Não me estou a referir às tascas, com toalhas de papel, travessas metálicas e uma barulheira imensa, que cumprem hoje esse papel, como alternativa popularucha, adequada ao poder da bolsa. Falo de restaurantes serenos, com guardanapos de pano, serviço personalizado à antiga (“O seu esparregado, dona Matilde”), algumas madeiras no cenário e total ausência de pressão para se abandonar a mesa (“Ó senhor Vítor! Por favor, traga-me outro café e uma bagaceira da casa”, dizíamos, quando o nosso fígado era outro).
No género, ali perto, por muitos anos, existiu o “Funil”, que agora se modernizou e perdeu o propósito. Também havia “O Polícia”, hoje uma sombra do que foi, e a “Adega da Tia Matilde”, que, pela minha última e infeliz experiência, há meses, devia ter ido com o cliente Eusébio para o Panteão. Da mesma natureza, na avenida de Paris, esteve, por muito tempo, o “Isaura”, para onde se entrava por uma escada em caracol, que nos levava a uma cave com estantes, onde existia uma bela “biblioteca” de vinhos. O “Pote”, na João XXI ainda hoje cumpre um pouco essa função. Num registo mais simples, e ainda nas Avenidas que um dia foram novas, tenho grandes memórias da “Imperial do Campo Pequeno”, de que fui vizinho e freguês assíduo.
Quase todos os bairros de Lisboa tiveram restaurantes do género. Aos fins de semana, era vulgar ver avós, pais e filhos, de famílias com algumas posses, em almoçaradas. Até na Baixa, o “Paris” cumpria essa função.
A “Colina” ali estava, igual à que sempre a conheci. Na clientela deste domingo descortinei vários nomes que estiveram na berra nos anos 90, a que a idade trouxe um corfortável anonimato, mas também ali cruzei um poderoso ministro deste governo (como este é um governo sem muitos ministros poderosos, é fácil lá chegar), à espera do seu “take away”.
Como é que se comeu? Bem, embora sem deslumbre. A oferta é a clássica para este tipo de casas, pratos sólidos, sem surpresas nem arrebiques. Com a casa cheia, o serviço teve o ritmo certo, tudo a sair a um custo razoável. Foi bom regressar à “Colina”!
(“Não fales muito na “Colina”, nas redes sociais!”, alertou-me uma amiga. “Se vai lá muita gente, ficamos sem mesas!”. Arrisco).
10 comentários:
Por lá perto, O Polícia
Durante muitos anos tive assinatura dos concertos da Gulbenkian, aonde íamos com um grande Amigo meu e sua mulher, ele grande apaixonado de música de câmara, eu mais de música sinfónica, ambos de música coral.
À saída, direitos ao "Colina", para a ceia.
Como a frequência dos concertos era grande, a do "Colina" era igual, durante anos quase todos os 15 dias, sempre cheio àquela hora.
Subscrevo tudo o que diz.
A morte desses nossos Amigos e uma incompatibilidade entre o ar condicionado dos auditórios e um de nós levou a que fôssemos espaçando até deixarmos mesmo esses dois hábitos.
A Colina, o Funil, o Polícia e mais alguns ali da zona tiveram o seu bom tempo. Agrada-me saber que a Colina ainda resiste... E o Paco?
Primeiros dois parágrafos um tanto ou quanto elitistas, senhor embaixador...
Caro José Alberto. Sobre o Paco, leia isto: https://pontocome.blogspot.com/2022/10/paco-lisboa.html
Restaurante frequentado por famílias burguesas de direita e de esquerda.
João Cabral. E há algum problema nisso?
Senhor embaixador, diria que sim, e nem é preciso ser socialista (ou comunista).
@Joao Cabral: É precisamente pelas suas contradições que vale a pena ler o embaixador :P
Já vou experimentar a Colina... os outros que referiu, de facto, não recomendo.
Na Versailles também se almoça bem!
A Isaura era o restaurante das minhas avós. Era o restaurante do bairro, a descrição é justa. Nunca o vi como elitista. Era um restaurante correcto (incluindo os preços), onde se comia (e bebia) bem, sossegado, conservador qb, algo sonolento até. Um ambiente que não destoaria de um dia de semana à tarde na livraria Barata.
Enviar um comentário