sábado, fevereiro 12, 2011

"Les gardiens des murs"

 
Argel, a cidade branca, é uma das mais interessantes paisagens urbanas do Mediterrâneo. Ontem foi cenário de fortes tensões, ecoando o Cairo e Tunis.

A cidade tem uma história trágica de violência, desde a heróica luta pela independência até aos "anos de chumbo" dos atentados islamistas, que muito ajudam a explicar, embora não a justificar, os equilíbrios do seu atual regime.

A Argélia é também um país que diz bastante a muitos portugueses, que  aí foram acolhidos em tempos de exílio. Exílios que começaram com um dos últimos presidentes da I República, Teixeira Gomes, que se recolheu, até à sua morte, em Bougie (hoje Béjaia). Mais tarde, nos anos 60 e 70, Argel viria a funcionar como um dos principais centros da oposição ao Estado Novo, que por lá se cruzava com os independentistas das colónias portuguesas, para quem o novo país era um apoio seguro. O endereço da rue Auber, nº 13, onde funcionava a "Rádio Voz da Liberdade", que, pela noite, nos trazia épicas mensagens dos revolucionários portugueses, faz parte da memória de muitas pessoas da minha geração.

Estive em Argel algumas vezes, infelizmente quase sempre em grupos com forte segurança, pouco podendo usufruir daquele magnífico panorama que borda o porto e sobe pela encosta, com uma bela arquitetura colonial que, aos poucos, se perde no dédalo do casbah. Um dia, ao conseguir passear um pouco por uma rua comercial, com várias lojas a exibirem posters de Madjer, dei por mim a perguntar  à pessoa que me acompanhava, numa distração pateta, apenas para fazer conversa, o que fazia tanta gente sentada ou encostada aos prédios. A resposta dada pelo funcionário teve a graça cruel de quem assim qualificava os seus compatriotas sem emprego: "sont les gardiens des murs..."

Ontem, os "gardiens des murs" terão dado um passo em frente.

6 comentários:

Anónimo disse...

Veremos se os muros caiem

Helena Oneto disse...

Que linda fotografia!
Não são 20.000 policias que impedirão os argelinos de continuar a marcha pela democracia.

Anónimo disse...

Fez-me sentir que estava Lá...
... E... Lá
Fascinante, o sr. para mim claro, atingiu uma espécie de clímax literário só acessível aos grandes Aqueles que escrevem as emoções em parcas palavras...

Isabel seixas

patricio branco disse...

a fotografia presente ilustra de maneira mais luminosa e convincente que A merece o nome de "cidade branca".(existe um filme que extranhamente chama a lisboa a cidade branca!)
A arquitectura das cidades coloniais desperta sempre curiosidade, ver a influencia, o que ficou. Construidas segundo o modelo da capital da potencia colonial, hoje, grande parte dessas cidades estão completamente desfiguradas, muito decadentes, com o património arquitectonico degradado ou quase totalmente destruido.Ficam alguns edificios emblemáticos, como a catedral ou o palácio do governador ou vice rei, ou a praça principal.
1 exemplo: havana, onde seria necessário investir milhões para restabelecer um pouco da antiga grandeza.
Não conheço quase nenhuma cidade ex colonial, e das importantes nenhuma, a não ser por fotografias.
No brasil, há algumas cidades pequenas extremamente bem conservadas, que comovem ao ser vistas.
Em port of spain vi um enorme edificio vitoriano, côr de rosa,o parlamento, bem como uma grande igreja neo gótica (anglicana) e uma avenida ladeada de mansões inglesas (uma das quais a residencia do bispo) que poderia ser com boa vontade em edinburgo.
Em freetown vi igreja anglicana, de pedra, que poderia estar numa vilazita de inglaterra e duas terrace houses.
Por vezes ficam os nomes das cidades ou ruas e cordovas ou barcelona há várias, oxford streets há noutros pontos do mundo, assim como piccadilly. Em angola (nova) lisboa (não sei se mudou o nome)e no brasil um santarem, se não me engano.

Nas antigas colónias portuguesas praticamente não estive, a não ser em goa e santiago e lembro nesta uma praça tipicamente portuguesa, quadrada,com um coreto no meio.

Mas o tema da entrada são os vigilantes das paredes em argel que agora se começaram a levantar com esperanças de uma nova vida e de irem para outras ocupações mais produtivas.

Anónimo disse...

Excelente: a expressividade do nome "encontrado", e bem reproduzido, para os "chômeurs" da Argélia.
Belo retrato da capital argelina, a ultrapassar os sedutores spots turísticos sobre esse lugar.
Parabéns!

Cunha Ribeiro disse...

Se estiver anónimo,como prevejo, o comentário anterior pertence-me.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...