domingo, fevereiro 06, 2022

Espero sentado?

Há uns tempos, um grupo de pessoas de uma nova geração da direita portuguesa publicou uma declaração em que definia uma “linha vermelha” face ao Chega. O texto acabou por ter maior expressão, porque, por coincidência, saiu ao tempo do entendimento PSD/Chega nos Açores.

Não sei até que ponto, com estes meses e tempos políticos passados, a globalidade dos subscritores se reveem, em absoluto, no que escreveram. Duvido. Alguns, porque lhes conheço a integridade, tenho a certeza de que sim. Outros terão sido conquistados para teses de oportunismo.

Esse oportunismo é de recorte muito simples: não representaria “fazer uma aliança” com o Chega a possibilidade de aceitar que, no parlamento, os votos deste, associados aos da direita democrática, pudessem ser utilizados para esse “valor maior” que era afastar o PS do poder.

Essa outra direita, com contrastante ética política, apodou os subscritores do tal manifesto de “direita fofinha”, de envergonhados “compagnons de route” do PS. O exercício do MEL acabou por constituir um elucidativo barómetro para a separação dessas águas.

Se a composição do parlamento fosse agora outra, com o PS ou o PSD apenas com maioria relativa, propiciando arranjos de governo ou de oposição, teria ficado muito claro até onde é que cada um estava disposto a ir, isto é, até onde a “resistência” anti-Chega sobreviveria.

Mas vida não foi por aí. O PS tem maioria absoluta e o tempo, para a agora instalada “direita da raiva”, passou a ser medido pelos quase cinco anos de espera à sua frente. E já se percebeu, ainda por esse referencial que é a atitude face ao Chega, que chegou o tempo do vale-tudo.

Este seria o bom momento para um novo manifesto da tal “direita fofinha”, ou para o que dela resta. Como democrata, assusta-me, com a maior sinceridade, que o declínio do PSD fossa vir a dar origem a uma direita futuramente eleita apenas para ser uma raivosa oposição.

Alguns dos meus correligionários de esquerda não me perdoarão isto, mas é para o lado que durmo melhor: não quero ver o PS permanentemente no poder. Fizémos (e não é um plural majestático) o 25 de Abril para garantir a alternância. E desejo-a. Mas só quando a direita o merecer.

Não me peçam, naturalmente, para votar na direita (sofri na pele a sua governação e tenho muito boa memória), mas não me assusta que, quando o eleitorado decidir, face a erros do PS (em que voto com toda a convicção) ou a méritos próprios, que ela possa vir a assumir o poder.

A direita democrática, a direita de cara lavada mas não de “cara al sol”, tem de se reconstituir para ser elegível - repito, cenário essencial para a sanidade do nosso sistema político. Para tal, não lhe basta afastar-se do Chega, condição “sine qua non” mas não suficiente.

Essa direita decente deve ter a coragem de denunciar, dentro de si, “naming names”, quem hoje lhe dá má fama, quem não revela ética cívica, quem já “matou o pai” democrático e está disposto a “vender (ou a privatizar) a mãe”, para ter um quinhão de poder. Fico à espera. Sentado?


4 comentários:

João Forjaz Vieira disse...

A superioridade moral em acção: é preciso ensinar o que os outros se devem comportar!
João Vieira

S.Carvalho disse...

Sentado, claro!

jose duarte disse...

Sem dúvida. Sou açoriano e foi chocante ver a "ganancia" pelo poder que levou à formação de um governo regional com o apoio do Chega, sem pestanejar.
Esse acordo, foi mais pela vontade de afastar o PS do que por qualquer programa alternativo e coerente.
Quem acredita que o PSD nacional não deu o seu acordo a tal "negócio"?
Quem acredita que PSD nacional não faria exatamente o mesmo se o eleitorado nacional tivesse dado a maioria à direita?
Rui Rio, germanófilo,podia ter seguido a atitude de Merkel em relação à extrema direita.
Não,antes fez uma campanha completamente equívoca e nunca esclareceu qual a posição em relação ao Chega.
Agora, vão ter tempo para refletir sobre o futuro.

Jaime Santos disse...

João Forjaz Vieira, os próceres do Chega nem sequer os mínimos de boa educação em relação aos seus adversários políticos conseguem manter, basta lembrar os exemplos, como chamar 'candidata cigana' a Ana Gomes, 'avô bêbado' a Jerónimo de Sousa, mandar Joacine Katar Moreira para a terra dela ou ocultar o 'lo' da palavra 'descolonizar' à porta do seu gabinete na AR e publicar a graçola nas redes sociais...

Sobre esta última pérola, ver aqui:

https://www.jn.pt/nacional/joacine-apresenta-queixa-apos-ataquemisogino-de-vice-presidente-do-chega-14271172.html

E depois é preciso defender a moral, Mithá Ribeiro dixit... Como dizia Disraeli, um Governo Conservador é uma hipocrisia organizada...

E é com gente desta que a Direita democrática se quer envolver? Espero bem que aqueles que subscreveram o manifesto, se ganharem o PSD, mostrem bem a Ventura que com eles, jamais haverá qualquer coligação ou sequer entendimento parlamentar com o Chega.

Algo que, note-se, Rio não foi capaz de fazer e que pode bem ter-lhe custado as eleições (graças à infinita sabedoria do povo português). Agora o PSD tem 4 anos e tal para refletir sobre isso.

No fim de contas, você tem toda a razão. É mesmo preciso ensinar a essa gente os mínimos de civilidade...

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