Há uns tempos, um grupo de pessoas de uma nova geração da direita portuguesa publicou uma declaração em que definia uma “linha vermelha” face ao Chega. O texto acabou por ter maior expressão, porque, por coincidência, saiu ao tempo do entendimento PSD/Chega nos Açores.
Não sei até que ponto, com estes meses e tempos políticos passados, a globalidade dos subscritores se reveem, em absoluto, no que escreveram. Duvido. Alguns, porque lhes conheço a integridade, tenho a certeza de que sim. Outros terão sido conquistados para teses de oportunismo.
Esse oportunismo é de recorte muito simples: não representaria “fazer uma aliança” com o Chega a possibilidade de aceitar que, no parlamento, os votos deste, associados aos da direita democrática, pudessem ser utilizados para esse “valor maior” que era afastar o PS do poder.
Essa outra direita, com contrastante ética política, apodou os subscritores do tal manifesto de “direita fofinha”, de envergonhados “compagnons de route” do PS. O exercício do MEL acabou por constituir um elucidativo barómetro para a separação dessas águas.
Se a composição do parlamento fosse agora outra, com o PS ou o PSD apenas com maioria relativa, propiciando arranjos de governo ou de oposição, teria ficado muito claro até onde é que cada um estava disposto a ir, isto é, até onde a “resistência” anti-Chega sobreviveria.
Mas vida não foi por aí. O PS tem maioria absoluta e o tempo, para a agora instalada “direita da raiva”, passou a ser medido pelos quase cinco anos de espera à sua frente. E já se percebeu, ainda por esse referencial que é a atitude face ao Chega, que chegou o tempo do vale-tudo.
Este seria o bom momento para um novo manifesto da tal “direita fofinha”, ou para o que dela resta. Como democrata, assusta-me, com a maior sinceridade, que o declínio do PSD fossa vir a dar origem a uma direita futuramente eleita apenas para ser uma raivosa oposição.
Alguns dos meus correligionários de esquerda não me perdoarão isto, mas é para o lado que durmo melhor: não quero ver o PS permanentemente no poder. Fizémos (e não é um plural majestático) o 25 de Abril para garantir a alternância. E desejo-a. Mas só quando a direita o merecer.
Não me peçam, naturalmente, para votar na direita (sofri na pele a sua governação e tenho muito boa memória), mas não me assusta que, quando o eleitorado decidir, face a erros do PS (em que voto com toda a convicção) ou a méritos próprios, que ela possa vir a assumir o poder.
A direita democrática, a direita de cara lavada mas não de “cara al sol”, tem de se reconstituir para ser elegível - repito, cenário essencial para a sanidade do nosso sistema político. Para tal, não lhe basta afastar-se do Chega, condição “sine qua non” mas não suficiente.
Essa direita decente deve ter a coragem de denunciar, dentro de si, “naming names”, quem hoje lhe dá má fama, quem não revela ética cívica, quem já “matou o pai” democrático e está disposto a “vender (ou a privatizar) a mãe”, para ter um quinhão de poder. Fico à espera. Sentado?
4 comentários:
A superioridade moral em acção: é preciso ensinar o que os outros se devem comportar!
João Vieira
Sentado, claro!
Sem dúvida. Sou açoriano e foi chocante ver a "ganancia" pelo poder que levou à formação de um governo regional com o apoio do Chega, sem pestanejar.
Esse acordo, foi mais pela vontade de afastar o PS do que por qualquer programa alternativo e coerente.
Quem acredita que o PSD nacional não deu o seu acordo a tal "negócio"?
Quem acredita que PSD nacional não faria exatamente o mesmo se o eleitorado nacional tivesse dado a maioria à direita?
Rui Rio, germanófilo,podia ter seguido a atitude de Merkel em relação à extrema direita.
Não,antes fez uma campanha completamente equívoca e nunca esclareceu qual a posição em relação ao Chega.
Agora, vão ter tempo para refletir sobre o futuro.
João Forjaz Vieira, os próceres do Chega nem sequer os mínimos de boa educação em relação aos seus adversários políticos conseguem manter, basta lembrar os exemplos, como chamar 'candidata cigana' a Ana Gomes, 'avô bêbado' a Jerónimo de Sousa, mandar Joacine Katar Moreira para a terra dela ou ocultar o 'lo' da palavra 'descolonizar' à porta do seu gabinete na AR e publicar a graçola nas redes sociais...
Sobre esta última pérola, ver aqui:
https://www.jn.pt/nacional/joacine-apresenta-queixa-apos-ataquemisogino-de-vice-presidente-do-chega-14271172.html
E depois é preciso defender a moral, Mithá Ribeiro dixit... Como dizia Disraeli, um Governo Conservador é uma hipocrisia organizada...
E é com gente desta que a Direita democrática se quer envolver? Espero bem que aqueles que subscreveram o manifesto, se ganharem o PSD, mostrem bem a Ventura que com eles, jamais haverá qualquer coligação ou sequer entendimento parlamentar com o Chega.
Algo que, note-se, Rio não foi capaz de fazer e que pode bem ter-lhe custado as eleições (graças à infinita sabedoria do povo português). Agora o PSD tem 4 anos e tal para refletir sobre isso.
No fim de contas, você tem toda a razão. É mesmo preciso ensinar a essa gente os mínimos de civilidade...
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