sábado, julho 27, 2024

Do anti-americanismo

O grande divisor político do mundo contemporâneo são os EUA. É face à América que o mundo se define. Muitos dos defensores da ação russa na Ucrânia, podendo acontecer serem ainda ser "órfãos" da URSS, são essencialmente anti-americanos. Desejam ver a América derrotada pelo mundo.

Vencedores da Guerra Fria, os EUA foram criando, à escala global, inúmeros inimigos. A sua arrogância como potência, os seus "double standards", o seu menosprezo pelo mundo multilateral, que protege os poderes mais fracos, foi fazendo perder a Washington a sua autoridade moral. 

Alguns ocidentais que, no passado, mostravam o seu incómodo com a hegemonia americana, exclusivamente centrada nos seus interesses nacionais, desistiram entretanto de a contestar, ao terem entrado em pânico com a invasão russa da Ucrânia, para cuja contenção os EUA se revelaram essenciais.

Ora quem definiu toda a estratégia para a captação da Ucrânia para a esfera de influência ocidental foram os EUA (com a ajuda do Reino Unido). A NATO e a UE apenas foram atrás, propulsionadas pela russofobia da "nova Europa", como lhe chamava (e bem, vê-se agora) Rumsfeld.

Os EUA têm uma estratégia global que apenas depende dos aliados na medida em que deles forem necessitando para a levarem a cabo, como se viu bem no Afeganistão. Nessa estratégia, o afrontamento à China prevalece claramente sobre o interesse no enfraquecimento da Rússia.

Juntos no desiderato de afrontar a China, rival económico e, como tal, inimigo estratégico, tema em que a proteção a Taiwan é um óbvio fator instrumental, republicanos e democratas divergem, contudo, no modo de tratar o caso da Rússia. 

Trump parece favorecer a imposição de uma paz forçada à Ucrânia, a troco de concessões territoriais à Rússia. Terá a ideia de que esse "deal" com Putin o irá coibir de, no futuro, ter mais ambições expansionistas. A Europa mais anti-Moscovo detesta essa ideia e sonha ter a Ucrânia como tampão. 

Os democratas, historicamente mais intrusivos na ordem externa, não desistiram de proteger o regime de Kiev, porquanto alimentam uma leitura mais tutelar da Europa. Acham, aliás, que isso não é incompatível com a atenção prioritária da América face à China. E que podem mesmo usar a Europa nessa estratégia.

O anti-americanismo tem de escolher entre duas Américas. Do mal o menos, prefere uma América retraída (pelo menos) na Europa, a qual, na sua leitura, significaria uma menor intrusão futura no continente. Por isso, opta por Trump, tanto mais que o seu amor à democracia é escasso.

É irónico que o anti-americanismo, ao escolher Trump, entregue os palestinos ao mais desapiedado líder americano. A verdade, porém, é que, no tema de Israel, entre republicanos e democratas, o diabo pode escolher. A atitude face a Israel é a prova da falência moral da América.

O anti-americanismo é pró-russo? O anti-americanismo está ao lado de quem ajudar a travar a expansão americana. A Rússia faz isso, além de que, em alguns casos, traz memórias de "ontens que cantaram". O facto de ser uma autocracia não a desvaloriza minimamente a esses olhos. Muitas vezes, antes pelo contrário.

12 comentários:

mensagensnanett disse...

UM CASE STUDY PARA O FUTURO:
--->>> os ucranianos (possuidores de muitas riquezas naturais) foram à procura de UM BELO QUINHÃO EM PILHAGEM: o Plano Nove em cada Dez: A VITÓRIA RÁPIDA NOVE EM CADA DEZ:
-> nove, em cada dez, dos mais variados analistas ocidentais garantiam:
- «armas da NATO na Ucrânia... juntamente com sanções económicas à Russia,
...e...
a Russia seria conduzida rapidamente ao caos: tal seria uma oportunidade de ouro: iria proporcionar um saque de riquezas da Russia muito muito superior ao saque de riquezas que ocorreu no 'caos-Ieltsin' na década de 1990».
[pronunciamento de Joe Biden em 2022: "um rublo vai valer menos que um centavo do dólar americano"]
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P.S.1.
Sim: financiados pelos ocidentais mainstream,  os nacionalistas ucranianos mainstream perseguiram, bombardearam, massacraram ucranianos de origem russa... nas regiões... russófonas que a ditadura dos sovietes separou da Rússia e integrou na Ucrânia.
[provocando a Rússia... para que esta intervisse]
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P.S.2.
A Rússia, como é natural e óbvio, defendia O DIREITO À LIBERDADE: isto é, os russos das regiões russófonas (que a ditadura dos sovietes separou da Rússia e integrou na Ucrânia) deveriam possuir a liberdade de escolher:
1- ficar na Ucrânia;
2- ficar na Ucrânia, todavia, com autonomia;
3- regressar à Rússia.
[acordos de Minsk... que a Ucrânia sabotou...]
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P.S.3.
UM DOS POVOS MAIS ESTÚPIDOS DA HISTÓRIA (vulgo ucranianos) vai levar com uma substituição populacional em cima: venderam as suas riquezas em troca de armas... e quem comprou essas riquezas (Soros, Blackrock,...) vai exigir substituir populacional:
- «Se necesita capital humano para reconstruir el país y para la inversión, ¿quién va a abrir una nueva empresa o un nuevo banco en un país con tan poca población?", observó.
Cualquier gobierno de posguerra tendrá que abrir de par en par sus fronteras para que entren nuevos inmigrantes si quiere que el país se recupere, afirmó.
"Políticamente, Ucrania tiene que estar dispuesta a aceptar esta realidad y ser muy inteligente en su política migratoria. Tendremos que atraer a muchos emigrantes de otros países».

