quarta-feira, fevereiro 02, 2022

A força do PC

“Assim se vê a força do PC!”, é um estribilho conhecido de todos. A força do PC, depois das eleições de domingo, é muito inferior à força que o PC tinha no parlamento antes da respetiva dissolução, que o PC ajudou a consumar. Como resultado, cada vez menos se vê a força do PC.

Ontem, na televisão, ouvi atentamente João Oliveira, um dos quadros mais salientes na vida parlamentar dos comunistas, nos últimos 15 anos, que não foi eleito como cabeça de lista do partido pelo distrito de Évora. Se alguém me dissesse, no sábado, que os comunistas deixariam de estar representados no alentejano círculo eleitoral de Évora eu “explicaria”, com facilidade, a implausibilidade desse cenário.

É extraordinário como João Oliveira conseguiu, ao logo de toda a entrevista, não fazer um mínimo de autocrítica sobre a atuação do partido, não confessando um único erro, tático ou estratégico, que pudesse ter levado àquele desfecho. É que o PCP nunca tem a menor culpa, o PCP está sempre correto, são os outros, com a sua ação ou a força enganadora da ilusão a que induzem, que contribuem para tudo o que de mal sucede ao partido, no estiolar progressivo da sua capacidade de representação (“formal”, dirão, talvez) dos “interesses dos trabalhadores e do nosso povo”. O PCP fala sempre em nome do povo, muito embora, de forma crescente, esse mesmo povo tenda a fazer-se representar por outros partidos, o que vai diluindo a legitimidade dos comunistas de se considerarem os seus legítimos defensores.

Tudo o que é dito em nome do PCP - com indiscutível seriedade e óbvia genuinidade - surge sempre embrulhado num discurso previsível, repetitivo, entre um marxismo primário e mecanicista e um populismo sempre autocongratulatório, em face do trabalho político desenvolvido, ainda que marcado por uma esforçada modéstia, atrás da qual espreita a consabida “superioridade moral dos comunistas”. Ao ouvir João Oliveira ontem, tal como ao escutar o triste texto lido por Jerónimo de Sousa no domingo (num auditório coreograficamente encenado só com jovens, algo inesperado para uma força política que não nos habituou a esses artificialismos), fica-se com a sensação de que, com maior ou menor imaginação semântica, os comunistas continuam a dizer a mesma coisa, repetem quase sempre os mesmos chavões. No passado, falava-se muito da “cassette” do PCP. Se estiverem atentos, verão que pouco mudou, até na entoação das frases.

O PCP - partido pelo qual sinto uma eterna gratidão histórica, pela sua abnegada luta contra a ditadura - permanece fechado numa narrativa monocórdica, feita da mistura de palavras saídas de um léxico fixo, como se arriscar uma qualquer evolução semântica pudesse fazer incorrer os seus responsáveis numa perigosa heresia doutrinária. Dir-se-á: mas o PCP está na vida política portuguesa há 100 anos e isso deve significar alguma coisa. Devo confessar que, ao ouvir o que o PCP hoje nos diz fico com a sensação de que, mais do que um partido antigo, estamos perante um partido irremediavelmente velho. E sinto alguma pena por isso.

11 comentários:

aguerreiro disse...

Este comportamento tem um nome que não é nada simpático e a quem psicólogos e médicos denominam AUTISMO. tem piada que isso vem confirmar aquilo que a Ciência aponta: - Que a população portuguesa cumpre a percentagem de autismo que é á volta de 5%, Nunca até hoje os camaradas da foice e do martelo estiveram tão próximos da realidade nacional. Avante camaradas que ainda não chegamos a meio do poço!
A dentadura do proletariado tem mau hálito mas o dr Costa vai tratar disso, reforçando com dentistas o SNS. O Barreirinhas do Cunhal pode descansar no éter para onde foi churrascado-

Jaime Pinto disse...

