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sábado, maio 29, 2010

Dennis Hopper (1936-2010)

A maioria lembra o "Easy Ryder", filme que também dirigiu. Eu recordo, em especial, "O Amigo Americano" e o "Blue Velvet". Mas alguém que, em cerca de 150 filmes, esteve no "Johnny Guitar" (não me recordo de o ter visto por lá, mas as biografias assim o dizem), no "Rebeldes sem causa", no "Gigante" e no "Apocalypse Now" ficará, para sempre, na história do grande cinema.

sexta-feira, maio 14, 2010

Saldanha Sanches (1944-2010)

José Luis Saldanha Sanches faleceu hoje, em Lisboa. As novas gerações portuguesas conheceram-no, através de regulares intervenções televisivas, como um fiscalista "sem papas na língua", cheio de e de coragem opinativa, que muito ajudou a decifrar, sem tabus, algumas questões económicas do nosso quotidiano.

Porém, e para quem não saiba, a biografia de Saldanha Sanches foi muito mais do que isso. Antes de 25 de Abril de 1974, foi ferido a tiro pela polícia e, com 21 anos, foi preso político. Passou seis anos na prisão de Peniche. Após a Revolução, foi a primeira figura pública a dar a cara pelo MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado), tendo então voltado a ser preso, por um curto período, como diretor do jornal "Luta Popular". Abandonou a política partidária em 1975, mas manteve, com a sua mulher. Maria José Morgado, uma jurista "militante" anti-corrupção, uma constante intervenção cívica. 

Deixo aqui a ligação para uma interessante entrevista onde ambos falam da sua vida. Sobre a sua atividade profissional leia aqui.

domingo, maio 09, 2010

Joaquim Vital (1948-2010)

Tínhamos a mesma idade, o que descobrimos num agradável e longo almoço a dois, há algumas semanas, aqui em Paris. Escritor, editor, tradutor, personalidade multifacetada de intelectual livre, Joaquim Vital era uma das grandes figuras da cultura portuguesa em França. Faleceu ontem, subitamente, em Lisboa.

Ouvira falar dele, há muito, através de amigos comuns. Ainda antes da minha vinda para França, a Manuela e o Nuno Júdice recomendaram que o procurasse. Só acabámos por conversar, com calma, muito mais tarde, já depois de eu ter lido o seu curioso "Adieu à quelques personnages", como aqui referi em Agosto do ano passado. Há semanas, enviou-me uma cuidada edição da "Ode Marítima" de Fernando Pessoa, sobre quem o tinha ouvido falar na Casa de Portugal, na Cité Universitaire de Paris.

Exilado desde os 18 anos, Joaquim Vital viveu em Paris desde 1973. Aqui fundou as "Editions la Différence", onde publicou traduções de muitos escritores portugueses, algumas das quais da sua própria autoria. Dos editores, escrevia: "Pode dizer-se, parafraseando Fernando Pessoa, que há três espécies de editores: os que publicam os livros de que gostam, os que gostam dos livros que publicam, os que não gostam de livros - e que não são editores. É a esta terceira categoria que pertencem os industriais e financeiros que decidiram, por razões de estratégia empresarial, atacar o mercado do papel impresso".

Joaquim Vital era uma figura que honrava a cultura portuguesa, que muito fez por ela e pelo prestígio do nosso país em França. Oportunamente, a Embaixada de Portugal em Paris irá homenagear a memória de Joaquim Vital.

Em tempo: sobre Joaquim Vital, leia mais aqui, aqui, aqui e aqui.

segunda-feira, maio 03, 2010

Pina Martins (1920-2010)

Como aqui se tem referido, o Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, é, desde 1965, uma das "caras" mais importantes de Portugal na capital francesa. Pela sua direção têm passado figuras ilustres da nossa cultura.

Dei-me agora conta que, há dias, desapareceu o professor José Pina Martins, que durante mais de uma década (1972-1983) dirigiu aquele centro. Pina Martins, que também presidiu à Academia das Ciências de Lisboa e foi professor catedrático da Universidade de Lisboa, era um reputado especialista no período do Renascimento, com uma vasta obra publicada, em Portugal e no estrangeiro.

Há pouco mais de um ano, descobri, quase por acaso, o seu curioso "Histórias de Livros para a História do Livro", uma peregrinação erudita por livros (e não apenas por textos) que o marcaram e sinalizaram a sua vida intelectual.

domingo, março 07, 2010

Costa Martins (1938-2010)

Morreu José Costa Martins, um dos grandes heróis da madrugada de 25 de Abril. Com um fantástico "bluff", tomou sozinho e neutralizou o funcionamento do aeroporto da Portela, convencendo tudo e todos que tinha imensas tropas sob o seu comando. As quais só chegariam bem mais tarde.

