quinta-feira, janeiro 18, 2018

O Portugal de Leste


Há dois dias, estive em Castelo Branco, num debate promovido pela Caixa Geral de Depósitos, em articulação com a Rádio Renascença, em que foram debatidos os temas da interioridade, trazidos à realidade próxima pela tragédia dos incêndios.

Lembrei-me então de um artigo que escrevi, vai para dois anos, no saudoso “Diário Económico”. Chamava-se “O Portugal de Leste”. Reli-o e acho que representa muito do que continuo a pensar. Aqui o deixo, de novo:

Há dias, numa conversa com alguém com responsabilidades políticas, fui surpreendido pelo raciocínio de que "o interior é hoje um mito", de que "com as acessibilidades agora existentes, em menos de duas horas qualquer pessoa se desloca das zonas de fronteira até ao litoral e vice-versa", pelo que é "um imenso erro estar a despejar dinheiro em áreas onde ninguém quer viver".

A regionalização é um tema divisivo na sociedade portuguesa e eu próprio nunca me senti muito seguro sobre a bondade da criação de um modelo organizativo que implica novas e dispendiosas estruturas, cuja relação custo-eficácia está ainda por estabelecer. Mas tenho de reconhecer que o preço da "não regionalização" é hoje também muito elevado, no que isso significa em termos de expressão da vontade e interesses de certas regiões do país.

Foi A.H. de Oliveira Marques quem fez notar que, já desde antes da criação da nacionalidade, se estabeleceram no território do que é hoje Portugal redes viárias que vieram a favorecer a divisão vertical do país. Com os séculos, foi-se criando cada vez mais no país um "muro", em termos de desenvolvimento, que hoje separa o "Portugal de Leste" do litoral desenvolvido. Um tanto surpreendentemente, a democracia e a integração europeia não contribuíram para contrariar esta realidade, que também não foi alterada, como se esperava, pela cooperação transfronteiriça.

Quando passei pelo governo assisti, com algum espanto, à explanação de propostas estratégicas que tinham no seu centro modelos de desenvolvimento exclusivamente assentes no litoral, na criação de uma espécie de "metrópole" ao longo da costa, concentradora das atenções, dos recursos e, naturalmente, de pessoas. O interior, se não era "só paisagem", não ficava muito longe disso.

O modelo das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional hoje existentes é uma aberração que favorece o prolongamento desta discriminação, que traz consequências trágicas em termos de ordenamento do território.

Que tem a zona industrial do Porto a ver com a desertificação do nordeste transmontano, qual é a similitude de abordagem das questões que afetam Aveiro e Coimbra com as zonas fronteiriças das Beiras? Não estará a região transmontana muito mais próxima, em matéria de interesses, da Beira interior (ou mesmo, no limite, do Alentejo oriental)? Precisamente porque hoje existe uma multiplicidade de evidentes interesses comuns, não seria de estabelecer uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Interior Norte e Centro, amputando para tal as duas CCDR dessas áreas?

Mais difícil do que lutar contra interesses instalados é combater mentalidades enquistadas em modelos mentais que alguns se obstinam em não abandonar. É preciso lutar para derrubar o “muro” que separa internamente o nosso território, é necessário lutar pelo "Portugal de Leste" e, de uma vez por todas, caminhar para a unificação do país.“

Sexo e diplomacia


Acabo de ler uma notícia num “site“ francês referindo-se à representante diplomática americana nas Nações Unidas como “l’ambassadrice de Trump”. 

Isso trouxe-me à memória um episódio e dá-me oportunidade de clarificar alguns conceitos básicos.

Um dia, em Paris, no final de um almoço em que estive presente, no período de perguntas e respostas, um secretário de Estado francês dirigiu-se a uma embaixadora de um país da União Europeia tratando-a por “madame l’ambassadrice”. A minha colega foi “aos arames”, interrompeu o governante e disse-lhe que considerava menos correto ser chamada de “ambassadrice”, termo que designa a mulher de um embaixador. “Madame l’ambassadeur” era como exigia ser tratada. O ministro replicou que aquela era a sua língua e que, ao utilizar essa palavra, sabia que estava a utilizar a expressão correta. A embaixadora sentiu-se ofendida e deixou a sala.