Luta contra a ditadura?!
E aquilo que o PCP quis fazer em 1975?
E os milhões de mortos do comunismo?
Cumprimentos
Jaime Pinto

Orlando Tavares disse...

Sem entrar em longa conversa, lembrar que o seu agradecimento ao PCP, deveria também estender-se ao dia em que Jerónimo de Sousa, após o resultado das eleições, que deram vitória a Passos e Portas e face à maioria de esquerda que existia no parlamento, ter dito que o «PS só não será governo se não quiser.»
Sem essas vontades, outro seria o destino político de António Costa. O nosso, como povo de esquerda, também seria diferente.

Jaime Santos disse...

Boaventura Sousa Santos escreveu ontem no Público um excelente artigo, dedicado à atitude do BE, que explica bem a do PCP, até porque ele diz que os dois Partidos cada vez se distinguem menos no seu comportamento.

Apesar da sua ideologia ter o nome de 'socialismo científico', pelo que os comunistas deveriam basear-se, para a sua análise, numa aturada observação empírica do que se passa à sua volta, o PCP expõe ao invés, hoje e sempre, o vanguardismo que o caracteriza e que se pode bem resumir à ideia de que quando se leva um banho de realidade que contradiz as nossas expectativas (e o resultado eleitoral de Domingo foi uma verdadeira banhada) nega-se a realidade e afirma-se a teoria.

Na verdade, o PCP anda a levar banhos de realidade desde pelo menos 1989 (de facto, desde o discurso de Khrushchev a denunciar os crimes de Estaline) e continua olimpicamente a ignorá-la.

Se as coisas não correm bem, é porque não fomos suficientemente determinados na nossa estratégia, ou por causa dos malvados capitalistas, ou da comunicação social, ou das sondagens. É preciso repetir a dose, só que com mais afinco.

Isto tem outro nome, é tudo menos científico, e chama-se fanatismo religioso...

José disse...

Ainda há pouco, na TV, o camarada Jerónimo apareceu ladeado por uma rapariga "diversa" (quero com isto dizer que era preta). Ora, se isto não é uma marca de modernidade, não sei o que poderá ser!

Resta saber se a jovem "diversa" virá de algum dos bairros de lata mantidos pelas autarquias PCP que se recusaram a aderir ao programa de fim de barracas promovido pelo PSD.

Jaime Santos disse...

O facto de ser só você que repara em certas coisas, José, diz pouco sobre elas mas muito sobre a forma como pensa...

JFM disse...

Desde que me reformei tenho participado ativamente nas campanhas eleitorais.
Ao contrário de outras vezes a CDU nada fez na autarquia onde vivo. No terreno que percorremos fomos encontrando os moradores e eleitores dos diversos partidos e fomos ouvindo aqui e ali a incompreensão na rejeição do orçamento e na opção de votar PS desta vez.
Mais do que todos os factos enumerados neste post e comentários é preciso ouvir as pessoas coisa que as intervenções do PCP, cada vez mais demonstram afastamento

José disse...

Muito bem Jaime Pinto!

Para além de que falar em "abnegada luta contra a ditadura"... Até parece que eles estavam a pensar no bem dos que se lhes opunham.

Jaime Santos disse...

JFM, eu pensava que o PS iria perder as eleições, por causa da responsabilidade partilhada no chumbo do OE (afinal, Costa tinha insistido, coerentemente, na continuação da Geringonça depois de 2019, pelo que pelo menos aí o eleitorado poderia puni-lo por não ter falado com o PSD).

Quando ouvi dizer que em Aveiro e Leiria a participação eleitoral tinha aumentado, pensei, mau, mau, a derrota vai ser pesada.

Quando me disseram que em Matosinhos, feudo tradicional socialista e da Esquerda, essa taxa de participação ultrapassava os 60%, disse a um familiar, talvez a vitória esteja à vista, mas irá ser curta.

Nunca imaginei a banhada que aquilo foi...

