domingo, junho 19, 2022

Guerra é guerra?


Há muitos anos, nos 90 do século passado, o meu pai, que me tinha ido visitar a Londres, perguntou-me se não podíamos “dar um salto” a Coventry. Claro que era possível! Lá fomos e, pelo caminho, foi-me explicando, com pormenores, que aquela cidade fora atacada pela Luftwaffe, durante a Segunda Guerra mundial. Eu conhecia vagamente a história e sabia que, como retaliação, Churchill tinha determinado bombardear Dresden. 

Em Coventry, havia uma catedral destruída, cujas ruínas tinham sido recompostas com outra construção, para que a memória se não apagasse (na foto). O meu pai, “aliadófilo” ferrenho, tinha na sua recordação afetiva a barbaridade de Hitler, mas não o que Dresden tinha sofrido. Os “nossos” mortos são sempre o que conta.

Eu tinha ido a Dresden, na então RDA, mais de uma década antes. Lembrava-me de uma cidade triste (hoje, dizem-me, tem uma pujança cultural notável), mas tristes e sem cor eram todas - repito, todas, por muito que isso irrite alguns amigos meus - as cidades da RDA, e eu visitei muito daquela que era então a montra do “socialismo real”. Curiosamente, não me recordo de ter visto em Dresden memoriais da guerra, mas admito ter estado distraído.

O ataque a Coventry tinha provocado 176 mortos e o bombardeamento de Dresden matou 25 mil pessoas, leio agora no Google. “Guerra é guerra”, dirão alguns. 

Por que é que me lembrei disto? Porque acabo de ler um artigo de Pacheco Pereira, no “Público” em que sublinha uma coisa evidente: por maiores que tivessem sido os agravos (e foram muitos, como se sabe) que os ucranianos tivessem feito às populações russófilas e russófonas no leste do país, desde 2014, é absurdamente desproporcionado o nível de agressão cruel que a Rússia está, por estes tempos, a utilizar nos vários territórios da Ucrânia em que atua militarmente.

“Guerra é guerra”? Tenho dúvidas que as coisas possam ser vistas assim.

15 comentários:

Luis A disse...

Guerra é guerra, pois é! Depois de iniciada é que é o diabo!
Esta não poderia ter sido parada logo no início?
Talvez até nem tivesse que acontecer!
Afinal muitos sabiam que a guerra estaria a caminho e pelo que se vê de um e outro lado metodicamente se prepararam para ela!
Os menos interessados serão porventura os que nela combatem ou que dela são vítimas.
Verdadeiramente entusiasmados parecem ser aqueles "heróis" que de fora sopram fagulhas!

Nuno Figueiredo disse...

não.

Joaquim de Freitas disse...

Nao tenho a mesma opinião, Senhor Embaixador. Claro que os nazis chegaram mesmo a criar o verbo "conventrisar", significando destruir tudo...Em resposta aos bombardeamentos "terroristas" de Dresden e Hamburgo, sobretudo.

Mas o que os nazis de Azov fizeram no Donbass, foi muito mais que assassinar, violar, destruir durante oito anos…

Existe no caso da Ucrânia, outro aspecto que os russófonos nao perdoam e pode justificar todos os excessos: o imenso desprezo da etnia russa. Os "moscals" como lhes chamam. Os de Kiev, chamados escandinavos, contra os eslavos "untermenschen"...

Na linha da frente, pronto para massacrar os russos do Donbass, está o batalhão Azov, promovido a regimento de forças especiais, treinado e armado pelos EUA e pela NATO, que tem se destacado pela ferocidade nos ataques contra as populações ucranianas russas.

O Azov, que recruta neonazistas de toda a Europa sob a bandeira modelada na SS Das Reich, é comandado por seu fundador Andrey Biletsky, promovido a coronel.

Não é apenas uma unidade militar, mas um movimento ideológico e político, do qual Biletsky é o líder carismático especialmente para a organização da juventude que é educada no ódio aos russos.

Senhor Embaixador : vale a pena ler o seu livro “As palavras do Führer Branco”.

E depois, vamos esperar pelo resultado do imenso trabalho de investigação das buscas de valas comuns e exumaçõesque estão a decorrer no território da DPR em paralelo com a LPR. Mais de 130 valas comuns de pessoas desaparecidas foram descobertas, e esta informação não é exaustiva.

É impossível dizer o número exacto de valas comuns no território das duas repúblicas. Às vezes são apenas montículos com pedaços de madeira com placas ou cruzes sem nome ou primeiro nome. 253 corpos foram descobertos até agora, todos mostrando sinais de morte violenta, tortura e abuso.

