domingo, fevereiro 13, 2011

Gerard Castello-Lopes (1925-2011)

Há quase dois anos, tive o gosto de estar presente na inauguração de uma exposição de Gérard Castello-Lopes, num festival próximo de Angoulême. O fotógrafo estava, de há muito, incapacitado por doença. Faleceu ontem, aqui em Paris, aos 85 anos.

Conheci Gérard Castello-Lopes há uma boa década, num daqueles divertidos almoços de Agosto, em Sintra, em casa do Bartolomeu Cid dos Santos, em que o também já desaparecido anfitrião tinha o condão de juntar um grupo magnífico, de alguns dentre os seus inúmeros amigos. Recordo-lhe a voz forte e as gargalhadas francas, com que desfiava e acompanhava histórias da vida. Conhecia as suas anteriores andanças pelo quadro do meu ministério, quando fora tentado por José Cutileiro a fazer parte da delegação junto do Conselho da Europa, em Estrasburgo. E, naturalmente, sabia do seu trabalho na área da cultura, em especial ligado ao cinema, uma paixão e negócio de família.

Curiosamente, iria ser na fotografia que Gérard Castello-Lopes mereceria um maior reconhecimento público. Os seus trabalhos, onde se podem ver as influências de Cartier-Bresson, desenharam um inultrapassado retrato antropológico de um certo Portugal e colocaram-no na escassa galeria dos nossos grandes fotógrafos. Por isso, creio que a melhor maneira de lembrá-lo hoje é publicar uma das suas belas fotografias.

À Danièle, deixo aqui o nosso abraço solidário.

sábado, fevereiro 12, 2011

"Les gardiens des murs"

 
Argel, a cidade branca, é uma das mais interessantes paisagens urbanas do Mediterrâneo. Ontem foi cenário de fortes tensões, ecoando o Cairo e Tunis.

A cidade tem uma história trágica de violência, desde a heróica luta pela independência até aos "anos de chumbo" dos atentados islamistas, que muito ajudam a explicar, embora não a justificar, os equilíbrios do seu atual regime.

A Argélia é também um país que diz bastante a muitos portugueses, que  aí foram acolhidos em tempos de exílio. Exílios que começaram com um dos últimos presidentes da I República, Teixeira Gomes, que se recolheu, até à sua morte, em Bougie (hoje Béjaia). Mais tarde, nos anos 60 e 70, Argel viria a funcionar como um dos principais centros da oposição ao Estado Novo, que por lá se cruzava com os independentistas das colónias portuguesas, para quem o novo país era um apoio seguro. O endereço da rue Auber, nº 13, onde funcionava a "Rádio Voz da Liberdade", que, pela noite, nos trazia épicas mensagens dos revolucionários portugueses, faz parte da memória de muitas pessoas da minha geração.

Estive em Argel algumas vezes, infelizmente quase sempre em grupos com forte segurança, pouco podendo usufruir daquele magnífico panorama que borda o porto e sobe pela encosta, com uma bela arquitetura colonial que, aos poucos, se perde no dédalo do casbah. Um dia, ao conseguir passear um pouco por uma rua comercial, com várias lojas a exibirem posters de Madjer, dei por mim a perguntar  à pessoa que me acompanhava, numa distração pateta, apenas para fazer conversa, o que fazia tanta gente sentada ou encostada aos prédios. A resposta dada pelo funcionário teve a graça cruel de quem assim qualificava os seus compatriotas sem emprego: "sont les gardiens des murs..."

Ontem, os "gardiens des murs" terão dado um passo em frente.

Temores

Telejornal do almoço da RTP 1, hoje: "Depois dos acontecimentos no Egito, teme-se que o movimento alastre a outros países vizinhos".

Teme-se?

Saudades de Brasília

Oferecido por um amigo brasileiro, chegou-me hoje um belo livro produzido pela "Camargo Corrêa", comemorativo dos 50 anos da cidade de Brasília. 

Das fotografias contemporâneas que o trabalho apresenta faz parte esta imagem. No típico léxico brasiliense, ela representa as "tesourinhas", o "eixão" e os "eixinhos", na "Asa Norte".

Em tempo: o "Correio Braziliense", o mais importante jornal de Brasília, herdeiro de um órgão de informação homónimo criado em 1808, em Londres, faz hoje (4.3.11) a este post. Leia aqui.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Notas egípcias

1. É impossível, para quem o viveu, não deixar de pensar no nosso 25 de abril, ao observar a alegria simples do povo egípcio. Estes são os momentos mágicos da esperança, que antecedem o que aí vai vir, inevitavelmente, as muitas divisões e contradições de um processo que só agora começou. Mas este dia, para o Egito e não só, será sempre um fantástico momento.

2. Uma grande interrogação é saber o que farão as Forças Armadas egípcias, a partir de agora. Convém ter presente que elas estão no poder, naquele país, há quase 60 anos, sempre apoiando ditadores. Todos os presidentes egípcios, desde Nasser, foram militares. Não o tendo assumido até agora, poderão as Forças Armadas egípcias vir a ser tentadas a ter um papel "kemalista", como na Turquia?

3. Se as coisas correrem bem, esta nova situação pode abrir uma "janela de oportunidade" para a resolução da questão israelo-árabe. Pena é que o poder em Israel não dê mostras de perceber esse ensejo e se feche na sua lógica tradicional de só se sentir confortado com a instabilidade fragilizante ou com ditaduras à sua volta, como melhor alibi para justificar a sua própria rigidez.

4. Se "houvesse" Europa, o que se conseguiria agora fazer com o Egito! Não "havendo", vamos assistir, nos próximos tempos, à agitada coreografia de alguns Estados europeus, colocando-se em bicos de pés para seduzir as forças que lhes parecerem mais aptas a assumir o poder no Cairo. E ainda há quem por aí se preocupe com o Serviço Europeu de Ação Externa...

5. Se há algo que, depois dos acontecimentos da Tunísia e do Egito, ficou bem provado foi a importância da internet, o papel decisivo das redes informáticas para o contacto entre as pessoas e para a difusão da informação. Quase que valeria a pena, como gesto de reforço da liberdade e da democracia, incluir o livre acesso informático como um dos novos Direitos do Homem.

"Live"

Começo a ficar farto da sofreguidão imediatista de quem me telefona, logo de manhã, a comentar "Já viste o estado da praça Tahrir?'" ou, à tarde, "Olha que o Mubarak já está em Charm el-Cheikh!".

Será que não podemos esperar pelos telejornais da noite?

Em tempo: pelos vistos, não! Chegou-me, entretanto, o "O Mubarak já se demitiu!".

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Embaixadas

A embaixada britânica em Paris situa-se hoje no nº 39 da rue du Faubourg Saint-Honoré, um imponente edifício, a dois passos do palácio do Eliseu, sede da presidência da República francesa.

Ontem estive por lá, num encontro de trabalho. A certo ponto, quando alguém gabava a dimensão e o porte da residência, bem como o seu belo jardim, não me contive de dizer, para espanto de muitos: "Este prédio já foi a Embaixada de Portugal, no final do século XVIII". E revelei que também o edifício onde hoje está o Hotel Ritz, na place Vendôme, foi também residência de antecessores meus.

A Embaixada de Portugal está hoje muito bem instalada, num edificio adquirido em 1936, no nº 3 da rue de Noisiel. Mas muitos outros endereços tivemos já por esta cidade de Paris, como o hotêl des Bretonvilliers, na Île de Saint-Louis, de que mostro uma imagem da época.

Bem gostaria de, um dia, poder fazer um completo inventário da nossa presença por aqui.

