sexta-feira, setembro 09, 2016

Guterres na ONU

1. É muito positivo que António Guterres se mantenha na liderança das votações indicativas para a escolha de SG da ONU. Candeia que vai à frente...

2. É também muito bom sinal que tenha tido mais um "voto de encorajamento" e menos um de "desencorajamento".

3. Há que ter em atenção a evolução positiva, que se confirma, do candidato eslovaco e a sustentabilidade do candidato sérvio. Ambos são "da região" que era, à partida, tida como origem desejável do próximo SG.

4. O fator género parece estar por ora diluído, pelo menos no tocante à lista de candidatos em presença. 

5. A grande questão está em saber se, na próxima votação, os dois candidatos "da região" se aproximam ou não de Guterres. 

6. Se isso não acontecer, as hipóteses de Guterres sobem exponencialmente e, a menos que haja uma surpresa (veto russo ou chinês), ele será o próximo SG da ONU. É implausívrl, nessas condiçōes, que o veto surja de um dos três membros permanentes ocidentais.

7. Se tal aproximação, em matéria de encorajamentos, vier a acontecer, pode surgir a ideia de que se entrou numa situação de quase empate técnico. 

8. Nesse caso, e embora muitos observadores qualificados achem que já será tarde para tal, o surgimento "out of the blue" de um novo nome ganharia força. E esse nome é só um: a búlgara Kristalina Georgieva, vice-presidenge da Comissão Europeia, desbragadamente protegida por Jean-Claude Juncker nos últimos meses, sem que se tenha percebido bem se com o apoio discreto de que poderes europeus. Seria "da região"... e mulher! 

9. A contraciclo desta hipótese funciona o que se sabe ser alguma rejeição "misógina" em setores do mundo islâmico e não só, temerosos que uma SG mulher pudesse vir a forçar uma agenda com que não concordassem. Atendendo a que Georgieva só avançaria se tivesse a certeza do não-veto russo, só a China poderia protagonizar-se como grande obstáculo.

10. Espero estar redondamente enganado nas minhas preocupações e que o candidato português venha a ser o escolhido. Depois disso, mas só então, direi aqui o conjunto importante de razões pelas quais, para além da consagração dos méritos de António Guterres, considero que isso seria muito importante para Portugal e para a nossa presença no mundo.

Histórias


Um conhecido meu, há dias, estava em casa de uma família amiga e veio a propósito um qualquer episódio da História de Portugal. Um dos filhos dessa família revelou um surpreendente desconhecimento sobre um episódio muito conhecido da História de Portugal. O pai, um tanto embaraçado, justificou:

- Sabes, ele anda no ensino secundário numa escola inglesa e eles, no currículo, não "dão" História de Portugal.

Será assim? É autorizado ensino secundário, em território português, sem a transmissão desses conhecimentos? Alguém me pode informar se isto é verdade?

A minha Europa


Há dias, Jaime Gama disse do seu desagrado por ver setores políticos portugueses a assumirem um discurso negativista sobre a Europa, apelando à reconstituição do “arco europeu”, que assegurou a vontade para a integração e a mobilização para as três décadas de presença portuguesa no projeto. Com a autoridade de quem teve responsabilidades em momentos decisivos desse percurso, Gama sublinhou as virtualidades políticas do processo integrador e algumas das imensas vantagens que Portugal dele retirou.

Gama tem toda a razão e, olhando, mesmo que com uma frieza isenta de qualquer idealismo, para o leque das opções que Portugal tem perante si, em termos de inserção geopolítica, parece-me evidente que um projeto europeu é o único que, num prazo que vai até onde a nossa visão estratégica alcança, melhor defende os interesses portugueses.

Articular essa inserção europeia com a vertente atlântica e a dinamização possível do espaço lusófono, onde a proteção da diáspora se deve integrar, com o nosso particular olhar histórico para a África e o “Sul” em geral, sustentar a credibilidade que criámos na vida multilateral, terreno por exemplo essencial para uma “diplomacia do mar”, bem como aproveitar a nossa vocação de “honest broker” e de “produtor de segurança” através das nossas Forças Armadas – eis um programa de ação externa em que nos deveremos empenhar.

