quinta-feira, dezembro 26, 2019

Lâmpadas


“Há já muito tempo que só vendemos LED, não sabia?!”. Então acabaram com as lâmpadas normais e ninguém me avisou?

Bom ambiente

Tenho a maior simpatia pelo ministro do Ambiente. E é precisamente por isso que acho que ele tem de medir melhor o peso das palavras: falar na hipótese de deslocação física de localidades é um tema a cuja imensa delicadeza um político não pode deixar de ser sensível

Outdoors


Não há regras que impeçam a poluição visual com cartazes. “outdoors” gigantes que desfeiam as cidades portuguesas? 

Em períodos eleitorais, vá que não vá. Mas será que nunca mais poderemos voltar a ver o Marquês ou a Praça de Espanha ou o Saldanha sem cartazes? Não se vê isto noutras capitais.

The Crown

Acho excelente a série “The Crown”, que passa na Netflix. Mas tem um imenso defeito: “cola-se” de tal forma à realidade que acaba por induzir o observador desprevenido à ideia de que aquilo é História, nomeadamente no modo como faz interagir entre si as diferentes personalidades. Às vezes, somos tentados a esquecer que estamos perante uma mera obra de ficção, construída por forma a tentar criar uma narrativa que ligue alguns factos reais conhecidos.

A reserva islandesa


Podia haver pessos mais forretas do que o meu amigo Álvaro. A mim, porém, nunca ninguém me as apresentou! Fui amigo do Álvaro até à sua morte e pude constatar que, à infindável generosidade da sua amizade, correspondia um cuidado extremo em não gastar um tostão a mais que ele visse como dispensável. Ou, se possível, gastar ainda menos. Tinha, aliás, um extraordinário livro onde anotou, por décadas, as suas mais ínfimas despesas, gorjetas incluídas - um documento que hoje seria precioso, para se aferir da evolução dos preços nesse período.

O Álvaro sempre me considerou um incorrigível perdulário, ficava furibundo quando me via incorrer numa despesa que ele via como supérflua, achava que eu comprava livros a mais, que gastava muito em restaurantes e que não escolhia as formas mais económicas de viajar. Eu, confesso, às vezes fazia certas compras diante dele com uma certa displicência ou deixava uma gorgeta mais redonda, unicamente para ver-lhe no olhar chocado a sua íntima reprovação. Provocar um forreta nunca me pareceu configurar um “crime”...

Tenho um mar de histórias da forretice do Álvaro, mas há uma que, ontem, em conversa com um conhecimento comum, me veio à memória.

Estávamos na segunda metade dos anos 80. Era um tempo em que eu vivia em Lisboa e, um dia, o Álvaro telefonou-me a perguntar se eu conhecia alguém na Islândia. 

Porque ele tinha estado em minha casa uns dias, quando vivi em Oslo, dera conta que era a embaixada portuguesa na Noruega que “cobria” a Islândia, pelo que achou provável que eu tivesse mantido um conhecimento qualquer por lá, não obstante terem passado já alguns anos.

De facto, eu tinha tido contacto com o cônsul honorário português em Reykjavik e disse-lho. Ficou imensamente satisfeito e passou a relatar-me o que pretendia. Ia à Islândia numa viagem que lhe fora oferecida por um jornal com o qual colaborava, mas estava a ter dificuldade em fazer a reserva do alojamento que pretendia.

Para evitar incomodar o nosso cônsul honorário por um assunto tão fútil, disse-lhe que tinha um amigo numa agência de viagens, em Lisboa, que seguramente lhe trataria da reserva. O Álvaro reagiu: “Isso também eu tenho! Mas as agências não conseguem marcar aquilo que eu quero”. 

Que diabo de alojamento tão especial era impossível de marcar a partir de Lisboa, num mundo onde essas coisas já se faziam, à distância, com toda a facilidade? O Álvaro pareceu-me um pouco embaraçado, ao confessar: “Bom, é que eu soube que as instalações do “Exército de Salvação” têm lá umas camaratas coletivas muito boas, com um preço que me ficava muito em conta. Se o nosso cônsul pudesse fazer um telefonemazito a marcar uns dias para mim, tudo seria mais fácil”.

Eu nem queria acreditar! Ficar no “Exército de Salvação” era um recurso quase para indigentes, disse-lhe. Ele não tinha idade nem estatuto para isso. Mas ele não se importava: o preço da dormida era muito “jeitoso”. “Eh, pá! Não sejas chato! Pede lá isso ao homem, não te custa nada”.

