terça-feira, agosto 11, 2015

Um destino europeu


Para o bem e para o mal, a Europa é o nosso destino. O Atlântico pode ser a vocação de há muito incumprida, as Áfricas podem apontar-se como eterna promessa de um clube, feito de língua e algum afeto, a abrir-nos as portas internacionais, mas a Europa é o que aí está, no imediato e na realidade, como uma inevitabilidade – geográfica, económica, cultural. E porque assim é, manda a racionalidade que seja nela que devamos concentrar muita da nossa política para o mundo, sem prejuízo de procurarmos manter vivas todas as nossas restantes dimensões de afirmação externa. Até porque essas mesmas dimensões são também, elas próprias, constitutivas do nosso poder dentro da Europa.

A Europa revelou, em anos recentes, insuspeitadas debilidades. Como projeto com múltiplos atores, não necessariamente consonantes entre si sobre os caminhos do futuro, na expressão simultânea das suas vontades, a Europa comunitária provou, à saciedade, que é de uma grande e exasperante lentidão na resposta aos factos, que navega quase sempre à vista, que é arrastada pelos acontecimentos, em lugar de os conduzir. Isto não é uma crítica, é uma mera constatação. Provavelmente não poderá ser de outra forma. Conglomerado de vontades democráticas, mobilizadas por agendas nacionais diversas e frequentemente divergentes, a Europa, no seu processo decisório, tem de “ficar à espera” de todos e de cada um, sem o que arrisca a ilegitimidade nos procedimentos, por muito que um juízo de eficácia justificasse o contrário.

No passado, no processo europeu, o sentido da urgência era bem menor. Em causa estava, à época, avançar-se mais ou menos rapidamente no completamento ou criação de certas políticas, que iam conferindo uma coerência progressiva ao projeto. O tempo da maturação democrática era respeitado, a identidade dos interesses comuns era mais evidente, a comunidade era então menos extensa e mais coesa.

Foi a ambição que trouxe a nova urgência. Foi a “entrada” da Europa em domínio que antes era do múnus exclusivo da soberania dos Estados – como a moeda, a política exterior comum ou a gestão das fronteiras – que lhe criou a necessidade de uma capacidade de resposta idêntica à que cada país tradicionalmente tinha na gestão desses domínios. Perante esse desafio, a Europa mostrou a sua escassa agilidade, uma lentidão paquidérmica. Vê-se isso na crise da moeda e no caso grego, viu-se na caótica gestão do processo ucraniano e na falta de soluções para uma afirmação coletiva face ao Estado Islâmico, constata-se, à evidência, na patética reação face às vagas migratórias mediterrânicas ou às hesitações sobre o que fazer no buraco do túnel para o oásis britânico.

A crescente constatação de que o “timing” é vital para a sua eficácia está a levar a Europa a concentrar as suas decisões, a colocar de lado o “método comunitário”, que se havia revelado confortável para as democracias constitutivas do projeto coletivo. A preeminência do Conselho – isto é, dos Estados – sobre a Comissão Europeia, a expressão de poder de instâncias como o “eurogrupo”, tudo isso configura uma significativa mudança de natureza no projeto.

Contrariamente a muitos, entendo que não compensa ser nostálgico de outros tempos. Como nas regatas, há que ser hábil e saber navegar com os ventos que estão, desde que se tenha uma estratégia, se proceda a uma reflexão contínua, assente num amplo consenso político, sobre o modo como atingir o nosso objetivo. Ter uma política europeia por omissão, como tem sido o caso nestes últimos anos, é uma não-solução. E um imenso risco para o país.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

13 comentários:

