terça-feira, julho 17, 2018

João Semedo


Há quatro anos, João Semedo, à época co-lider do Bloco de Esquerda com Catarina Martins, sondou a minha disponibilidade para estar presente na "universidade de verão" do seu partido, para falar sobre a situação na Europa. 

Declinei esse amável convite, por duas razões: não estaria em Portugal nessa altura e, mesmo que estivesse, mantinha com o BE, desde a votação do PEC IV, em 2011, uma divergência política insanável, que inviabilizaria a minha presença, como na ocasião lhe expliquei. 

Na nossa troca de mensagens, confirmei a grande dignidade de João Semedo e o seu modo urbano e sereno de estar na política. Voltámos a encontrar-nos, meses mais tarde, no almoço dos 90 anos de Mário Soares.

João Semedo teve entretanto um grave problema de saúde, que o obrigou a afastar-se da liderança do Bloco. Agora, a doença fez o seu caminho.

Quero deixar aqui uma nota de pesar pela desaparição de João Semedo, uma figura que me merece um grande respeito, com um passado feito de fortes convicções.

A finlandização de Trump



”Better than super”, segundo o “New Yorker”, terá sido a expressão utilizada por Sergey Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo a uma agência noticiosa daquele país, para qualificar o modo como correu, na perspetiva da Rússia, a cimeira entre Putin e Trump. 

De facto, melhor era impossível. Foi como se o “script” daquela inacreditável conferência de imprensa tivesse sido escrito em Moscovo. O modo como mesmo os meios mais conservadores da América estão a reagir é a prova de que algo descarrilou.

Trump parece ter sido vítima de uma espécie de “finlandização”, essa “neutralidade colaborante” que continua a ser um ferrete histórico na memória do país que acolheu o encontro dos dois líderes. Ao colocar a credibilidade das instituições do país que governa ao nível das garantias de um país estrangeiro contra o qual partilha sanções e cujas ações no plano internacional oficialmente condena, o presidente americano, como se dizia há pouco num outro site americano, ou é um inocente útil ou um instrumento consciente a favor da Rússia ou ambas as coisas ao mesmo tempo.

Tempos curiosos, estes. E perigosos, claro. 

segunda-feira, julho 16, 2018

A ilusão dos poetas

Na quinta-feira passada, no jardim de uma embaixada em Lisboa, onde o pretexto da reunião era a homenagem a um político poeta - ou vice-versa -, eu referi a “Balada da Neve”, do Augusto Gil, já nem sei bem a que propósito. 

Nesse instante, passou por nós aquele que é, indubitavelmente, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos, Nuno Júdice, a quem eu comentei: “Estou a falar de um ‘colega’ teu, o Augusto Gil!”

Para minha surpresa, o Nuno retorquiu: “Bem me enganou, esse Augusto Gil!” Não tendo sido contemporâneos (o Nuno nasceu precisamente vinte anos após a morte de Gil), ficámos à espera da explicação. 

E ela veio: “Eu nasci no Algarve, onde não nevava. Pela “Balada da Neve” aprendi que a neve “bate leve, levemente”, fazendo barulho. Até que um dia, já adulto, assisti à neve a cair e, como toda a gente, constatei que não há nada de mais silencioso do que um nevão”.

Afinal, os poetas também se enganam uns aos outros...

À dúzia é mais barato...


  • Estou a ficar velho: depois de um belo fim de semana com amigos, comidas, copos e muita conversa, sinto-me cansado e a ansiar por férias com amigos, comidas, copos e muita conversa.
  • Estou a ficar velho: dez anos depois de o ter iniciado, ainda teimo em escrever todos os dias este meu blogue.
  • Estou a ficar velho: cada vez recuso mais convites para ir falar às televisões.
  • Estou a ficar velho: sinto-me cada vez mais Sportinguista - quer ganhe, perca, empate ou desça de divisão.
  • Estou a ficar velho: deixei definitivamente de ir a restaurantes em que não fazem reservas.
  • Estou a ficar velho: gosto de me sentar a ler um jornal em papel numa esplanada, com uma cerveja e tremoços.
  • Estou a ficar velho: gosto de ver mulheres bonitas nas imagens televisivas dos estádios de futebol.
  • Estou a ficar velho: gosto imenso de ver as cegonhas nos postes da REN.
  • Estou a ficar velho: um hotel onde demoram mais de cinco minutos para fazer o “check-in” passa a “no-go area” na minha lista de afinidades eletivas.
  • Estou a ficar velho: um restaurante em que fiz reserva e em que a minha mesa demora a estar preparada mais de cinco minutos (vá lá!, sete, se me apetece muito lá comer) desce rapidamente na minha lista íntima de preferências.
  • Estou a ficar velho: dei uma volta de carro a um quarteirão só para não perder a oportunidade de fotografar um jacarandá.
  • Estou a ficar velho: já não tenho muita pachorra para conduzir por horas mas tenho imenso prazer em ir ao lado a ler jornais & net, mandar bitaites sobre a condução alheia e ser “managing director” (1) da temperatura do carro, (2) da seleção da música e (3) dos lugares onde se deve parar.

