Ontem, o "Diário de Notícias", no seu "folhetim" de Verão, ficcionava um encontro secreto no largo do Rato, entre António Costa e Paulo Portas, a pedido deste último. Dizem-me que, por algum tempo, a Santana à Lapa tremeu, antes de perceber que, pelo menos por ora, se tratava de uma invenção. É que o PSD não confia, mesmo nada, em ... António Costa. Ao ler esse segundo episódio do anónimo escriba que vai fazer tremer o país político nas semanas que se seguem, recordei uma cena que, de certo modo, dá alguma verosimilhança ao episódio ficcionado.
Não sei a data do que vou relatar. Ou melhor, sei, mas não vou dizer, apenas posso revelar que o facto se passou entre 1995 e 2001.
O governo socialista, chefiado por António Guterres, governava então com maioria relativa. Necessitava, por isso, de compromissos permanentes com os partidos situados à sua esquerda e à sua direita, para fazer passar os seus orçamentos e legislação. Foi uma sina diária de negociações, "peça-a-peça", que obrigava a desgastantes negociações, mobilizava bastidores e obrigava a entendimentos que, para todos os atores políticos, eram sempre complicados de gerir. E, as mais das vezes, difíceis de explicar abertamente, perante as opiniões públicas e partidárias.
Num desses tempos, o processo político no seio do governo estava a revelar-se mais complicado. Como sempre sucede nestas coisas, seguia-se a regra clássica da "intelligence": o clássico "need to know" aplicava-se ao nosso dia-a-dia de membros do governo. Sabíamos apenas o que devíamos saber, nada mais. Presumíamos que, à nossa revelia, se passavam muitas "conversas", mas não éramos mantidos, e bem, no "segredo dos deuses". E raramente perguntávamos, não fora termos como resposta o também britânico "mind your business!".
Num sábado de manhã, fui chamado a S. Bento. Era necessário preparar uma qualquer mensagem a transmitir a Bruxelas, já não me recordo a propósito de que assunto. Eram tempos ansiosos, em que não tínhamos a certeza de que os nossos propósitos pudessem fazer vencimento. Não ter maioria fragilizava muito a nossa posição. A nossa capacidade de garantir determinados objetivos na Assembleia da República era limitada, e isso afetava a governabilidade.
A reunião da meia dúzia de membros do governo que Guterres convocara acabara entretanto. Por algumas horas, havíamos estado naquela sala que, ao tempo de Cavaco Silva, fora criada na cave de S. Bento, com o objetivo de ser uma espécie de "gabinete de crise". Numa decisão que ainda hoje reputo de infeliz, Guterres tinha decidido transferir para aí as reuniões do governo em S. Bento (outras tinham lugar no edifício da Presidência do Conselho de Ministros, na rua Gomes Teixeira, em Campo de Ourique). Foi assim que se acabou com uma bela sala, ornada por uma estupenda tapeçaria de Portalegre, que Marcelo Caetano decidira transformar em sala do Conselho de Ministros, no 1º andar da residência oficial. Seria depois um gabinete que, se bem me recordo, foi ocupado por António Vitorino, Guilherme Oliveira Martins e José Sócrates, entre outros que se por ali se seguiram.
A reunião caíra sobre a hora do almoço. Saí apressado pela pequena escada que leva ao hall rés-do-chão, em direção à porta exterior. À passagem, não pude deixar de olhar, por um instante, para a porta entreaberta da sala de espera. Esse é, muitas vezes, o espaço para encontros ou entrevistas, a zona mais ampla que os primeiros-ministros têm ao seu dispor, para receber, naquele edifício.
Por entre portas, vi-o então, de modo fugaz. Era um dos líderes da oposição. Nas semanas anteriores, no areópago a cem metros de distância, durante os debates parlamentares, ele zurzira, sem dó nem piedade, o primeiro-ministro, a quem acusara das maiores malfeitorias feitas à pátria, das abdicações mais ignominiosas perante Bruxelas. Por humilde tabela, como responsável direto por essa frente europeia, eu próprio fora atingido por essa catilinária oposicionista. Imagino que, na bancada do governo, com a bonomia que lhe era própria, olhando o meu nervosismo de neófito político, Guterres me possa ter dito: "Não se preocupe, meu caro, é a vida!".