Mas voltemos à Europa, a qual, aliás, nos ajuda a potenciar muitos dos vetores da agenda atrás sintetizada. Costumo dizer, para arrelia de alguns, que sou tão europeísta quanto os interesses de Portugal o justificarem. Porém, repito, não dispensando o exercício de algum controlo nacional sobre a soberania partilhada no quadro europeu, não tenho hoje a menor dúvida de que é aí que os nossos interesses, enquanto país, melhor são defendidos. Creio que era a essa Europa que Jaime Gama se referia. Só que pode haver outras.


Como português, não sou europeísta de “qualquer Europa”. Se a Europa vier a transmutar-se num modelo de gestão centralizada, desigualizadora na proteção dos interesses dos diversos povos e Estados, um grande mercado monetário policiado pelo veto financeiro de alguns e desmunido de políticas fortes de solidariedade, assente numa matriz que garante a riqueza a uns pela persistência da falta de bem-estar de outros – essa não é a minha Europa. Não sou pela Europa “do mal o menos”, nem acho que Portugal deva assumir uma vocação europeia apenas “by default”. Somos um país que deve defender a preservação da democracia como elemento identitário dentro da Europa mas, igualmente, que deve bater-se para que a Europa seja, ela própria, regida por regras transparentes, democráticas, que preservem o princípio da igualdade soberana dos Estados. Essa é a minha Europa ou, para ser mais claro, é apenas a esse europeísmo que adiro – e não a qualquer outro.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, setembro 08, 2016

Mário Vilalva


Mário Vilalva despediu-se ontem, durante o dia nacional do Brasil, dos seus amigos portugueses. Imagino que tenham sido muitos os que foram dizer adeus à Vânia e ao Mário, na receção organizada na embaixada. Digo "imagino" porque, por um destes azares que as minhas ocupações de reformado me criam, tive um compromisso simultâneo inadiável que não me permitiu lá estar, como muito desejaria. E digo "muitos" porque conheço muito bem a excecional marca que este embaixador brasileiro deixou em Portugal.

Ser embaixador do Brasil em Portugal, ou vice-versa, é, além de uma exigente profissão de Estado, uma "arte". A intensidade do relacionamento bilateral pode criar a ideia de que se trata de uma função regida por regras óbvias, que tudo se passa com a naturalidade de uma "lua-de-mel" diplomática. Puro engano! Muitas vezes, somos mais exigentes com a "família" do que com os amigos e, também por isso, esta é uma "special relationship", como se diz noutras paragens. Se um dia me der para escrever sobre isto, é um longo volume...

Conheci o Mário quando cheguei ao Brasil, onde ele chefiava então o departamento de promoção comercial do Itamaraty. O seu trabalho era elogiado "urbi et orbi". Esteve depois no Chile, uma relação bilateral importante, antes de aportar por aqui, um país onde já tinha estado no início dos anos 90 e onde sempre se sentiu "como peixe na água". Pude testemunhar, em diversos círculos, como era escutado, respeitado e, o que é mais importante, como conseguiu ser a voz prestigiada do Brasil, num tempo nem sempre fácil para a imagem externa do seu país. O Mário Vilalva foi um exemplar embaixador brasileiro em Portugal.

Adeus, Vânia e Mário. Vamo-nos vendo por aí!

quarta-feira, setembro 07, 2016

A síndrome do Mandarim

Ontem foi Joseph Stiglitz, a plagiar João Ferreira do Amaral, dizendo que Portugal não tem futuro dentro do euro. Meio país ecoou o Nobel e o outro descreu na profecia. 

Hoje é Tony Barber que, só tendo agora recebido a difícil tradução do discurso do Pontal, fala da "tempestade perfeita" que pode aguardar a economia portuguesa, num interessante editorial do "Financial Times" que vai fazer a glória das Cassandras do comentário nos próximos dias (o que já aí vai de euforia oposicionista pelas redes sociais!). Texto que, aliás, ganha em ser bem lido até ao fim, isto é, até ao ponto em que fala da inconveniência absoluta para a Europa dessa hipotética conjugação climática.

No Mandarim, Teodoro tocava a campaínha e o mandarim morria na China. Aqui são o Project Syndicate e o FT que "matam" à distância, uma espécie de "drones" mediáticos.