domingo, julho 15, 2018

O sabor da vitória

Não sou francês: mas hoje deve ser muito agradável ser cidadão de um país que, sendo vitorioso à escala do mundo, tem contra si a inveja de boa parte desse mesmo mundo.

Croácia (2)


Aqui fica mais uma memória da Croácia, a horas da final do Mundial com a França.

A Croácia declarou a sua independência em Junho de 1991, no quadro de um complexo processo que levou à divisão da antiga Jugoslávia. Terríveis atos de guerra e tensões étnicas abalaram então a região balcânica, onde hoje, para além da Croácia, figuram, com estatuto de Estados independentes, a Eslovénia, a Bósnia-Herzegovina, a (antiga República jugoslava da) Macedónia, a Sérvia, Montenegro e o Kosovo.

Deve dizer-se que o objetivo croata estava longe de fazer a unanimidade europeia. O regime político do Estado dirigido por Franjo Tudjman era alvo de fortes críticas em matéria de respeito pelos direitos humanos e pelas regras da Convenção de Genève, durante a guerra inter-jugoslava. Além disso, na memória histórica coletiva, subsistia, em muitos países europeus, um forte ressentimento contra os croatas, por virtude da ligação que o "Estado livre" dirigido pelos "oustachis" pró-nazis de Ante Pavelic havia tido com Hitler, durante a segunda guerra mundial. 

A Alemanha, em especial o seu MNE Hans-Dietrich Genscher, foi manifestamente o país mais aberto ao reconhecimento da independência croata por parte das instituições europeias, que só viria a ter lugar em 15 de janeiro de 1992 - precisamente num período em que Portugal detinha a presidência da União Europeia. Recordo a minha quase solidão, como diplomata que representava a presidência das Comunidades Europeias (só em fevereiro desse ano seria assinado o tratado de Maastricht, que criou a "União Europeia"), no cocktail oferecido pelos croatas em Londres, ao final desse dia. A independência da Croácia, se bem que aceite, estava longe de ser saudada com entusiasmo pela generalidade dos países europeus.

A exemplo do que, com frequência, acontece com Estados em busca de reconhecimento, os croatas haviam desenvolvido, a partir de 1991, um pouco por todo o mundo, uma diplomacia pública de convicção, tentando fazer perceber as razões que justificavam a sua autonomização como entidade independente, sucessora do anterior Estado federado existente dentro da Jugoslávia. 

Nesse sentido, a nossa embaixada em Londres havia sido visitada, com alguma regularidade, por um médico croata, com nacionalidade inglesa, que informalmente representava os interesses de Zagreb em Londres. Chamava-se Drago Stambuk, era um poeta com vasta obra publicada e aparecia como regular portador, não apenas da argumentação das suas autoridades em favor do processo de independência, mas igualmente de razões contra as acusações de que o seu regime era alvo (e que infelizmente vieram a ser comprovadas) sobre as derivas autoritárias do governo Tudjman, nomeadamente o terrível tratamento dado aos sérvios residentes na zona croata da Krajina. 

Sem nunca lhe esconder as dúvidas que na Europa comunitária se alimentavam sobre os métodos do regime de Franjo Tudjman (e que, a título pessoal, partilhava em pleno), mantive sempre com Drago Stambuck uma excelente relação pessoal, que se transformou mesmo em amizade.

