sexta-feira, julho 31, 2015

A Volta

 
Esperávamos, ansiosos, a chegada dos ciclistas, lá por Vila Real. Um pouco antes, nessa charneira dos anos 50 e 60, em que quase não havia transístores, alguém teria espalhado: "Já passaram no Alto de Espinho!". Esse era o separador mágico dos que estavam "p"ra cá do Marão", bem no topo das dezenas de curvas que começavam a nascer lá de baixo, em Amarante, contadas a partir do Largo do Arquinho. Imaginávamos então a descida infrene pela Boavista, Campeã e Arrabães, a derradeira subida desde a Ponte do Cabril, sob aquele calor transmontano dos "três meses de inferno".
 
Foi um tempo em que o ciclismo "eram" os clubes de futebol. Fora destes, havia, claro, outras vedetas, de Alves Barbosa a Ribeiro da Silva. Contudo, a nossa clubite congénita prevalecia sobre essas figuras, pelo que as camisolas de cor verde, encarnada (não se dizia vermelho, porque a censura cortava) ou azul eram por nós saudadas, à chegada, com um fervor que nos ligava diretamente a Alvalade, à Luz ou às Antas.
 
Nessa cidade que aqui recordo, onde nada ou quase nada se passava, a Volta era um acontecimento. As equipas distribuíam-se pelas pensões locais, as mais ricas iam para o Hotel Tocaio.
 
Desmontada a meta onde, horas antes, nos apinháramos para ver a chegada da caravana suada, o espetáculo passava então para a Avenida Carvalho Araújo, convertida num parque caótico de "carros de apoio", cheios de rodas com um reluzir metálico, de veículos da organização com papelada colada, os passeios subvertidos por hordas de estranhos, de identificação pendurada ao peito, o que lhes conferia uma dignidade mítica.
 
De chanatos arejados, numa mais do que duvidosa elegância, cheirando aos óleos da massagem pós-competição, os nossos "heróis" passeavam-se, impantes, ou jaziam refastelados em cadeiras de esplanadas, da Gomes ao Camposana, passando pela Brasileira.
 
Às vezes, viamo-los confraternizar com os jornalistas "da Volta". É que ali estavam, à nossa vista, o Aurélio Márcio, o Carlos Miranda, o Artur Agostinho, o Amadeu José de Freitas, o Manuel Dias, o Nuno Braz - nossos "íntimos" de "A Bola", do "Record", de "O Mundo Desportivo", do "Norte Desportivo" ou da "Emissora".
 
Ah! A cidade tinha um ciclista! Chamava-se Firmino Claudino. Emérito bilharista no "Excelsior", durante o ano arranjava e alugava bicicletas junto à estação. O Firmino às vezes corria a Volta, outras vezes não. Raramente chegava ao fim. Em qualquer caso, as etapas em Vila Real eram para ele momentos de glória, ao ser visto de braço dado com os companheiros famosos, como que a mostrar à terra: "Veem? Eu sou um deles!". Nesse dia, era.
 
(Artigo que hoje publico no JN)

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Chico

Por uma tarde acalorada o chefe, perdão, o Senhor chefe da Redacção Miguel Urbano na Redacção do Diário Ilustrado (o primeiro jornal da tarde)disse-me que o Guita Júnior (que depois emigrou para o DN), especialista na Volta tivera de voltar ao seu emprego nos CTT: "Vais fazer as duas últimas etapas a partir de Alcácer do Sal.

Fui e dormi no celeiro do Senhor Francelino, junto com galinhas, galos e patos, as pensões estavam cheíssimas. E foram as duas últimas etapas, a malta das bicicletas de corrida a subir a calçada de Carriche a deitar os bofes pela boca.

Quando voltei à Redacção no dia seguinte veio o "prémio": Porra! Ontem devias ter vindo cá nem que fosse só para dar a classificação final!" Realmente naquele tempo era só Ajudante de Auxiliar de Praticante a Foca...

Abç do alfacinha

Anónimo disse...

Nessa época o meu Pai já dizia: a bicicleta é o veiculo de carga em que a besta puxa sentada!

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
A volta perdeu o encanto!
A RTP que a gente tem há anos fazia a reportagem,na hora, que a transmitia através da RTPi, os últimos 50 quilômetros da etapa.Presentemente transmite para o espaço lusófono umas poucas imagens e no dia seguinte.
Saudações de Banguecoque

Anónimo disse...