Arrefecer

Lisboa está a arrefecer. Aos poucos. Sopra um vento leve, setembrino, que põe acalmia na caloraça infrene que nos dominava os dias e noites. Temos tendência a ter estados de alma sobre o tempo: "Que belo dia!" ou "que dia chato!", quando, na realidade, se as coisas nos correm bem ou mal, até os maus dias passam a bons e um sol de "National Geographic" pode servir de cenário para uma neura. Hoje, repito, de um momento para o outro, neste final de tarde, Lisboa arrefeceu. É bom? É mau? É a vida, como dizia o outro.

"Voyeurisme" político

Cada um falará por si, mas quero dizer que quase sempre tenho alguma curiosidade em ver dissecados, a posteriori, episódios polémicos do quotidiano político, que a espuma dos dias deixou para trás de forma inconclusiva. Casos portugueses e não só.

Às vezes, em especial no estrangeiro, isso é feito por algum jornalismo de investigação, mais ou menos competente. Porém, na grande maioria dos casos, essas coisas ressurgem só através de memórias, com a limitação desses relatos unipessoais raramente fugirem a uma leitura parcelar e interessada dos factos, quase sempre por forma a deixar o autor no "safe side" da questão. 

Vem isto a propósito do livro que Fernando Lima vai publicar nas próximas horas, onde aborda o seu tempo com Cavaco Silva em Belém, como assessor para a comunicação social, depois de o ter acompanhado ao tempo de primeiro-ministro, período de que deixou um relato não excessivamente excitante.

A grande curiosidade em torno deste novo livro não será tanto a sua acrimónia final face ao antecessor de Rebelo de Sousa (para quem gosta de andar à cata das coscuvilhice que tanto anima certa imprensa) mas, essencialmente, a luz que o texto possa vir a deixar sobre o famoso caso das acusações de "vigilância" de S. Bento a Belém, nos idos de 2009. 

Por isso, ao contrário de alguns amigos, que seguramente rejeitarão o livro com a mesma convição com que (como eu) rejeitavam fortemente o "cavaquismo", irei ler com muita curiosidade o texto. 

Há dias, uma personalidade conhecida, dizia-me: "tu não serves de orientação em matéria de leituras, porque lês tudo". Não é verdade, antes fosse. O que eu leio é "de tudo", dando clara preferência àqueles com que sei, à partida, que não vou concordar.

Keith Vaz


Às vezes sublinho por aqui ligações pessoais a figuras que conheci e cujo trajeto futuro veio a tornar mais conhecidas, por carreiras de sucesso. Hoje vou num sentido um pouco distinto.

Keith Vaz, antigo responsável britânico pelos Assuntos europeus no governo de Tony Blair, com quem mantenho uma boa e antiga relação de amizade, foi forçado a afastar-se do seu lugar de deputado na Câmara dos Comuns, para onde tinha sido sucessivamente eleito, desde há cerca de 30 anos, por se ver envolvido num escândalo com contornos menos simpáticos.

Ao Keith, um homem caloroso e muito agradável, que me fala sempre com orgulho das suas raízes goesas, deixo aqui um abraço de solidariedade pessoal. A vida continua, embora agora de forma diferente.

Suíça

Jogar bem e ganhar é normal. Jogar bem e perder é azar. Jogar mal e perder é normal. Jogar mal e ganhar é ser campeão europeu.

terça-feira, setembro 06, 2016

Costa e o Brasil

Uma nota rápida mas, pelos vistos, necessária.

Nenhuma, repito, nenhuma leitura restritiva dos contactos que o primeiro-ministro português venha a ter com as autoridades brasileiras, durante a sua estada no país, tem a menor, repito, a menor legitimidade. 

É sabido que, no seio das forças políticas que apoiam o governo, a começar pelo PS, há muito quem pense que o afastamento de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer à presidência brasileira são atos feridos de irregularidades. Cada um é livre de pensar o que quiser sobre o assunto. Só que isso é, em absoluto, irrelevante para a política externa portuguesa. 

Portugal não se relaciona com regimes políticos, relaciona-se com Estados. Era o que faltava que estados de alma de natureza político-ideológica, assentes em leituras constitucionais exteriores da situação política brasileira, viessem a projetar-se, ainda que ao de leve, nesse imenso tecido histórico que hoje constitui a importante malha do relacionamento luso-brasileiro. 

O Ministério português dos Negócios Estrangeiros, pela voz avisada do seu ministro, já disse o que precisava de ser dito. Assunto encerrado, pois.

