Há precisamente dez anos, numas férias por França, estacionei o carro no largo de uma pequena cidade, Piolanc, a norte de Avignon. Entrei num café e, numa parede, vi um foto, bem antiga e assinada, de Jean-Louis Trintignant. Para fazer conversa, perguntei à senhora que me serviu se conhecia o ator. Olhou para mim, com um sorriso simpático e desculpavelmente sobranceiro, deixando cair: “Ele é de cá. E é nosso cliente”.
Não fazia a menor ideia de que por ali tinha nascido um dos atores franceses que, desde há muito, tanto admirava. Uma extraordinária figura do cinema, de quem vi imensos filmes. Quero lembrar três e, de certo modo, esquecer um. O primeiro, dirigido por Dino Risi, muito antigo, com Vittorio Gassman, “Il Sorpasso”, que muito marcou a minha adolescência. Outro, já na idade adulta, que me levou a ler Pascal, o “Ma Nuit Chez Maud”, de Rohmer, e que, um dia, me fez, por horas, procurar paisagens de memória nas ruas e arredores de Clermont-Ferrand. Finalmente, um último filme que me tocou imenso, mais recente, sobre um casal idoso, em que o Alzheimer intervem, película cujo nome não recordo. Qual é o filme que lembro que quero esquecer? O delicidoce “Un Homme et une Femme”, de Lelouch, de longe o seu maior êxito de bilheteira.
Recordo-me ainda de Trintignant ter atravessado, há duas décadas, uma tragédia familiar, com uma filha brutalmente agredida pelo namorado, num país báltico, vindo a morrer em França, dias depois. A cara do ator, muito dada ao rictus angustiado, estava, dessa vez, a transmitir as dores da vida real.
Leio que Trintignant morreu hoje.
10 comentários:
O impagável Trintignant no inesquecível filme de Rohmer. Mas passava-se em Clermont Ferrand, se a memória não me falha.
Tem toda a razão, Miguel. Lapsos! Ainda há meses contri aqui isto: https://duas-ou-tres.blogspot.com/2021/12/rohmer.html
E espero que não tenha visto "Un homme et une femme 20 ans déjà" de 1986 que esse então...
O filme sobre o casal idoso é "Amor" ("Amour" no original) com Emmanuelle Riva e Isabelle Huppert.
Foi estreado em Portugal em 6 de dezembro de 2012.
Esqueci-me de o mencionar no meu comentário anterior.
O filme com Alzheimer chamava-se "Amour" e não tive coragem de ver...
Gostei de ler o outro postal, obrigado!
Para mim, poderia fazer parte de um trio de filmes marcantes que, como os mosqueteiros, eram quatro. O do Eustache é difícil de encontrar, mas eu apanhei no you tube uma cópia de boa qualidade há poucos anos. Foi um regalo. Todos eles dão perspectivas muito pouco canónicas sobre um mundo então já em transformação acelerada de que somos os descendentes.
"Le bonheur" - Agnès Varda
"Pierrot le Fou" - Jean-Luc Godard
"Une nuit chez Maud" - Eric Rohmer
"La Maman et la Putain" - Jean Eustache
Podem e devem ser complementados pela série mais ligeira, mas não menos interessante, do Antoine Doinel (tirando o "Les 400 coups" que trata de outras coisasa).
Complementados pelo Doinel e por dois filmes do Tati. Foi um esquecimento imperdoável da minha parte pelo que peço imensa desculpa a todos. ;-)
"Mon Oncle"
"Playtime"
Inoubliables.
Esse senhor considerado um grande bonitão do cinema francês!
Fazendo referência à travessia aérea de Gago Coutinho e Sacadura Cabral que chegaram ao Rio de Janeiro a 17 de Junho de 1922,
deixo um link do local onde chegaram primeiro no território brasileiro, aos ilhéus de São Pedro e de São Paulo, e este vídeo mostra como são! interessante
20 anos da Estação Científica de São Pedro e São Paulo
https://
www.youtube.com/watch?v=OD-EDPc2LFU
só por motivo de marcar da data:) obrigada
No Youtube encontra-se muito e bom cinema francês, maioritáriamente ainda do período a P/B mas com uma qualidade de imagem notável nas "cores" e nos contrastes.
Aliàs é mesmo o único bom cinema que está disponível lá em quantidade.
Claro que são sem legendas e portanto pouco acessíveis às gerações que não dominam bem (ou mesmo de todo) o francês.
Alguns filmes mais recentes (já a cores) são versões dobradas em línguas de leste, portanto aí não temos muita sorte.
Tem razão o Senhor Embaixador na sua homenagem a Jean-Louis Trintignant . Não somente ao actor mas ao homem também, e os seus valores. É muito conhecido na região, e sobretudo muito estimado. Conheço muito bem a região por ter família e amigos a alguns km de <Piolenc. Tenho algumas garrafas do seu vinho, pois que, como o seu pai e avô, também foi viticultor.
O pai de Jean-Louis foi um grande resistente durante a guerra. Uma rua da cidade de Pont-Saint Esprit, onde nasceu, tem o seu nome.
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