quarta-feira, fevereiro 09, 2022

João Ferreira Amador

Detesto esta necessidade regular de converter o que por aqui escrevo em apontamentos necrológicos. Mas dá-se o caso, simultaneamente triste e inevitável, de ter cada vez mais mortos conhecidos. Não sou o único, eu sei.

Há pouco, passada a meia-noite, no on-line do “Público”, fui surpreendido com a triste notícia da morte do João Ferreira Amador, aos 92 anos. Tinha-me chegado que, desde há bastantes anos, ele vivia distante do convívio consciente com os seus.

Era um homem sereno, de fala pausada, com um trato magnífico e um sorriso permanente. Antes do 25 de Abril, tinha feito um percurso profissional na administração ultramarina. Tinha já 44 anos quando, em 1975, fez concurso e ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ocasião em que coincidimos.

Tenho quase a certeza de que o João Ferreira Amador foi a pessoa que, com mais idade, alguma vez acedeu, por concurso público, à diplomacia portuguesa. Em si mesmo, isso representou uma extraordinária prova de humildade, dadas as funções subalternas que os primeiros anos da carreira sempre implicam. Como que a compensar essa circustância, o ministério atribuiu-lhe sempre tarefas consulares, onde acabava por ser chefe de si mesmo. O seu último lugar foi cônsul-geral em Madrid.

Por singular coincidência, do grupo de menos de uma vintena de colegas que tomaram posse nesse dia 13 de agosto de 1975, o João Amador e eu fomos os únicos a ser mandados prestar serviço, por alguns meses, no Gabinete Coordenador para a Cooperação, sob a tutela da Comissão Nacional de Descolonização, da Presidência da República, e, depois, para um efémero Ministério da Cooperação. Fizemos então uma boa amizade, convivendo diariamente, num ambiente muito agradável. Foi um período bem divertido, com grande autonomia de ação, de que guardo uma boa memória.

Tempos depois, começava o nosso “baile” de rotina na carreira. O Amador (era assim que eu o tratava e ele, a mim, por Seixas) foi para o Congo e eu para a Noruega. Depois passou para o Brasil, comigo a ser mandado para Angola. E por aí adiante. O João Amador saiu do serviço ativo em 1995. Fez exatamente 20 anos na segunda carreira que escolheu e muito bem serviu.

Data de agosto desse ano de 1995 uma fotografia de um jantar, no Clube de Jornalistas, onde se vê o João ao lado da maioria das pessoas desse nosso ingresso de 1975. Quando, em 2015, comemorámos os 40 anos dessa data, num restaurante de Campo de Ourique, o João já não nos pôde acompanhar, por razões de saúde.

Lá se foi agora o João Amador. À sua família deixo sentimentos sinceros de muito pesar, que sei partilhados por todos que com ele tiveram o gosto de conviver.

1 comentário:

AV disse...

“Ia sozinho, como os filhos únicos sabem andar (…)”. . É verdade, e vejo isso no meu filho. Um dia vi o meu filho o andar até ao fim da nossa rua, sozinho, com ‘um saco alpino’ e algo mais, e soube naquele instante que ele ia para a sua vida futura.

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