Dos mitos pouco urbanos

Hoje, durante um jantar, um estrangeiro que eu tinha acabado de conhecer fez-me uma pergunta curiosa: "Então é verdade que o vosso primeiro-ministro conseguiu um truque parlamentar para governar sem maioria?".

Esclareci-o que, nas últimas eleições, o PSD foi o partido mais votado e o PS o segundo. Como manda a Constituição, o presidente da República convidou o líder do PSD a formar governo. Este organizou um governo com outro partido, o CDS, e esse governo não conseguiu aprovação na Assembleia da República, porque teve contra si o voto conjugado de todos os partidos da oposição, que, conjuntamente, têm mais deputados que PSD e CDS somados. Nestas condições, e como sucede em todo o mundo (aconteceu, por exemplo, em Espanha), o líder do PS, o segundo partido mais votado, foi convidado a formar governo. Contrariamente ao líder do PSD, que havia arranjado um parceiro de coligação, o PS decidiu fazer um governo sem recorrer a coligações, garantindo para ele, por um acordo parlamentar, apoio político por parte dos dois restantes partidos, que com ele haviam derrubado o governo do PSD/CDS. É esse governo mono-partidário que hoje está em funções, mantendo o apoio desse dois outros partidos.

"Mas não foi isso que me disseram as pessoas com quem eu falei! É verdade que eram todos conservadores, mas a ideia que me deram é que havia uma clara ilegitimidade na constituição deste governo". Expliquei que a única "questão" poderia ser a quebra da "tradição" do partido mais votado chefiar sempre o governo. Esse partido, contudo, teve a sua "chance" de procurar uma maioria e não conseguiu concretizá-la, por falta de apoio parlamentar.

"A ser assim, não há nada de estranho! Pelo que você me explicou, acho mesmo um abuso e uma distorção dizerem que há uma "ilegitimidade" no vosso governo. É um absurdo!". Disse-lher ser da mesma opinião.

O meu interlocutor acrescentou: "Dizem-me que o vosso novo presidente é muito popular e que vem da ala conservadora, não é". Confirmei a popularidade e, quanto à vinculação política, reafirmei que ele é mesmo um orgulhoso militante e fundador do PSD e, que eu saiba, não entregou o seu cartão de filiado. "Mas ele tem poderes para dissolver o parlamento e convocar novas eleições?" Disse-lhe que sim, claro. 

"Então há qualquer coisa que não estou a perceber bem: se todos os meus amigos conservadores me falam da "ilegitimidade" deste governo (embora você já me tenha explicado que não houve nenhuma ilegalidade formal), se o novo presidente é oriundo da ala conservadora e tem hoje forte apoio popular, porque é que ele não aproveita para convocar eleições e assim tentar fazer regressar ao poder os seus amigos políticos?".

Não resisti: "Talvez porque ele demonstra bom senso e porque você é que anda por cá em muito más companhias..." 

segunda-feira, setembro 05, 2016

"Out of Africa"

O nosso embaixador naquele país africano de língua portuguesa ficou preocupado com as consequências que a declaração solene daquele alto responsável político local pudessem vir a ter nas relações com Portugal, que, desde há algum tempo, atravessavam um momento menos bom. 

O político, num contexto formal, a que a comunicação social dera forte destaque, recomendara aos concidadãos que se abstivessem de se deslocar a Portugal, nomeadamente em férias e, se possível, também em negócios. O nosso país era referido como "hostil" e "não recomendável" para os cidadãos dessa ex-colónia. 

Que significado isso tinha? Haveria algumas medidas que pudessem vir a afetar a TAP? Ou os negócios? As coisas não ficavam claras. E o embaixador, ao encerrar o expediente na embaixada, nessa sexta-feira, deve ter pensado para consigo mesmo: vamos para fim de semana e depois logo se vê, na velha lógica de que o tempo, às vezes, acaba por resolver as coisas.

No sábado de manhã, nesse tempo em que não havia telemóveis, o telefone retiniu na residência do embaixador, a minutos de ele partir para a praia. Era um seu colaborador. "Lá temos chatice!", deve ter pensado, também na consabida (e sempre confirmada) regra de que a maioria dos problemas nas embaixadas "caem" nos fins de semana.