Tenho a maior relutância em incomodar os outros, só o fazendo por razões muito ponderosas. E aquela, manifestamente, não era uma delas. Assim, recusei liminarmente fazer o pedido ao nosso cônsul honorário. Nunca cheguei a saber onde é que o Álvaro se aboletou em Reykjavik. (Na internet, descobri agora uma elucidativa imagem de camarata “Salvation Army Guesthouse” em Reykjavik. As coisas a que o Álvaro recorria, quando se tratava de poupar dinheiro!)

O Álvaro ficou um pouco abespinhado comigo. Mas nós nunca nos zangávamos, porque a nossa amizade era à prova de tudo, mesmo da sua incomensurável forretice. Só a sua morte, há já mais de uma década, acabou com essa coisa deliciosa que eram as nossas intermináveis discussões. Este Natal, tive saudades do Álvaro!

quarta-feira, dezembro 25, 2019

A desculpa da estação


A bica da Consoada


Tinha fama de comunista, o que, no tempo da “outra senhora”, prenunciava vida problemática e sugeria cautelas na aproximação pessoal. O Lima afivelava, por regra, uma cara zangada com o mundo, que exibia à porta do café de que era proprietário, o Imperial, no fundo da rua Direita de Vila Real.

Na sociologia empírica que me habituei a fazer de cada um dos cafés da minha cidade natal, nunca consegui definir uma tipologia dos frequentadores do Imperial. As mesas pareciam-me sempre vazias e rumorava-se que isso se devia ao facto do Lima ter erupções de feitio que o levavam, algumas vezes, a fáceis atritos com a clientela.

Em contraste com este perfil iracundo, o Lima era um refinado artista. Na memória da cidade ficou a sua direção de uma “marcha luminosa” histórica, no início dos anos 60. Mas, mais do que isso, ficou a sua arte no desenho das passadeiras de flores que, por muito tempo, ornamentavam, numa data religiosa do ano, a rua onde eu vivia. Recordo bem a reverência com que as senhoras encarregadas da coleta das flores recebiam as instruções detalhadas do Lima, no tocante à cor desejável das pétalas, a serem colocadas nos vincos deixados no serrim pelos moldes de madeira, cuja execução ele próprio acompanhava num carpinteiro na rampa de S. Pedro.

Mas a glória maior do Lima era a noite de Consoada. Por muitos anos, o Imperial foi o único local aberto, nessa noite, na cidade, onde se podia tomar uma bica ou comprar tabaco. Nessas horas, o café regurgitava de clientes - só homens, claro - oriundos de todos os bairros. Ainda estou a ver ali o Lima, de sobretudo cinzento, ao fundo da sala, apreciando o movimento confortável da máquina registadora. O Imperial não tinha aquecimento, aquilo era um mar de samarras, debaixo de uma fumarada imensa. O balcão não tinha mãos a medir, com os Macieira 5 estrelas a encherem (mas só até à linha vermelha) uns balões de vidro já foscos do uso. Ironicamente, essa era a noite da seca vingança do Lima.

Vingança que passava a um estádio superior de perfídia quando se constatava que o Lima fechava as portas do café meia hora antes da missa do galo, ali ao lado, em S. Pedro. E isso obrigava quantos usavam o Imperial para queimar tempo, a terem de ficar na rua, a bater as botas e os dentes de frio, a menos que quisessem ir fazer companhia às beatas que sempre chegavam cedo, para marcar lugar antes da homilia do padre Abel. O Lima não devia ser herege, talvez nem sequer fosse comunista. Ele era, apenas, de uma cidade diferente.

segunda-feira, dezembro 23, 2019

Significados

“Ó mãe! O que é aquela coisa preta no sinal?”

Milagres da Mesa Dois





Há pouco, nos arquivos fotográficos que a quadra natalícia tem tendência a fazer emergir, descobri uma imagem que, em si mesma, é reveladora da abrangência do grupo da tertúlia da Mesa Dois do bar Procópio, animado por Nuno Brederode Santos.

Desde 2004 até 2016, com escassas interrupções, tomei a iniciativa de organizar jantares anuais dos frequentadores da Mesa Dois, normalmente no mês de dezembro. Foram, ao todo, dez jantaradas, todas bem divertidas. As presenças nestes repastos anuais chegaram a oscilar entre 70 a 80 pessoas, com um quase sempre impecável equilíbrio de género. 

O conceito de “frequentador” foi sempre muito arbitrário, porquanto algumas pessoas eram bastante refratárias a “marcar o ponto” na mesa ao longo do ano. Posso hoje revelar que a primeira lista dos “convocados” foi acordada entre mim e o Nuno Brederode Santos, figura tutelar e central da tertúlia. Ao longo do tempo, fui incluindo, com a anuência discreta ou implícita do Nuno, quem entendia que tinha “credenciais” para ser chamado ao grupo. É assim, acho eu, que funciona uma democracia eficaz...