Por entre portas, vi-o então, de modo fugaz. Era um dos líderes da oposição. Nas semanas anteriores, no areópago a cem metros de distância, durante os debates parlamentares, ele zurzira, sem dó nem piedade, o primeiro-ministro, a quem acusara das maiores malfeitorias feitas à pátria, das abdicações mais ignominiosas perante Bruxelas. Por humilde tabela, como responsável direto por essa frente europeia, eu próprio fora atingido por essa catilinária oposicionista. Imagino que, na bancada do governo, com a bonomia que lhe era própria, olhando o meu nervosismo de neófito político, Guterres me possa ter dito: "Não se preocupe, meu caro, é a vida!".
Agora, ali estava ele. Vinha, com toda a certeza, para uma conversa (senão mesmo para um almoço!) com o primeiro-ministro, num daqueles encontros que se não podem contar, mas que o compromisso nacional justificava. Com uma curiosidade insanável, ou com uma impaciência legítima, espreitara quando ouviu passos e, desprevenido, acabou por revelar-se a quem passava. Que era eu.
Não hesitei. Escancarei a porta. Ele sorriu-me, tentando não se mostrar embaraçado, fingindo à-vontade, procurando ser mestre da cena.
- Então por aqui?!, lancei-lhe, com um sorriso do tamanho da minha supresa.
Ele não se deu por achado. Fingindo, sem fingir, uma seriedade que o momento justificava, lançou-me esta frase que, ainda hoje, não esqueci:
- Você não me viu, Francisco! Eu não estive aqui...
Procurando estar à altura da tragicomédia, retorqui:
- Era o que mais faltava! Você nunca aqui viria!
Ontem, ao ler o relato da "ida" de Portas ao Rato, lembrei-me deste episódio. Às vezes, a realidade é mais imaginativa do que a ficção.
17 comentários:
Senhor Embaixador,
Do Portas espera-se mais realidade do que ficção! Veste todas as camisolas desde que seu partido deixe o estado parasitário.
Saudações de Banguecoque
tudo depende se o encontro escondido for (fosse) a pedido de Costa, se de Portas. serão 2 encontros diferentes.
É curioso, se pensarmos que desde a formação do Condado Portucalense, passando pela fundação do reino de Portugal, até ao presente; nada mudou. Continuam as intrigas, as conspirações, as promessas, os acordos e as suas naturais violações... para conseguir "governar" este território e este povo, que desde os tempos da ocupação romana, nunca se governou, nem se deixou governar.
O que nos vale, é que, do Tejo para riba, o país é santo e do Tejo para baixo, como já dizia um certo senhor, conhecido por "jamais"... é só deserto. Assim se vão equilibrando as forças.
"O governo socialista, chefiado por António Guterres, governava então com maioria relativa. Necessitava, por isso, de compromissos permanentes com os partidos situados à sua esquerda e à sua direita, para fazer passar os seus orçamentos e legislação. Foi uma sina diária de negociações, "peça-a-peça", que obrigava a desgastantes negociações, mobilizava bastidores e obrigava a entendimentos que, para todos os atores políticos, eram sempre complicados de gerir. E, as mais das vezes, difíceis de explicar abertamente, perante as opiniões públicas e partidárias."
As saudades que o povo tem do tempo em que não havia maiorias absolutas. Em que os governos não podem fazer o que querem e que têm de negociar tudo. Todos ganhamos mais. Com maiorias absolutas é o que se tem visto com as maiorias de Cavaca, Sócrates ou Passos. Uma ....
"
Bartolomeu, ganhe juizo. Se acha que o resto do mundo é perfeito, pegue na passarola e voe para bem longe.
Se o relatado não é política....então podemos limpar as mãos na parede...
Anónimo das 12:30,
quando o autor do blog achar que os meus comentários o incomodam, ou que são dispensáveis, não voltarei a intervir.
Até lá, reduza-se à sua condição de comentador.
Bartolomeu:
Na Europa do Centro-Norte europeu, onde, de uma maneira generalizada, consideramos que os países estão melhor organizados do que nós, as pessoas têm mais maturidade política e cívica, e onde muitos de nós não desdenhavam viver, a maioria dos governos desde há décadas é de coligação.