O ministro tinha razão... mas a embaixadora também. Na língua francesa, é vulgar designar as figuras femininas que desempenham cargos de chefe de missão diplomática por “ambassadrice”, expressão exatamente idêntica à que se utiliza para as mulheres dos embaixadores. Mas também há muito quem considere que devem utilizar-se palavras diferentes para as duas funções, o que implica não feminizar a palavra “ambassadeur”.

Na língua portuguesa, as coisas são bem mais simples. A mulher do embaixador é designada por “embaixatriz” e a diplomata que exercer a chefia de uma embaixada é designada por “embaixadora”. Não há, contudo, nenhum termo que possa identificar o marido de uma embaixadora ou de um embaixador. E refiro isto porque, desde há semanas, há um embaixador português casado com uma pessoa do mesmo sexo, facto já bastante comum em várias carreiras estrangeiras mas que julgo ser a primeira vez que acontece na diplomacia portuguesa.

quarta-feira, janeiro 17, 2018

O mar das Necessidades


Gosto dos livros de cerca de 128 páginas. Nem são "pesados" demais, neste tempo em que ninguém tem tempo, nem curtos de menos, como uma espécie de sumários desenvolvidos que por aí pululam. Fazem-me lembrar a coleção "Que sais-je?", que acompanhou a minha formação e que, ainda hoje, constitui um elemento permanente de consulta. Pode mesmo ser que, em breve, eu escreva um livro desse tamanho...

Duarte Bué Alves, um diplomata nascido nesse ano glorioso de 1974, teve a ousadia inspirada de escrever sobre um dos mais importantes capítulos do nosso futuro como país: o mar e o modo como o devemos tratar, no quadro da promoção externa dos nossos interesses. Chamou-lhe, quase poeticamente, "Diplomacia Azul", embora esclareça, logo a abrir, que estava a falar de política externa e não do seu modesto braço executor.

O livro é refrescante, como o próprio mar. Não é uma obra académica, muito embora não fuja a esse paradigma referencial, como o assinala o presidente da República na nótula com que honrou o trabalho. Para além de um enquadramento histórico rigoroso e útil, nomeadamente no que respeita à ligação de Portugal ao mar, em especial aos quadros reguladores multilaterais que hoje norteiam o tema, o autor avança pela importantíssima "economia azul", que, com toda a certeza, acabará por ser a alavanca do interesse futuro neste domínio. Aborda também, embora de forma menos consensual, a questão da NATO e do (por ora "falecido") TTIP nesse contexto, tomando posição, como convém ao debate de ideias.

Com total franqueza, gostei muito de ler este livro e gostei, especialmente, de ver um jovem colega (ele devia dar os primeiros passos quando eu já andava pelos claustros da casa) ter a iniciativa de se embrenhar, com a necessária profundidade, numa das áreas a que as Necessidades devem, cada vez mais, prestar a maior atenção. Quanto mais não seja porque muitos estão já a prestar grande (e preocupante) atenção ao mar português.

Que pena tenho que Duarte Bué Alves, que felicito vivamente por este seu trabalho, já não tenha podido contar, com a ajuda, para a construção do seu livro, dessa figura magnífica que foi Mário Ruivo, a maior personalidade que Portugal teve, até hoje, neste domínio, amplamente reconhecida pelo mundo multilateral e que nos deixou faz agora um ano.

Bacalhau das eleições


Alguns atos eleitorais partidários têm sido bons exemplos de como se deve combater a abstenção. 

Ao que consta, para além do “voluntarismo” na inscrição de novos militantes, somado à “generosidade” do pagamento maciço de quotas, há por ali um mundo de empenhamento “cívico”, nomeadamente na “facilitação” dos transportes, que a democracia só pode agradecer. 

Não se pense, porém, que há partidos inocentes no nosso mundo político. A luta pelo poder político tem fronteiras éticas bastante flexíveis...

