segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Sudão

Valerá a pena afivelar, como hoje o faz parte da comunidade internacional, um sorriso de satisfação pela secessão da parte sul do Sudão, depois de um referendo? Os diplomatas são profissionais do otimismo, mas, devo confessar que tenho alguma relutância em assumi-lo como sentimento num processo em que apenas está resolvida uma parte formal das muitas e decisivas questões que, a partir de agora, se vão colocar aos dois novos Estados. A guerra civil foi terrível, com dois milhões de mortos ao longo de quase 20 anos, pelo que alguns entendem que, pelo menos, o futuro sempre será melhor. Pode ser que seja.

Os EUA, inspiradores deste processo, e as Nações Unidas, que o credibilizaram, não podem agora "lavar as mãos", com facilidade, quando estamos apenas no intervalo de um jogo em que falta disputar a segunda parte: das questões de delimitação fronteiriça aos mecanismos para a distribuição dos réditos do petróleo (e alguém duvida que o nome deste novo país, qualquer que ele venha a ser, será sempre sinónimo de "petróleo"?), das regras de atribuição de cidadania às transferência das populações que está por realizar e, "last but not least", a delicada questão hidrográfica e dos acessos por via terrestre. Para além do muito que ninguém fala: desmobilização militar, desarmamento, desminagem, implantação de estruturas de Estado, etc.

Nestes tempos de celebração, poucos referem também uma questão que talvez se repute já um preciosismo histórico: a circunstância desta independência representar uma quebra à sábia "regra de ouro" da Carta da antiga Organização da Unidade Africana, que previa o respeito pelas fronteiras do colonialismo, como travão à "balcanização" étnica ou religiosa do continente. Esperemos apenas que mais este precedente (infelizmente, não único) não venha a ser usado, futuramente, em outros cenários de conflito, por partes de Estados que legitimamente podem sentir-se tentados a reclamar idêntico tratamento. Pode ser que tenham a sorte de não ter petróleo...

7 comentários:

Anónimo disse...

É tão tão sério este post que tenho até medo de o conspurcar, de qualquer forma a comovedora autenticidade do Sr a segurar na bandeira com amor leva-me a crer que o horizonte só pode Ser paixão... seja Ela qual for...
Isabel Seixas

Bom dia a todos...

Anónimo disse...

não será balcanização étnica?
Um abraço,
António Antunes

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, com esta sua conclusão "...Pode ser que tenham a sorte de não ter petróleo...", veio-me à memoria a letra de uma canção francesa, "... on n'a pas de pétrole, mais on a des idées ..."
Brilhante este seu post.
Eduardo Antunes

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro António Antunes: balcanização "ética" até seria um novo conceito interessante, mas não era o que queria dizer. Obrigado pela observação.

Helena Oneto disse...

Africa tem sido nestes ultimos meses palco de acontecimentos -até agora- inimaginaveis que deixaram o mundo ocidental perplexo!
Esta excelente analise sobre a complexidade dos problemas que uma "simples" secessão pode despoletar vem bem a proposito. Muito se aprende aqui!

Helena Sacadura Cabral disse...

Excelente post, Senhor Embaixador, ao qual, como diz com razão Isabel Seixas, nada mais há acrescentar. Oxalá todos tivessem a sua ponderada visão, em particular na terra do Tio Sam!

Anónimo disse...

Palavras para quê? O gesto patriótico deste homem e o teor do post falam por si.

Isabel BP

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...