E na Finlândia, por exemplo, não existe no horizonte mental das pessoas (e creio que no quadro legal também) a figura de eleições antecipadas.
A vontade do povo é soberana e para 4 anos: os partidos que se entendam.
Por isso, há tempos, a Bélgica esteve muito mais de um ano em negociações para se formar um governo.
Entre nós isso é impensável, pois até há um partido que tem como slogan: Abaixo o governo, eleições antecipadas, JÁ. E isto logo depois de ter havido eleições. E passa 4 anos nisto desde há 40 anos.
Com o argumento de que, p. ex., nas europeias ou nas autárquicas, os partidos do governo (seja ele qual for) normalmente perdem as eleições.
Daí extrapola-se para o pode executivo: Abaixo o governo, eleições antecipadas, JÁ.
Mas nas autárquicas os seus presidentes de câmara não se demitem por, nos seus concelhos, os partidos do governo (seja ele qual for) terem ganho as legislativas: aí não há perda de legitimidade dos presidentes.
E passa-se o tempo a exigir o impossível, o consenso, quando o que se deve exigir é o compromisso.
Mas temos de progredir muito para termos uma vida mais decente.
Manuel Silva:
Não compreendo o sentido do seu comentário. Ou melhor, compreendo o sentido, mas não compreendo em que aspeto(s) o considera adequado ao ao(s) comentário(s) que coloquei e em que não mencionei a figura de eleições antecipadas.
Sim, os países e os povos do Norte Europeu, possuem uma consciência cívica em boa medida, superior aos do Sul.
Quanto à realidade portuguesa, que considero nos antípodas nessa matéria, nem vale a pena encontrar termo de comparação com os nórdicos, basta olharmos para os vizinhos espanhois para encontrarmos diferenças abissais.
Estou a recordar-me - por exemplo - do naufrágio do Prestige na costa galega há uns anos e da catástrofe ambiental que provocou o derrame de nafta, com prejuízos imensos para as populações que vivem da captura costeira de moluscos. Recordo-me perfeitamente de algumas reportagens televisivas que mostravam os pescadores a recolher essa nafta com os meios de que dispunham, baldes, pás, sacos, etc. E recordo-me também de os ouvir e ver dizer perante as câmaras de TV que tomavam a iniciativa de limpar para proteger o ambiente e minimizar os prejuizos da sua atividade mas, que esperavam que o governo enviasse meios técnicos rápidamente e que iriam exigir as compensações financeiras. Ao contrário do que imagino sucederia - se o navio tivesse conseguido deslocar-se umas milhas mais para Sul, como estavam a tentar fazer - e os nossos pescadores artesanais tivessem apanhado com a "castanha".
Ou seja os deputados são verbo de encher e, assim tratam em vez dos seus negócios.
Silva, eu quero lá saber do que se passa na Finlândia! Estou-me nas tintas! Vivo aqui, aqui pago os meus impostos e esta porcaria de governo lixou-me a vida e o negócio nestes 4 anos. Tivessem havido as tais eleições antecipadas e as coisas teriam sido melhores, pois estancava-se a hemorregia. Este governo é incompetente, incapaz e destrui o país porque o PR, um ministro sem pasta de passos, assim o permitiu. Tivessem havido eleições antes, como digo e nada desta destruição sucederia. Quero lá saber do Nórdicos e da Europa Central e do Centro e etc!
Anónimo das 22:52
O quero lá saber só funciona quando o dinheiro cair do céu.
Enquanto tal não acontecer, o modo de fazer política conta para que ele caia no bolso das pessoas.
E de uma forma decente, isto é, com a maior justiça distributiva possível, em que as escandalosas diferenças salariais que existem actualmente não existam e em que os que vivem pior tenham um nível de vida com qualidade e dignidade.
Eu estive há dias na Holanda, visitei 3 cidades, Amesterdão, Delft e Haia, mas a base durante alguns dias foi Haia.
Não vi lá um único sem abrigo.
E a qualidade de vida daquela gente não tem a mínima comparação com a nossa, mas nem me refiro aos rendimentos, refiro-me aos aspectos banais da vida: quase não há carros a circular nas ruas, quase não há semáforos, não há lixo por todo o lado, não há buracos nos passeios nem nas ruas.