Do outro lado da linha telefónica, a voz "sorridente" do diplomata júnior que o chamava sossegou-o. O jovem pretendia apenas informar o embaixador de que, bem cedo nessa manhã, lhe haviam batido à porta, solicitando com urgência um visto de entrada em Portugal, no passaporte diplomático de uma senhora, mulher de um importante político, que desejava deslocar-se nesse mesmo dia a Lisboa. O curioso é que a senhora era, nada mais nada menos, do que a mulher do político que, menos de 24 horas antes, recomendara um feriz "boicote" à terra lusa. Ironias...

Há pouco, na livraria do Apolo 70, lá estava ele, o político, de iPhone no ouvido, em traje estival, com alguns "bodyguards", a folhear as últimas edições. Lisboa é uma bela cidade para férias e negócios, não é?, tive vontade de perguntar-lhe...

domingo, setembro 04, 2016

Fui à festa!

A Festa do Avante é uma grande romaria laica. Os santos têm vindo a perder fulgor e o eixo da fé caiu há uns tempos com um muro, lá para o meio da Alemanha. As músicas populares que animavam os romeiros, dos primeiros tempos, deram lugar a sonoridades de grupos de vanguarda, sempre com uma pitada nacional, para manter uma referência à tradição. Quem por lá vai nos dias de hoje é uma mistura simpática de gente, tão diversa que, no ano passado, ficou por esclarecer uma triste trapalhada homofóbica, com a complacente cumplicidade da imprensa.

Não foi apenas o calor que fez com que não me desse para passar este ano pela Festa do Avante. Foi o sentimento de que, não obstante ter uma simpatia residual pelo sonho que leva muitos cabelos  brancos a confiarem nos amanhãs que cantam, aliados a uma juventude militante cujo entusiasmo não  me foi ainda dado entender, aquela mensagem é-me já um pouco alheia. Mas, este ano, teria uma curiosidade: fazer a exegese do discurso equilibrista do PCP, na sua qualidade membro da "geringonça". Não deve ser fácil estar e "não estar" no poder. Amanhã vou ler Jerónimo de Sousa e olhar a cara de Arménio Carlos e Mário Nogueira. "Pode alguém ser quem não é?", cantava Sérgio Godinho. Se calhar, pode.

Mas, afinal, fui à Festa ou não? Claro que fui. Fui à festa de aniversário de um grande amigo e, no final, cantou-se a Internacional com a letra do "Parabéns a você!". Ou seria vice-versa? É uma grande confusão? Lá isso é, mas teve muita graça, talvez mesmo muito mais do que a Festa do Avante.

sábado, setembro 03, 2016

O défice, a dívida e a Europa

Fala-se que o défice público de 2016, pelos menos aquele que é relevante para as contas europeias (isto é, sem contar com a recapitalização da Caixa), pode ficar bem abaixo dos 3%.

Acho extraordinário como ninguém destaca que um défice de 3% - ou mesmo de 4% ! - face ao produto seria sempre, historicamente, um défice fantástico, não para o padrão teórico convencionado pela ortodoxia dominante, mas para quem tem alguma memória.

(Uma nota: quando se diz que a recapitalização da caixa "não tem efeitos no défice" dever-se-ia ponderar que, em rigor, o serviço dessa nova dívida surgirá projetado nesse défice, isto é, no "que conta" para a Europa).

Mas, contraditoriamente, algo estranho o olhar embevecido que se lança para o número sincrónico do défice, como se dele dependesse toda a nossa felicidade, embora reconheça que dele depende a possibilidade de sairmos do procedimento europeu de défices excessivos, o que não é pouco, pelo impacto no acesso ao mercado de capitais. 

O nosso défice, nas condições de (não) sustentabilidade que hoje tem, faz-me lembrar aquele peso "magnífico" a que conseguimos chegar depois de dez dias sem beber álcool, consumir açúcar e comer pão e farináceos: começamos logo a pensar poder comprar camisas "slim fit"... Para comemorar, fazemos um jantar excecional (em termos financeiros, são as "reposições" da "geringonça"). E lá vamos nós para nova "engorda" até ao "check-up" bruxelense do ano seguinte.