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
No que me toca a mim não me parece que a Europa seja o nosso (futuro) destino.
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Para o mal já lá estamos e dessa presença beneficiaram uns poucos e prejudicou muitos. Geograficamente (aparte do istmo) a Península Ibérica não se coaduna, geograficamente com a Europa tão-pouco economicamente e culturalmente.
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A inserção de Portugal na União Europeia foi mais uma tragédia lusa dado que os países grandes da Europa sempre olharam, gulozamente, para Portugal para o conquistar. Chegou a ser quando oferecido de bandeja pelo “pulha” Cardeal Dom Henrique aos castelhanos de que estaríamos sob a pata deles 60 anos.
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Compensa sim a nostalgia de outros tempos e lembrar a costa marítima que Portugal possuía, a frota de pesca havida que se foi e com ela a indústria de enlatados dos frutos do mar.
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Não será em nossas vidas que Portugal será tomado e então a nação Lusa, a mais antiga da Europa, extingue-se e juntar-se-á à história de outras etnias que existiram, séculos atrás e desapareceram.
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Quando um rico dá uma morçela a um pobre, quer de volta um porco inteiro!
Saudações de Banguecoque

Portugalredecouvertes disse...



Sr. Embaixador li algures que as crises dos bancos dos países mais pobres trazem riqueza aos mais ricos dentro da Europa porque a falta de confiança nesses sistemas leva ao "transporte" do dinheiro para esses países mais fortes.
Assim a taxa de juro deles baixa com esse aumento de capital, (enquanto que a taxa do outros sobe), com os lucros associados devido aos juros cada vez mais baixos que lhes são cobrados, e mais pobreza para os outros, com juros mais altos.
Será mesmo assim ou parecido, o que acontece?!

Reaça disse...

Também foram as primeiras e segundas grandes guerras de uma europa estúpida que lixaram tudo.

E inevitavelmente, os tiro nos pés que se seguiram, como a Inglaterra e as suas independências extemporâneas africanas que se seguiram as francesas e inevitavelmente as nossas para agora ficarmos com uma vizinhança desvalida.

Mas nós temos que ter um pé na Europa e outro no Ultamar.

Orgulhosamente a pensar pela nossa cabeça, como pensava o meu ídolo de Santa Comba.

Não somos africanos, mas como dizem nas Américas, "vamos à Europa e aproveitamos passar por Portugal".

Além pirineus olham-nos como europeus de segunda... por favor.

Joaquim de Freitas disse...

Quando os Europeus forem capazes de ver a dimensão real do desastre que responde ao nome de "União Europeia" talvez seja possível começar a reconstruir algo de mais sólido. Infelizmente, a grande massa amorfa dos Europeus não "vê" nada.

Ninguém vê a impunidade total da qual beneficiam estes Eurocratas que se escondem por trás do seu projecto absurdo de querer impor uma Europa a marchas forçadas, feita para o benefício vergonhoso de alguns. O lucro retirado pelos alemães da crise grega - 100 mil milhões descoberto agora, é um exemplo.

Que seja através da livre circulação dos bens e das pessoas tornando a concorrência entre cidadãos da UE exacerbada. O picheleiro polaco não é uma legenda! Os trabalhadores portugueses contratados pela France Telecom ,no Sul da França, que vivem em barracas , no local onde trabalham, eu vi-as.

Que seja alargando sempre mais as fronteiras para se aproximar da Rússia com o objectivo de a cercar...onde a sombra dos EUA e da NATO não é um ecrã de fumo, como todos compreenderam.

Que seja criando estas novas fronteiras abertas à irresponsabilidade dum "espaço Shengen" que facilita todos os tráfegos, incluindo o das armas que facilita o terrorismo.
Que seja impondo a países que não estavam prontos para a aceitar, uma moeda comum, cujos estragos colaterais se vêm bem e que os Eurocratas tentam colmatar sem sucesso.

Que seja uma política estrangeira comum impossível a aplicar, onde cada um fala em seu nome próprio.
Que seja os decretos e leis impostos pelos funcionários que não têm a mínima ideia das dificuldades que ressentem os cidadãos ordinários na vida de todos os dias.