Em tempo: um nosso comentador fez notar que a nossa atual Embaixada fará, em 2011, 75 anos. Boa lembrança para ser explorada... 

Alberto Oliveira e Silva (1924-2011)

Alberto Oliveira e Silva tinha um belo historial de luta contra a ditadura. Era advogado. Foi ministro da Administração Interna, em 1974, e governador civil de Viana do Castelo. 

Em Outubro passado, por motivos ligados à sua qualidade de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Viana de Castelo, tivemos uma derradeira e longa conversa ao telefone. Relembrámos então a sua velha amizade com a minha família e, em especial, um último jantar em que havíamos estado juntos, aquando de uma iniciativa do jornal "Aurora do Lima". Prometi visitá-lo no Natal, compromisso que não cumpri. Faleceu em Viana, hoje, com 86 anos.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

De acordo!

A intervenção pretendia-se incisiva, com um argumentário que o diplomata tinha por inequívoco. Aquela reunião, em sessão restrita, entre delegados de Estados da então União Europeia a "quinze", estava a destinada apenas a confirmar a "separação das águas", no âmbito de uma negociação muito complexa, em que as posições assumidas por cada país eram mais ou menos expectáveis. No fundo, pouco mais havia a fazer do que constatar a impossibilidade de se gerar um consenso, ainda que mínimo, com todas as consequências políticas que esse impasse iria gerar, obrigando o assunto a subir a outras instâncias.

Tendo acabado de tomar a palavra, o diplomata recostou-se na cadeira, colocou o auscultador da interpretação simultânea no ouvido e dispôs-se a escutar as duas intervenções que se iriam seguir, oriundas de delegados de países que, de uma forma há muito evidenciada, estavam abertamente do outro lado da "barricada".

E, no entanto... o nosso homem começou a ficar perplexo quando ouviu o primeiro dos oradores afirmar que concordava, no essencial, com aquilo que acabara de ser dito, felicitando-o mesmo pela "evolução" que mostrara, na "nova" posição assumida. Pensou tratar-se de um equívoco desse colega, facilmente corrigível. Mas, com espanto, escutou o orador seguinte dizer, basicamente, a mesma coisa, também se congratulando com a sua intervenção.

O diplomata ficou angustiado. A sala começava a olhar para ele. Não sabendo bem o que fazer, não podendo "agarrar-se" a coisas substanciais, porque aquelas duas intervenções tinham sido curtas e genéricas, limitado-se a "apoiar", com assumido entusiasmo, a sua intervenção, decidiu pedir a palavra à presidência da sessão. Esta procurou dissuadi-lo, até porque havia ainda mais oradores inscritos. Em desespero, o diplomata pediu então para fazer um "ponto de ordem" - um vetusto truque, em torno de aspetos da "ordem de trabalhos", que permite efetuar uma interrupção e que, com habilidade e rapidez na passagem da mensagem, dá ocasião para dizer o que se quer:

- "Senhor presidente. Esta minha intervenção prende-se com as que os dois oradores precedentes fizeram. Verifiquei, com surpresa, que eles concordaram com o que eu disse. Ora eles não podem estar de acordo comigo, porque eu sei que não estou de acordo com eles! Por isso, ou eu me enganei no que disse, embora não consiga perceber em quê, ou a interpretação não funcionou. De qualquer forma, peço que da ata desta sessão não conste que eu disse o que parece que terei dito..."

A sala explodiu de riso, claro!

Índia

Almocei hoje, num pequeno grupo, com o antigo ministro - das Finanças e, posteriormente, dos Negócios Estrangeiros - da Índia, Yashwant Sinha, figura destacada do maior partido da oposição do seu país. Ao meu lado, o antigo ministro francês das Finanças, Francis Mer, lembrou-me, a certa altura da conversa, a fantástica realidade de que quase metade do eleitorado democrático do mundo está na Índia.

Para o que aqui nos importa, devo dizer que fiquei impressionado ao ver Sinha afirmar, de forma espontânea, quando abordou as relações do seu país com a União Europeia: "Foi graças a Portugal, na sua presidência em 2000, que a Índia recebeu o estatuto de "parceiro estratégico" da União Europeia. Isso representou uma mudança muito importante nas nossas relações com a Europa".

Recordo bem esses tempos. A ideia foi avançada por nós numa "troika" de diálogo político da UE com a Índia, em fins de 1999, em Helsínquia. Ela foi acolhida com visível desagrado por parte da então MNE finlandesa, Tarja Halonen (hoje presidente da República do seu país), que não terá apreciado ver o exercício que conduzia ser desvalorizado pelo anúncio de um "upgrading" cuja titularidade lhe iria fugir. É a vida... Graças à cumplicidade do comissário Chris Patten, a quem tínhamos informado da nossa iniciativa, foi possível conseguir concretizar, em escassos meses, essa ideia. As autoridades indianas viriam a demonstrar, posteriormente, e em diversas ocasiões, o seu forte apreço político por esse gesto de Portugal. A referência hoje feita por Yashwant Sinha ao assunto demonstra que o mesmo terá ficado registado na memória diplomática indiana.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Cadeiras

Aquele adido cultural, enviado para uma das novas embaixadas abertas num antigo país comunista do leste europeu, estava a revelar-se uma figura um tanto irritante, na constante exibição de uma pretendida omnisciência. A sua escolha fora bastante contestada, mas pressões bem executadas e amigos nos lugares certos no tempo exato haviam-lhe feito ganhar o lugar. Constava mesmo que ainda não tinha acabado o respetivo curso universitário.

A embaixada era pequena, embora nela existisse um espaço que, futuramente, teria condições para vir a ser utilizado para a realização de atividades culturais. Mas a falta de qualquer equipamento tornava, por ora, completamente inútil a presença do adido, o qual, desde a sua chegada, nada mais fazia do que "mandar bocas" e passear-se pelos escritórios. O embaixador e o secretário, numa reação que também não deixava de ter algo de corporativo, estavam já a começar a ficar fartos do indesejado adido.

Um fim de tarde, espojado nos sofás do gabinete do embaixador, o nosso homem desenvolvia as suas já habituais projeções sobre o manancial de ações que, um dia, pretendia levar a cabo, para glória da cultura portuguesa naquelas inóspitas paragens. Tratava-se de mera conversa virtual, que não conseguia convencer os diplomatas, fartos desse desfiar de ilusões e já desconfortáveis com a forçada coabitação com o "dolce fare niente" do cavalheiro, cujo ócio era bem pago pelo erário.

Mas o adido não era pessoa para se deixar abater perante esse palpável ceticismo dos diplomatas e continuava no seu mundo de futuros. Para tornar mais credíveis os seus projetos, simplificava mesmo as necessidades. Nesse dia, para encurtar argumentos, adiantou:

- Estive a pensar e, na prática, só preciso, para começar, de uma mesa e de umas 40 cadeiras.

O embaixador olhava para ele com um ar translúcido de cansaço com a conversa, o que terá encorajado o secretário de embaixada a dizer, em voz baixa:

- Talvez 41...

Intrigado, o chefe da missão olhou para o seu colaborador direto, tentando perceber o preciosismo. O adido também. O secretário não teve então outro remédio senão esclarecer, agora já com um sorriso algo ácido, consciente de que iria degradar para sempre as suas relações com o homem da cultura:

- É que, se você pedir mais uma cadeira, pode acabar o curso...

Garanto a veracidade do essencial desta história.

Mário Lopes

Mário Lopes é um homem simples, com o sorriso simpático de quem está de bem com a vida. Uma vida que ele soube construir a pulso, desde que chegou a França, até atingir o patamar cimeiro que hoje tem na sua profissão, aqui em Paris.