A propósito disto, lembrei-me que, em casa do meu avô materno, sempre que se servia uma caldeirada de bacalhau, todos se referiam a esse prato como o “bacalhau das eleições”.

Nesse tempo, que era o da minha infância, eu mal sabia o que eram eleições - aliás, a exemplo da maioria dos portugueses, a quem a ditadura apenas prodigalizava uma espécie de “genéricos” falseados do verdadeiro sufrágio.

Mas, se assim era, por que diabo se falava no “bacalhau das eleições”?

Uns anos mais tarde, um tio esclareceu-me. Aparentemente, durante a Primeira República, a luta eleitoral em certas áreas de Trás-os-Montes passava pela atração para a mesa de voto, através da oferta de uma “bacalhauzada” em forma de caldeirada. Os escassos inscritos tinham assim um estímulo mais para se deslocarem para exercer o seu direito cívico. Desde que votassem no candidato que oferecia o “bacalhau das eleições”, bem entendido! 

À época, devia ser barato: não se dizia então que “para quem é, bacalhau basta”?

segunda-feira, janeiro 15, 2018

Estranho


Passei três dias em Arraiolos. Regressei ontem. No regresso a Lisboa, escrevi um post no meu blogue Ponto Come a promover a gastronomia da região. Hoje, Arraiolos foi o epicentro do mais forte sismo no continente nos últimos vinte anos. O que é isto?

domingo, janeiro 14, 2018

Alentejo à mesa



No meu blogue Ponto Come, podem ser lidas algumas sugestões gastronómicas na zona próxima de Arraiolos.

O discurso do Aleijadinho




- Em qual das igrejas será? 

Havia tantas, em Ouro Preto, onde estávamos a chegar, num escuro final de tarde, nesse ano de 2005. O avião que nos trouxera de Brasília a Belo Horizonte tinha-se atrasado três horas. Alugar carro, sair do aeroporto de Confins e, sem GPS, descobrir e fazer a estrada para Ouro Preto não fora tarefa fácil. Era a primeira vez que eu guiava em estradas brasileiras e estava sob uma imensa pressão de tempo. Era já seguro que ia chegar atrasado à cerimónia em que ia receber a “medalha do Aleijadinho”.

Na confusão, deixara na mala as indicações sobre a igreja em que a cerimónia se ia passar. Mas, perguntando aqui e ali, lá conseguimos chegar à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, onde está o túmulo do António Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”, o genial artista que é a glória da estatuária do Brasil.

- O Francisco é que sabe, mas eu, no seu lugar, não dizia à Lusa que ia receber a “medalha do Aleijadinho”. Já estou mesmo a ver o modo como alguns dos seus “amigos” no MNE irão explorar o assunto...

O alerta tinha sido do nosso conselheiro cultural na embaixada, o pianista Adriano Jordão, com um largo sorriso. Tinha razão. O Boletim de Informação Diplomática (o célebre BID) iria titular “Medalha do Aleijadinho para Seixas da Costa”... Dei, por isso, instruções ao nosso conselheiro de imprensa, o jornalista Carlos Fino, para fazer um “black out” à notícia. 

Contudo, era para mim uma grande honra ter direito à medalha que, anualmente, a prefeitura de Ouro Preto concedia a uma personalidade. Fora informado de que era a primeira vez que um embaixador de Portugal tinha essa distinção. Isso ocorreria durante a cerimónia solene em que seria celebrada a memória desse artista de exceção (nascido num ano impreciso, entre 1730 e 1738, e que morreu em 1814). Cerimónia para a qual eu estava atrasado...

- O embaixador traz motorista?, perguntara-me a chefe do Cerimonial (nome brasileiro para Protocolo) quando a contactei pelo telefone, de Belo Horizonte, informando do atraso. Deve ter ficado muito surpreendida, quiçá desiludida, quanto lhe disse que “eu era o meu próprio motorista”. 