Em contrapartida há bicicletas aos milhares. Nós vamos de carro fazer compras ao supermercados, empurrados para a periferia das cidades, enquanto o comércio local definha.
Como não há lugar para estacionar fazemo-lo nos passeios. E poluímos o ar que respiramos e a seguir queremos saúde grátis e tratamentos a tempo e horas. Como se as coisas não estivessem todas ligadas. E importamos petróleo para alimentar esta loucura colectiva.
Você acha que o que é importante é deitar os governos abaixo, banalizando as eleições e criando condições para que os demagogos proliferem.
Eu acho que a vontade do eleitorado deve valer 4 anos, independentemente da qualidade dos governos: o mundo não acaba em 4 anos e todas as asneiras de um governo são revertíveis.
Porque o dinheiro não cai do céu, e se é verdade que só isso não é suficiente, é muito importante para o respeito pela nossa vontade eleitoral e para alguma decência na vida pública.
Isso potencia o compromisso em vez da demagogia do bota-abaixo por dá cá aquela palha.
Se nem estes 40 anos de regabofe eleitoral não lhe abriram os olhos: paciência.
Fique com a sua opinião.
Anónimu's; pela minha parte concordo que Cavaco deveria ter dissolvido a Assembleia, mandado este governo às urtigas e convocado eleições legislativas antecipadas. Como bem nos recordamos, este governo aproveitou-se da crise em que já estávamos mergulhados, dos sucessivos PEC's do aumento das medidas de austeridade impostas pelo governo de Socrates para, com as promessas de Passos iludir o eleitorado e conseguir eleger-se... à rasquinha mas, pronto. Agora, para que o cenário de eleições antecipadas podesse ter sucedido, teríamos de ter (ainda) Sampaio ou Soares em Belém e não um robôt que se assusta com o barulho dos próprios peidos.
Agora, se o resultado que adviesse dessa antecipação de eleições seria melhor... isso já é assunto para a Maia ou outra cartomante... encartada.
Aquilo de que não temos dúvida nenhuma, é que a bandalheira começou com o descontrole na atribuição dos fundos comunitários que nos chegaram da UE com o fim de fazer desmoronar os edifícios já corroídos das pescas, da agricultura e da indústria, safaram-se os serviços e alguns menos parôlos que se fizeram ao guito e o aplicaram no desenvolvimento técnico melhorando a sua produtividade; são estes, em parte, aqueles que hoje estão a competir nos mercados externos e a dar algum alento à nossa balança comercial fazendo com que as percentagens das exportações, vão frágilmente aumentando. Para aprimorar este cenário, tivemos ainda a incapacidade de alguns deputados que foram a Bruxelas negociar cotas de mercado e quando lá chegaram baixaram as calcinhas porque nem sabiam ao certo o que é que se produzia no país, nem em que quantidade. Ainda hoje esse inventário está por fazer e aqueles que exportam hortículas, vinho, etc para o mercado comunitário, fazem-no por conta própria.
O problema do nosso país em contraponto aos países do Norte e Centro da Europa, é nunca existirem planos para nada, tomam-se decisões em cima do joelho e sempre de acordo com o favorecimento dos grandes interesses instalados.
Ele há coisas......
Se me "botasse" a adivinhar, apostaria que as diferenças entre a situação ficcionada no DN e aquela vivida por si, caro Embaixador, se resumiriam a dois pontos:
1- A sua ausência;
2- A "troca" de Guterres por A. Costa.
Posso estar enganado, claro, mas....
Foi o que eu fiz, Bartolomeu. Comentei o seu texto. E só tive de me "reduzir" para poder ficar à altura das suas ideias.
Bem gostava de assistir a um frente a frente entre Costa e Portas.
Na Finlândia, na Holanda, ou em qualquer país nórdico, as pessoas começam por pagar os seus impostos. Corrupção é matéria que nem lhes passa pela cabeça, mesmo sem discurso patrióticos.
Acabei de ler o artigo semanal do Pacheco Pereira na revista «Sábado», todo construído com frases de Francisco Sá Carneiro, esse perigoso «comunista»... Vale a pena ler (é o artigo que se costuma chamar O Jacaré a a Lagartixa. Boa noite
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