domingo, fevereiro 20, 2022

Destinos

No momento em que escrevo, não faço a mais leve ideia do que vai acabar por acontecer como desfecho da tensão em torno da Ucrânia. Uma coisa tenho para mim como certa: quer haja um conflito armado quer ocorra um qualquer entendimento que o evite, estes dias de início de 2022 vão ficar bem marcados na História contemporânea.

De um lado, está Vladimir Putin, alguém que, muito claramente, se sente na pele do vingador da humilhação que Moscovo sofreu, no termo da Guerra Fria que a União Soviética clamorosamente perdeu. Olhando a sua postura, nota-se que pretende desenhar o seu lugar na linhagem da Rússia eterna, onde o poder autocrático, como o que agora afirma, sempre foi a regra do jogo. Se o conseguirá fazer em moldes que o elevem nesse mundo de mitos nacionais russos, veremos muito em breve.

Do outro, está um muito improvável ator da História da seu país. Quando, há pouco mais de um ano tomou posse, ninguém lhe destinava um futuro na memória americana. Joe Biden fora a solução conveniente, descortinada pelo seu partido, para conseguir afastar Trump. “A safe pair of hands” na administração Obama, foi um operador eficaz no Congresso e era tido como um razoável conhecedor das coisas internacionais. Pouco mais. Pensava-se que seria um interlúdio até Kamala Harris ganhar senioridade. E, contudo, a História cai-lhe agora no colo.

A História é sempre um objeto fascinante de estudo. Mas nem sempre ela tem graça quando se é condenado a vivê-la.

8 comentários:

Flor disse...

Estou a ficar receosa! Acho que vou começar a abastecer a minha despensa. Foi a minha mãe que me incutiu esse cuidado. Ela sabia bem o que era dividir uma sardinha por três. Pode ser que não chegue nada aqui.Macron esteve a falar com Putin ao telefone durante 1 hora e 45m vamos lá a ver o que sai dali. ;)

Jaime Santos disse...

Biden tem a vantagem de que ninguém dá nada por ele, ao passo que Putin já foi elevado à condição de Génio do Mal, não só por alguma Direita Anti-Russa, mas também por muita Esquerda Revanchista, que o que quer é alguém que dê uma lição ao Império, independentemente das consequências.

Todos falam muito da histeria americana, mas um artigo recente do The Economist, que já citei atrás, citava por sua vez uma editora chefe da RT que dizia que 'o patrão (sic!) nunca trabalha de acordo com uma agenda de outrem'.

Ao anunciar uma possível invasão, Biden sabe que está a constrangir a mão de Putin...

Anónimo disse...

Caro Embaixador
Admiro a sua postura equilibrada, embora nem sempre concorde com o conteúdo das suas intervenções (as quais por vezes serão condicionadas/induzidas pelo seus interlocutores - por exemplo, António Freitas de Sousa ou Carlos Gaspar).

Quanto ao assunto "Rússia", parece que se sentirá condicionado por um de dois fatores: a) conhecimento do "méttier" diplomático, tal como é apreendido e exercido, num pequeno país, atrasado e irrelevante, membro da NATO, da UE e da OSCE; b) a pressão social e política da sociedade portuguesa, que condena os seus ilustres ao destino que José Gil bem definiu no título do seu livro "Portugal, o medo de existir".

Por isso, não posso deixar, por agora, de o incentivar a contribuir para "acordar" as mentes retrógadas que, em tempo de confrontação geopolítica, se limitam a balbuciar os mesmos estafados "slogans" anticomunistas tão em voga durante os 48 anos da ditadura, até por já não se poderem aplicar neste momento - como qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento saberá, a Rússia não é comunista, embora a ilusão de que ainda o é, interesse aos seus detratores.

O Embaixador "palco" e visibilidade, aproveite-os.

Joaquim de Freitas disse...

Como deveríamos classificar um chefe de estado que votou a guerra do Iraque? Joe Biden fez mais do que votar pela guerra. Ele era o presidente do poderoso Comité de Relações Exteriores do Senado e realmente usou o seu controle sobre esse comitê para garantir que a maioria do Senado dos EUA votasse para autorizar a guerra.

E este é um ponto muito importante. É de se perguntar se a autorização para iniciar a guerra poderia ter sido aprovada no Congresso, sem tudo o que Biden fez. Uma guerra cujos efeitos são visíveis até hoje. Só não levou o frasquinho do pobre Colin Powell à ONU.

Entretanto, segundo o comentador Jaime Santos, é Putin, que é o Génio do Mal….

Joe Biden dirige um país, onde duas tendências contradictórias coexistem na evolução política do país: a preservação das “liberdades fundamentais” e a tentativa de desprezá-las desde que a “nação” pareça ameaçada. Pareça...

Entre mito e realidade, os Estados Unidos se autodenominam os campeões da "democracia", enquanto o conformismo e a repressão dominam a cultura política.

Da criação dos Estados Unidos e a sua ideologia nacionalista a George W. Bush e a direita cristã, passando pelas milícias privadas, liberdades constitucionais suprimidas durante as guerras, Henry Ford, a “caça às bruxas”, a homogeneização cultural, a “presidência imperial”, indivíduos considerados “não americanos” sempre foram alvo da repressão estatal. Movimentos fascistas marcam dois séculos de história americana.

Não é de admirar: As práticas de genocídio e escravistas que presidiram a fundação do país encontram-se na brutalidade que reprime os movimentos sociais.

