terça-feira, setembro 06, 2016

Dos mitos pouco urbanos

Hoje, durante um jantar, um estrangeiro que eu tinha acabado de conhecer fez-me uma pergunta curiosa: "Então é verdade que o vosso primeiro-ministro conseguiu um truque parlamentar para governar sem maioria?".

Esclareci-o que, nas últimas eleições, o PSD foi o partido mais votado e o PS o segundo. Como manda a Constituição, o presidente da República convidou o líder do PSD a formar governo. Este organizou um governo com outro partido, o CDS, e esse governo não conseguiu aprovação na Assembleia da República, porque teve contra si o voto conjugado de todos os partidos da oposição, que, conjuntamente, têm mais deputados que PSD e CDS somados. Nestas condições, e como sucede em todo o mundo (aconteceu, por exemplo, em Espanha), o líder do PS, o segundo partido mais votado, foi convidado a formar governo. Contrariamente ao líder do PSD, que havia arranjado um parceiro de coligação, o PS decidiu fazer um governo sem recorrer a coligações, garantindo para ele, por um acordo parlamentar, apoio político por parte dos dois restantes partidos, que com ele haviam derrubado o governo do PSD/CDS. É esse governo mono-partidário que hoje está em funções, mantendo o apoio desse dois outros partidos.

"Mas não foi isso que me disseram as pessoas com quem eu falei! É verdade que eram todos conservadores, mas a ideia que me deram é que havia uma clara ilegitimidade na constituição deste governo". Expliquei que a única "questão" poderia ser a quebra da "tradição" do partido mais votado chefiar sempre o governo. Esse partido, contudo, teve a sua "chance" de procurar uma maioria e não conseguiu concretizá-la, por falta de apoio parlamentar.

"A ser assim, não há nada de estranho! Pelo que você me explicou, acho mesmo um abuso e uma distorção dizerem que há uma "ilegitimidade" no vosso governo. É um absurdo!". Disse-lher ser da mesma opinião.

O meu interlocutor acrescentou: "Dizem-me que o vosso novo presidente é muito popular e que vem da ala conservadora, não é". Confirmei a popularidade e, quanto à vinculação política, reafirmei que ele é mesmo um orgulhoso militante e fundador do PSD e, que eu saiba, não entregou o seu cartão de filiado. "Mas ele tem poderes para dissolver o parlamento e convocar novas eleições?" Disse-lhe que sim, claro. 

"Então há qualquer coisa que não estou a perceber bem: se todos os meus amigos conservadores me falam da "ilegitimidade" deste governo (embora você já me tenha explicado que não houve nenhuma ilegalidade formal), se o novo presidente é oriundo da ala conservadora e tem hoje forte apoio popular, porque é que ele não aproveita para convocar eleições e assim tentar fazer regressar ao poder os seus amigos políticos?".

Não resisti: "Talvez porque ele demonstra bom senso e porque você é que anda por cá em muito más companhias..." 

7 comentários:

Anónimo disse...

Mas olhe que nao foi isso que o senhor escreveu quando o Antonio Costa tomou o poder de assalto... Va' la' reler os seus emails...

E quanto ao presidente... tambe'm me recordo das suas advertencias... ate' disse algo do tipo... Depois nao digam que eu nao avisei!

Francisco Seixas da Costa disse...

Não é verdade. Vá reler. O que eu escrevi é que a fórmula de governo era uma aliança "contranatura" e que desconfiava muito da possibilidade da sua sustentação. Nunca tive - ninguém de boa fé tem - a menor dúvida sobre a sua conformidade absoluta com o normativo constitucional. Reconheço que tem durado mais do que eu esperava, embora alguns dos efeitos que eu temia estejam aí.

JS disse...

Sem dúvida. Também não resisto: Talvez porque ele demonstra bom senso, pois até já tem tudo o que queria, e porque você é que anda por cá em muito más companhias, pois não lhe explicaram ainda que a relação entre os votos em partidos, depositados nas urnas, e a maioria de deputados que depois irão eleger o PM, na AR, é, bem à moda Portuguesa, uma pescadinha de rabo na boca ....".

Anónimo disse...

Os efeitos temidos pelo embaixador estão por aí. Parece que já não temia, nem teme, os bem vividos efeitos do tão natural arco da governação. A realidade tem mostrado ao embaixador várias crenças falidas. Bom era que fosse só ele a tramar-se com a falência das suas crenças em vez de sermos nós todos. Passeie que faz-lhe bem, escreva, que tem graça, e se puder faça auto-crítica e a correspondente contrição.

Anónimo disse...

'Os efeitos temidos pelo embaixador estão por aí. Parece que já não temia, nem teme, os bem vividos efeitos do tão natural arco da governação. A realidade tem mostrado ao embaixador várias crenças falidas. Bom era que fosse só ele a tramar-se com a falência DAS SUAS CRENçAS em vez de sermos nós todos. Passeie que faz-lhe bem, escreva, que tem graça, e se puder faça auto-crítica e a correspondente contrição."

suas não, da maioria dos votantes portugueses. E se o metodo de eleicao fosse proporcionalidade directa e nao pelo método de Hondt a qunatidade de deputados que corresponderia a esquerda ainda seria maior.

claro que o meu amigo pode dozer que o modelo da esquerda é questionavel. eu respondo: os exemplos da direita nao o sao menos. o amigo enumere pessoas da direita com perfil... além da cristas... pois...

quantos dos seus politicos favoritos nao estariam ha com os pes para a cova se a politica portuguesa fosse a americana? ( o mesmo aconteceria a uns de esquerda e ainda bem)

é isso

cumprimentos

Anónimo disse...

Caro Gaspar:

Gostaria saber da disponibilidade para vir dar uma "mãozinha" ás finanças (pelo menos dentro do meu partido), pois o vira mandado da geringonça e as actuações ilusionistas para o pagode, deixam-me de sorriso á Alme(*)dina "apanhado" pelo professor.

Tony

Anónimo disse...

O anónimo de 6 de setembro de 2016 às 18:46 tresleu o que eu disse a 6 de setembro de 2016 às 16:20.

Elaborei sobre palavras exactas do autor-embaixador, nesta mesma caixa de comentários, quando escreveu "embora alguns dos efeitos que eu temia estejam aí."

Se o embaixador temia isto que vivemos (que é latamente positivo) e insiste que venceu a sua aposta "negra" seria curioso saber o que terá visto enquanto alternativa.

O embaixador foi o vencido a que me referi. Aquilo que defendeu no passado (e em que parece insistir) teve como consequências em pior as piores previsões daquilo a que chama esquerda da esquerda.

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