Era um figura seca e determinada. Conheci-o mal. Recordo-me apenas de ter estado em algumas reuniões com ele, no Palácio da Cova da Moura, em Agosto/Setembro de 1974, quando eu era assessor da Junta de Salvação Nacional e ele confrontava, com coragem, o general Galvão de Melo, com o (hoje general) José Manuel Costa Neves, chefe de gabinete deste último, a procurar construir entre ambos cada vez mais impossíveis pontes. 

Viria a ser ministro do Trabalho, cargo em que foi alvo de um miserável processo de calúnias, que a justiça viria a desmontar, mas de que, na opinião pública, nunca se libertaria, situação que ele sofria com estoicismo.

Na sequência dos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, episódio durante o qual teria um comportamento no mínimo muito controverso, fugiu para Angola, onde acabou por envolver-se nos conflitos de 27 de Maio de 1977. Escapou então, por muito pouco, a ser fuzilado.

Morreu ontem num acidente com um monomotor, ele que tinha sido um orgulhoso oficial da nossa Força Aérea.

Orfeão

Acabo de saber, pelas notícias, que faleceu o maestro Gunther Arglebe. 

A memória dizia-me algo sobre o nome. Tinha razão: a ele se deve, numa infausta tarde de 1967, o "chumbo" que eu e o Albano Tamegão tivemos, naquela que seria a nossa comum e promissora entrada para o Orfeão Universitário do Porto. No meu caso, recordo, com o muito audível argumento de que não tinha "uma voz que interessasse" ao Orfeão. 

O maestro tinha, claro, toda a razão do mundo. A verdade, porém, é que, a partir daí, se perderam duas inestimáveis vocações...

Aqui fica, para compensação e por boa sugestão, o "Desafinado" por  João Gilberto ou, a pedido de outras famílias, por  António Carlos Jobim.

sexta-feira, março 05, 2010

Michael Foot (1913-2010)

O Tim Tim no Tibete, atento como sempre a certas memórias, trouxe-me, há pouco, a notícia da desaparição de Michael Foot. Não se deve dizer isto, mas eu pensava que ele já havia morrido.

Não sei a quantos este post possa interessar, dado que Foot, nos dias de hoje, não será muito conhecido. Porém, ele foi uma figura interessantíssima da vida política britânica, que chegou à liderança do Partido Trabalhista, num registo ideológico tão radical que acabou por ajudar a manter o seu partido longe do poder.

Em 1983, o seu programa eleitoral, com 700 páginas, foi crismado por Gerald Kaufmann como "the longest suicide note in history"... Incluía: saída das Comunidades Europeias, desarmamento militar unilateral, nacionalizações várias, subida drástica de impostos, extinção da Câmara dos Lordes, etc. Ficou "à porta" da abolição da monarquia! 

Quase tão ácido como Kaufmann, o conservador Chris Patten chamava a Foot "a kind of walking obituary for the Labour party", o que levou Kempsell à caricatura que abre este post.

Michael Foot teve uma longa e brilhante carreira como jornalista, durante a qual sempre manifestou, de forma enfática, as suas ideias, abertamente tributárias do marxismo, bem patentes nos seus múltiplos e muito bem escritos livros (a sua biografia de Aneurin Bevan é magnífica e dizem-me que a de H.G. Wells também, numa perspectiva política). Como parlamentar, foi um orador notável, tendo estado presente de forma muito ativa em momentos importantes da história do trabalhismo britânico. Foi ministro de Harold Wilson e sucedeu a James Callaghan como líder, durante a chefia conservadora de Margareth Thatcher. A sua vitória arruinou as muito mais fortes hipóteses de Denis Healey chegar a primeiro-ministro, contribuindo assim para o irónico título que este iria ganhar entre os socialistas britânicos: "the best prime minister we never had"... Deixou o partido a Niel Kinnock, o qual começou a abrir caminho à "modernização" que levaria o "Labour" ao poder, com Tony Blair.