Então não há saída para este dilema? Há. Excluídas as receitas extremas da austeridade (redução e quebra de qualidade da máquina do Estado, cortes nas pensões e salários públicos - lembrando que o rácio despesa pública/produto, em Portugal, nem sequer é dos mais elevados da Europa), resta atacar a questão da dívida. Sendo a dívida (a amortização e o seu serviço) o grande fator desta pressão sobre o défice, é aqui que reside o principal problema português (e não só português).. 

Não há nenhum - repito, nenhum! - cenário de futuro em que seja plausível que a nossa dívida venha a ser paga de forma quantitativamente significativa. Tal como sucede, todos os dias, com os grandes clientes dos bancos, há momentos em que, para os credores, faz muito mais sentido perder parte do capital e garantir a subsistência de um devedor, cuja capacidade de recuperação, nessas novas circunstâncias, possa garantir futuros retornos e, no caso dos países, uma presença no mercado de comércio e serviços propiciadora de futuros lucros, num ambiente de maior bem-estar e prosperidade nacionais (crescimento, emprego, menores tensões sociais), criador de condições sólidas para o investimento. Toda a gente sabe isto!

Porque a questão da dívida não pode ser resolvida de forma relevante num quadro negocial exclusivamente nacional (com as "trocas" de dívida, com as retificações de taxas ou com a mudança de algumas maturidades - ou com uma reclamação política de "reestruturação" da dívida nacional, como gostaria irresponsavelmente a "esquerda da esquerda", o que condenaria Portugal a um isolamento trágico e penalizante), pode dizer-se que só num contexto global europeu é que este que é o principal problema da vida nacional tem condições para começar a ser resolvido. 

Se há hoje um grande dossiê da nossa política externa, esse é o da dívida.

sexta-feira, setembro 02, 2016

Foi ali!


Como diria José Hermano Saraiva, foi exatamente ali, naquela mesa da direita, numa tarde de início de Verão, que tudo se passou, segundo vários testemunhos recolhidos. 

O casal, chegado do almoço na Pensão Mondego, à época uma rotina muito vulgar em algumas famílias de Vila Real, gostava de ocupar aquela mesa de canto, na Pastelaria Gomes. Eram ambos bastante baixos e anafados, ele mesmo rotundo, mas sempre de peito feito, como se uma farda se lhe colasse ao corpo, em permanência. Não se pode afirmar que fossem figuras populares na cidade, talvez porque a procurada gravidade do cavalheiro não induzia automaticamente uma onda de simpatia. Durante quase uma hora, por ali ficavam, as mais das vezes sozinhos, ele lendo o jornal com os óculos na ponta do nariz, ela quase sempre acabando por dormitar um pouco, para o que encostava a cabeça para trás, junto à grade que separa do "primeiro andar", que se pode ver na imagem que ontem colhi.

A partir daqui, os cronistas divergem em preciosismos metodológicos, convergindo, contudo, no resultado final. Numa versão, um dos ocupantes da mesa de cima terá tido a ousadia de atar uma sediela de pesca desportiva a fios da cabeleira da senhora, fixando a outra ponta na grade divisória. Noutra, teria sido fita-cola ou cola-tudo que, discretamente, terá colado o cabelo à grade. A versão mais benévola, e que entendo aliás como mais consentânea com a brandura dos costumes dos frequentadores do café, favorece a tese de que a cabeleira da senhora, num tombamento para trás durante um momento de sono, se terá ensarilhado de modo natural, e sem a intervenção da mão humana, numa das circunvoluções da grade. 

Provavelmente, a História nunca será servida, de forma incontroversa e definitiva, pela verdade dos factos. O anais da tradição oral urbana apenas registam, sem a menor sombra de dúvida, que a senhora, ao mover a cabeça para se levantar da mesa, terá ficado com a cabeleira - que era afinal um imenso postiço - presa à grade e, à vista da cidade social que a Gomes representava, terá exposto, espera-se que por escassos mas sem dúvida marcantes instantes, toda a careca que o artefacto cuidava pudicamente em resguardar. 

O abafado das gargalhadas que o episódio provocou em algumas mesas permanece, ainda hoje, na memória auditiva das testemunhas do evento, que o evocam com sorrisos (lamentavelmente) jocosos, alguns dos quais, "à la limite", poderiam indiciar que a tese da intervenção humana exterior colheria alguma credibilidade. Passaram quase cinco décadas sobre o episódio e, para além da prescrição objetiva do presuntivo delito, manda a discrição que não se tente aprofundar eventuais suspeitas. A bem da amizade.