O 6 de Janeiro 2021 foi uma amostra. Outras virão. O Génio do Mal? Procure bem Sr. Jaime Santos.

A história dos Estados Unidos é uma história de violência sem limites, pilhagem, hipocrisia, exploração, imperialismo, opressão e guerra. Todas as guerras de agressão. Nenhuma guerra defensiva. É único na história da humanidade. Quem pode nomear um regime mais malvado ou sanguinário? Eu não…

Jaime Santos disse...

Joaquim de Freitas, vê-se bem que não compreende a ironia, como é habitual em quem vem da sua área política.

Mas convém não esquecer que Putin mandou arrasar Grozny e depois o que os russos fizeram na Síria, além, claro, das tentativas de minar a integridade territorial dos vizinhos...

Uma espécie de doutrina Monroe para o antigo Império Soviético...

Os Impérios, EUA e Rússia (e antes URSS), têm muito mais em comum do que você gosta de admitir, mas claro, você só critica quem lhe convém, os outros são todos uns santos.

O inimigo de um imperialista é a mais das vezes outro imperialista, não um anti-imperialista.

É o que eu digo, olhando para quem uma certa Esquerda apoia (o BE pelo menos é contra todos os ditadores) e para a forma como os ditos Governos da Rússia, ou da China, ou de Cuba, pisam na soberania dos povos, seja na dos povos dos seus próprios Países, seja na dos povos de Países terceiros, as loas que essa Esquerda canta à soberania nacional tornam-se uma anedota nos seus próprios termos, um exercício de cinismo e de hipocrisia, que deve ser denunciado sem apelo nem agravo, com uma boa gargalhada de desprezo pela tentativa orwelliana de dizer que 2+2 não é igual a 4.

E ainda bem que entre nós essa mesma Esquerda foi colocada no seu lugar a 25 de Novembro de 1975, manu militari, pelo Governo legítimo de então, porque não deixaria de nos ter submetido a semelhantes suplícios, digo eu.

Joaquim de Freitas, quem pensa que engana?

Joaquim de Freitas disse...

Ah bom, era ironia ! Enganei-me então…Não detectei nenhuma ironia nas suas palavras, Jaime Santos. Mas antes a sua “tendência” política habitual, à qual tem todo o direito.

Mas que o leva a escrever que “os ditos Governos da Rússia, ou da China, ou de Cuba, pisam na soberania dos povos”…

Cuba pisa na soberania de quem? Dos Estados Unidos talvez? Esquece que Obama, na sua visita de 2016 a Cuba, disse: "Cuba não é uma ameaça para os Estados Unidos.» Quem sabe, ele ou você?

Putin arrasou Grozni ? Pelas mesmas razoes que a coligação americana arrasou Mossul, , Bagdad, Fallujah, Mossul e Aleppo.Jaime Santos…

E ameaçam de arrasar a Ucrânia e os antigos países de leste, se Putin deixar o senil da Casa Branca continuar o seu jogo.

Porque se o míssil nuclear que a Rússia havia oferecido a Cuba, após o ataque dos EUA à Baía dos Porcos em 1961, como um impedimento para qualquer outra intervenção dos EUA contra Cuba, era então inaceitável para os Estados Unidos, como será possível para a Rússia aceitar a manobra da NATO/EUA?

Muitos países da antiga URSS tornaram-se aliados militares da NATO. As fronteiras estavam escancaradas para receber bases militares com as armas mais sofisticadas para, supostamente, protegê-los contra uma invasão da Rússia. Os Estados Unidos e seus aliados da NATO moveram-se avidamente para ocupar esses novos espaços. O que era inaceitável para Cuba em 1962 tornou-se para a grande maioria dos países da ex-URSS.

É óbvio que Putin vê claramente o jogo dos Estados Unidos e da NATO que, assim, cercam a Rússia militarmente. Esses mesmos países que se prestam à militarização do seu território tornam-se, sem perceber, o escudo humano de qualquer possível ataque da Rússia contra as forças da NATON. Essas armas disponíveis para esses países serão os primeiros alvos de qualquer intervenção russa. As populações serão as primeiras vítimas.

E é isso que Biden espera: Ele sabe que as provocações visam levar Putin a fazer um gesto militar ofensivo para justificar o ataque à Rússia em defesa dos países fronteiriços.
A NATO destruiu a Líbia por muito menos…

Os mesmos jogaram um jogo semelhante na Síria, assumindo o papel de defensores das viúvas, órfãos e perseguidos, fazendo todos os esforços para combater os chamados terroristas e apoiar, através desses mesmos terroristas, a oposição armada que luta contra regime de Bashar Al Assad.
Os Daesh, al-Nosra et os capacetes brancos ? Uns anjos muito bem remunerados pelo Império…

Fizeram a mesma coisa no Afeganistão, com Massoud, até os transformar nos talibã… a quem finalmente deram o poder ,fugindo com o rabo nas pernas

Joaquim de Freitas disse...

PS) " Rectifico : "O que era inaceitável para Cuba em 1962 tornou-se "aceitàvel"para a grande maioria dos países da ex-URSS.

Obrigado.

Erk disse...

O que era inaceitável para cuba em 1962 tornou-se aceitável para a Europa de Adolf Hitler em 1939.

Tranquilo, camaradas. Importa é ser vermelho.

Parabéns, concidadãos !