Há dias, recebeu, pela segunda vez, o título do "melhor cabeleireiro de França". E tem blogue. Leia mais sobre ele aqui.

Parabéns, Mário. 

A outra África

... mas a África não são só tragédias políticas e humanas.

Cabo Verde deu, no passado fim de semana, uma imagem de sólida maturidade democrática. Mais um, como o sublinha (e bem!) um comentador.

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Sudão

Valerá a pena afivelar, como hoje o faz parte da comunidade internacional, um sorriso de satisfação pela secessão da parte sul do Sudão, depois de um referendo? Os diplomatas são profissionais do otimismo, mas, devo confessar que tenho alguma relutância em assumi-lo como sentimento num processo em que apenas está resolvida uma parte formal das muitas e decisivas questões que, a partir de agora, se vão colocar aos dois novos Estados. A guerra civil foi terrível, com dois milhões de mortos ao longo de quase 20 anos, pelo que alguns entendem que, pelo menos, o futuro sempre será melhor. Pode ser que seja.

Os EUA, inspiradores deste processo, e as Nações Unidas, que o credibilizaram, não podem agora "lavar as mãos", com facilidade, quando estamos apenas no intervalo de um jogo em que falta disputar a segunda parte: das questões de delimitação fronteiriça aos mecanismos para a distribuição dos réditos do petróleo (e alguém duvida que o nome deste novo país, qualquer que ele venha a ser, será sempre sinónimo de "petróleo"?), das regras de atribuição de cidadania às transferência das populações que está por realizar e, "last but not least", a delicada questão hidrográfica e dos acessos por via terrestre. Para além do muito que ninguém fala: desmobilização militar, desarmamento, desminagem, implantação de estruturas de Estado, etc.

Nestes tempos de celebração, poucos referem também uma questão que talvez se repute já um preciosismo histórico: a circunstância desta independência representar uma quebra à sábia "regra de ouro" da Carta da antiga Organização da Unidade Africana, que previa o respeito pelas fronteiras do colonialismo, como travão à "balcanização" étnica ou religiosa do continente. Esperemos apenas que mais este precedente (infelizmente, não único) não venha a ser usado, futuramente, em outros cenários de conflito, por partes de Estados que legitimamente podem sentir-se tentados a reclamar idêntico tratamento. Pode ser que tenham a sorte de não ter petróleo...

domingo, fevereiro 06, 2011

"Contrepourrisme"

O programa humorístico "Les Guignol" inventou, esta semana, o conceito de "contrepourrisme" ("contre" ou "pour"), para qualificar a atitude diplomática de alguns países ocidentais face aos regimes cadentes na Tunísia e Egito e às revoluções que os assolam - que passaram de um apoio mais ou menos explícito ao "statu quo ante" à súbita colagem às virtualidades da revolta popular que se voltou contra os mesmos, acompanhada por uma fervorosa denúncia de autoritarismos que, durante décadas e até semanas antes, ninguém parecia ter notado.

Esta diplomacia do embaraço não se ficou, contudo, deste lado do Atlântico. Com efeito, ela afetou igualmente a administração americana, com o espetáculo, pouco comum, de vermos um enviado especial de Washington ao Cairo vir a assumir posições públicas que contrariam a linha oficial do seu próprio governo.

Os dias não estão fáceis... 

Escudero

Hoje, já quase com 80 anos, revisitei, na televisão francesa, Leny Escudero, essa voz magnífica da minha juventude.

Com a vivacidade que nunca perdeu, Escudero lembrou a sua chegada a França, em 1939, com os pais, refugiados da guerra civil de Espanha, uma memória que esteve muitas vezes presente na sua obra. E notou o caráter trágico desse tempo, relembrando um facto que, frequentemente, é branqueado pelo pretenso "equilíbro" das atrocidades: morreram muitas mais pessoas depois do fim da guerra, assassinados sob as ordens de Franco, do que durante o próprio conflito.

Mas, para aligeirar este post dominical, ouçamos, com prazer, Escudero no seu inesquecível "Pour une amourette".

sábado, fevereiro 05, 2011

Ximenes Belo

Há nomes que desaparecem no tempo, não obstante terem estado presentes, de forma muito pronunciada, no nosso passado.

Ao ler há pouco, no Notas Verbais, que ia ser atribuído um prémio ao bispo Ximenes Belo, lembrei-me de quando Portugal inteiro vibrava com a coragem desse religioso, que soube dar voz e unidade à luta dos timorenses pela sua liberdade. Ximenes Belo foi um exemplo de determinação, causando mesmo algum incómodo à diplomacia da Santa Sé, cuja atitude perante o caso timorense - e esta é a minha opinião, que não escondo - nem sempre esteve à altura da responsabilidade exigível a um poder de influência que, historicamente, se reivindica de uma ética de princípios que não me parece compatível com exasperantes taticismos florentinos. O bispo Ximenes Belo viria a afastar-se de Timor-Leste, por razões de saúde. Vive atualmente em Moçambique, onde exerce atividade religiosa.

Em 1999, fui obrigado a abandonar uma tarefa que estava a fazer em Nova Iorque, no âmbito de uma Assembleia Geral da ONU, para me juntar, em Genebra, ao bispo Ximenes Belo e a José Ramos Horta - as duas figuras distinguidas, em 1996, com o prémio Nobel da Paz. Tratava-se de procurar garantir a condenação da Indonésia na Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas, depois da violência que se desencadeara no território, na sequência do referendo que consagrou a vontade de independência dos timorenses. A Indonésia continuava numa posição muito relutante, pelo que consagrar o seu isolamento político no plano internacional continuava a ser essencial. 

O governo de Jacarta havia mobilizado todos os seus recursos e influências para derrotar a moção que queríamos ver aprovada. O trabalho de sensibilização de várias delegações em Genebra, muito bem conduzido pelo embaixador Mendonça e Moura, seria por nós os três apoiado, nos dois dias que antecediam a votação, numa ronda intensa de contactos. Na memória ficou-me a recordação quase caricata de ir, com o nosso embaixador, bater à porta da residência do representante diplomático de um país lusófono africano, que necessitava de algum estímulo para estar presente, na manhã seguinte, naquela importante votação.

O dia do voto foi dramático. A Comissão era presidida pela irlandesa Ann Anderson, que, há dois anos, vim a encontrar, aqui em Paris, como embaixadora do seu país. Outra irlandesa, Mary Robinson, era, à época, Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Visitei-a logo após a minha chegada à Suíça e, naquilo que dela dependia, deu total apoio às nossas pretensões. Articulei com o bispo Belo e com Ramos Horta o teor dos nossos discursos. E tivemos sucesso: a Indonésia sofreu uma esmagadora derrota e saiu condenada dessa votação.

Porque o mundo que fala a nossa língua é (e ainda bem!) o que é, lembro-me que grande parte da conversa entre mim e os dois representantes timorenses, no "Falcon" que nos levou depois a Lisboa, acabou por ser sobre... futebol português.

Mirandês

A Fundação Gulbenkian levou a cabo, no passado dia 3, um interessante debate em torno da língua mirandesa. O Mirandês é uma língua (de raíz ásturo-leonesa) falada em áreas dos concelhos de Miranda do Douro e de Vimioso, por alguns milhares de pessoas. Durante muitos anos, não teve forma escrita, sendo um modo de expressão nas famílias e entre cidadãos do meio rural.