Dinheiro em Caixa


Faço uma declaração afetiva de interesses quanto à Caixa Geral de Depósitos. Entre outras razões, porque para ali entrei, por concurso público, há muitos anos, naquele que foi o meu primeiro emprego. 

O banco do Estado representou sempre um indispensável instrumento da política pública na área económico-financeira, para quem, como eu, não cultiva a sacralização da “mão invisível” reguladora do mercado. Por isso, a crise que a Caixa atravessou recentemente não me deixou indiferente, quase tanto quanto as pulsões para a sua privatização, ideia quase criminosa face ao interesse público, se pensarmos naquilo que está a ser a desertificação da presença nacional na banca que resta por aí. 

O governo obteve uma vitória importante no processo de recapitalização da Caixa, que permitirá superar a fragilidade conjuntural revelada nos recentes testes de “stress”. Se isto fosse um país com memória, o executivo anterior deveria ser chamado à responsabilidade pela incúria com que tratou a Caixa – por exemplo, mentindo descaradamente ao país quanto à existência de uma possibilidade efetiva desse reforço de capital, sem efeitos no défice, para efeitos das contas europeias.

Se o dossiê recapitalização correu bem, já o da nomeação da nova administração foi envolvido em escusadas trapalhadas, jogando na praça pública, por incompetência indesculpável, com personalidades respeitáveis, que não mereciam esta incúria política.

Dir-se-á que tudo acabou em bem e que, agora, há que partir para um tempo novo. Não me parece. Por muito que isso possa incomodar alguns, desejosos por passar uma esponja sobre os tempos idos, eu, como contribuinte investidor, quero exercer aquilo que os franceses chamam o “direito de inventário” sobre o que se passou na Caixa, que conduziu à situação que agora se pretende superar.

Eu e todos os portugueses – repito, contribuintes investidores – temos o direito a saber, preto no branco, quais a responsabilidades exatas do condomínio PS/PSD, com algum CDS à mistura, que dominou a Caixa nas últimas décadas. Desde logo porque, nessa gestão politizada, houve gente competente e outra que o foi menos – e não podem todos ser medidos pela mesma rasa. 

Os portugueses têm o direito de saber, com nomes e números, quem foram, nos anos que prejudicaram a instituição, os responsáveis pelos créditos concedidos sem as necessárias garantias, se houve motivação política nessas decisões, se aconteceram, e porquê, grandes perdões de dívida e quem são hoje os principais devedores incobráveis – alguns dos quais andam por aí de costas direitas, com ar de gente séria.

A Caixa é uma coisa demasiado importante para que os erros de quem por lá passou possam ser iludidos, numa espécie de voluntária amnésia para absolver os vícios políticos do sistema. E, se o governo e alguns partidos se mostrarem relutantes a fazê-lo, o presidente da República deveria lembrar-lhes essa responsabilidade. O país ficaria grato.

quinta-feira, setembro 01, 2016

Diana


Num dia, creio que de 1992, entrei no San Lorenzo, um restaurante italiano em Beauchamp Place, em Londres, para almoçar com um amigo inglês. Encontrei-o de pé, junto ao balcão do bar, logo na entrada, e comentei: "Bela escolha de restaurante! É aqui que a princesa Diana costuma vir".

Semanas antes, tinha vindo a público, na "popular press", que a mulher do príncipe Carlos era amiga da dona do restaurante, de que era regular frequentadora. Quase um ano depois, as más línguas, a começar pelo biógrafo Andrew Morton, espalharam que o restaurante servia a Diana como "eixo" para encontros extra-conjugais.

O meu amigo não sabia nada disso. Mas, nem um minuto era passado, arregalou os olhos e disse: "Está a entrar a princesa Diana!". E era verdade. A senhora, como às vezes acontece, era mais bonita ao vivo do que em fotografias. Sentou-se com uma amiga numa mesa, connosco com o almoço positivamente perturbado pela coincidência.