Parece-me que se o PCP tivesse ouvido o seu eleitorado tradicional, que provavelmente nunca leu o 'Das Kapital' e está mas é preocupado com o aumento da sua magra pensão, ter-se-ia abstido na generalidade e procurado melhorar o OE na especialidade com o músculo que o Partido então tinha.

Agora os comunistas vão depender da boa vontade do PS... Enfim, um Partido com tradições a caminho da irrelevância, fruto do enquistamento ideológico...

Jaime Santos disse...

Seguramente que os salazaristas que se opuseram ao PCP também não estavam a pensar no bem dos comunistas e sim à procura de uma maneira de que estes os incomodassem o menos possível, para lembrar a citação de Salazar que o Sr. Embaixador trouxe à colação recentemente.

Com uma pequena grande diferença entre os dois lados. Enquanto que o PCP, mau grado o seu estalinismo, deu um contributo inegável e cimeiro na luta contra a Ditadura Salazarista, a Direita, salvo figuras corajosas como Humberto Delgado ou Henrique Galvão (o primeiro deu a vida por isso) viveu comodamente à sombra da bananeira salazarista (o termo é apropriado porque Portugal era uma república das bananas que explorava as colónias e a sua população).

Sabe, José, eu acho que existe uma diferença crucial entre nós, enquanto eu sou anti-comunista apesar desse contributo que reconheço (por causa dos crimes do movimento comunista internacional) você e outros parece-me que são anti-comunistas sobretudo por causa do dito contributo.

Fazem parte da Direita ressabiada que nunca celebraria o 25 de Abril...

Joaquim de Freitas disse...

"Jaime Santos: "enquanto eu sou anti-comunista apesar desse contributo que reconheço (por causa dos crimes do movimento comunista internacional)"


Este paragrafo, podia merecer - uma vez não é costume - a minha aprovação, se o Jaime Santos fosse capaz de ler honestamente a Historia, sem “parti pris”…Mesmo se isto parece “whataboutismo”…

Por exemplo, que quando escreve “…(por causa dos crimes do movimento comunista internacional) , não esquecesse o sangramento demográfico das Américas. Os milhões de mortos, desde 1945, das guerras americanas por toda a parte, para açambarcar as riquezas e recursos doutros povos ou por razoes geoestratégicas…

Com o desaparecimento gradual da caça, as tribos nativas americanas depararam-se com uma escolha difícil: ou morreriam de fome, ou iriam para a guerra, ou deixariam os seus territórios ancestrais e iriam para o oeste, onde entrariam em conflito com outras tribos.

Incapazes de escravizar os nativos ou viver em boas relações com eles, os britânicos rapidamente decidiram exterminá-los; Uma vez que os britânicos fossem evacuados, por vingança e ganância, os americanos continuariam o seu trabalho de despejar os nativos até ao seu quase genocídio.

Em 1835, Alexis de Tocqueville (1805-1859) descreveu em “Democracy in America” a situação dos índios nos Estados Unidos: Os espanhóis, com a ajuda de monstruosidades incomparáveis, cobrindo-se de vergonha indelével, não conseguiram exterminar a raça índia.
Os americanos dos Estados Unidos , escreveu, alcançaram esse resultado com maravilhosa facilidade, silenciosamente, legalmente, filantropicamente, sem violar um único grande princípio de moralidade aos olhos do mundo. Não se pode destruir os homens respeitando melhor as leis da humanidade.”

Diferentes hipóteses colocam a população inicial entre 20 e 150 milhões de habitantes. Um certo consenso foi estabelecido em torno de 100 milhões de habitantes3. Cerca de cinquenta anos depois, o continente havia perdido entre 80% e 90% da sua população total.

O despovoamento maciço da população indígena das Américas após 1492 foi um genocídio.

A escravatura foi um genocidio.

Os EUA, a ONU e Gaza

Ver aqui .