Numa nota (concedo) digna da imprensa cor-de-rosa, gostava de dizer que a morte de Foot não ajuda a resolver o eterno "mistério" que atravessa os exegetas da vida íntima da esquerda do trabalhismo britânico: o seu suposto romance de juventude, durante umas famosas férias em França, com a também antiga ministra Barbara Castle, já há anos desaparecida. Quem, como eu, leu há muito as referências feitas por Foot ao facto e as memórias de Castle ficou sem confirmação absoluta desse "affaire", cuja hipotética existência, por si só, pode ajudar a explicar tanto algumas "políticas de aliança" como certos dissídios no seio do "alto" Labour.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Manuel Serra (1932-2010)


Hoje sabemos melhor o que foi o chamado “28 de Setembro” de 1974 - um equívoco momento de confronto entre setores ultra-conservadores, apoiantes de um movimento para dar plenos poderes ao general Spínola, e forças políticas da esquerda, que habilmente aproveitaram o ensejo para afastar o polémico presidente da República que, no 25 de Abril, haviam sido forçadas a aceitar e que se tornava progressivamente mais incómodo. É que, à época, assistia-se a um crescente ambiente anti-25 de Abril, alimentado pelo próprio Spínola, que estava a colocar a esquerda e o Movimento das Forças Armadas à beira de um ataque de nervos.

Nessa noite, eu tinha sido destacado para uma determinada tarefa, juntamente com o António Reis - o líder dos milicianos da Escola Prática de Administração Militar, de onde eu era originário, embora, à época, eu fosse adjunto da Junta de Salvação Nacional, instituição a que os acontecimentos desse dia em breve iriam pôr termo. (Por coincidência, ontem recebi um e-mail do António a informar-me que vem a Paris dentro de dias). Íamos sob o comando de um jovem alferes “do quadro”, o Manuel Geraldes,  uma generosa figura do MFA, que não vejo nem contacto há  mais de 30 anos (e de quem, hoje mesmo, por uma outra coincidência impressionante, recebi um abraço através de um amigo comum). Levávamos connosco uma “praça”, um soldado, o Moura. O Moura tinha na sua mão uma intimidante metralhadora G3. Estávamos a entrar para o meu carro pessoal,  um Fiat 128, algures nas “Avenidas Novas”, a altas horas da noite. Por razões que demorariam a explicar, a tensão do momento então muito grande. Aquela noite do 28 de Setembro acabou por ser muito complexa e longa.

De súbito, uma surpresa: começa a vislumbrar-se, à distância, vinda do alto da rua, uma figura de estatura baixa, estranhamente com as mãos no ar, como se estivesse a render-se. Naquele enquadramento noturno, sem vivalma em roda, a cena era patética e infundia uma súbita insegurança. O soldado Moura começou a demonstrar uma perturbação agitada, com jeitos de querer afirmar a capacidade operacional de que a sua condição de barman da messe da EPAM era “sólida” garantia: num instante, põe a patilha da G-3 na posição de disparo, leva a arma ao ombro e, num derradeiro e precioso segundo, é travado pelo Geraldes com um “está quieto!” e o afastar a arma do alvo.

Aparentemente sem se aperceber do nosso nervosismo e do risco de vida que estava a correr, a personagem continuava lentamente a aproximar-se, agora já se lhe ouvindo coisas, numa voz procuradamente surda, para não alertar a vizinhança, tais como “Sou eu! O Manel”. Lentamente, pudemos identificar quem lá vinha.

Era o Manuel Serra, o sempiterno revolucionário dos golpes da Sé e de Beja, figura que, meses depois, titularia uma célebre cisão de esquerda no Partido Socialista, com a criação da Frente Socialista Popular, afastando-se de Mário Soares. As vidas políticas dos últimos meses haviam-nos feito, entretanto, cruzar com essa curiosa personalidade, com um brilho quase adolescente nos olhos e um sorriso cúmplice, oriunda do cristianismo radical, que há muito trazia a revolução nas veias.  Nos anos 60, ainda antes do fracassado golpe de Beja, em que participou de forma activa, o Manel havia sido protagonista de uma lendária fuga de uma embaixada em Lisboa, onde estava refugiado, vestido de padre... Depois do 25 de Abril, por uma escolha que a confusão política proporcionou, tinha sido nomeado o inesperado chefe de gabinete desse igualmente improvável ministro que foi o jornalista Raul Rego.

- “Então, rapazes, há novidade? Vi-vos por aqui e vinha perguntar se necessitam de alguma coisa. Temos ali duas viaturas com pessoal, armas e granadas, para o que der e vier. Não precisam mesmo de nada? Está tudo em ordem?”.

Ficou a ideia que o Manel e os seus amigos andavam nessa noite pela cidade, numa espécie de piquete do ACP, para “avarias” de outra natureza. Demos os abraços da praxe e presumo que devemos ter esclarecido que “está tudo sob controlo”. No fundo, sem lho revelarmos, estávamos imensamente aliviados por se ter conseguido travar a precipitação quase trágica do Moura, o qual talvez nunca tenha entendido bem quem era aquela alma penada e meio careca, saída do escuro da rua, afinal amigalhaço dos seus superiores, a quem estivera prestes a dar um tiro.

