sábado, junho 11, 2022

Nova Rússia


A emissão de passaportes russos a habitantes de algumas regiões da Ucrânia, depois da invasão, prenuncia aí a realização de novos referendos, para aferir sobre a sua “auto-determinação”. O sentido final desses referendos é óbvio: delas emergirão “repúblicas”, logo reconhecidas por Moscovo e que, depois, irão pedir a sua integração na Federação Russa. Passarão, dessa forma e de imediato, a ser parte do território e da soberania russa. E depois? Depois, se alguém (por exemplo, a Ucrânia) ameaçar essas zonas militarmente, isso constituirá um ataque à Rússia. E se esse ataque for feito com meios ofensivos fornecidos pelo ocidente ao governo de Kiev, isso agravará tudo. Estão a ficar criadas as condições para uma boa sarilhada, lá isso estão!

8 comentários:

Carlos Antunes disse...

Caro Embaixador
Não percebo como as regiões da Ucrânia ocupadas pela Rússia (e apenas reconhecidas por esta) podem ser consideradas, dessa forma e de imediato, como parte do território e da soberania (?) russa. Não se trata de uma clara violação do direito internacional e dos princípios consagrados na Carta da ONU (art.º 2).
E perante isto, na opinião do Embaixador, a Ucrânia não tem legitimidade para atacar militarmente (ainda que com meios fornecidos pelo Ocidente) e tentar reocupar os territórios que lhe pertencem “de jure”.
Na esfera das relações internacionais e para a coexistência pacífica entre os Estados (consagrada na Carta da ONU) parece inatacável o princípio da limitação do atributo da soberania, por força do qual se impede que um Estado invada a esfera de soberania dos outros Estados.
Pode, portanto, uma eventual contra-ofensiva da Ucrânia, ser considerada à luz do direito internacional, como um ataque à Rússia?

Francisco Seixas da Costa disse...

Carlos Antunes. Não entendeu o que escrevi. À luz do DI, as “repúblicas” que a Rússia vier a criar são, claro, território ucraniano. Ninguém contesta isso. E, como tal, a Ucrânia tem todo o direito a reivindicá-las e a lutar militarmente por elas. Outra coisa é a posição da Rússia, com razão ou sem ela (e eu acho que a não tem, como acho que é ilegal a sua ocupação da Crimeia). Se a Rússia vier a considerar (repito, à luz da lógica dela, que não aceito) que é a sua soberania que está a ser atacada (já sei: sem razão), e se daí vier a tirar consequências militares para além da fronteira “de facto” da Ucrânia em 24.2.22, o problema já passa a ser NATO, isto é, meu e seu. É isto que eu quero sublinhar.

João Cabral disse...

A Rússia ladra muito, senhor embaixador.

Anónimo disse...

Completam-se hoje os 23 anos do fim da guerra, perdão, da "Operação Allied Force/Noble Anvil" conduzida pela NATO na Jugoslávia.

Mais de 2.500 mortos civis, 420.000 bombas e algumas toneladas de bombas com urânio empobrecido.

"Bombardeamento humanitário" até hoje impune.

Nuno Figueiredo disse...

pois estão.

Carlos Antunes disse...

Caro Embaixador
Obrigado pelo esclarecimento. Fiquei elucidado.
As minhas desculpas pela errada interpretação que fiz do seu escrito.
No fundo, a sua correcta asserção corresponde ao que o eminente jurista italiano Francesco Carnelutti, afirmou de que o Direito Internacional se assemelha a “uma espingarda, ainda que descarregada".
Cordiais saudações

Jaime Santos disse...

Eu diria que a agressão imperialista da Rússia é que está a criar as condições para a dita sarilhada 'in the first place', Sr. Embaixador.