Anónimo disse...

Boa análise. Mas a conclusão é forçado pela intenção óbvia de dar conteúdo ao pseudo conceito de putinismo. Não cola. John Mershaimer e putinista?

sts disse...

MAGA-Make America Go Away.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Aqui está o cerne da questão e resposta ainda mais acertada à pergunta da outra publicação, "Gaza ou o Donbass?", é "Tudo menos Washington".

Joaquim de Freitas disse...

Será Trump, no entanto, o coveiro da democracia americana, a causa do seu colapso, ou será apenas o sintoma de um sistema a perder força, incapaz de se transformar para se adaptar ao mundo contemporâneo? Ou será Biden ? Ou serão os dos, porque são"americanos"?

Transformar-se, sim, e tomar consciência dos seus problemas crónicos – nomeadamente “a extrema concentração de riqueza”. A bola está no campo dos democratas em todos os países que seguem o “modelo”. E todos sabemos porque seguem o modelo…

Eu vejo Hilary Clinton lançando o seu grito de vitória, plagiando César: Veni, Vidi, Vici...deixando arrasado um Estado, a Líbia, rica em petróleo, até lá o mais desenvolvido do Norte de África, com o seu cortejo de milhares de mortos e refugiados, estes candidatos ao afogamento no Mediterrâneo.

Eu vejo o Iraque e as AMD que ninguém viu…e as centenas de milhares de mortos e refugiados, mais o caos.

Eu vejo a Ucrânia, mas não como o Senhor Embaixador, quando escreve: “com a invasão russa da Ucrânia, para cuja contenção os EUA se revelaram essenciais.». Os russos teriam outro projecto que seria de ocupar toda a Ucrânia? O diplomata “que vous êtes”, conhecedor do jogo, sabe bem que não!

Essencial foi o financiamento e a organização da Revolta de Maidan,( que fazia Madame Vitoria Nuland aqui?) fechando os olhos ao massacre da população russofona do Donbass, que “provocou” a intervenção russa.

“O anti-americanismo é pró-russo?”, pergunta: Conheço muitos amigos americanos e outros que não são pró russos, mas detestam os americanos pelas razoes que muito bem aponta no segundo paragrafo do seu texto, Senhor Embaixador.

Anónimo disse...