E lá foi o Manel de volta, pela noite, à busca da revolução que sempre lhe consumiu os dias.

Dias que hoje terminaram, aos 78 anos, em Lisboa. Adeus, Manel!

sábado, janeiro 23, 2010

Luis de Sousa Rebelo (1923 -2010)

Leio que entrou para o Partido Comunista no ano em que eu nasci. Era um homem sereno, com um sorriso simpático e uma fantástica e viva erudição. Durante muito tempo, foi para mim apenas o nome que, em cada ano, assinava textos sobre Portugal nos volumes de atualização da "Encyclopedia Britannica". Vim depois a inteirar-me da sua excelente carreira académica, com uma cátedra no King's College, onde trabalhou 36 anos. Com também vim a saber, anos mais tarde, através dessa curiosa figura do Portugal londrino que foi António de Figueiredo, que Luis de Sousa Rebelo foi uma das figuras centrais na elaboração do "Portuguese and Anticolonial Bulletin".

Quando vivi em Londres, foi-me um dia apresentado por Bartolomeu Cid dos Santos. A partir daí, passei a encontrá-lo com alguma frequência, muitas vezes na companhia de Hélder Macedo e de Eugénio Lisboa, dois dos seus amigos mais próximos. Habituei-me a admirar a sua palavra doce e a sua ironia fina. Além de umas passagens de ano em casa do Bartolomeu, em Sintra, juntaram-nos também jantaradas anuais da Crabtree Foundation, em Londres. Da última vez que o vi, senti-o já irremediavelmente frágil.

Luis de Sousa Rebelo teve uma carreira académica de grande mérito, como ensaísta, tradutor e crítico literário. Passou grande parte da vida no Reino Unido. Morreu há dias, em Portugal.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Hedi Annabi


Uma noite de 2002, em Nova Iorque, depois de um jantar que ofereci na residência do embaixador de Portugal na ONU, lugar que eu então exercia, Hedi Annabi, um dos convidados, disse-me que tinha de sair, ainda antes da hora do café. E explicou-me: "Moro longe, em "upstate" e, logo de manhã, tenho de estar no meu gabinete. Tenho de apanhar o comboio. É por isso que raramente consigo aceitar os teus convites para jantar".

Sendo em geral simpáticos, os salários que a ONU pagava aos seus funcionários, mesmo de nível superior, como era o caso, não davam para poder ter um bom apartamento em Manhattan, pelo que alguns preferiam ir viver na parte norte do estado de Nova Iorque, isto é, "upstate", como ali se diz.

Heddi Annabi era "Assistant Secretary General" no departamento de operações de paz, nessa altura com o tema de Timor-Leste sobre a mesa. Era voz corrente ser muito escutado por Kofi Annan. O meu "número dois", o ministro-conselheiro Nuno Brito, assinalara-me Annabi como uma das pessoas que era importante cultivar, desde o primeiro momento, na gigantesca máquina da ONU. E tinha razão. Foi talvez das primeiras pessoas que fui visitar, depois da minha chegada a Nova Iorque.

Era uma figura discreta, serena, sorridente, que logo notei muito organizada e meticulosa. Tinha humor, sabia ter ironia sem ser cínico, o que era uma prova de caráter. E era homem de uma só palavra, o que nem sempre é comum na vida multilateral - e noutras também, convenhamos. Criámos uma excelente relação pessoal, com consequências funcionais que se tornaram evidentes.

Quando saí de Nova Iorque, deixei de saber de Annabi. Aconteceu-me o mesmo com outros amigos diplomatas que fui deixando espalhados pelo passado, nacionais de países onde trabalhei ou outros estrangeiros que entretanto rodaram pelo mundo. Alguns, poucos, voltei a cruzar em outros postos, com outros fui trocando mensagens, mas, com a esmagadora maioria, fui perdendo contacto. Foi o caso de Annabi.

Até um dia de 2005. Tinham passado três anos desde que eu tinha saído de Nova Iorque. Acabara de chegar ao Brasil, como novo embaixador. Um dia, o meu colega Rui Macieira, então ministro-conselheiro na nossa missão na ONU, telefonou-me de Nova Iorque. Annabi contactara-o, pedindo que me transmitisse um convite de Koffi Annan para poder apresentar o meu nome como Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para a Costa do Marfim. A resposta tinha de ser rápida.