O autor de um livro sobre o tema, publicado em França, "Le Portugal bilingue", Michel Cahen, acompanhado pelo professores José Meirinhos e Maria Benedita Basto, fez uma apresentação sobre as peculiaridades daquela que é a segunda língua oficial de Portugal, dos riscos que a sua sobrevivência corre e dos esforços que têm sido feitos para a promover, como um fator de orgulhosa singularidade de uma micro-região. Entre outros aspetos, foi curioso ver sublinhado pelo professor José Meirinhos o facto do Mirandês nunca ter sido objeto de "apropriação" política ou regionalista, situação muito comum em línguas minoritárias.

Não deixa de ser de destacar que algumas dezenas de pessoas se tenham mobilizado, no final de tarde, em Paris, para se deslocarem à Gulbenkian, para assistirem a este debate. Entre essas pessoas contava-se, há que dizê-lo, o embaixador de Portugal, que é tão transmontano como o próprio Mirandês.

O blogue Froles Mirandesas, colocou este post em língua mirandesa. Aprecie aqui:

La Fundaçon Gulbenkian lebou a cabo, ne l passado die 3, un antressante debate an torno de la lhéngua mirandesa. L Mirandés ye ua lhéngua (de raíç ásturo-leonesa) falada an árias de ls cunceilhos de Miranda de l Douro i de Bumioso, por alguns miles de pessonas. Durante muitos anhos, nun tubo forma scrita, sendo un modo de spresson nas famílhias i antre cidadanos de l meio rural.

L'outor dun libro subre l tema, publicado an Fráncia, "Le Pertual bilingue", Michel Cahen, acumpanhado puls porsores José Meirinhos i Maria Benedita Basto, fizo ua apersentaçon subre las peculiaridades daqueilha que ye la segunda lhéngua oufecial de Pertual, de ls riscos que la sue subrebibéncia cuorre i de ls sfuorços que ténen sido feitos pa la promober, cumo un fator d'ourgulhosa singularidade dua micro-region. Antre outros aspetos, fui curjidoso ber sublinhado pul porsor José Meirinhos l fato de l Mirandés nunca tener sido oubjeto de "apropiaçon" política ó regionalista, situaçon mui quemun an lhénguas minoritárias.

Nun deixa de ser de çtacar qu'alguas dezenas de pessonas se téngan mobelizado, ne l final de tarde, an Paris, para se zlocáren a la Gulbenkian, para assistíren a este debate. Antre essas pessonas cuntaba-se, hai que dizir-lo, l'ambaixador de Pertual, que ye tan strasmuntano cumo l própio Mirandés.

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Nuno Teotónio Pereira

Nuno Teotónio Pereira é uma figura pública discreta. A imprensa só fala dele a espaços. Arquiteto de profissão, marcou um tempo muito importante nesse domínio, deixando o seu nome ligado a obras emblemáticas.

Mas Nuno Teotónio Pereira é muito mais do que um profissional brilhante. É uma figura ética que, desde sempre, soube afirmar posições de grande rigor cívico, em especial na área do cristianismo crítico, a que a política não esteve nunca alheia. Corajoso opositor do Estado Novo, foi por ele sujeito à prisão e à tortura.

Os nossos caminhos cruzaram-se em algumas "aventuras improváveis", pelos tempos de abril. Contudo, conheço-o mal, o que não impediu que sempre por ele tivesse um grande respeito e admiração.

Pelos vistos, não estou só. Hoje, pelas 16 horas, nos seus 89 anos, será homenageado na sala de conferências da igreja que, com Nuno Portas, desenhou e que foi construída na rua Camilo Castelo Branco, em Lisboa. Na ocasião, falar-se-á das cooperativas "Pragma" e "Confronto", iniciativas que, nos anos 70, mobilizaram Nuno Teotónio Pereira, suscitando as iras e a repressão do regime ditadorial.

Guerra colonial

Faz hoje 50 anos, iniciou-se em Angola a revolta contra a administração portuguesa, tema que, no ano passado. nesta mesma data, aqui abordei. Iniciava-se a nossa primeira guerra colonial.

Um amigo chamou, há poucos dias, a minha atenção para o facto de eu utilizar, com regularidade, a expressão guerra colonial, entendendo-a, aparentemente, como algo agressiva face a certos setores nacionais. Perguntou-me por que não falava em "guerra do ultramar" ou "guerra de África".

No léxico público português, o conceito de "guerra do ultramar" está ligado à ficção de que os territórios africanos que estiveram sob administração portuguesa, até 1974, eram "províncias ultramarinas", escondendo desta forma a realidade atrás das palavras. O facto de estarem "para além do mar", conceito de natureza geográfica, não retira a dimensão colonial à realidade que se pretende qualificar. Curiosamente, parece esquecer-se que o termo "colónias" (e até o de "império colonial") foi utilizado até muito tarde, pelo Estado Novo. Só quando os ventos descolonizadores se tornaram ameaçadores no plano internacional é que apareceu oficializado o conceito de "províncias ultramarinas" - no nunca convincente mito do "Portugal do Minho a Timor". Mais tarde, e como alguns se lembrarão, Marcelo Caetano viria mesmo a crismar com o equívoco nome de "Estados" os territórios de Angola e Moçambique, a exemplo do que fora usado para o "Estado da Índia".

As "possessões" (outro termo que, significativamente, se usava no salazarismo, paralelamente ao conceito de "ultramar") africanas e asiáticas eram simples colónias e, como tal, foram sempre consideradas pela comunidade internacional - a qual, valha a verdade, nunca foi "inimiga" de Portugal mas sim da ditadura que sobrevivia no nosso país. Contrariamente aos tempos do Estado Novo, em que quem falasse de "colónias" tinha a certeza de vir a sofrer represálias, hoje é perfeitamente legítimo, na democracia que a Revolução do 25 de abril nos trouxe, referir o "ultramar" ou as "províncias ultramarinas".

É óbvio que esta questão se prende com o problema da "guerra". Para alguns, o conceito de "guerra do ultramar" é mais confortável e a ideia de guerra colonial pode ser lida como potencialmente deslegitimadora da luta dos nossos soldados, entre 1961 e 1974.

Nada de mais errado. As Forças Armadas portuguesas conduziram, nesses 13 anos, um esforço de preservação da soberania portuguesa sobre as suas colónias, conforme lhe era ordenado pelo regime então vigente. Fizeram-no com o profissionalismo e o sentido patriótico a que sempre nos habituaram, arcando com sacrifícios em termos humanos que o país deve reconhecer e prestigiar. Os militares portugueses que intervieram nas guerras que Portugal disputou nessa África - todos os combatentes, mas, em especial, os feridos e os mortos - não são de "esquerda" nem de "direita", sendo patético ver a sua dignidade, muitas vezes, refém de aproveitamentos sectários, como se vê em algumas romagens de saudade. Esse militares lutaram por Portugal, na perspetiva do país que o regime impunha, defendendo o que lhes apontavam como sendo a nossa bandeira. E, contrariamente a certas vozes que por vezes emergem, tão patriotas eram os soldados que lutavam contra os movimentos independentistas das colónias (chamados então de "terroristas") como quantos se opunham, no interior ou exilados no estrangeiro, ao regime ditatorial que vigorava no país. Desigualizá-los em patriotismo é assumir a ideologia da ditadura. Hoje isso não é proibido, mas não deixa de ser significativo.

Convém também lembrar que foram essas mesmas Forças Armadas - as quais, com o seu esforço, tinham dado ao regime muito tempo para uma resolução política da questão colonial - que derrubaram o regime ditatorial e instauraram o sistema democrático. Foi a necessidade dessa rutura, que teria sido evitável se tivesse havido uma negociação tempestiva, que conduziu a uma independência atribulada das colónias, com dramas humanos - para os portugueses e para os povos colonizados - que eram perfeitamente escusados.

