Fala-se que o défice público de 2016, pelos menos aquele que é relevante para as contas europeias (isto é, sem contar com a recapitalização da Caixa), pode ficar bem abaixo dos 3%.
Acho extraordinário como ninguém destaca que um défice de 3% - ou mesmo de 4% ! - face ao produto seria sempre, historicamente, um défice fantástico, não para o padrão teórico convencionado pela ortodoxia dominante, mas para quem tem alguma memória.
(Uma nota: quando se diz que a recapitalização da caixa "não tem efeitos no défice" dever-se-ia ponderar que, em rigor, o serviço dessa nova dívida surgirá projetado nesse défice, isto é, no "que conta" para a Europa).
Acho extraordinário como ninguém destaca que um défice de 3% - ou mesmo de 4% ! - face ao produto seria sempre, historicamente, um défice fantástico, não para o padrão teórico convencionado pela ortodoxia dominante, mas para quem tem alguma memória.
(Uma nota: quando se diz que a recapitalização da caixa "não tem efeitos no défice" dever-se-ia ponderar que, em rigor, o serviço dessa nova dívida surgirá projetado nesse défice, isto é, no "que conta" para a Europa).
Mas, contraditoriamente, algo estranho o olhar embevecido que se lança para o número sincrónico do défice, como se dele dependesse toda a nossa felicidade, embora reconheça que dele depende a possibilidade de sairmos do procedimento europeu de défices excessivos, o que não é pouco, pelo impacto no acesso ao mercado de capitais.
O nosso défice, nas condições de (não) sustentabilidade que hoje tem, faz-me lembrar aquele peso "magnífico" a que conseguimos chegar depois de dez dias sem beber álcool, consumir açúcar e comer pão e farináceos: começamos logo a pensar poder comprar camisas "slim fit"... Para comemorar, fazemos um jantar excecional (em termos financeiros, são as "reposições" da "geringonça"). E lá vamos nós para nova "engorda" até ao "check-up" bruxelense do ano seguinte.
Então não há saída para este dilema? Há. Excluídas as receitas extremas da austeridade (redução e quebra de qualidade da máquina do Estado, cortes nas pensões e salários públicos - lembrando que o rácio despesa pública/produto, em Portugal, nem sequer é dos mais elevados da Europa), resta atacar a questão da dívida. Sendo a dívida (a amortização e o seu serviço) o grande fator desta pressão sobre o défice, é aqui que reside o principal problema português (e não só português)..
Não há nenhum - repito, nenhum! - cenário de futuro em que seja plausível que a nossa dívida venha a ser paga de forma quantitativamente significativa. Tal como sucede, todos os dias, com os grandes clientes dos bancos, há momentos em que, para os credores, faz muito mais sentido perder parte do capital e garantir a subsistência de um devedor, cuja capacidade de recuperação, nessas novas circunstâncias, possa garantir futuros retornos e, no caso dos países, uma presença no mercado de comércio e serviços propiciadora de futuros lucros, num ambiente de maior bem-estar e prosperidade nacionais (crescimento, emprego, menores tensões sociais), criador de condições sólidas para o investimento. Toda a gente sabe isto!
Porque a questão da dívida não pode ser resolvida de forma relevante num quadro negocial exclusivamente nacional (com as "trocas" de dívida, com as retificações de taxas ou com a mudança de algumas maturidades - ou com uma reclamação política de "reestruturação" da dívida nacional, como gostaria irresponsavelmente a "esquerda da esquerda", o que condenaria Portugal a um isolamento trágico e penalizante), pode dizer-se que só num contexto global europeu é que este que é o principal problema da vida nacional tem condições para começar a ser resolvido.
Se há hoje um grande dossiê da nossa política externa, esse é o da dívida.
6 comentários:
Teoricamente é assim. O Senhor Embaixador tem razão. Mas creio que para resolver o histórico problema da divida, somos obrigados de aceitar que um país sem recursos estratégicos, sem indústrias de base ou produções competitivas no mercado não tem hipótese de escapar à dívida permanente.
E é obrigado a endividar-se no interior como no exterior, o que beneficia às classes dominantes locais e estrangeiras.
Por vezes vendendo uma parte das riquezas da nação ou concedendo acordos de libré troca ao estrangeiro danosas para a economia nacional.
O acordo com a EU mais não foi que isso, isto é, o abandono de actividades históricas, tais como a pesca e a agricultura de base, e outras, para se terminar agora na venda dos aeroportos, auto-estradas, bancos e tudo o mais.