Um dia, após o anúncio reconhecimento da independência do seu país pelo Reino Unido, Drago Stambuk telefonou-me: tinha sido encarregado de abrir a embaixada croata em Londres. Não podia ser embaixador, porque tinha nacionalidade britânica, mas teria a responsabilidade prática de preparar toda a estrutura de representação croata em Londres. Como não sabia como proceder, "por onde começar", pediu a minha ajuda. Recordo longas conversas, em minha casa e em "pubs", durante as quais "desenhámos" a estrutura da primeira embaixada croata do Reino Unido. Nesses contactos, dei-lhe conta das formas de proceder face às autoridades locais, de "quem era quem" no Foreign Office, do modo de feitura das "notas verbais" e da preparação de outra documentação que faz parte da liturgia diplomática bilateral. Creio mesmo ter-lhe oferecido um exemplar da "bíblia" anglo-saxónica da profissão diplomática, o "Satow's guide to diplomatic practice". Guardei sempre na memória essa minha contribuição para a montagem da primeira embaixada croata em Londres.

Folguedo de Cima


Vista parcial do panorama que se observa do solar junto do celebrado miradouro de Folguedo de Cima, nos arredores da aldeia de Mangalhona, histórica localidade (vulgarmente conhecida por outra designação) da zona raiana. Ao longe, o país vizinho. 

sábado, julho 14, 2018

Croácia


A Croácia disputa amanhã com a França a final do Mundial de futebol. Nos últimos dias tenho observado que muitos dos apoiantes da França acabam por sê-lo apenas como forma de se oporem politicamente à Croácia. A sua história durante a Segunda Guerra mundial, bem como o comportamento do novo país durante o conflito jugoslavo, criaram fortes anti-corpos à Croácia em vários setores “com memória”. E o futebol não escapa a estas polarizações.

Vou recordar uma historieta, que talvez venha a propósito.

O escritor Álvaro Guerra foi um dos escassos embaixadores oriundos do mundo fora da carreira diplomática por quem o Ministério dos Negócios Estrangeiros sempre manifestou genuíno respeito. A história que hoje relato passou-se em 1996, ao tempo em que ele era nosso representante junto do Conselho da Europa (CdE).

Numa tarde em Estrasburgo, senti o Álvaro um pouco embaraçado, durante a conversa que comigo teve, no caminho entre o aeroporto e hotel. Eu representaria Portugal, no dia seguinte, no Comité de Ministros do CdE, nesse que era o meu primeiro ano no governo. Notei que estava mais lacónico do que era costume e, uma hora depois, ao deixar-me à porta da residência do secretário-geral da organização, onde os membros dos governos tinham um ritual jantar, surpreendeu-me com a frase: "Logo à noite, espero-o no hotel. Precisava de falar consigo".

Fiquei intrigado. Eu tinha uma excelente relação pessoal com Álvaro Guerra, uma figura da intelectualidade portuguesa que conheci logo após o 25 de abril, cujo humor e simpatia, depois complementados pela vivacidade inteligente da Helena, sua mulher, transformavam as minhas idas a Estrasburgo em belos momentos de amena cavaqueira, onde a política portuguesa era sempre percorrida com apurada ironia. E grande cumplicidade. Que quereria o Álvaro? Um novo posto? Ele estava há pouco tempo no CdE, pelo que talvez me quisesse sensibilizar para algum problema de pessoal. Logo se veria.

Os jantares em casa do secretário-geral do CdE, que tinham lugar todos os seis meses, eram sempre precedidos de uma conversa "au coin du feu", com um convidado. Nessa noite, entrei na sala lado o lado com o ministro croata dos Negócios Estrangeiros, Mate Granic, e, por um acaso, sentámo-nos um em frente ao outro, nos dois melhores sofás individuais da sala.

(Nos cinco anos seguintes, eu e Granic, quase sem exceção, duas vezes por ano, tornar-nos-íamos "proprietários" desse lugares, que passaram a ser "cativos", na invariável coreografia com que o SG Daniel Tarschys e, mais tarde, Walter Schwimmer dispunham a sala. Caprichávamos em não perder esses "nossos" sofás, cujo conforto nos permitia resistir melhor às "secas" que alguns convidados nos pregavam. E gozávamos com isso.)

Eu conhecera Granic, meses antes, em Zagreb. No quadro de um discreto (diria mesmo, secreto) périplo que havia feito à volta da Europa, acordara com ele uma troca de apoios: a Croácia votaria favoravelmente a nossa candidatura a membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e nós dar-lhe-íamos o nosso voto para a sua pretensão de entrar para o CdE.