O conceito de "zona de conforto" veio-me logo à cabeça. Sempre embirrei com o regular elogio que é costume fazer-se a quem sai "fora da sua zona de conforto". Ora a "zona de conforto", se a conquistamos, deve ser preservada. Olhei à minha volta e pensei: o Brasil era o penúltimo posto da minha carreira, antes de ter obrigatoriamente de abandonar o serviço externo. Tinha para mim que a vida me ia correr bem por ali. Por que diabo iria sair de Brasília? Ir viver em Abidjan, num país politicamente convulso, deixando a minha carreira, para ganhar uma linha curricular e, possivelmente, algum dinheiro mais? Nem ousei suscitar a hipótese à minha mulher! Fiquei muito grato a Annan e a Annabi, disse isso mesmo ao Rui Macieira e não pensei mais no assunto. (Soube, entretanto, que o lugar veio a ser ocupado pelo antigo representante permanente da Suécia na ONU, Pierre Schori, com quem eu coincidira em Nova Iorque e que já era um amigo antigo, de outras "guerras").

Desde então, passaram cinco anos e não tinha tido mais notícias de Hedi Annabi. Até hoje, quando soube que morreu no terramoto que assolou o Haiti, onde chefiava a missão da ONU naquele país.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Rohmer


É, com toda a certeza, uma questão geracional, mas marca-me cada vez mais a desaparição de personalidades cujas obras funcionaram como "tijolos" da própria construção daquilo que sou. Há pouco, pela televisão, chegou-me a notícia da morte de Eric Rohmer.

Por instantes, veio-me à memória um ciclo de cinema francês, numa sala perto da avenida de Roma, em Lisboa, no início dos anos 70. E recordei-me dos seus "Contes Moraux". Dos embaraços à beira-lago da figura de Brialy, no sempiterno "Genou de Claire". Das angústias existenciais da personagem de Trintignant, no "Ma nuit chez Maud" (na imagem), filme que me levou a ler Pascal e que me criou uma ideia mítica de Clermont-Ferrand. E do inesquecível "L'amour l'après-midi", de onde um amigo meu retirou o dito magnífico de que "mais vale à tarde do que nunca"...

Ao rever agora a filmografia de Rohmer, dou-me conta dos vários filmes dele que ainda não conheço. Fica-nos essa sua magnífica herança.

Porém, que deste post não nasçam confusões: tal como Philippe Séguin, desenhado ontem à tarde no belo discurso de despedida do presidente Sarkozy, sinto-me por vezes melancólico, nunca nostálgico.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Philippe Séguin (1943-2010)


O "gaullisme" é uma escola de fidelidade onde sempre foi possível encontrar políticos cuja distância entre si pareceu maior que aquela que os separava de adversários situados noutros quadrantes partidários. Philippe Séguin, que ontem desapareceu aos 66 anos, era um desses políticos, que uma notícia qualificava hoje como "un homme de droite que la gauche aimait".

Há pouco mais de seis anos comprei, numa passagem no aeroporto parisiense de Roissy, o seu livro de memórias, intitulado "Itinéraire - dans la France d'en bas, d'en haut et d'ailleurs". Interessava-me conhecer melhor o homem que, em 1981, defendera a abolição da pena de morte contra os seus companheiros de partido e que, uma década mais tarde, titulara o combate ao Tratado de Maastricht, num debate célebre com François Mitterrand, que quem se interessa pelas coisas europeias nunca esquecerá.

Séguin foi uma importante figura da direita francesa, onde disputou combates que hoje fazem parte da história da V República, tendo-se retirado da vida política em 2002 para a presidência do Tribunal de Contas. Personalidade controversa, mas homem de fortes convicções e integridade, a sua morte precoce entristeceu toda a sociedade política francesa.

Há poucos meses, acompanhei o seu amigo e homólogo português, Guilherme de Oliveira Martins, a um jantar oferecido, aqui em Paris, por Philippe Séguin. Na próxima segunda-feira, lá estaremos ambos, nos Invalides, para lhe prestar a homenagem que é devida.

Em tempo: vale a pena ver este retrato que Guilherme Oliveira Martins traça de Philippe Séguin

sábado, novembro 21, 2009

Jorge Ferreira (1961-2009)

Morreu Jorge Ferreira.

Conhecemo-nos na política, quando eu por lá passei e ele representava uma voz crítica, mas sempre muito informada, sobre as coisas da Europa. Voltámos a "ver-nos" nos blogues, onde ele alimentava (até há dois dias) o "Tomar Partido". Partilhava com ele essa atitude, felizmente ainda comum a muita gente, que é gostar de Portugal.

terça-feira, novembro 10, 2009

Jorge Sá Borges (1933-2009)

Morreu ontem um português de bem, que levou para a vida política uma rectidão e uma convicção que o conduziram a algumas rupturas pessoais complexas e a tomar opções difíceis.

