida, mas também as tristezas que o abatem. Escolho as palavras, mas não sei se são as certas. Relembro tempos comuns, mas não tenho a certeza de me estar a seguir. Procuro assuntos que o façam reagir, agarra alguns, deixa passar outros em silêncio. Os nomes fogem-lhe, vive já com essa realidade, organiza o discurso em torno desses espaços vazios. Pergunta-me pela vida, mais para se orientar do que por real interesse. Dou-lhe novidades que, há pouco tempo, seriam para ele banalidades. Instalam-se entre nós as pausas, cada vez mais longas. Fico muito triste, sem saber o que dizer. Despeço-me com a quase certeza de ser aquele o nosso adeus.
10 comentários:
Amigo Chico
Outro texto, outro aplauso; entre um Amigo e a família escolho o Amigo. Já me despedi de alguns, por certo um destes despedem-se eles de mim. É assim a vida, madrasta q,b. ma há uma coisa que nela temos certam a única, a morte.
Lembro-me do Mário Sá Carneiro
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...
Abç do Leãozão
Que bonita despedida !
V. conseguiu comover-me.
o Jaime S.
Uma despedida à clef. A chave será a sua (dele) amabilidade que sempre conseguiu conciliar com a sua (dele) determinação. Uma dos grandes História.
Que beleza de texto...e tão triste.
VW
Belo texto, caro Francisco!
O texto pode até ser bem escrito mas não traduz uma homenagem à altura do Homem a que se refere e ao seu legado para a História de um país que, sem ele, teria certamente sido muito diferente.
De que serve salientar publicamente o peso da idade e da fragilidade que lhe está necessariamente associada?
Como se depreende claramente dos comentários anteriores, todos os autores "identificam" o "Amigo" ... mas só têm palavras elogiosas para o autor do texto.
Curioso, não é?
Por que será que o Anónimo das 15.31 não toma as coisas pelo seu valor facial? Este texto não é de homenagem a ninguém, porque este não é o tempo para isso. É apenas a expressão de uma ocasião que sinceramente me chocou. Só isso? É assim tão complicado perceber isto?
Eu não identifiquei o Amigo, o que não interessa nada.
O texto é uma beleza, triste como o é sempre a velhice com perda de faculdades.
Nunca estamos preparados para ver, ou assistir ao definhar de pessoas queridas.
A Morte desse seu Amigo fez com que o Francisco conhecesse momentos duma densidade humana incomparável.
Na sua humilde opinião, morremos como vivemos?
Respeitosamente
C.Falcao
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