Diga-se que esta última candidatura estava longe de ser consensual: o regime croata mantinha ainda falhas no tocante à observância de alguns princípios da ordem jurídica protegida pelo CdE e, por essa razão, alguns Estados membros mantinham reservas quanto a esta adesão. Por "realpolitik" e particular interesse nacional, mas igualmente pelo facto de considerarmos que uma integração da Croácia no CdE era a melhor forma de promover a observância de tais obrigações, o governo português havia optado por dar o seu apoio à pretensão croata, contrariando abertamente a posição que era defendida pela missão portuguesa em Estrasburgo, chefiada por Álvaro Guerra. No dia seguinte a esse jantar, a anteceder a reunião do Comité de Ministros, teria lugar a "foto de família", com os membros do governo e os embaixadores, que consagraria a entrada da Croácia na organização.

Regressei ao hotel e, no "hall", estava já o Álvaro Guerra. Sentámo-nos para uma bebida no bar e ele revelou-me a razão pela qual queria falar comigo: vinha pedir-me o favor de o dispensar de estar presente na cerimónia do dia seguinte. Álvaro Guerra fora embaixador em Belgrado e, tal como a esmagadora maioria dos colegas portugueses que haviam tido a experiência de servir na capital jugoslava (hoje da Sérvia), Belgrado, Álvaro "went native" e assumia uma posição fortemente pró-sérvia, com muito escassa simpatia (e isto é um "understatement"...) pela Croácia.

Era uma posição política, talvez pouco diplomática, mas as questões limites de consciência são respeitáveis, desde que assumidas de modo correto e não conflitual com os interesses do país. Não vi, assim, nenhum inconveniente em isentá-lo do exercício, que constatei que lhe seria muito penoso. No dia seguinte, ele assistiu, de longe, à fotografia comemorativa da adesão da Croácia, que há dias descobri na minha papelada (com muito menos cabelos brancos, diga-se).

Logo de seguida, sentámo-nos na sala do Conselho de Ministros e o Álvaro perguntou-me: "Quem foi a "alma danada" que, em Lisboa, teve a infeliz ideia de decidir o nosso voto em favor da Croácia?". Com um sorriso irónico, esclareci-o que fora precisamente eu o autor do "deal" com Granic, feito em segredo em Zagreb, escassos meses antes. Álvaro Guerra estava estarrecido! "Você?!". Expliquei-lhe a negociação e a racionalidade subjacente à decisão tomada, mas tenho a certeza que não o convenci. O Álvaro não se zangou comigo, como também o não fazia quando eu combatia, com ardor e ironia, a sua "aficción" tauromáquica.

O Álvaro morreu em 2002. Se fosse vivo, tenho a certeza de que amanhã estaria a gritar: “Allez les bleus!”.

sexta-feira, julho 13, 2018

Ai Brasil !


Há dias, em escassas horas, o Brasil assistiu – e eu, que estava por lá, também - a um debate extremado de natureza político-jurídica, envolvendo, uma vez mais, Lula da Silva. Um juiz de turno, numa instância que, horas depois, viria a ser declarada incompetente para tal, tomou a polémica decisão de mandar soltar o antigo presidente. No emaranhado quase incompreensível que hoje constitui o processo judicial brasileiro, sucederam-se ordens e contra-ordens. As televisões encheram-se de especialistas (como por cá também houve, ao que me disseram, sobre caves tailandesas). Os atores políticos, chamados a pronunciar-se, reagiram da forma expectável, algumas vezes com a ambiguidade de um discurso tático, atentas as eleições que se aproximam. E, sem surpresa, Lula continuou na prisão, onde, aliás, rapidamente teria regressado, se acaso tivesse sido solto.

Os amigos de Lula, que entendem que a sua condenação e posterior prisão não passaram de uma orquestrada fraude judicial com objetivos políticos, exultaram, entretanto, com a possibilidade momentaneamente aberta pelo complacente juiz. Os seus detratores, ao invés, crismaram o agente da justiça de todo arsenal de epítetos injuriosos e, naturalmente, rejubilaram com o desfecho frustrado do episódio. 

Nada disto parece hoje estranho, num Brasil que vive um tenso ano político, com eleições no segundo semestre, com um presidente completamente desacreditado, um governo errático que parece seguir um “script” desligado do mundo real, com as mãos atadas por um Congresso (Senado e Câmara de deputados) onde se “costuram alianças” e se fazem “articulações” que espelham já todas as ambições dos proto-candidatos. O sistema político mostra-se incapaz de uma auto-regeneração, vivendo sob uma patente desconfiança dos cidadãos, que olham com desprezo a continuação dos jogos de distribuição de lugares e verbas orçamentais, imagem de marca da velha e relha política. A máquina judicial, onde, desde há uns anos, passaram a repousar (e ainda repousam) muitas esperanças, surge cada vez mais acusada de instrumentalização, ao serviço das agendas políticas. E nela, cada cidadão brasileiro já elegeu os “bons” e os “maus”.