Esta sua análise, ou Post, sendo interessante, não me parece todavia muito exacta. É que o anti-americanismo não tem necessariamente a ver com simpatias para com outros países, que não os EUA (como por exemplo, a Rússia e a China), mas, sobretudo pela actuação de Washington ao longo de anos, sobretudo depois da II Guerra Mundial, em vários teatros políticos e militares. No meu caso, comecei por assumir uma postura fortemente crítica dos EUA com a selvajaria (crimes de guerra, etc) do seu comportamento no Vietname. A par disso, fui assistindo às patifarias dos diversos golpes de Estado na América Latina, patrocinados e financiados por Washington, onde se destacam sobretudo o do Chile de Pinochet e a Argentina de Videla. O que foi cimentando a minha postura anti americana. E de seguida e mais recentemente, a actuação dos EUA nos Balcãs (Jugoslávia), cujo procedimento foi condenável (seguindo-se a triste encenação do Kosovo, de que aqui já fiz um comentário, algum tempo atrás). E houve mais. A destruição da Líbia, de quase da Síria, da agressão ilegal no Iraque, das porcarias no Afeganistão, etc. E, nódoa em cima de nódoa, o seu apoio incondicional a Israel, tal implicando evitar criticar Telavive pelos seus actos criminosos, ou coloniais, ou até genocidas. E entretanto chega-se à Ucrânia, cuja situação em que vive actualmente deve-se, sem margem de qualquer dúvida, à atitude provocatória e desestabilizadora que Washington promoveu naquele país, por razões de estratégia política (mas igualmente económico-militares). Nesse sentido, a reaccção russa era previsível e nunca foi escondida por Moscovo. Em resumo, o anti-americanismo tem a ver tão só com o comportamento imperial dos EUA, que se movem e sempre moveram, notoriamente sobretudo depois da II Guerra Mundial, pelos seus interesses estratégicos políticos e económicos. Depois, é claro, há sempre gente para quem este comportamento dos norte-americanos não choca, ou lhe é indiferente. Há imensa gente assim. Ou porque sim, ou porque não estão devidamente informados, ou porque faz parte das suas opções ideológicas, ou outras. O problema é que a actual narrativa, por causa da Ucrânia, criou uma espécie de “doutrina” corrente de que os russos são os maus e os EUA e os europeus da Nato/UE os bons, aqueles que estão do lado da razão e da virtude. Este tipo de atitude, a roçar a imbecilidade, acaba por gerar ainda mais anti-americanismo. Há vários intelectuais e comentadores militares quer nos EUA, no RU e nesta Europa subserviente de Washington que são críticos de Israel no respeitante a Gaza/Palestina e à Ucrânia. Por cá, quando um militar ou outros comentam a Ucrânia (ou mesmo Israel) fugindo à retórica adoptada hoje, são apelidados de Putinistas, pela simples razão de não verterem comentários consonantes com a narrativa oficial, pró EUA/UE/Nato. Resumindo, não existe um “Putinismo”, sobretudo constituindo uma espécie de anti-americanismo. O que existe sim, é, e desde, designadamente, como digo, a II Guerra Mundial, um comportamento lamentável e condenável por parte das diversas Administrações dos EUA, por esse Mundo fora, que levou a que muitos hoje assumam posições fortemente críticas dos EUA, que consubstanciam o tal anti-americanismo. Nada tem, pelo menos a meu ver, com o ser-se pró-russo, saudoso da URSS, se seja comunista, etc. No meu caso, por exemplo, brindei ao fim da URSS, por ser um regime ditatorial, como fiz com a saída de cena de Pinochet e Videla. Por fim, sejamos honestos: os EUA nunca irão mudar a sua postura imperial (nem para com Israel). Nesse sentido, tudo o que contribuir para os desgastar, minar e desacreditar, sobretudo diminuindo-lhe a sua influência global, é, em minha humilde opinião, de apoiar.
a) P. Rufino

Anónimo disse...

A 3ª Grande Guerra?. Por enquanto, via Fed. Russa, só... os seus infindáveis pobres voluntários. Por outro lado, via Hamas/Irão, na Faixa de Gaza, só... os seus adorados mártires.
Quem se segue?. Báltico, Mediterânio Oriental, Pacífico (mas pouco)?.

Joaquim de Freitas disse...

Ainda a proposito de anti-americanismo, que dizer da russofobia que se tornou sinónimo da actual situação durante os preparativos para os Jogos Olímpicos de Paris evento que terá graves consequências.

Em 1925, durante o Congresso Olímpico realizado em Praga, Pierre de Coubertin, o fundador dos Jogos Olímpicos contemporâneos, declarou a respeito dos Jogos Olímpicos: “Todos os povos devem ser admitidos sem discussão, igualmente que todos os desportos devem ser tratados de forma igualitária. em pé de igualdade, sem preocupação com flutuações ou caprichos de opinião.”


O grande princípio fundador dos Jogos Olímpicos sobre a participação incondicional de todas as pessoas no evento, o princípio sem o qual a própria existência desta grande iniciativa desportiva perde o seu sentido – este princípio não é apenas desprezado, mas simplesmente desprezado pelos actuais Comité Olímpico Internacional (COI), que se esqueceu completamente do seu papel.

Hoje, este Comité está totalmente dominado pelos lobbies das potências ocidentais que o transformaram num simples carrasco da vontade política dos seus patrocinadores, ao perverter o maior evento desportivo internacional, outrora saudável, num simples fórum para a sua propaganda.

Dos 206 países participantes nos Jogos Olímpicos, apenas 106 pessoas constituem o Comité Olímpico, dos quais 54 - a maioria - são os representantes dos interesses do Ocidente coletivo, cuja população total é inferior a 20% da população mundial.