Jorge Sá Borges, nome que nos dias de hoje já não é muito conhecido dos portugueses, foi um militante católico que se destacou na crise académica de 1962. Advogado de profissão, fundou o PPD, de que viria a afastar-se. Foi ministro e secretário de Estado nos tempos dos Governos provisórios.

Pessoalmente, conheci-o mal, apenas como amigo de amigos comuns, e, nesse contexto, tive ocasião de conversar com ele algumas vezes, em especial em noites do Procópio, por onde, em tempos, passeou a sua elegância e um humor muito fino.

terça-feira, novembro 03, 2009

Trópicos mais tristes

Nos obituários, a generosidade costuma abundar. Porém, quero crer que o sentimento de perca que a morte de Claude Lévy-Strauss desencadeou por todo o mundo tem uma genuinidade muito grande. Foi um homem que deu um notável contributo às Ciências Sociais.

No que me toca, passei a ver muitas coisas de forma diferente depois de ler o seu "Tristes Trópicos" e a minha compreensão do Brasil ficaria muito incompleta sem ter antes feito essa leitura.

domingo, outubro 04, 2009

Saudades do Chile



O golpe militar que derrubou o governo de Salvador Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, teve um forte impacto emocional na geração política portuguesa que, por cá, expressava então a sua revolta contra a ditadura. À época, eu fazia serviço militar e recordo bem acesas discussões por ali tidas com colegas conservadores, que se regozijaram com o êxito de Pinochet e dos seus esbirros. 

O 25 de Abril como que nos vingou e foi com um sentimento de forte solidariedade que, em Lisboa, a partir de 1974, viemos a conhecer alguns chilenos que haviam sido forçados ao exílio. Com eles, partilhámos o sucesso da nossa Revolução. Recordo-me de gente do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), com quem passei tempos à conversa nas instalações do MES (Movimento de Esquerda Socialista), na avenida dom Carlos.

Seis anos mais tarde, no meu primeiro posto no estrangeiro, na Noruega, vim a cruzar outros chilenos, expatriados nas mesmas condições. Os países nórdicos acolhiam então com generosidade essas pessoas, a quem facilitavam meios para a sua sustentação. A vida dessa gente era muito simples: empregos em fábricas ou serviços, habitações sem o menor luxo e, como pano de fundo de tudo isso, um ambiente de imensa saudade do seu país.

Um dia, em Oslo, fomos assistir a um espetáculo musical da argentina Mercedes Sosa, conhecida por "La negra", uma cantora que, ao longo da vida, seria uma das vozes mais críticas das ditaduras militares latino-americanas. O seu "Gracias a la vida" marcava-nos então bastante.

Fui ao espetáculo num grupo de diplomatas, que, além de espanhóis e de um brasileiro, integrava um chileno, casado com uma paraguaia, e um casal colombiano. As questões políticas não atravessavam, por regra e por prudência, a conversa de todas aquelas pessoas, jovens profissionais da diplomacia, todos no seu primeiro posto no exterior, que se iam encontrando em agradáveis convívios ao final do dia de trabalho. À época, eu era, com toda a certeza, a pessoa mais à esquerda de todo aquele grupo, sendo que o chileno, que se chamava Enrique, representava o governo de Pinochet. Mas, curiosamente, ambos ficámos amigos para a vida, sem termos tocado alguma vez em temas que pudessem trazer à tona as nossas óbvias divergências. Nas décadas profissionais que se seguiram, vim a apurar esta forma de estar na vida. Ainda hoje tento funcionar assim.

No final do espetáculo, vi os meus amigos latino-americanos a falarem com outras pessoas com a mesma origem geográfica, que ali tinham acabado de conhecer, todos unidos pela voz e pela música de "La negra". Com o meu "portuñol", meti-me na conversa. E, numa dessas sintonias caídas do acaso, vi-me a trocar impressões com um chileno, que, no passo da conversa, me referiu ser exilado. O nome de Allende veio com naturalidade à baila, e ele disse-me ser irmão da mítica "Payita", secretária de Salvador Allende. Num instante, alguma sintonia ideológica se estabeleceu entre nós. Trocámos telefones e, dias depois, o Fermin, era esse o nome do chileno, convidou-me, a mim e à minha mulher, para uma almoço simples, num domingo, em sua casa. 