Neste maniqueismo obsessivo, o Brasil de hoje pensa com o coração e o “nós ou eles” converteu-se na regra de um jogo muito perigoso. Sabe-se como um contexto instalado de desencanto pode ser pasto fácil para populismos. Por mim, não gostaria de ver o Brasil regressar à América Latina, se bem me faço entender.

quinta-feira, julho 12, 2018

Ramona e outros azares


Na minha infância, recordo-me de ouvir a minha mãe dizer que uma música chamada “Ramona” dava má sorte. Quando os acordes dessa melodia surgiam na rádio (na minha terra não usamos a palavra telefonia e outros vocábulos análogos, que fazem parte do léxico das lisboetices), havia uma corrida imediata a mudar de estação. 

Eu era muito miúdo e impressionava-me que pudesse haver coisas dessa natureza, ou melhor, coisas que ultrapassassem a natureza que tinha à minha frente, que foi sempre o alfa e o ómega da minha maneira de olhar o mundo. Vivi a acreditar no que vejo. E sempre e só nisso.

Nessa eterna e simples perspetiva, sempre vi as sextas-feiras 13, como vai ser o dia de amanhã, como uma crendice com folclórica graça, mas só isso. Não acredito no azar e na má sorte, talvez porque, na vida, sempre tive sorte da boa - ou, quando isso não aconteceu, assobiei para o lado, fiz de conta e passei à frente. 

Não passo por baixo de escadas apenas com medo de que me caia algo na cabeça, não gosto de gatos pretos porque não gosto de gatos em geral, abro sem receio guarda-chuvas dentro de casa para testar o estado das varetas e só não deixo tesouras abertas em cima da cama para não correr o risco de me cortar. Sou totalmente imune a toda e qualquer crença, a coisas ditas “sobrenaturais”, a signos e, repito, a tudo aquilo que esteja para além do que o meu olhar alcança. Eu faço parte de quantos não têm a menor curiosidade em saber o que está para além da curva...

Vem isto a propósito da “Ramona” e de amanhã ser sexta-feira 13. Ontem, numa estrada do Brasil, perto de Congonhas do Campo, vi uma placa com o nome de uma localidade chamada Ramona. Contei então para a pessoa que ia ao meu lado a atitude da minha mãe perante a canção mas, curiosamente, não senti vontade de ir ao YouTube para ouvir a malfadada melodia. Seria por respeito à crença da minha mãe ou porque começo a enfraquecer as minhas defesas face ao desconhecido? Fiquei na dúvida.

Ainda a propósito de “azares”, recordo-me de ter um dia falado, no Brasil, numa conversa de amigos, de um episódio ocorrido no dia da implantação da nossa República, em 5 de outubro de 1910. Estava então de visita a Portugal o presidente eleito do Brasil, que tomaria posse no primeiro dia do ano seguinte. Inopinadamente, ele foi apanhado no meio dos combates. Teve de haver uma parlamentação entre os contendores por forma permitir a saída do dignitário (aproveito para pedir que não escrevam “dignatário”, como se vê muito por aí) estrangeiro, que nada tinha a ver com a nossa peleja interna. 

Porém, quando, no meio dessa conversa, tentei lembrar-me do nome do homem, um dos amigos pediu-me que o não fizesse: é que, aparentemente, referir esse nome, no Brasil, dá azar! 

Fiz-lhe a vontade, mas só então. Amanhã, sexta-feira 13, dia em que por qualquer razão me apetecia estar em Vilar de Perdizes, já posso dizer, para desafiar o azar, que esse político se chamava Hermes da Fonseca (na imagem).

E pronto: aqui fica a minha história para o dia oficial do azar, data em que, por acaso, vou ter a dita de viajar para casa de uns amigos, num local tão aprazível que o crismei do lugar de Nossa Senhora do Folguedo de Cima. É que ainda há dias de sorte e o meu vai ser nesta sexta-feira 13.

quarta-feira, julho 11, 2018

terça-feira, julho 10, 2018

Mundial

Um belo jogo entre a França e a Bélgica. Sei bem menos do que os especialistas da bola, mas, cá na minha, acho que, podendo a Bélgica ter ganho, a vitória francesa se justifica marginalmente, se esquecermos os primeiros vinte minutos de jogo. Como se ouve na minha terra: “digo eu, não sei...”