Esta fotografia é do jantar de 2008, no saudoso restaurante Vírgula, onde dois desses repastos tiveram lugar.

À esquerda (por ironia lateralizante), está o Caetano da Cunha Reis, fundador da Juventude Centrista, figura histórica desses primeiros tempos de um CDS onde se acolheu muita direita lusa - e o Caetano nunca deixou, honra lhe seja, de se reivindicar orgulhosamente dela. À direita (honni soit...), estão Carlos Antunes e Isabel do Carmo, conhecidos militantes revolucionários, das BR ao PRP. 

Eu já tinha feito a malandrice de colocar o Caetano e o Carlos lado a lado, num anterior jantar no Manel, no Parque Mayer - e deram-se lindamente! Aqui fica, pela primeira vez divulgada, a prova fotográfica deste pontual “bloco lateral”, unido excecionalmente pelo espírito congregador da tertúlia da Mesa Dois, que o Nuno tão bem simbolizou. 

Ao Caetano e ao Carlos aproveito para deixar os meus amigos votos de Festas Felizes, seja o que cada um possa disso entender.

domingo, dezembro 22, 2019

Eu, hipocondríaco, me confesso


Abro a janela do meu quarto, aqui por Vila Real, e, em letras garrafais, vejo escrito o meu nome, o nome da minha familia. É uma farmácia, aberta todos os dias, a uns escassos metros, que, desde há meses, passei a ter por vizinha. 

Hipocondríaco como sou, este é um sonho de vida finalmente realizado. Neste aspeto, sei que convoco aqui a inveja do nosso presidente da República, também ele sempre pronto a opinar sobre medicamentos. Tal como ele, sempre que necessário, “receito” medicamentos, com elevado critério, a quem se queixa de alguma coisa e tem o bom-senso de seguir os meus conselhos. 

(Um dia, recordo-me, cheguei mesmo a dar dicas farmacopédicas a um médico amigo, que olhou para mim com uma cara espantada. Em defesa, perguntei-lhe: “Nunca mandaste bitaites sobre política internacional? Tenho o mesmo direito...”). 

Tenho contudo uma vantagem sobre o mais alto magistrado da nação: Marcelo (da mesma forma que Filipe II, no poema de Gedeão, não tinha um fecho-éclair) não se pode gabar de ter uma farmácia tão “à mão de semear” como a que eu tenho por aqui. Essa é que é essa!

Mas nem tudo são alegrias. O cerceamento progressivo das liberdades privadas, que alguns confundem com modernidade, matou-me, neste domínio, pequenos prazeres dos quais, há décadas atrás, podia usufruir. Eram tempos em que vivia no estrangeiro e, passando por Vila Real, visitava aquilo que foi a outra encarnação geográfica deste mesmo estabelecimento. 

Vou fazer uma confissão, porque o eventual cúmulo de delitos já prescreveu, para os presumíveis réus envolvidos: eu aproveitava o que sabia serem as horas mortas de venda da farmácia e, com a cumplicidade de um empregado, amigo e complacente, permitia-me o discreto acesso às prateleiras “lá de dentro”. Mas, antes, tinha de ter a prévia certeza de que a “dona da casa” estava fora, porque nunca, com ela presente, eu teria a “lata” de usar daquela liberalidade.

Ultrapassando as dificuldades de aquisição que ia tendo na estranja, onde havia essa picuinhice permanente que era a necessidade de receitas médicas para certos produtos, atulhava-me então de “uma coisa que está a sair muito para o estómago” ou de “um antibioticozinho que dá para quase tudo” ou de “um xarope de que dizem maravilhas” e muitas outras novas e velhas mezinhas para as várias maleitas potenciais de que poderia vir a sofrer, nesses destinos para onde me tinham mandado para bem da pátria. Apenas “coisas para o sono ou desse género” me estavam vedadas, sendo essa a “red line” deontológica do meu cúmplice.

Era então um deleite poder passear por aquelas prateleiras, adquirindo as novidades e reforçando os “clássicos”. Não é impunemente, sem este rico saldo de experiências, que se acaba uma vida profissional nas delícias do retalho...

Tomava tudo aquilo que comprava? Nem pensar! Quantas dezenas de caixas de medicamentos, que me custaram bons milhares escudos (era esse tempo!), não acabaram por ir, intocadas, para o lixo - tanto mais que faço parte do grupo de ingénuos, como sabe quem me conhece, que é incapaz de tomar um medicamento nem um minuto que seja depois do final do mês em que ele expira o seu prazo indicativo de validade. 