Vivia num modesto apartamento, numa zona menos nobre de Oslo, a que se acedia por uma escada esconsa. Lembro-me bem do aviso que me fez, logo que entrei na casa: "Daqui a pouco, vai chegar, para o almoço, o Enrique, o teu colega da embaixada do Chile. Não te espantes!" Eu espantei-me um pouco, confesso, mas ele logo explicou: "Ele é um chileno como eu e nem imaginas como me fará bem conversar com alguém que também vem do meu país. Temos de adiar a conversa política entre nós os dois para "unas copas", numa outra ocasião". 

E assim aconteceu. Minutos depois, chegaram o Enrique e a Monse. A política, quiçá estranhamente, não passou por aquelas horas em que a saudade dos dois foi atenuada por algumas garrafas de "Casillero del Diablo", um sofrível vinho chileno trazido pelo Enrique, o único que havia à venda no monopólio estatal de venda de bebidas alcoólicas, Vinmonipolet.

Se hoje tenho uma invejável colecção dos "Rolling Stones", em vinil, devo isso ao Fermin, um amigo magnífico, um revolucionário romântico, cujo partido esqueci, que trabalhava numa fábrica de discos e insistia em me municiar regularmente com discos. Em algumas noites em minha casa, para as quais cuidávamos em não juntar à festa o diplomata chileno, para podermos conversar sobre as nossas afinidades políticas, ouvimos deliciados Violeta Parra e Victor Jara. E, para sempre, guardei a imagem de vê-lo chorar a escutar Zeca Afonso...

Pela vida, com grande pena minha, fui perdendo contacto com imensas pessoas que conheci. Uma delas foi esse meu amigo chileno Fermin, que conheci na Noruega, no final de um concerto de Mercedes Sosa. A qual, segundo as notícias que me chegam, morreu agora.

sábado, setembro 05, 2009

João Vieira (1934-2009)

Através do blogue do Alexandre Abrantes, acabo de saber da morte de João Vieira, um nome grande da pintura portuguesa contemporânea. Os críticos e os biógrafos encarregar-se-ão de lhe traçar um último retrato. Como homenagem pessoal, limito-me apenas a olhar, com admiração, para uma parede da minha casa, onde uma obra dele, adquirida já há alguns anos, me transmite a viva alegria das suas cores e dos seus traços fortes.

Paris foi uma cidade a que João Vieira esteve sempre ligado, desde que aqui chegou em 1957, como bolseiro da Fundação Gulbenkian. Trabalhou com Arpad Szenes e aqui criou, com outros artistas, a revista KWY. Paris seria, aliás, uma cidade que nunca saiu dentro de si e onde regressou sempre.

Há menos de um ano, João Vieira teve a amabilidade de me convidar para comissário internacional da iniciativa SINAIs DOURO, um projecto que há muito acalentava, destinado a dar projecção a algumas belíssimas ermidas da zona duriense, associando-lhes trabalhos de artistas estrangeiros. Por razão das ocupações da minha vida errante, devo confessar que não pude, porventura, estar à altura das suas expectativas sobre a minha contribuição para aquela que era uma obra generosa e de grande interesse. Iniciativa que, agora, sem ele, duvido que possa ir adiante. Às vezes, as pessoas são mesmo insubstituíveis.

Em tempo: são de João Vieira os magníficos vitrais colocados na Sé Catedral da minha cidade natal, Vila Real.

sábado, agosto 29, 2009

Edward Kennedy

Não me seduzem as dinastias, embora tenha o maior respeito pelas famílias. Nunca olhei para Edward Kennedy como o putativo e frustrado sucessor do sonho interrompido dos seus irmãos, essa mitologia aristocrática de "Camelot", construída por sebastianismos de linhagem, que radica numa triste saga de tragédias familiares, explorada à exaustão pelos "media".

Edward Kennedy foi "his own Kennedy", um homem sério, íntegro e digno, que acreditava nos valores de uma América solidária e justa e que, em alguns momentos importantes, teve a coragem de os assumir e afirmar. Como o presidente Obama ontem bem recordou. É por isso, e só por isso, que ele merece o nosso respeito.

sábado, agosto 08, 2009

Raul

Este blogue é pessoal, pelo que entendo que nele há sempre lugar para assinalar aquilo que respeita aos meus amigos. Mas, mesmo que assim não fosse, a desaparição de Raul Solnado teria, obrigatoriamente, que merecer uma nota de destaque.