Tenho pena de amanhã não poder ver o jogo entre a Inglaterra e a Croácia. Mas como me é perfeitamente indiferente o resultado, como já me foi o de hoje, contento-me com um resumo tardio. 

Quem é que eu gostava que ganhasse o Mundial? Portugal, claro! E, não tendo sido isso possível (às vezes a justiça existe, face à miséria que foi a nossa prestação), teria gostado que o Brasil ganhasse (apesar das “fitas” tristes do Neymar). No resto, é-me indiferente. A sério!

Juízo no Brasil

Nelson Motta, citado hoje em “O Globo”: “No Brasil, o Diabo não veste Prada”, veste toga...”

Tarde desportiva

Que país quero que ganhe o Mundial? Sei lá! Recuso-me a determinar as minhas opções pelas simpatias políticas ou pelo impressionismo do “gosto mais deste do que daquele”. Não acho que tenhamos de tomar opção e adoro ver jogos (sempre, mas sempre!) sem ouvir o som e ir gerindo as minhas preferências em função do decorrer do jogo. É o que vai acontecer.

Época de transferências

Já “fui” do Barcelona por causa do Figo. “Transferi-me” para o Real por causa do Ronaldo. “Puxo” pelo Manchester United (nunca pelo Man’ United, como os locutores a armar ao íntimo) por via do Mourinho. Mas ainda não me vejo a “jogar” pela “Vecchia Signora”...

Tiradentes

(Ainda hoje encontro gente que acha que o herói Tiradentes, lá no fundo,  não será estranho à crise dos dentistas que, para sempre, inquinou as nossas relações com um certo Brasil...)

Viemos a Tiradentes, pela primeira vez, há quase trinta anos. Com o Zé Stichini Vilela, que vivia então no Rio. Ficámos instalados no magnífico Solar da Ponte, onde conhecemos os donos, a Ana Maria e o John Parsons. Voltámos algumas vezes mais. Sempre com gosto. Conversar com a Ana Maria, uma mulher cultíssima e muito interessante, oficiar o ritual do chá às cinco com o John, na sala de cima, soava por ali a estranho, mas era algo belíssimo. E sempre sereno.

O Zé desapareceu, há muito. O John também e a Ana Maria seguiu-se-lhe, há pouco. O Solar lá continua, magnífico, no centro da vila (ou será cidade?). E Tiradentes, embora muito mudada, também.

Essa nossa primeira viagem a Tiradentes foi nos dias eleitorais de 1989, em que um Lula barbudo e de olhar alucinado viria a ser derrotado por um “kennedyano” Collor, uma hábil e desastrosa construção da Globo. Recordo-me de mim a devorar os tempos televisivos de antena (havia aquele fantástico candidato do “meu nome é Eneias”), a ficar deslumbrado com a qualidade (que eu desconhecia) da imprensa diária brasileira, a tentar perceber a complexa política local (“ciência” adquirida que me ajudaria, tempos mais tarde, quando por aqui “embaixei” por quatro anos).

A vila (ou cidade) de Tiradentes era então, nesse ano de 1989 (em que na Europa um certo muro caía), um quase deserto de comércio. Restaurantes não havia, o Solar não servia jantares e recordo bem que errámos pela noite, nas ruas desertas (exceto de cães, que ainda hoje continuam a ser muitos, seguramente descendentes dos desse tempo), com alguma gente a aflorar às janelas das casas térreas, em pose de “maria-sem-vergonha”, olhando-nos com cordial estranheza, até que aportámos a um boteco simples, onde matámos a fome de fim da noite. As pedras rudes daquelas ruas ficaram-me gravadas. Como o desejo de voltar.

A terra, nos dias de hoje, já não é bem a mesma. As ruas de Tiradentes, hoje cheias de turismo, quase deixaram de ter habitantes locais para se transformarem num imenso centro comercial, loja-sim-loja-sim, imensas pousadas (como aqui se chama às nossas pensões), montões de casas que vendem um belo artesanato - aquelas coisas que apetece comprar mas que, depois, regressados a casa, não sabemos nunca onde colocar. Mas, note-se!, são lojas belíssimas, coloridas com gosto, com gente agradável, de uma paciência sorridente para os inquisitivos protoclientes. Até um argentino de “photomaton” opera, sem grande jeito, por ali.