Esta também é uma caraterística do hipocondríaco “profissional”, o qual, para ser verdadeiramente feliz, tem de ter uma doençazita de vez em quando, sem o que deslegitimaria a sua mania. E eu, para minha “felicidade”, lá vou tendo algumas.

Tenho agora, como disse, a nova farmácia aqui ao lado. É uma sensação confortável, podem crer. Mas, nos dias de hoje, ela passou a ter para mim zonas inexpugnáveis, travadas por um balcão por onde rodam umas jovens senhoras de sorriso simpático, que só vaga e progressivamente me vão reconhecendo, mas que, imagino, serão escassamente sensíveis a eu poder vir a tirar qualquer vantagem da circunstância do meu nome coincidir com o da casa onde trabalham. Não me estou a ver, nos dias que correm, a ser autorizado a abrir aqueles “tesouros” que são as gavetas brancas da botica (usam-se muito, vejo eu, guloso, à distância, umas inclinadas), podendo escolher “o que me der na veneta”, seduzido pela exaltante literatura das bulas. Foram grandes tempos!

A liberdade já não é o que era!

Grande Corgo!


Vejo-o assim da minha varanda. É nestes dias que o Corgo se enche de brios e mostra que, quando pode e quer, se transforma no grande rio que é. Nem sempre é assim? Pois não, mas a culpa é da nascente, lá para Vila Pouca, que lhe é avara quase o ano todo, somada depois aos litros que lhe tiram em Zimão ou Tourencinho. Por estas horas, até o afluente Cabril, que lhe alimenta quanto pode o ego aquático, deve andar impante! O Douro, onde o Corgo desagua por fim em todo o seu esplendor, que se acautele! Ah! E depois não nos venham a culpar pelas cheias na Régua ou em Miragaia! Um grande rio é assim mesmo, não pode fugir ao grandioso do seu destino...

sábado, dezembro 21, 2019

“Crónicas”


Intervenção que fiz na sessão de lançamento do livro “Crónicas”, de Nuno Brederode Santos, editado pela Cotovia e pela Imprensa Nacional, na Câmara Municipal de Lisboa. Pode ler aqui.

sexta-feira, dezembro 20, 2019

Nuno Brederode Santos

Hoje, é lançado o livro com as crónicas que Nuno Brederode Santos publicou no Expresso, de 1974 a 2001.

Leiam este seu auto-retrato delicioso:


quinta-feira, dezembro 19, 2019

Que tempo!


Por que será que, sob este vento e esta chuva, me lembro tanto desta obra de Edgar P. Jacobs?

Carlos Moedas


A entrada de Carlos Moedas no Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian é uma excelente noticia.

Moedas foi um ótimo comissário europeu e seguramente trará à instituição uma rica e interessante vivência internacional. A Gulbenkian continua assim a provar que tem um apurado critério nas escolhas para a sua Administração.

A Gulbenkian não é “nossa”, é uma instituição independente, sendo que é precisamente essa capacidade de se manter independente, escapando a ser “infetada” pelos ciclos políticos, que tem sido, ao longo das suas décadas de existência, precisamente a chave do seu sucesso. E esse seu sucesso é, como hoje parece mais do que óbvio, do interesse coletivo do país.

quarta-feira, dezembro 18, 2019

RTP


Comunicado do Conselho Geral Independente

O Conselho Geral Independente da RTP (CGI) manifesta a sua profunda preocupação pela situação recentemente criada na empresa, que levou a que Direção de Informação da televisão da RTP tenha posto o seu lugar à disposição do Conselho de Administração.

O CGI considera que o trabalho desenvolvido pela Direção de Informação correspondeu às linhas de orientação estratégicas que, a seu tempo, o CGI definiu para o serviço público de informação televisiva.

Ao longo de 2019, a informação da RTP distinguiu-se pela independência, equilíbrio e neutralidade informativa. A preocupação com estes valores assumida pela Direção de Informação foi manifesta na exemplar cobertura das campanhas eleitorais de 2019.

Não compete ao CGI, nos termos da Lei da Televisão, pronunciar-se sobre “matérias que envolvam autonomia e responsabilidade editorial pela informação”, competência que “pertence, direta e exclusivamente, ao diretor de informação”. Cabe-lhe, todavia, assegurar que a informação da RTP se adequa, com rigor, às linhas de orientação estratégica que definiu, numa das quais se defende uma informação “independente de todo o tipo de poderes” e “tendo como base critérios editoriais rigorosos e eticamente irrepreensíveis, sem concessões ao populismo mediático”.