Por tudo isso, porque as coisas são o que são, continuarei a usar, aqui e como noutros contextos, a expressão guerra colonial. Outros podem optar por uma "terceira via", para fugir ao dilema: falar das "guerras de África" ou das "campanhas de África". Eu continuarei a chamar as coisas pelos seus nomes.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

"L'Huma"

Há noites, à conversa num café parisiense, falou-se do "L'Humanité", o diário do "Parti Communiste Français" (PCF), um jornal que já teve melhores dias, aliás como a própria formação partidária cujas opiniões reflete. 

Sem surpresas, porque se conheciam as suas inclinações ideológicas, um amigo presente revelou que comprava, com regularidade, o "L'Huma" (como, simplificadamente, o jornal é por vezes designado). 

A sua mulher esclareceu, contudo:

- Eu não leio o "l'Huma". Não gosto de jornais que não têm horóscopos.

Um terceiro comparsa não resistiu e comentou:

- Mas olhe que, durante muitos anos, já teve. Só que se enganou em todas as previsões.

Marcos Portugal

Apesar da temperatura negativa, centenas de pessoas deslocaram-se, na noite de 1 de fevereiro, à église Saint-Roche, em Paris, para apreciar as "Matinas de Natal" de Marcos Portugal, interpretadas pelos solistas, coro e orquestra do "Ensemble Turicum".

No intervalo, o musicólogo Ruy Vieira Nery deu aos presentes uma magnífica lição sobre o autor desta peça musical, figura pouco conhecida mas que teve grande importância na Europa, na viragem do século XVIII para o século XIX. A peça que foi interpretada, criada para o Natal do (então) príncipe dom João, refugiado no Rio de Janeiro, é marcada por um tom de festivo onde se conjugam a formação europeia e a influência brasileira no seu autor.

Mais um belo espetáculo que a Fundação Gulbenkian proporcionou ao público parisiense.

Corrupção

Leio na imprensa portuguesa que impendem sobre o advogado Ricardo Sá Fernandes cinco processos relacionados com a denúncia que fez de uma tentativa de corrupção, levada a cabo por um empresário nortenho, o qual pretendia evitar que o irmão do advogado dificultasse um negócio que entendia afetar o interesse público.

É triste verificar que a justiça portuguesa, pelo emaranhado do seu formalismo, pode constituir-se numa objetiva proteção a atos delituosos, ao desincentivar denúncias que poderiam preveni-los.

Conheço mal Ricardo Sá Fernandes, com quem apenas convivi, durante alguns meses, num governo de que ambos fizemos parte. Mas quero deixar-lhe aqui a minha solidariedade cívica. 

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

No Flore

O tema da conversa, por aqui muito atual e polémico, eram as reformas e as diferentes idades em que, nos diversos países, a elas se tem acesso. 

No grupo em que a questão se discutia estava a mulher de um embaixador aposentado, que logo comentou:

- Reforma?! Isso é terrível! Passamos a ter o "dobro" do marido, com metade do salário.

Que exagero!

terça-feira, fevereiro 01, 2011

Dois anos

Começou há dois anos a "aventura" que é este blogue, iniciado no dia em que assumi funções em Paris. 

Devo dizer que, se me surpreende a minha constância na sua escrita, muito mais me admiro da "pachorra" com que me lêem. Mais de 20 mil leitores por mês "é obra".

Assim, hoje, se me permitem, e para comemorar, não vou escrever mais nada. OK?

Em tempo: permitam-me que agradeça, na pessoa da "regressada" Helena Oneto, a amiga simpatia de todos os que me leem.

Médio Oriente

Não deixa de ser curioso observar a preocupação revelada por Israel na preservação do regime egípcio, nisso se colocando mesmo em clara contradição com a mais recente atitude americana.

Telavive percebe que um eventual surto de instabilidade no Cairo, que possa fazer desaparecer ou diluir a constante diplomático-militar em que se tinha transformado o seu grande vizinho do sul, altera, por completo, a equação das forças na região.

Mas, a julgar pelo passado, nem mesmo a atual situação vai fazer perceber aos dirigentes israelitas o  risco de uma política feita de intransigência e de falta de sentido de compromisso, que apenas serve para ganhar tempo, mas cuja potencial fragilidade, a prazo, condena o Estado de Israel a viver naquilo que aparenta ser uma cegueira estratégica.

segunda-feira, janeiro 31, 2011

Transparência

O conceito de "transparência", que agora o WikiLeaks trouxe à moda, tem vindo a ser discutido, desde há décadas, no âmbito das instituições europeias. A partir de certo momento, alguns governos, saudavelmente pressionados pela opinião pública, foram induzidos a tornar mais escrutináveis as decisões que, em nome do seu país, tomavam no âmbito das reuniões comunitárias. Essa pressão vinha dos seus parlamentos e da própria opinião pública, com a comunicação social a tornar-se crescentemente inquisitiva neste âmbito. Com o tempo, as instituições abriram-se bastante a esse escrutínio, mas muitos observadores consideram que esse esforço é hoje contrariado por muitas jogadas de bastidores, onde o essencial se decide.

Na segunda metade dos anos 80, quando Portugal entrou para as instituições europeias, o tema da "transparência" era quase desconhecido. Um dia, durante um conselho de ministros comunitário, um governante de um Estado onde essa temática já fazia o seu caminho, anunciou, logo no início da sessão, que pretendia abordar o assunto com os colegas, pelo que solicitava à presidência de turno para o inscrever no ponto "outros assuntos" - que recolhe, no final da agenda oficial, temas diversos, que não serão objeto de votação.

Nesse instante, um colaborador do ministro saltou da fila traseira e disse-lhe algo ao ouvido. O governante suspendeu a intervenção e olhou, em volta, para a sala. Porventura, terá então ponderado que a sensibilidade deste novo tema, de grande interesse para toda a imprensa, poderia ser relativamente incompatível a sua abordagem num auditório onde cada uma das 12 delegações tinha, pelo menos, seis membros, a que havia que somar o pessoal da Comissão europeia e do secretariado-geral do Conselho de ministros. E logo anunciou:

- Pensando melhor: vou abordar o tema ao almoço.

Por toda a sala, ouviram-se gargalhadas. É que, no tradicional almoço, participam apenas os ministros, um comissário e dois ou três colaboradores. Afinal, tão "preocupado" estava o governante com a "transparência" que, desde logo, evitava que a sessão plenária tomasse conhecimento do que sobre ela ia dizer... 

Fundo

Sou amigo de dois dos três dos organizadores da conferência “Portugal 2011: Vir o Fundo ou Ir ao Fundo?”, que hoje teve lugar em Lisboa.

Isso não me impede de lamentar que esses amigos não entendam que o trocadilho redutor que inventaram é mais próprio de portugueses com razões para terem pena de si mesmos.

"Al-Ahram"

A propósito da deliciosa história "diplomática" que o Notas Verbais foi hoje buscar ao "Al-Ahram", lembrei-me do que há meses, diretamente do Cairo, publiquei aqui.

Lisa Santos Silva

Se acaso estiver ou passar por Paris, recomendo que não deixe de ver, no Centro Cultural Gulbenkian (51 avenue d'Iéna, a dois passos dos Champs Elysées), a exposição de Lisa Santos Siilva, uma pintora portuguesa que reside em Paris, intitulada "Are you ready Lola?".

Há por ali - a conferir - reminiscências assumidas de Velasquez, com uma "touche contemporaine déroutante", como dizia ontem o "Journal de Dimanche". Uma agradável surpresa, que vale bem a visita.