O Gabinete de Perícia Forense do Ministério da Saúde da DPR, durante as actividades militares no Donbass, relatou mais de 8.000 civis afectados ou liberados, além de mais de 5.000 corpos.

Joaquim de Freitas disse...

Permita, Senhor Embaixador um complément: Destruição? Claro, como muito bem escreve: "A guerra é a guerra".

Mas, alguns aspectos da guerra na Ucrânia são surpreendentes, até mesmo contraditórios...

É o caso, por exemplo, das informações sobre a extensão da destruição causada pela guerra. A narrativa oficial ucraniana, como a da média ocidental em geral, descreve, todos os dias, um país sistematicamente destruído, um país arrasado.

No entanto, os prédios do governo, o palácio presidencial, o parlamento ucraniano, os serviços públicos estão funcionando. As visitas dos mais altos funcionários europeus e americanos sucedem-se em Kyiv sem a intervenção da Rússia.

Os comboios circulam, a conexão com a internet existe e, portanto, também há electricidade em quase todos os lugares.

Além disso, são os russos que parecem controlar grande parte da produção de electricidade, em particular através do controle de usinas nucleares. Eles não tomaram, ao que parece, nenhuma acção sistemática para destruir a infra-estrutura de electricidade ou se opor ao fornecimento de electricidade em território ucraniano. Nada é dito sobre isso pelas autoridades ucranianas. Este é um dos aspectos surpreendentes desta guerra.

Para as cidades destruídas, parece que este é apenas o caso das cidades, Mariupol, Severodonsk e outras, onde lutas ferozes ocorreram dentro da cidade.

O espectáculo é terrível. Mas há essa escolha estratégica do exército ucraniano de nunca lutar em campo aberto e de se entrincheirar nas cidades, com todas as consequências previsíveis para a população e para a cidade, como sempre acontece no combate urbano.

Kyiv poderia ter sido bombardeada e destruída, mas não foi. Curiosamente, isso raramente é comentado. Parece que Kyiv foi respeitada pelos dois beligerantes, como um tesouro histórico e civilizacional comum.

O relato inicial do objectivo russo da conquista de Kyiv não se baseia em nenhum dado factual e não há declaração russa nesse sentido. Acima de tudo, aparentemente serviu para interpretar a retirada voluntária russa das proximidades de Kyiv como uma vitória ucraniana ou mesmo como um "debacle russo".

Mas nunca deve subestimar o oponente, nao é verdade? . De facto, não podemos descartar uma manobra táctica dos russos para fazer as pessoas acreditarem que seu objectivo era Kyiv para esconder seu objectivo real, o Donbass e, assim, imobilizar, longe disso, uma grande parte das forças ucranianas.

Eu penso que é lamentável que as informações so sejam publicadas dum lado. O que muitas vezes fica é a impressão de uma população dominada aqui e ali por aqueles que detêm armas, ucranianos ou russos dependendo, de uma população muitas vezes resignada, que acima de tudo quer o retorno à paz, e que absolutamente não vê a utilidade de um guerra que é vivida como uma maldição.

netus disse...

Boa tarde sr Embaixador.
Comungo da opinião - as coisas não devem ser vistas assim.
A propósito dessa montra de socialismo real, conheci um almirante alemão (1999) que servia no então SACLANT/ NATO / Norfolk/ Virginia/ US, que contou terem familiares regressado à terra depois da queda do muro e verificaram que a fabrica de família estava ainda lá, com indícios de que funcionara ainda recentemente, mas a maquinaria era a antiga. Não recordo nem o local nem que tipo de fábrica era.
Bom resto de Domingo.
António Cabral

Anónimo disse...

Oleksiy Arestovich, Conselheiro de Zelensky, afirmou que se a Rússia concluir com sucesso a intervenção militar no Donbass, "500 mil ucranianos passarão a combater a favor da Rússia".

E pensava eu que os russos não eram "recebidos com flores e de braços abertos"...

João Cabral disse...

«é absurdamente desproporcionado o nível de agressão cruel que a Rússia está, por estes tempos, a utilizar»
Precisamente.

Jaime Santos disse...

O anónimo das 19:42 nunca ouviu falar de conscrição militar, pelos vistos...

Joaquim de Freitas, os russos procuraram derrubar o governo ucraniano recorrendo a tropas especiais e a operação falhou. E a fixação de tropas em Kyiv, pode ser muito bonita do ponto de vista da tática militar, mas os inúmeros assassínios de civis nas cidades em redor da capital não deixam de ser um crime de guerra.