O CGI espera que o Conselho de Administração possa propor, com celeridade e no interesse da empresa, uma nova Direção de Informação que mantenha, no essencial, a orientação que a anterior Direção vinha a seguir, a qual correspondeu ao modelo de serviço público definido pela Lei da Televisão.

O CGI considera desejável que a nova direção de informação a ser empossada estruture, da forma mais adequada à execução rigorosa do seu projeto informativo, os mecanismos internos que garantam unidade e coerência da estrutura de informação, e evitem situações fortemente lesivas da RTP, como as que recentemente tiveram lugar.

Antes que chova...



Fernando Lemos


Quando conheci Fernando Lemos, numa noite em casa do nosso cônsul geral em S. Paulo, Luis Barreira de Sousa, ele já tinha 80 anos. Eu era mais um dos, seguramente muitos, embaixadores portugueses que tinham passado pelo Brasil, desde que ele aí se instalara, em 1953. Alguns terá conhecido, outros não. Durante um jantar, falámos alguma coisa, de conhecimentos comuns, mas, para mim, soube-me a pouco a conversa com aquela que era uma figura mítica de um português no mundo das artes plásticas no Brasil. Em especial, para muita gente, na fotografia, onde ele era verdadeiramente genial. Fernando Lemos estava então já em cadeira de rodas, mas era uma figura vivíssima, com aquele humor ácido que os velhos sábios tendem a adquirir, depois de terem visto muita coisa e muita gente. Não vou fazer-lhe aqui o currículo, porque os jornais se encarregarão disso. Mas fica uma nota do seu desaparecimento, aos 93 anos de uma vida bem vivida, muito brasileira mas, também, bastante mais próxima de Portugal do que a maioria dos seus pares das artes que se fixam para sempre no estrangeiro.

O arbóreo do Natal



Disseram-me, há dias, que tinha morrido. O nome não vem ao caso. Mas logo me surgiu à memória a última conversa que tive com ele, há uns bons anos, numa rua de Vila Real, por esta altura do Natal. 

Eu vinha dos lados da Gomes, pastelaria que é o lugar geométrico da cidade de quantos ali são do meu tempo. Avistei-o e tive, já perceberão porquê, uma reação de imediata precaução. É que estava perante um conhecido praticante da chamada conversa "arbórea".

Tenho o assunto, de há muito, bem estudado. A conversa "arbórea" é um estilo de expressão oral que se carateriza por uma deriva temática obsessiva e recorrente, sem pausas, que segue como os ramos de uma árvore, de onde surgem novas ramificações, as quais, por sua vez, se subdividem, quase sem fim. Fala de um assunto, passa a outro e é como as cerejas...

Lembro-me de que o meu interlocutor não desiludiu:

- Então, disseram-me que já saiu de Paris? Deixou-se de embaixadas, não é? Era tempo! Bela cidade, Paris! Sabe que tenho lá uma prima, que trabalha num banco. Nunca a encontrou? É de Justes, está casada com o Meireles, você é capaz de conhecer, é um homem da Régua que esteve num gabinete num governo do Soares. Você é amigo do Soares, não é? Como é que ele está de saúde? Tenho grande admiração por esse homem. Desde os tempos da oposição ao Salazar. Isso é que foram anos difíceis! Na oposição, trabalhei muito com o doutor Otílio, um grande democrata cá de Vila Real. Conheceu-o, não? Dizem que o filho dele faz agora um vinho muito bom, numa quinta que tem lá para o Douro. Por falar em Douro: você, que anda lá por Lisboa, sabe o que é que se passa com a Casa do Douro? É que não se percebe nada daquelas confusões! É como na política! Você acha que o Passos Coelho se aguenta? Olhe! Ainda ontem estive com o pai dele, uma jóia de pessoa, não desfazendo...

Um "arbóreo" raramente fecha o discurso, As mais das vezes, prossegue na sua imparável viagem pelas palavras, sem limites nem contenção. Só raros "arbóreos", no delírio quase intravável do seu curso verbal, regressam ao princípio de conversa.

Naquela tarde, com o frio do Marão a apertar, na esquina entre o ourives e o Euclides (só um vilarrealense sabe o que é isto), em frente ao Santoalha e ao antigo Rafael (já houve por ali um sinaleiro!), apenas o surgimento oportuno de outro conhecido me salvou. E o "arbóreo" lá desandou, em direção ao que, noutros tempos, foram o Zeca Martins e o Teixeira Pelado... 

Mas isto já parece conversa de “arbóreo”! Boas Festas para todos!

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...