Em Paris

"Tim Tim no Tibete" muda-se para Paris. "À suivre" as suas próximas aventuras.

domingo, janeiro 30, 2011

31 de Janeiro

120 anos nos separam hoje da primeira revolta republicana em Portugal. O "31 de janeiro", para além de uma tentativa falhada de golpe militar contra a monarquia dos Bragança, foi igualmente um sobressalto cívico, traduzindo o mal-estar que atravessava o país por virtude do "ultimatum" britânico - que, sem fundamento que não fosse a ameaça da força, impedia Portugal de afirmar o direito soberano de ligar as suas colónias de Angola e Moçambique, depois de um notável esforço de exploração levado a cabo pelo nosso país, no sul do continente africano.

Entusiasmado pela recente implantação da República no Brasil, o movimento republicano português tentou, com alguma imprecisão organizativa, o derrube da monarquia. Não tendo alcançado o seu objetivo, foi sujeito a uma inédita vaga repressiva, o que viria a acentuar a sua radicalização. 

Seriam ainda precisos mais 19 anos para a República nascer em Portugal, em 5 de outubro de 1910.

Cairo

"Comovente", foi como alguém qualificou o cordão humano que  a televisão mostrava hoje de manhã a cercar o museu do Cairo, para defender essa preciosidade sem preço, onde se alberga uma memória que pertence à humanidade.

Os egípcios, orgulhosos da sua história, aprenderam as lições do Iraque, em 2003, onde a barbárie das turbas salteadoras do museu de Bagdad contou com a inculta displicência dos invasores americanos, que nada fizeram para evitar o saque e a pilhagem de peças insubstituíveis.

sábado, janeiro 29, 2011

O vison voador

O título deste post é retirado de uma peça de teatro em que entrava o Raul Solnado, que me lembro de ter visto no "Villaret"*. A história é, contudo, outra.

Era um velho mordomo, homem com muitos anos de casa, que por ela já vira passar imensos embaixadores ou, como ele dizia, que já havia "sofrido muitos embaixadores". Naquela noite, estava escandalizado. A ocasião social estava a ser demasiado "solta" para os hábitos da casa. O nível dos convidados era abaixo daquilo a que estava habituado. Talvez o facto do embaixador ser novo, sem experiência local, o tivesse induzido a franquear a entrada a "toda a espécie de gente". O acesso para o espetáculo musical, organizado na residência do embaixador, fazia-se quase sem controlo. O mordomo, bem ciente dos seus deveres, pusera, entretanto, a bom recato as pratas da casa e os bibelots mais frágeis, ou de dimensão à medida dos bolsos. 

A noite estava fria e a mescla de convidados fazia conviver, no hall de entrada, toda a espécie de casacos, desde os mais simples aos mais requintados. Não se esperava tanta gente, pelo que os cabides não chegavam e os abafos amontoavam-se sobre bancos corridos. "Uma vergonha!", pensava o nosso homem, saudoso de noites bem mais requintadas, porque, para nostalgias snobes, não há como os velhos mordomos.

Algumas horas e muitos copos depois, acabada a música e esgotadas as vitualhas, os convidados iam saindo, espaçados no tempo, com os mais resistentes a deixarem prolongar as conversas, espojados pelos sofás. O mordomo, já ultrapassado pelos acontecimentos, mantinha-se no hall, apenas atento à movimentação residual, desejoso que aquela noite terminasse, de uma vez por todas. Tal como a entrada, a saída fazia-se também sob um total descontrolo, com os visitantes a procurarem os seus casacos, revolvendo nas pilhas amontoadas. O mordomo, num  gesto de delicadeza, ajudava-os a vestirem-se, o que subliminarmente também traduzia a vontade de os ver pelas costas. 

Já passava da uma hora da manhã. A certo momento, ouviu-se uma exclamação: "O meu vison?! Onde está o meu vison?". Uma dama confrontava-se, alarmada, com a desaparição da sua dispendiosa pele. E, em recurso, voltou-se para o mordomo: "O senhor viu o meu vison?"

Impecável mas impotente, o nosso homem esclareceu, com o possível rigor, olhando o que restava da resma de casacos: "Por aqui, minha senhora, os visons já acabaram cerca da meia-noite!"

* A Dra. Helena Sacadura Cabral sustenta, num comentário, que não foi no "Villaret", mas sim no "Monumental". Esses 300 metros de distância fazem toda a diferença: entre eles ficavam o "Porão da Nau", o "Convés", a "Mourisca", o "Montecarlo" e o restaurante-bar "Monumental", por onde passava metade de alguma vida lisboeta de então.

O ocidente e a "rua árabe"

É difícil e arriscado procurar reduzir a modelos simplificados de explicação realidades que são muito complexas. O vento de instabilidade que afeta vários Estados árabes, para além das sementes de mútuo contágio, traduz realidades e relações de força muito diferentes. Mas não deixa de ter pontos comuns.

Com graduações e formatos institucionais diversos, todos esses regimes em crise são marcados por fortes sistemas de autoridade, às vezes sob a forma de uma figura predominante, noutros casos com uma preeminência das forças armadas, noutros ainda com uma combinação de ambos os fatores. Ora a História ensinou-nos - ensinou-nos? - que todos os formatos institucionais que não sejam regularmente legitimados de forma democrática têm, a prazo, uma necessária fragilidade. Essa fragilidade agrava-se se o sistema não conseguir proporcionar um desenvolvimento económico, com eficaz distribuição da riqueza e, como se viu claramente no caso tunisino, se não for capaz de corresponder aos anseios de uma classe média emergente, aculturada aos padrões ocidentais. De forma clara, o fim das barreiras de informação tem também um crescente e importante papel, até porque é na juventude que a ela tem acesso, muitas vezes sem emprego e sem perspetivas, que assenta muita da potencial "mão-de-obra" manifestante.

No caso do mundo árabe, estes fenómenos cruzam-se ainda com a presença do fator religioso, que tem uma relevância diferenciada em cada caso nacional mas que, onde e quando emerge com força, por via de proselitismo de influência ou mesmo por via democrática, coloca desafios de outra natureza. É que o Islão tem uma mundividência diferente de todas as outras grandes religiões, influenciando todas as áreas da vida quotidiana, a que a política não escapa. E, nas suas versões mais radicais, é incompatível com os modelos democráticos tradicionais.

Se a vida internacional não fosse uma coisa muito séria, quase poderíamos dizer que se torna hoje irónico ver o mundo ocidental a fazer figura de "barata tonta" face ao terramoto que abala o mundo islâmico: tanto se sente tentado a prolongar (sem o assumir abertamente) uma "realpolitik" que acaba por ser cúmplice de certas situações que (apenas retrospetivamente) acha intoleráveis, como aparece excitado (mas, lá no fundo, receoso com o que dai pode resultar, poque não dispõe de influência para condicionar o rumo das coisas) perante o aflorar desorganizado da vontade popular em certos Estados. 

Por uma vez, sejamos francos: o mundo desenvolvido euro-americano está - no mundo árabe, na África negra ou em certas zonas asiáticas - simplesmente a colher, não aquilo que plantou, mas o que deixou crescer, porque lhe dava jeito. E, claramente, não sabe hoje o que fazer.

"Maxime"

O "Maxime", ali na praça da Alegria, é um ícone da noite lisboeta. De cabaret de luxo nos anos 40, foi passando, entretanto, por fases mais ou menos faustosas. Na sua juventude, parte da minha geração também andou por lá, brevemente, na viragem das décadas 60/70, embora o "Bolero" (depois o "Jamaica"), no Martim Moniz, fosse então o destino de eleição. Senti que o "Maxime" ia perdendo o brilho de outros tempos. Constante, apenas se mantinha o seu típico barbeiro, à entrada.