Voltei a vê-la duas vezes mais. Numa receção em Buckingham Palace, quando sopesou a Cruz de Cristo que Duarte Ramalho Ortigão trazia ao pescoço (eu tinha outra igual, mas ela "escolheu" o Duarte, vá-se lá saber porquê) e perguntou ao embaixador Vaz Pereira porque não tinha também aquela bonita comenda, o que o levou a responder, com a habitual graça: "I'm working for it, Your Highness!". Depois, por último, no jantar que Mário Soares ofereceu à raínha Isabel II na nossa residência, em Belgrave Square, um dos escassos lugares estrangeiros em Londres onde a soberana se desloca e, muito provavelmente, a única manifestação que sobrevive da "Oldest Alliance".

Diana tinha um olhar suave e sedutor, que sempre comparei à trajetória de algumas bolas "puxadas" de ping-pong: descia e voltava a subir em direção ao interlocutor. Parecia frágil e, de facto, era. 

Passam agora exatamente 19 anos sobre a sua morte, num acidente no túnel de Alma, em Paris, sobre o qual está uma escultura de uma chama dourada que, embora nada tendo a ver com o desastre da princesa, recolhe diariamente as flores de quem dela gostava. Hoje, deve estar cheia delas.

Aqui fica uma fotografia igual à que ela dedicou aos seus dois grandes amigos Maria Lúcia e Paulo Tarso Flecha de Lima, embaixadores brasileiros em Londres, que me recordo de ver então na sua residência.

O "whataboutism"

Os anglo-saxónicos (que raio de fórmula para o que antes eram, simplesmente, os ingleses) criaram um belo conceito, quase que diria que dedicado ao espírito português: o ""whataboutism". Entre nós poderia ser traduzido por "e-atão-o?".

O "whataboutism" é a imparável tendência para, quando argumentamos com uma coisa, nos virem logo com outra. Fala-se dos erros dos gestores do PS na Caixa e, logo, os "pêesses" saem com "e então os do PSD?", como se os pecadilhos de uns pudessem absolver os dos outros.

Há minutos, coloquei no Facebook uma graça estival aos juristas, categoria em que tenho quase mais amigos do que pessoas conhecidas. De imediato, surgiram reações, algumas façanhudas outras com "fairplay", contra os diplomatas, até com exegeses curriculares em apoio. 

Que ferro!, como diria o Eça, bacharel de direito e diplomata nas horas (felizmente) vagas da escrita. 

O jeitinho brasileiro

Se um dia reencarnar, quero ser jurista. O que eles se divertem!

Ontem, no processo de destituição de Dilma Rousseff, a imaginação jurídica fez com que o processo de votação, a partir de certa altura, incidisse em dois items diferentes. Através do primeiro - que era o objetivo principal - a presidente foi afastada com a maioria de votos requerida. No segundo - como que em auto-absolvição compensatória da violência da primeira medida - os senadores aceitaram que Rousseff pudesse exercer cargos políticos nos próximos oito anos. (A argumentação "humanitária" para esta última medida foi curiosa: ela necessitaria de meios para viver, assumindo-se assim a política como o único "emprego" que lhe era possível ter).

Neste "jeitinho" jurídico, os legisladores brasileiros, aceitaram aquilo que parecia um gesto inócuo, quase caridoso, face à presidente cessante. E, no entanto, ao fazê-lo, deliberadamente ou não, abriram uma espetacular "caixa de Pandora". Rousseff pode não ser nos dias de hoje a mais popular pessoa do Brasil, mas, ao ter visto reconhecida a sua "ficha limpa" para o exercício futuro de cargos políticos, ficou com a porta escancarada para poder vir a ter a sua "revanche" face a Temer. Este, segundo toda a imprensa, terá ficado furioso com o expediente jurídico, que pode dar uma segunda vida ao seu ódio de estimação - e a intervenção que fez depois da posse foi clara prova disso.

Não há como ser jurista para poder fazer das coisas aquilo que der mais "jeitinho" ao momento.

Lápis azul?

Foi um momento triste e revelador.

Na apresentação dos títulos das primeiras páginas dos jornais de hoje, na RTP 3, cerca da uma da manhã, a locutora, por duas vezes, iludiu deliberadamente, na análise (quase) exaustiva feita à 1a página do jornal i, o destaque que este jornal dá a uma declaração do jornalista Luís Marinho, em que este tece comentários sobre a RTP, de cujos quadros deixa agora de fazer parte.

Um gesto que deixa muito mal na fotografia a RTP.

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...