Aliás, a invasão é um crime de guerra por si só. Iniciar uma guerra de agressão é o crime internacional supremo, só se distinguindo dos outros crimes porque contém em si o mal acumulado do todo, escreveram os juízes de Nuremberga.

E você a procurar, como sempre, justificá-lo. O que o coloca ao lado dos nossos neo-conservadores que procuraram justificar a invasão do Iraque (sendo que Saddam era muito pior do que qualquer dos governos da Ucrânia de 2014 para cá).

A hipocrisia de uma certa Esquerda não tem limites...

Anónimo disse...


Excelente Jaime Santos

O "anónimo" das 19.42 (que não sou eu, é talvez um "primo" meu pelo "apelido") talvez não tenha ouvido falar de conscrição (eu ouvi, passei lá 3 anos, não foi o seu caso) mas talvez tenha ouvido falar de "conscrição" (com aspas) que é quando todos os homens entre os 18 e os 60 anos são proíbidos de saír do país e vão de um dia para o outro combater sem qualquer experiência nem eventual vontade.

Nas suas intervenções aqui como nas do Joaquim de Freitas, com quem tive diálogos saborosos por aqui há muitíssimo tempo, revejo muito Jacques Prévert, um pequeno interlúdio que Yves Montand tinha sempre nos seus espectáculos:

"Qu'est-ce que cela peut faire que je lutte pour la mauvaise cause puisque je suis de bonne foi? - - Et qu'est-ce que ça peut faire que je sois de mauvaise foi puisque c'est pour la bonne cause.

Luís Lavoura disse...

Jaime Santos,

os russos procuraram derrubar o governo ucraniano recorrendo a tropas especiais e a operação falhou

Como sabe que isso é verdade? Viu com os seus próprios olhos? Ou apenas acredita nas (des)informações do governo ucraniano?

Luís Lavoura disse...

Joaquim de Freitas diz algumas verdades. É surpreendente que, com o grau de destruição que vai pela Ucrânia, ainda assim muitas coisas básicas estejam aparentemente a funcionar perfeitamente, como sejam o sistema elétrico, a internet, a rede ferroviária, e a generalidade da cidade de Kiev. Aparentemente a Rússia não tem assim tanta vontade de destruir a Ucrânia - ou, pelo menos, de a destruir toda.

Joaquim de Freitas disse...

Senhor Jaime Santos: que escreve: "Aliás, a invasão é um crime de guerra por si só. Iniciar uma guerra de agressão é o crime internacional supremo". Soit !

Sabe, desde hà muitos anos, desde a minha juventude, que estou acostumado a ver esses homens de verde, viajando pelo mundo com padrões diversos: luta contra o comunismo, protecção contra limpezas étnicas, luta contra as drogas, a difusão da democracia e agora lutar contra o terrorismo internacional...

Eu nao sei qual é a sua idade, mas creio que deve ter visto também algumas destas intervenções ! Protestou contra uma ?

Fazendo algumas pesquisas sobre o assunto, parece que essa tendência
intervencionista não data de hoje, nem é prerrogativa deste século… Não vou "listar" as intervenções que são demasiado !

Vimos o surgimento de uma grande potência, Estados Unidos da América. E com ela, a hegemonia americana que se traduz de varias maneiras:

a) militares com o Iraque , Afeganistão, Siria, Líbia, Sérvia,Somalia, Libano e tantas outras… ;

b) política, com a retirada de leis problemáticas na Bélgica;

c) a sujeição das autoridades organizações internacionais como o FMI ou o Banco Mundial ou os tratados acordos bilaterais que impedirão o julgamento de soldados americanos perante o TPI (Tribunal Penal Internacional);

d) culturais , com Hollywood, Coca Cola, McDonalds e o sonho americano que ainda assombra hoje três quartos da humanidade; mesmo se esses mesmos três
quartos sonham ao mesmo tempo em ver o Tio Sam afundar…

As intervenções variam em padrão, mas nalgumas surgem as principais tendências:


1. Luta contra o comunismo
2. Estabelecimento ou restabelecimento de uma "democracia"
3. Apoio a Israel
5. Luta contra as drogas
4. Luta contra o terrorismo



E entre todas essas tendências, há ainda uma constante que emerge para além das "razões", a defesa dos interesses geoestratégicos públicos ou privados americanos!

Nunca, enfim, tenho medo de usar essa palavra, os Estados Unidos estão
intervieram em áreas não estratégicas, onde os seus interesses, ou indirectas, não estão em jogo!

Mesmo os ilhéus do Pacifico ( Salomon) lhes põem problema! E agora a India ...Arre !