Há uns anos, a Lena e o Bo Backstrom, dois bons amigos de há décadas, decidiram "pegar" no "Maxime" e transformá-lo num espaço de bar e espetáculos, com um toque de modernidade, aberto a públicos mais jovens, recrutando artistas que iam de revelações a consagrados, alguns esquecidos pelo tempo, com certo "kitsch retro" pelo meio (recordo-me de, no Brasil, e a seu pedido, ter andado em busca de Nelson Ned). Por alguns anos, as coisas terão corrido relativamente bem, embora com muito esforço.

As crises, porém, também são cruéis para as noites. A aventura desta fase do "Maxime" acaba precisamente hoje, com um último espetáculo e uma última festa, que se anuncia "de arromba". 

Para a Lena e para o Bo, que investiram muito de si neste projeto, aqui deixo um forte abraço de solidariedade e de ânimo. Eu sei que, para eles, deixou já de existir a praça da Alegria.

Reflexão poética

No passado sábado, estive a pontos de cometer aquilo que seria uma imperdoável imprudência blogosférica. Aproveitando o dia de reflexão, e por sugestão de uma minha sobrinha, preparei um post que, no derradeiro minuto, percebi que poderia dar azo a más interpretações.

Era o seguinte o seu texto:

"Dizem-me que a "Poesia Incompleta", a única livraria existente em Portugal dedicada exclusivamente à poesia, está a passar por dificuldades para sobreviver.

Para os leitores (e eleitores) lisboetas que hoje entraram em reflexão - e esta eleição presidencial é, sem a menor sombra de dúvida, aquela que mais reflexão justifica, a montante do voto, em mais de 35 anos de democracia - dou um conselho: porque não dão hoje uma oportunidade à poesia e se deslocam à rua Cecílio de Sousa, n° 11, ali perto do Principe Real? Ler poesia, nestes tempos que não rimam com nada (Alcipe diria que todos os dias), é um ato de inteligência, uma justificada bofetada na indiferença." 

Julgo que não vale a pena explicar a "gaffe" que teria sido, na véspera daquela eleição, colocar um post com este conteúdo. Agora, já posso fazê-lo.

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Provérbio árabe

"O que não disseste pertence-te. O que disseste pertence aos teus inimigos".

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Alistair Darling

Com um pequeno e heterogéneo grupo, almocei com Alistair Darling, que foi ministro das Finanças de Gordon Brown. Havia-o conhecido pessoalmente em Londres, ainda no "shadow cabinet", em 1996. 

Com a saída do governo, onde esteve consecutivamente entre 1997 e 2010, Darling ganhou uma liberdade de análise que se torna especialmente interessante para interlocutores internacionais.

Nesta conversa, o ex-ministro deu uma visão muito crítica do processo decisório europeu, em especial da sua capacidade de reação perante as crises. Do mesmo modo, foi bastante cético quanto à vontade prevalecente no seio do G20 para levar à prática muito daquilo que, no anterior momento de "pânico", havia aparecido como base consensual operativa. O facto de a administração Obama estar agora "de mãos atadas" pelos legisladores americanos e de não ser clara, algumas vezes, a linha seguida por Pequim, são fatores que tornam as decisões possíveis no seio do G20, num futuro imediato, muito imprevisíveis. E chamou a atenção para o facto de a City londrina, apreciando e até agradecendo uma regulamentação à escala global que possa prevenir crises, não estar disposta a aceitar "coletes de forças" regulatórios que possam pôr em causa a sua eficácia. E, em especial, a sua preeminência no mercado financeiro internacional, depreende-se. Acho que os amigos franceses que estavam na mesa terão tomado as suas notas.

"Cunhas"

As "fashion weeks" parisienses são uma ocasião tradicional para as representações diplomáticas serem bombardeadas com pedidos para obtenção de lugares nas filas prestigiadas, reservadas aos "voyeurs" nacionais (neste caso, mais às "voyeuses") da moda, desejos de emparelhar nas fotos da imprensa "rosa" com as vedetas de serviço.

Vários colegas meus me têm referido o tormento por que passam, todos os anos, para conseguir acomodar as sazonais solicitações do seu "social set".

No que nos toca, para além da óbvia ajuda a profissionais lusos do "métier" providenciada pela AICEP, esses pedidos não são aceites. Os tempos gloriosos da "cunha" diplomática já lá vão, há muito...

A banda dos seis narizes*

O diário "Libération" ("Libé", para os franceses) habituou-nos, de há muito, a imaginativas surpresas no seu "layout".

Hoje, para celebrar o festival de banda desenhada de Angoulême, todas as imagens do jornal assumem a forma de desenhos, como esta que representa as manifestações no Cairo.

*O título deste post recupera o nome de uma livraria que existe em Bruxelas - "La bande des Six Nez" -, especializada, como não podia deixar de ser, em "bande déssinée"

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Manuela de Melo

Acabo de ler que a deputada Manuela de Melo deixou a vida política. Por uma qualquer coincidência, bem rara, creio que nunca a encontrei, ao tempo, já longínquo, em que andei por essa mesma vida. Mas isso não me impede de me recordar muito bem dela, para além da imagem que os portugueses conservam como uma das caras nortenhas da RTP.

Manuela de Melo era a nossa grande vedeta no Teatro Universitário do Porto (TUP), nos anos 66/68. Com Jorge Ferreira, Manuela constituía o par romântico da peça "Ana Kleiber", de Alfonso Sastre, que, sob direção de Correia Alves, o TUP levou à cena nesse tempo. Eu tinha um curto papel, a abrir e a fechar o espetáculo, no qual fazia de jornalista que entrevistava o autor, este representado por Francisco Vasconcelos, que hoje o mundo literário conhece como Francisco Vale, diretor da "Relógio de Água". Durante o resto do espetáculo, ajudava na sonoplastia, tendo-me cabido descobrir, nos arquivos do Rádio Clube Português, do Porto, onde então colaborava, a música que servia de fundo a toda a peça, a magnífica "Lili Marleen", na voz de Marlène Dietrich. A nossa "Ana Kleiber" andou pelo país e recordo-me, em especial, da nossa presença na abertura do festival do CITAC, em Coimbra. Com a representação da Manuela a garantir-nos um imenso sucesso.

Esses sim, belos tempos!

BBC em português

Acaba de saber-se que o "BBC World Service" vai deixar de transmitir os seus programas em português para África, no âmbito de uma profunda reforma motivada por cortes orçamentais. Creio que muitas pessoas desconhecem que o "BBC World Service" era suportado por verbas do "Foreign Office", o MNE britânico, que agora decidiu deixar de financiá-lo. Não é claro, por ora, se isso não afetará, em absoluto, o uso da língua portuguesa nos serviços da BBC.

O "serviço português" da BBC tem uma história importante, desde a sua criação, em 1939. Lembro-me de o meu pai contar como, durante a 2ª Guerra mundial, a voz, em "ondas curtas", de Fernando Pessa trazia aos democratas portugueses as notícias dos Aliados, quebrando o bloqueio informativo imposto pela censura salazarista. Mais tarde, no estertor da ditadura, recordo-me de, eu próprio, ouvir com regularidade a BBC, em português, com novidades da nossa política doméstica que o marcelismo procurava ocultar. Para além de Pessa, outros nomes que viriam a ser bem conhecidos na rádio portuguesa passaram pelo prestigiante "serviço português" da BBC. Lembro-me - e cito de cor - de Francisco Mata, Joaquim Letria, António Cartaxo, Hernâni Santos, Gilberto Ferraz, António Borga, Luís Amorim de Sousa, José Júdice, Fernando de Sousa, João Paulo Dinis e José Rodrigues dos Santos.

