quinta-feira, fevereiro 17, 2022

“Houston, we have a problem!”

A direita democrática francesa, nos dias de hoje a única herdeira do que resta da tradição gaullista, foi descobrir uma antiga ministra de Sarkozy, Valérie Pécresse, que tinha deixado uma imagem relativamente positiva, para ser portadora das suas cores. 

Tendo conseguido derrotar a concorrência em “primárias” dentro do “Les Républicans”, Pécresse parecia poder ir buscar alguns votos de direita que Macron recolhera em 2017, desgastando, ao mesmo tempo, a deriva para a extrema-direita, que hoje polariza mais de 30% do eleitorado. Para isso, “direitizou” fortemente o seu discurso, num percurso iniciado com Sarkozy e que Fillon acentuou. 

A cerca de 60 dias das urnas, Pécresse foi, há dias, submetida um banho partidário de multidão no Zénith, um espaço público de Paris usado para estas ocasiões, numa estudada encenação de campanha, tendo a seu lado os grandes tenores do partido. 

Embora a vitória de Macron, numa segunda volta, pareça, a esta distância, muito provável, se Pécresse conseguisse vir a estar presente nessa ocasião, aproveitando a circunstância do extremismo xenófobo e racista estar por estes dias dividido (entre Le Pen e Zemmour), e mesmo que viesse a perder, isso seria um bom sinal para a afirmação futura do seu partido, o qual, sendo embora o maior de França, está fora do Eliseu e do governo central francês há uma década.

A aguardada prestação pública de Valérie Pécresse, contudo, acabou por ser “pitoyable”. O texto era mau e sem chama, a sua incapacidade de o “vestir” foi evidente, pelo que o grande “meeting” acabou por ser um espetáculo quase tragicómico, com Pécresse a demonstrar uma patética falta de jeito. As vozes, dentro do partido, foram, de imediato, impiedosas, em especial nas ironias e silêncios. As sondagens vieram a refletir o mesmo, com a candidata a cair abaixo dos representantes da extrema-direita. 

As posteriores entrevistas de Pécresse vieram a confirmar a sua inabilidade de “atuação”, algumas contradições no seu programa e, essencialmente, uma imagem “figée”, humanamente pouco simpática, a querer fazer passar por determinação o que parece ser um caráter rígido, numa figura que também parece revelar alguma falta de rasgo. O estilo burguês “bem” da candidata, aquilo que os franceses chamam “bobo”, também não ajuda.

E é pena, digo com sinceridade. Como atrás referi, se conseguisse chegar à segunda volta contra Macron, Pécresse retiraria bastante força à extrema-direita. Se isso não acontecer e se, ainda por cima, no caminho e por desespero, ela vier a poluir o discurso do “Les Républicans” com um argumentário de propostas ainda mais radical e reacionário do que aquele que agora já usa, Pécresse terá prestado um péssimo serviço à democracia francesa.

No seio do “Les Repúblicans”, o partido francês que mais tem mudado de nome ao longo da história, deve estar a ecoar a consagrada expressão do astronauta americano empanicado: “Houston, we have a problem!”

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