Das duas uma. Ou aceitamos a chantagem nuclear russa e deixamos a Ucrânia cair, o que naturalmente nos pode levar a perguntar o que sucederá se Putin disser então em relação aos Países Bálticos, ou à Finlândia, ou à Polónia, tal como disse do território da Ucrânia e daquele que Pedro o Grande conquistou à Suécia, que se trata apenas da Rússia ir recuperar o que é dela, já que se trata de Países cujos territórios pertenceram ao Império Russo, ou continuámos a armá-la, com condições, sabendo que isso arrisca o arrastamento da NATO para o conflito.

Todos sabemos que o consenso pós-II Guerra Mundial era frequentemente violado de parte a parte, basta pensarmos nas intervenções diretas dos EUA no Vietname ou no Iraque (e já nem falo do patrocínio de golpes militares da Guatemala à Indonésia, passando pelo Irão e pelo Chile), ou nas intervenções da URSS em Berlim em 1953, ou na Hungria, Checoslováquia e Afeganistão, mas convenhamos que nunca como agora esteve tão próximo um conflito direto entre blocos...

Mas isso também deveria ter estado na mente de Putin quando decidiu avançar com a invasão...

Vasco Pulido Valente costumava dizer que são os impérios em decadência que arrastam o mundo para a guerra. Pergunto-me, será a decadência do Império Russo que causa esta guerra ou a perceção pelas elites russas da suposta decadência do Ocidente, a começar pelos EUA?

joão pedro disse...


Lembrando duas ou trê coisas (ou quatro, ou cinco ou mais coisas...):

- O referendo de 17/3/1991 sobre a continuação da URSS de forma renovada, no qual participaram a maioria das repúblicas, designadamente a Rússia, a Ucrânia, a Bielorrússia, o Cazaquistão e outras, com larga participação dos respectivos cidadãos, sendo que no geral a taxa de aprovação foi de 77% e, para o caso, de 71,48% na Ucrânia;

- Em 8/12/91, os presidentes russo, ucraniano e bielorusso, fundaram o acordo de Belavezha, na Bielorrússia, que determinava a dissolução da URSS, traíndo o referendo de 17.3.91 e os respectivos povos, e outros, da URSS. Çomeçava aí a maior tragédia do Século XX....

- De acordo com um mapa por mim consultado o território da Ucrânia nas vésperas da Revolução de Outubro seriam aí uns 20% do território da Ucrânia actual, sendo que nesse território não existia acesso ao mar, quer o de Azov quer o Negro;

- Em 1922 com a criação pelos bolchevistas russos e ucranianos, da República Socialista Soviética da Ucrânia, adiante designada por RSSU, foram incorporados na nascente República os territórios a Leste, Oeste e Sul do território inicial multiplicando-se este por cinco ou 6 vezes a área inicial ...Kiev, a importante cidade imperial nunca fez parte do dito território ucraniano, passando entretanto, com a criação da RSSU, a ser a capital da nova República. Em 1939 este novo espaço seria alargado por força da recuperação, a ocidente, do território então ocupado pelos polacos, a chamada Galícia onde se situa a importante cidade de Lodz, cóio então dos nazis banderistas... Nos anos 50 ou 60 (não me recordo bem) Kruschev viria a atribuir a Crimeia à RSSU, suponho que, no plano do direito, a decisão foi ratificada pela Duma Russa e que posteriormente também veio a revogar aquela decisão. Anote-se que o prestigiado professor de direito e ex-Presidente da AG da ONU, Freitas
do Amaral, em 2014, no rescaldo dos acontecimentos naquele território, veio declarar, na parte que interessa, que a Duma Russa podia revogar aquela decisão (a que entregou a Crimeia à RSSU).

- Port fim, coloca-se, a mim, uma questão moral (claro, há outras...): É justo que sejam os nazis banderistas, ucranianos, a herdar o grandioso espólio deixado pela RSSU, eles inimigos jurados dos construtores soviéticos do segundo maior país da Europa, eles que, oportunisticamente e pelo terror, dele se apoderaram ?

Para que conste.

João Pedro

O futuro