José Lopes disse...

O Senhor Joaquim Freitas só tem de nos explicar por que é milhares de centro e sul americanos que marcham a pé pelo México a cima em direcção à terra do tio SAM não vão antes para a Venezuela, ou Nicarágua, ou Cuba, por exemplo, onde, como muito bem se sabe aqui na Europa, os direitos dos "humilhados e ofendidos" são superiormente defendidos. Uns ingratos e imbecis é o que eles são.

Joaquim de Freitas disse...

Senhor José Lopes: Poderemos "conversar" sobre a América Latina, num "post" apropriado, que não este.

Porque existe um êxodo dos povos da América Latina, a quinta americana, para o Norte? Porque desde há um século, que estes povos não podem viver decentemente apesar de terem um vizinho extremamente rico…que controla as suas economias e “fabrica” os seus dirigentes a seu bel-prazer como Guaido e todos os outros.

Já meio século atrás, pessoas fugiam maciçamente de El Salvador, da Nicarágua e da Guatemala rumo aos Estados Unidos, onde encontraram trabalho como jardineiros, cozinheiros, auxiliares de colheita. Grande parte dos conjuntos e serviços agrícolas americanos ficariam paralisados sem os imigrantes da América Central.

Os “caseiros” fogem da “quinta” porque os proprietários não lhes deixam nada para viver… Isto faz-me lembrar os “caseiros” portugueses nos anos 60, que abandonavam as “quintas” para vir trabalhar na Europa democrática, longe do regime fascista salazarista, onde não tinham direito nenhum… e viviam miseravelmente.

Como para os portugueses de Champigny e algures, as chamadas “remessas”, ou transferências financeiras dos migrantes às famílias que ficaram, são um factor importante para as economias.

Na América Central, esses envios já são maiores do que a soma dos investimentos directos estrangeiros, da ajuda ao desenvolvimento e dos lucros com as exportações.

O drama das migrações na América Central mostra que os fluxos sociais não ajudam a aumentar se os governos não conseguem conter as crises, sociais e políticas.
A miséria económica permanente levou a uma corrente de refugiados durante gerações.

O intervencionismo americano faz muitos estragos desde há muito tempo. Leia a Historia da Nicarágua. E saberá que Ortega continua popular na Nicarágua, especialmente entre camponeses, trabalhadores e pobres.

Ortega e o FSLN deram muitos hectares de terra aos camponeses; introduziram educação e cuidados de saúde gratuitos; investiram em moradias populares para os pobres; electrificaram o país e construíram a infra-estrutura; eles reduziram significativamente a pobreza e a extrema pobreza, já que quase 100% dos alimentos consumidos pelos nicaraguenses são cultivados pelos próprios camponeses.

Os sandinistas salvaram a Nicarágua da interferência dos EUA, incluindo a vitória na brutal Guerra dos Contras da década de 1980, na qual os EUA financiaram, treinaram e dirigiram ex-líderes da Guarda Nacional de Somoza na tentativa de retomar o país violentamente. O conflito resultante custou 30.000 vidas e deixou o país e a economia em frangalhos. Felizmente, a Nicarágua se recuperou em grande parte.

A.Teixeira disse...

«Eu conhecia vagamente a história - do bombardeamento de Coventry - e sabia que, como retaliação, Churchill tinha determinado bombardear Dresden.

Considerando que o bombardeamento de Coventry a que se refere teve lugar em Novembro de 1940 e o de Dresden em Fevereiro de 1945 (quatro anos e meio depois...) suponho que será um pouco “excessivo” atribui este último bombardeamento a uma retaliação de Churchill. Bem sabemos que as melhores vinganças se servem “frias” mas, muito antes de Dresden, a RAF já havia bombardeado extensivamente cidades como Lübeck (Março de 1942), Colónia (Maio de 1942) ou Hamburgo (Julho de 1943). Pode ver no Google o número de vítimas causado por qualquer destes bombardeamentos. Se a sua história do Churchill estivesse certa, Francisco, em Fevereiro de 1945, a três meses do fim da guerra, ele já estaria com a “barriga cheia” de desforras para poder dispensar esta última.

Só lamento que, como a história que nos conta da visita do seu pai a Coventry já terá para aí uns trinta anos, não tenha aproveitado o tempo entretanto decorrido para deixar de conhecer vagamente a história para passar a conhecê-la com mais alguma “densidade”. Como mostra gostar tanto de livros, ele há o clássico «Bomber Command» de Max Hastings.

Os EUA, a ONU e Gaza

Ver aqui .