Interessa registar, como nota histórica, o papel desempenhado pelo "serviço português" da BBC como via de informação dos guerrilheiros de Timor-Leste, lembrado no seu blogue por essa figura incontornável nos "media" portugueses em Londres, que é o meu amigo Gilberto Ferraz.

Confesso que sinto com alguma tristeza este fim do "serviço português", deixando aqui um abraço ao Manuel Santana, que o dirigiu por bons anos. Tenho esperança que este exemplo negativo não venha a frutificar em terras francesas, onde o serviço em língua portuguesa da Radio France Internationale também já sofreu lamentáveis cortes e limitações.

Em tempo: o "Jornal de Notícias" faz referência a este assunto com esta "pérola": "Mas para Teresa Lima, responsável pela secção portuguesa na BBC, onde está há 12 anos, a notícia não é totalmente inesperada. "O serviço já teve para ser cortado várias vezes", explicou, em declarações à agência Lusa.". Já "teve"? Será "sotaque" de Lisboa? Ou mau ouvido? E ninguém "edita" isto no jornal?

Comércio internacional

Leio hoje esta notícia, no sempre atento Portugal Digital:

"Técnicos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (do Brasil) examinam alternativas, como a imposição de barreiras tarifárias para conter importações consideradas prejudiciais para alguns setores da produção nacional
(...)O objetivo é recuperar a balança comercial positiva em relação a maior parte dos parceiros econômicos do Brasil.
(...)A lista de produtos sujeitos a essas restrições ainda não foi concluída, mas a ideia é priorizar as mercadorias que têm similares produzidos no Brasil ou que têm condições de serem fabricados no país".

Este é um sinal bem claro de que o protecionismo, essa pandemia cíclica da economia internacional, está de regresso. Veremos, no caso específico do Brasil, em que medida isso terá implicações no quadro da retoma de negociações do acordo económico entre o Mercosul e a União Europeia (UE).

Há dias, em conversa com uma figura que, há pouco, deixou um lugar no governo francês na área económica externa, perguntei que esperanças podiam ainda colocar-se na conclusão do "ciclo de Doha", da Organização Mundial de Comércio (OMC), tido como o "ciclo do desenvolvimento" e, por muitos anos, apresentado como um fator potenciador do crescimento das economias à escala global. A minha interlocutora olhou para mim com surpresa, comentando que, nos dias que correm, apenas era legítimo falar do "antigo ciclo de Doha"...

A minha pergunta não era inocente, bem pelo contrário. O meu objetivo era abrir espaço para a questão seguinte: se, perante a constatação desse impasse, haveria ou não que repensar o curso de "phasing-out" da Política Agrícola Comum (PAC), que havia sido desenhado em Novembro de 2002, ainda a montante da definição das últimas "perspetivas financeiras" (quadro financeiro plurianual, 2007-2013), cujo termo deveria coincidir com a entrada em vigor do (então julgado possível) acordo dentro da OMC. 

O sorriso da minha interlocutora revelou que isso era "música" para os seus ouvidos. "Claro que a PAC é para continuar e, se possível, reforçar. É uma política estruturante da UE e, cada vez mais, temos de ter em atenção a segurança alimentar da Europa", disse-me.

Tomei a devida nota, com a autoridade de representante de um país que é "contribuinte líquido" da PAC, isto é, de um Estado que paga mais para essa política do que dela recebe... 

terça-feira, janeiro 25, 2011

Côte d'Ivoire

No meu tempo (pelo menos), o francês e inglês eram as duas línguas de trabalho utilizadas na Convenção de Lomé (hoje chamada de Cotonou), o acordo político, económico e social entre os membros das (então) Comunidades Europeias e as mais de seis dezenas (à época) de países da África, Caraíbas e Pacífico - os chamados países ACP -, a maioria dos quais antigas colónias europeias.

Durante uma reunião da Convenção de Lomé, nos anos 80, em Bruxelas, assisti a uma cena curiosa.

O embaixador britânico estava no meio de uma intervenção quando, subitamente, foi interrompido por um delegado africano, que se levantou e pediu a palavra. Os co-presidentes, do lado europeu e do lado ACP, ficaram, por segundos, sem saber o que fazer. Neste tipo de reuniões, as intervenções oriundas de cada grupo não assumem um caráter nacional, correspondendo a uma espécie de representação temática, distribuída pelos representantes de certos  Estados (na altura, do lado europeu, creio que falavam apenas os membros da chamada troika - o Estado que detinha a presidência, o que o havia antecedido na função e o que lhe sucederia no semestre seguinte). 

O delegado africano - que logo anunciou, alto-e-bom-som, que era o embaixador da "Côte d'Ivoire"- , aproveitando a hesitação, acabou por levar a sua avante e lá tomou a palavra, em francês:

- Quero lavrar o meu protesto solene quanto à forma como o senhor embaixador se refere ao meu país. Deve saber que ele não se chama "Ivory Coast", chama-se "Côte d'Ivoire". Esse é o nome oficial, que deve ser respeitado por todos. Os nomes dos Estados não se traduzem.

Protesto registado, o homem sentou-se, com a "honra" visivelmente vingada. O colega europeu que representava o executivo de sua majestade engoliu em seco e deve ter optado por passar a referir-se ao "governo de Abidjan" (felizmente, na altura, só havia um...). E a reunião lá prosseguiu. 

Não vem para o caso saber se o embaixador africano tinha ou não razão, no seu ponto formal. O futuro, pelo menos, não lha daria, porque o nome do seu país, em inglês, circula por aí. Mas o incidente, pelo seu ineditismo, ficou-me na memória. Agora que a "Côte d'Ivoire" anda, por muito más razões, na boca do mundo, talvez valha a pena lembrar que, entre nós, ela nunca deixou de chamar-se Costa do Marfim...

Cultura portuguesa em França

Assim começa um "take" da Lusa, hoje:

"Em 2012, Joana Vasconcelos será a primeira artista plástica europeia convidada para instalar o seu trabalho no Palácio de Versalhes. Neste início de 2011, António Lobo Antunes é alvo de uma homenagem inédita em França, com 50 espectáculos dedicados à sua obra até Junho. Gonçalo M. Tavares recebeu, em Novembro passado, o Prémio do Melhor Romance Estrangeiro pela tradução francesa de Aprender a Rezar na Era da Técnica. A Mãe, de Rodrigo Leão, foi escolhido para a lista de álbuns do ano pela revista Les Inrockuptibles. Mistérios de Lisboa, de Raoul Ruiz, adaptando Camilo Castelo Branco, foi um dos filmes mais aplaudidos de 2010.

O que se passa de novo em França com a cultura portuguesa?
"

No momento em que Fátima Ramos, conselheira cultural em França, acaba o seu trabalho de alguns anos na Embaixada, e sem prejuízo da capacidade de afirmação autónoma de alguns criadores, é de justiça notar que uma parte da resposta também passa por ela.

"Ortographia"

Pois é, desculpem lá, mas acaba de sair no "Diário da República", de hoje, a Resolução do Conselho de Ministros que determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012 e, a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo, bem como à publicação do Diário da República.

Alguns não gostarão. Foi o que provavelmente sucedeu aos nossos antepassados, quando deixaram de escrever "pharmácia" e "assumpto". Como me disse um dia Evanildo Bechara, o negociador brasileiro deste Acordo, os entendimentos ortográficos (e já não "ortográphicos"), verdadeiramente, são feitos para as gerações seguintes.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...