Solnado foi uma das grandes figuras do humor português, que marcou gerações. Hoje, pelos jornais, rádios e televisões, muitos lembrarão as suas divertidas histórias em disco, as revistas do Parque, o Zip-Zip, a Cornélia, o Villaret e outras tantas aventuras de uma vida rica que a Leonor tão bem descreveu na sua biografia. Pode dizer-se que, com a sua palavra, o Raul acabou por se transformar, por assim dizer, num amigo íntimo de muitos portugueses, ao longo dos muitos anos que lhes entrou em casa. Para os mais novos, há também um Solnado televisivo e o seu magnífico retrato do polícia Covas em "A Balada da Praia dos Cães". E há, ainda, o Solnado da Casa do Artista, uma obra grande a que tanto se dedicou. E gostava de notar que, no Brasil, por onde andei uns tempos, encontrei sempre um imenso respeito em torno do nome de Raul Solnado - um dos poucos nomes da cultura contemporânea portuguesa que lá dispõe de grande popularidade.

Uma nota mais pessoal. Há muitos anos que o Raul era um dos nossos comparsas da "mesa dois" do Procópio, esse bar lisboeta onde actualizamos o país, numa tertúlia assumidamente irresponsável, marcada pela ironia e pela amizade. Tive a honra de ser, com ele e outros, co-autor da "biografia" editada do Procópio, onde procurámos desenhar as décadas de boa disposição que o "Retiro da Dona Alice" nos proporciona e a que o Raul tanto ajudou. Tivemos o Raul como integrante dos jantares que, em cada Dezembro, juntaram o pessoal da "dois" e que, este ano, se irá fazer sem ele. Na "dois", onde fica para sempre o seu retrato, desenhado pelo Chico Caruso, vamos agora perder, pelas noites, as suas belas historietas. E, mais do que isso, a sua amizade e ternura. Sem o Raul, as coisas passam a ter muito menos graça.

quinta-feira, julho 09, 2009

Robert McNamara (1916-2009)

Julgo que foi a primeira das várias vezes em que, por dever de ofício, tive de passar longas horas num já célebre barracão de conferências que existe em Maastricht, cidade holandesa encravada na Alemanha, que dá pela sigla de MECC. E nunca pela melhor razão: a excelente feira de antiguidades que lá tem lugar, no primeiro semestre de cada ano.

Estavámos em meados de 1990 e recordo-me que se tratava de uma qualquer conferência sobre questões de cooperação para o desenvolvimento, tema a que então especialmente me dedicava. Robert McNamara era um dos conferencistas e, devo confessar, a minha atenção ao que iria dizer havia sido mobilizada na razão directa da imagem, quase fotográfica e caricatural, que eu dele tinha - uma figura de cabelo oleadamente penteado para trás, qual ministro de Salazar. Lembrava-me, e lembro-o aqui, a mostrar um mapa do Vietnam, nos seus tempos de secretário da Defesa dos EUA, com um ponteiro que devia assinalar bombardeamentos e "santuários", no auge dessa carnificina sem sentido, para a qual a lógica cega da Guerra Fria tinha conduzido a América. E da qual o orgulho do país saiu com uma profunda ferida, que veio a conduzir à posterior eleição de Ronald Reagan.

Ao meu lado, lembro-me bem, estava sentado Abdul Magid Osman, então ministro das Finanças de Moçambique, velho amigo dos tempos em que ambos trabalhávamos na Caixa Geral de Depósitos, no início dos anos 70. E foi com Abdul que comentei aquilo que já sabíamos ser a surpreendente transfiguração de McNamara: do infatigável "warrior" anti-vietcong, tínhamos perante nós um homem sensível à situação do mundo em desenvolvimento, atento às suas necessidades, titulando a alteração da matriz dos estáticos "programas de ajustamento estrutural" do Banco Mundial, o organismo a que McNamara agora presidia. O jingoísta McNamara era agora um homem quase sereno, a caminho da reconciliação com o seu passado.

Seis anos mais tarde, Robert McNamara publicou "In Retrospect - The Tragedy and Lessons of Vietnam", um livro que aconselho vivamente a quem não tiver a fraqueza de se não querer enfrentar com a verdade. Um livro que honra um homem que não teve o receio de reconhecer os seus erros, por mais trágicos que hajam sido.

Em 2001, tive o privilégio de ouvir de novo McNamara no Council on Foreign Relations, em Nova Iorque, apontar, a tempo e horas, os perigos que detectava na equipa do recém-eleito George W. Bush. Recordo a sua lucidez, que não era minimamente incompatível com o seu patriotismo, que alguns neo-mccaristas, num certo momento, quiseram pôr em causa.

McNamara morreu agora, com 93 anos. Desconheço se chegou a ter a consciência da esperança que Obama representa para uma certa América. Porque Obama é hoje - e esperamos que possa continuar a sê-lo - a América que a contrição de McNamara também ajudou a construir.

Ponto

A ver se nos entendemos. O presidente da AR, pelo regimento, não pode impedir um deputado de dizer dislates. Mas, pela ética e pela decência...