quinta-feira, julho 25, 2024

Dizem...


Quando, em meados dos anos 60, alguns de nós saíram de Vila Real para a universidade, deixámos para trás amigos, atrasados nos estudos ou com outras perspetivas de vida. Nos nossos regressos pontuais à cidade (por lá, dizemos "à Bila"), iamo-los reencontrando pelos cafés. E, através deles, recuperávamos as novidades e atualizávamos o conhecimento das coisas da terra. 

Naquela idade e naquele contexto temporal e cultural, por muito que isso possa chocar pelos padrões de hoje, um dos temas rotineiros de conversa eram as "escapadinhas" românticas de cavalheiros e senhoras da cidade, em regra pessoas casadas. Muitas vezes eram casos verdadeiros, que o tempo viria a confirmar, outras eram mero "gossip" não comprovado. Mas que raio de interesse podia isso ter, perguntar-se-ão alguns hoje? Pouco, na realidade, mas à época era mesmo assim e, por ser assim, vou deixar aqui uma historieta.

Um desses amigos que deixámos para trás na cidade era um conhecido "especialista" no tema das infidelidades. Sabia tudo! Colecionava essa informação e tinha as coisas como que anotadas. Mas, à partida, nunca assumia abertamente essa qualidade de cultor de notícias malandras, mostrando-se mesmo relutante a abrir-se e a partilhá-la, quando frontalmente aproximado por nós (que não éramos melhores do que ele, está bem de ver!).

Chegados à mesa da Gomes, à época o centro geográfico da cidade social, ao encontrar esse amigo, inquiríamos: "Então conta lá o que é que há de novo nas aventuras românticas do pessoal da cidade?" A primeira reação era de falsa indignação: "Lá estão vocês com a mania de que eu sei dessas intrigas! Assim, criam-me uma fama terrível. Deixem-se disso!". 

Poucos minutos depois, o "orgulho" de ser tido como o mais bem informado impunha-se, embora antecedido de um "disclaimer" clássico: "Passo-ta como me a passaram. Mas dizem que a mulher daquele tipo da sapataria da esquina anda metida com um professor novo do colégio de São José. Mas, se calhar, não é verdade..." E, sempre com o "dizem" para se distanciar da responsabilidade do boato, iniciava-se um chorrilho de outras novidades do género. 

Uma vez, com esse "informador" mais bem disposto à partilha, um grupo chegou a fazer um passeio noturno a pé, pelas ruas da cidade, com ele deliciado a apontar, casa a casa, as facadinhas nos matrimónios que, pela sombra, supostamente se viviam lá por Vila Real. Quem o ouvisse, parecia que "a Bila" era uma espécie de Sodoma ou de Gomorra.

Esse amigo coscuvilheiro já não está entre nós. Chamavamo-lo de o "Dizem...".

3 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Os quadrilheiros profissionais são o máximo, até esses tiques do "ouvi dizer", "dizem que", "diz-se por aí", "não garanto que seja verdade", "não tenho a certeza", "Deus me livre estar levantar falsos testemunhos", "Deus me perdoe se isto não for verdade", etc.

manuel campos disse...


É exactamente como o nosso amigo Sousa Rodrigues diz.

Muitas das notícias hoje em dia são encabeçadas por títulos do tipo "pode ser que", "é provável que" e outras frases desta qualidade, apostando no facto de muita gente só ler o título (e fica lá a dúvida que passa por quase certeza) ou. lendo a notícia, não apanhem as subtilezas das entrelinhas ou mesmo os enviesamentos descarados quando os números são torturados até dizerem o que a gente quer.

Hoje em dia assistimos à grave (e muitas vezes propositada) confusão entre meteorologia e clima, o que leva que não consigam acertar na meteorologia de aqui a 3 dias mas tenham a certeza do clima daqui a 30 anos.

C.Falcão disse...

Mortalidades !

Os factos são o que são

Temos direito às nossas opiniões, não temos direito aos nossos factos. Quantos manifestantes estiveram nas manifestações de ontem, em Paris?...