Quanto à Federação Russa, à China, a todo o continente africano e a toda a América Latina – todos estes países e continentes que constituem a esmagadora maioria da população mundial são representados apenas por 32 membros, ou menos de 1/3 dos votos votantes.

Desde o início da iniciativa militar de Moscovo contra os interesses do bloco da NATO em território ucraniano, os decisores ocidentais ordenaram ao COI que empreendesse uma série de medidas repressivas contra a Federação Russa.

O Comité Olímpico “internacional” não só impediu o direito soberano dos atletas russos de competir sob a sua bandeira nacional, mas também os autorizou a participar nos Jogos Olímpicos apenas como atletas neutros, sem representar o seu país!!!

Sem entrar nos detalhes da guerra na Ucrânia que é outro assunto e cuja realidade está muito distante das histórias mentirosas propagadas pelo bloco político-militar ocidental, sendo esse o caso e seja o que for, ao traçar paralelos não podemos falhar notar que a história não se lembra da exclusão dos atletas americanos, nomeadamente durante os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004, depois de o seu país de origem ter perpetrado um gigantesco massacre das populações e crimes contra a humanidade durante a invasão e destruição do Iraque em 2003.

Nem de atletas ingleses e franceses durante os Jogos Olímpicos de Londres em 2012, após a destruição em 2011 da Líbia e do futuro do seu povo perpetrada pela França e pelo Reino Unido, principalmente a pedido do seu guardião do outro lado do Atlântico.

O mesmo vale para os atletas de Israel: A vergonha suprema :eles não tiveram a menor perturbação do COI após a acção de seu país, na negação do grande massacre em massa da população civil de Gaza perpetrado de forma assumida e premeditada pelas forças armadas do Estado hebreu..


Por seu lado, os atletas russos foram privados não só do seu direito absoluto de usar a bandeira nacional e de participar na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris.

A russofobia pode levar muito longe. Atençao às cosequências.

josé ricardo disse...

Vou ser simplista e um pouco americano comum que se está perfeitamente a marimbar para o que se passa lá na Europa. Ora bem, jamais votaria em Trump se fosse americano, como jamais votaria no Trump que cá temos, Mais: sentir-me-ia envergonhado, enquanto americano, se Trump ganhasse as eleições, como me sentiria envergonhado se o Chega ganhasse as eleições. Acontece que não sou americano e não gosto como os lideres europeus estão a olhar para a Ucrânia e, sobretudo, para a Rússia. Por isso, o meu desejo é que Trump ganhe as eleições americanas para ver se temos outra visão de resolução do conflito na Ucrânia. O resto é problema dos ianques. Eles que se amanhem.

Carlos Antunes disse...

Ou seja, a Ucrânia foi apanhada numa encruzilhada entre a «nova Europa» de Donald Rumsfeld e o “brejnevismo” (teoria da soberania limitada) de Putin!

Luís Lavoura disse...

Muitos dos defensores da ação russa na Ucrânia são essencialmente anti-americanos. Desejam ver a América derrotada pelo mundo.

Muito bem observado.

quem definiu toda a estratégia para a captação da Ucrânia para a esfera de influência ocidental foram os EUA

Muito bem escrito. Houve, de facto, uma estratégia bem gizada e posta em prática. Não aconteceu por acaso.

A Europa mais anti-Moscovo sonha ter a Ucrânia como tampão.

Não. A Ucrânia como tampão é aquilo que a Rússia deseja: uma Ucrânia neutra, que serve de tampão entre a Rússia e o Ocidente. A Europa anti-Moscovo, pelo contrário, quer que a Ucrânia passe a pertencer-lhe.

Os democratas, historicamente mais intrusivos na ordem externa

Aha!!! Agora o Francisco reconhece esta verdade histórica: as administrações democratas sempre foram mais agressivas ("intrusivas") internacionalmente do que as republicanas.

O anti-americanismo [...] o seu amor à democracia é escasso.

Que disparate! O amor à democracia da América é que é muito escasso. Os anti-americanos tanto podem ter muito como pouco amor à democracia. Há anti-americanos para diversos gostos.

no tema de Israel, entre republicanos e democratas, o diabo pode escolher

Exatamente. Ainda bem que o Francisco reconhece esta realidade.

manuel campos disse...


Luís Lavoura

Concorde-se muito, pouco ou nada com ela a sua análise está bem organizada e não entra naquelas excitações bacocas do 2mata e esfola" com que por aí vamos sendo brindados.

Mas há um ponto que devo realçar.
Não é bem assim que "Aha!!! Agora o Francisco reconhece esta verdade histórica..." pois "o Francisco" sempre o reconheceu, que eu me lembre.

Tarde do dia de Consoada