Atenção Nuno na capital do Norte, aqui goooooooolo de Águas...Benfica 1 Oriental zero.

Anónimo disse...

Embaixador, tenho 46 anos e já poucas vezes vi a Volta a terminar na nossa cidade(Vila Real). Mas recordo uma chegada em 84, numa altura em que o Sporting(meu clube de sempre a par do "Bila")tinha regressado ao ciclismo. A meta estava instalada precisamente na meta do circuito, por isso o pessoal estava todo na Bancada. Estava com um primo meu(adepto do Porto), para ele servia ganhar qualquer um desde que não fosse ninguém do Sporting. Mas efetivamente quem ganhou foi o Benedito Ferreira do Sporting. Depois de tarde nova etapa e fui com o meu Pai(também ele do Sporting) e com esse meu primo para o Alto Espinho ver os ciclistas. Sei que em 2001 ainda terminou outra etapa em Vila Real e se a memória não me falha terá sido a ultima vez que lá acabou. Houve depois disso passagens, mas final penso que a ultima terá sido 2001. Recordo depois outra volta com saudade 85, em que estando eu no Porto em casa dos meus tios a passar férias de verão, fui ver o final da Volta a Matosinhos, por um acaso esse mesmo meu primo também tinhaa ido comigo para o Porto, bem no dia atrás tive que o aturar a ele e ao meu Tio(ferveroso Portista), EM QUE DIZIAM QUE O Marco Chagas do Sporting não iria conseguir recuperar os 42 segundos que tinha de atraso para o Venscelau Fernandes. Puro engano destes dois "andrades" meus familiares o Marco Chagas rebentou com o Venscelau e deu mais uma vitória na Volta a Portugal ao Grande Sporting.

Anónimo disse...

Caro Francisco
O Firmino Claudino, quando já não participava na Volta, costumava equipar-se, montar uma bicicleta e misturar-se com os ciclistas nos últimos quilómetros antes da chegada a (ou da passagem por) Vila Real. Eu vi-o fazer isso, equipado com a camisola às listas negras e brancas do S. C. Vila Real.
Dizem os registos que o Firmino Claudino foi ciclista do Académico do Porto, nos anos 50, e também do S. C. de Vila Real, nos anos 60 (se calhar, era o único da "equipa").
Tinha dois filhos, creio que gémeos, dois ou três anos mais velhos do que nós, também eles bons ciclistas. Acho que nunca competiram em provas desportivas. Nos anos 60, um deles, ou os dois, eram estafetas da Marconi em Lisboa. Andavam de bicicleta de corrida a entregar telegramas. Cheguei a ver um deles a pedalar com grande perícia no meio do intenso tráfico da Baixa, por volta de 1963. Que terá sido feito deles?
A oficina do Firmino, onde aluguei as bicicletas com que aprendi a pedalar até á Meia Laranja, ficava em frente á Estação de Vila Real, mesmo ao lado de uma fabriqueta onde se fazia a péssima laranjada "Estrela do Marão", que fechou nos anos 50.
Antiqualhas...
Abraço
Zé Barreto


Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Zé Barreto
Os gémeos do Firmino eram conhecidos respetivamente por "Saninho" e o "Baninho", o que me leva a pensar que este último fosse Albano. Que será feito deles?!
As tuas "antiqualhas" estão certíssimas, até na (péssima) qualidade da laranjada. Mas esse era o tempo em que Vila Real tinha "indústria". Até tinha, a não muitos metros dali, uma fábrica de lentes. O meu pai dizia então que Vila Real era a cidade do país onde mais facilmente se podia criar uma nova universidade. "Lentes" já tinhamos...
Forte abraço
Francisco

Anónimo disse...

Emabaixador, numa pesquisa que gora fiz, vi que o Firmino Claudino também correu pelo nosso Grande Sporting e pelo Salgueiros. Tem uma filha que é pintora de nome Maria Claudino e um dos filhos do Firmino, de nome Albano foi mecânico do ciclismo do Benfica.Assim foi a nossa Vila Real.

Unknown disse...

Alguem me pode dizer o ano da última passagem no Marão


Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...