Ah! E como na canção de Chico Buarque, “há um bar em cada esquina, p’ra você comemorar, sei lá o quê!”. Eu, por acaso, sei.

segunda-feira, julho 09, 2018

Cabinexit



Depois de David Davies, agora sai Boris Johnson do governo britânico. Já não é o Brexit, é o Cabinexit.

Lula


Estar no Brasil, nesta hora de Lula-sai-não-sai-da-cadeia, é um verdadeiro privilégio para o turista político que sempre sou. Pelas televisões desfilam legiões de especialistas, as opiniões radicalizam-se e, às vezes, sobem mesmo de tom. Um descnhecido juíz “de plantão” que tentou soltá-lo passou a ser uma vedeta que, instantaneamente, se tornou herói/vilão, dependendo da posição de cada um. A mim, que me exijo neutral como a Suíça, cabe-me explicar ao meus interlocutores que a expressão “a soltura de Lula”, que agora por aqui faz manchetes, em português de Portugal teria outro significado...

O turismo e os presidentes


O Augusto é o dono do “Charm Country”, um restaurante simples, algures numa estrada de Minas Gerais (a identificação geográfica não será muito útil, porque este Estado brasileiro é maior do que a França), onde já parei uma boa meia dúzia de vezes (como hoje fiz) para um feijão tropeiro e um queijo do serrado com goiabada cascão. 

Falámos de Portugal, que o Augusto não conhece, país de que lhe dizem muito bem (a ideia de que a generalidade dos brasileiros sabe bem o que é Portugal é um conhecido mito lusitano). “Parece que agora tem muito turista por lá! É pelo novo presidente, não é?”.

Embatuquei, confesso! Podemos tecer muitas loas, algumas bem merecidas, à ação do presidente, mas esta de ele ser responsável pela onda de turismo foi a primeira vez que ouvi. “A contrario sensu”, como dizem os juristas, poderíamos concluir maldosamente que Cavaco afastava os turistas?

sábado, julho 07, 2018

Tanto mar?


Um fim de tarde de 1989, com o sol a pôr-se ao fundo da montanha, encontrou-me na praça central de Ouro Preto. Olhando em volta, entre a rua Direita e a do Ouvidor, apercebi-me, pela primeira vez, que uma parte de nós mesmos, dos portugueses, ficou para sempre por ali, por mais cantado que agora seja o sotaque, por muito distante que o nosso próprio mundo agora possa estar. Essa imagem ficou-me gravada na memória e atravessou comigo os anos. 

Passou-se mais de década e meia antes de eu regressar ao Brasil e antes de perceber – de novo no casario de Ouro Preto, mas também no silêncio nobre de Alcântara, no bulício africano do Pelourinho de Salvador ou nas esquinas apressadas do centro do Rio – que, verdadeiramente, só se pode entender bem o que Portugal é, e não apenas o que Portugal foi, depois de mergulhar no Brasil.

A comoção de entrar no forte Príncipe da Beira, de tropeçar nos nossos vestígios em Nova Mazagão, de lembrar os Açores em Ribeirão da Ilha, de ficar esmagado pela monumentalidade do Real Gabinete do Rio, de fixar a decadência serena da Beneficência Portuguesa em Belém, de sentir o cheiro forte das lojas de tudo, frente ao mercado de Manaus – tudo isso é preciso para que se prolongue em nós a interrogação, sem resposta, sobre o que é, afinal, ser português no mundo. Não se é português porque se nasceu em Portugal. É-se português pelo somatório das viagens que outros fizeram por nós, dos que foram e voltaram cheios de histórias mitificadas das Pasárgadas que poderiam ter tido, mas também dos que não voltaram, dos que “queimaram as caravelas” e se entregaram aos novos mundos que fizeram seus.”

(Texto retirado da introdução ao meu livro “Tanto Mar? - Portugal, o Brasil e a Europa”, ed. Thesaurus, Brasília, 2008. Recordei-me deste texto, há minutos, ao chegar a Ouro Preto)

O poder da China

O "red carpet treatment" dado a Putin por Xi Jiping, depois da visita que fez à Sérvia e Hungria, parece ser um sinal claro, e def...