Foi o abandono puro e simples da nossa soberania, sem o qual nada pode ser regulado e adaptado às nossas necessidades.
Aquele que controla o dinheiro da Nação, controla a Nação.
Aqueles que retiram todos os benefícios desta situação, porque não devemos esquecer que há muita gente que enriquece com a crise, estão interessados que assim continue.
A propriedade privada desde há muito que se emancipou da comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora dela, mas este Estado não é outra coisa que a forma de organização que os burgueses se dão por necessidade afim de garantir reciprocamente a sua propriedade e os seus interesses, tanto no interior como no exterior, seja no quadro do Estado – nação capitalista e no sistema dos Estados no mercado mundial.
Esta apropriação do Estado pelos burgueses, efectua-se no essencial pelos mecanismos económicos. O Estado caiu inteiramente nas suas mãos (dos burgueses) pelo sistema da dívida pública, cuja existência depende exclusivamente, pelo jogo da subida e da baixa dos valores do Estado na bolsa, do crédito comercial que lhe concedem os proprietários privados, os burgueses.
Vejo mal como será possível regular um dia esta situação sem uma “contestação violenta” do sistema.
A dívida e o seu corolário, a iniquidade, a injustiça, a pobreza, a corrupção e a devastação do ambiente, têm por origem uma cupidez cuidadosamente camuflada.
Uma elite bancária internacional detém o poder supremo da criação monetária. Esta dá-lhe o controlo – através do dinheiro-crédito- dos destinos das nações e da economia mundial. Na realidade todos os nossos problemas vêm de lá.
bem pensado e claramente exposto
parabens.
AD
Pois.
Sem moralismos.
(e a direita do BPN, BPP, BCP, BES, que se deixe de falsos (muito falsos) puritanismos. É de Portugal que se trata.)
Esta dívida impagável que nos sufoca e restringe é sinistra. No fundo, serve para estarmos eternamente (?) subjugados e catalogados.
O Embaixador é um dos que construiu a camisa de mil varas em que a UE nos enfiou, contrariando os avisos avisados da esquerda da esquerda. Ao realismo da esquerda da esquerda o Embaixador e os seus acenaram com inevitabilidades, a bondade intrínseca de tratados e moedas únicas.
Enquanto a esquerda da esquerda acertava, o Embaixador construía tratados e acordos de moeda única. É natural ter agora dificuldade em reconhecer agora que falhou onde a esquerda da esquerda acertou em toda a linha. Leva-se à conta dessa humana dificuldade a injustiça das afirmações que faz.
Mesmo o alerta da dívida impagável e da necessidade da sua renegociação é há anos feito pela esquerda da esquerda. Curioso que alguém da diplomacia, da diplomacia curtida na Guerra fria, de kremlinólogos e sinólogos, não tenha apanhado que o discurso político tem nuances. Mas nem às nuances valia a pena ligar, que o aviso foi sempre explícito.
É que a esquerda da esquerda tem sido sempre, sempre clara ao exigir renegociações. Mais, tem sido sempre tão clara, mas tão clara ao dizer que renefociações (e saídas do euro) não implica actos súbitos e unilaterais. Só não lhe contaram a si?
Mais uma vez ganhava-se em ouvir a esquerda da esquerda em tempo, em vez de esperar que embaixadores e outros chegassem à mesma conclusão tanto tempo depois (e ganhava-se também em que não dessem desculpas de mau pagador para os erros cometidos atirando para as costas da esquerda da esquerda coisas que não disseram ou exigiram)
A prioridade é, dizem-nos, de reduzir as dívidas públicas, para restabelecer a confiança, fazer baixar os impostos, relançar o crescimento. Muito bem. Mas sabemos também, vimo-lo no passado algures, que uma politica geral de restrição orçamental se traduz ao contrario por uma queda da produção, uma baixa das receitas fiscais, uma degradação do ratio de endividamento, sem que isso desse confiança aos mercados. A crise será prolongada.
A crise dos anos 2008/2012 não provém da subida excessiva das despesas, dos défices ou das dívidas públicas.
Em 2007, o saldo publico do conjunto dos países da OCDE não apresentava que um défice de 1,3% do PIB, e o dos países da zona euro de 0,7%
O que se ode dizer é que a crise provocou uma forte subida dos défices e das dívidas públicas porque os Estados foram obrigados de intervir para salvar os sistema financeiros, para apoiar a actividade e registaram uma forte baixa das suas receitas fiscais. Nada de outro.
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