Uma grande lista, Senhor Embaixador, e o que me revolta mais é que estes funcionários, que causaram e causam tantos prejuízos às populações não são sancionados pelas suas faltas colossais, omissões, mentiras, erros, incompetências.

Dá-me a impressão que se contentaram de ter encontrado uma boa ideia no Hino à Alegria de Beethoven e um Euro mal concebido para esconder as realidades desta UE que se desumaniza e na qual os cidadãos não se encontram. Mas, até quando...antes da derrocada deste edifício cujas fundações estão podres?

Acha que isto tem conserto, Senhor Embaixador?

Retornado disse...

Dificilmente nos vamos ver fora do Ultramar, apesar da invasão chinesa e do boko-haram em África.

A Bola deixou de ser quadrada em Portugal graças aos africanos e brasileiros.

Desde o Matateu e Peyroteo até ao Jorge Jesus, que o Sobrinho comprou para animar o ambiente, foi o luso tropicalismo a dominar a pré-época.

A Europa já é um sentimento museológico, há muitos anos.

Anónimo disse...

raciocina como um dos fautores do estado a que chegámos criticando a ausência de política europeia.

convergiu num grande resultadão o voluntarismo anterior pela política europeia. tinha de se ter sido voluntarista sim, mas no sentido que avisaram os que não foram ouvidos. é nesse sentido que se tem de voltar a ser e não naquele que Seixas da Costa recomenda.

Helena Sacadura Cabral disse...

Joaquim de Freitas eu que sempre fui eucéptica, concordo inteiramente com o seu comentário, digam o que disserem os "especialistas" em assuntos europeus!

Anónimo disse...

Quem ouve falar o retornado, até parece que a áfrica(em particular as nossas antigas colónias)são uma pot~encia do futebol. Vieram de lá em tempos bons jogadores, mas enquanto lá estiveram os europeus para organizar e ensinar. Depois de se tornarem independentes consegue dizer-me o nome de algum bom jogador? nenhum, já desconfiava.

Anónimo disse...

Faço sinceros votos para que um dia, oxalá mais próximo do que longínquo, a União Europeia se desfaça, imploda (e com isto despareça o Euro)e voltemos à soberania anterior que cada Estado tinha.

Anónimo disse...

Bom comentário e lúcido o de Joaquim de Freitas! Concordo!
V. Calheiros

Retornado disse...

Ó anónimo da tugi, evidentemente que depois que eu retornei aquilo ficou uma tugi.

Mas voltaremos lá um dia, logo que corram com os chineses, e salvaremos aquilo novamente.
e tornar-se-á aquele paraíso que nós conhecemos.

Se ainda formos a tempo!

inconfessável disse...

Parece-me que nos comentários anteriores todos pensam que a UE é que foi o desastre. Não tenho a certeza que assim seja.
A entrada para a moeda única, isso sim, foi um desastre. A mania de Guterres e dos portugueses em geral, que continuamos a ser provincianos, que ficaríamos numa Europa de 'segunda' foi-nos fatal e não nos lembrámos que nem a Inglaterra nem a Noruega alguma vez seriam vistos como de 'segunda'.
Nunca quis ter uma moeda única, ( sempre achei um disparate termos uma moeda em que 1€
valia mais do que 200 escudos) com a economia tão pobre que tínhamos.
A saída do Euro é inevitável, mais cedo ou mais tarde. Preferia que fosse mais cedo e que o próximo governo começasse a preparar o país para essa saída.
Nunca acontecerá. Haveremos de ser corridos com uma mão à frente e outra atrás, porque, neste país, ninguém tem estratégias de longo prazo.
O longo preazo são 3 anos e mais um para preparar eleições.

Anónimo disse...

Caro Chico

Fui europeísta; agora já não sou... Valha-nos a Senhora da Agrela, que não há santa como ela.

Dizem-me que a Alemanha ganhou cem mil milhões, sublinho cem mil milhões da euros com a crise da Grécia; Scheiße para a Alemanha... "europeísta"

Abç do Leãozão

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