Mas lá consegui chegar. Estacionei o carro “tant bien que mal” e entrei disparado na igreja, à pinha, com uma plêiade de religiosos no altar, como eu jamais vira. Fui conduzido para junto do Prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo, que recebeu com um sorriso compreensivo as minhas desculpas pelo atraso, que lhe transmiti em voz baixa, para não prejudicar o desenrolar do evento. Mal eu sabia então que o Ângelo se iria converter num grande e eterno amigo.

- Vem muito a tempo. O importante é que já cá está connosco, disse-me, sossegando a minha tensão, fruto do atraso e da condução nervosa.

Ângelo Oswaldo explicou-me a “coreografia” que se iria seguir, depois da missa que estava a decorrer (afinal, “aquilo” era uma missa e eu não me apercebera, pensando ser uma outra cerimónia - fruto da minha rara convivência com os atos religiosos). 

Iria receber, das suas mãos, a “medalha do Aleijadinho” e, caber-me-ia atravessar depois toda a nave da igreja, por entre a multidão, e depositar no túmulo do Aleijadinho uma coroa de flores que, previamente, havíamos encomendado. Depois, regressaria perto do altar e, de um pequeno palanque, faria a minha intervenção.

- Quanto tempo acha que devo falar?, perguntei. 

No avião, tinha lido partes de um livro sobre o Aleijadinho e preparava-me para agradecer a atribuição da medalha, a que somaria umas referências ao artista, cujo pai nascera em Lisboa (dizia-se ser essa a razão do apelido), abrindo-me assim espaço para uma evocação cultural luso-brasileira. Pensei que um improviso de 7 a 10 minutos chegaria.

- Acho que pode falar aí uns 45 minutos..., disse-me o Prefeito.

Na minha profissão, aprendi a ficar facialmente impávido em face da surpresa, mas dessa vez foi-me difícil. Retorqui: “45 minutos?!”. Ângelo Oswaldo reagiu à minha interrogação com uma concessão: “Sendo o orador do ano, pode ir até uma hora...”. 

Eu era o “orador do ano”! Lera mal a carta de convite! 

Os religiosos já estavam a dar por terminada a sua parte na cerimónia, acomodando-se, bem como às suas saias, num longo banco ao lado do altar. Eu iria entrar em cena quase de imediato. O Prefeito tomou então a palavra. Fez o meu elogio, entregou-me a medalha e lá fiz eu, sob o silêncio sepulcral da multidão, a colocação da coroa de flores, regressando ao palanque. 

E aí arranquei, sem um minuto para pensar, para uma peça oratória, de improviso, que, perante o olhar espantado da minha mulher (a quem eu tinha falado nos sete a dez minutos), durou quase uma hora. 

Não me perguntem o que disse, mas aparentemente até terá corrido bem. No final, muitas palmas e um belo jantar oferecido pelo Ângelo Oswaldo no Ópera, um excelente restaurante de Ouro Preto, cidade de que, anos mais tarde, eu viria mesmo a fazer um roteiro gastronómico...

Às vezes, na vida diplomática, os discursos não preparados são os mais bem sucedidos. Aprendi à minha custa!

sábado, janeiro 13, 2018

Um ano com Trump


Há sábados assim...


A propósito de nada


Um amigo generoso dizia-me ontem da sua “admiração” pelo facto de, a propósito do quotidiano, eu conseguir recuperar por aqui muitas histórias. E verídicas. Com efeito, salvo algumas anedotas bem identificáveis, faço questão de tentar relatar apenas episódios que não sejam contestáveis no domínio dos factos, estando aberto a reconhecer o meu erro, no caso disso involuntariamente alguma vez não vir a acontecer. E, as mais das vezes, essas historietas surgem ligadas a algo do dia que passa.

Hoje, em homenagem a esse amigo, vou contar uma história que não vem propósito de nada, que simplesmente me veio à memória, há pouco.

Há muitos anos, no defunto “Diário de Lisboa” (ainda estou em estado de choque pela notícia, de há horas, de que o “Diário de Notícias” pode desaparecer também), li um texto muito curioso do seu jornalista e brilhante escritor Luís de Sttau Monteiro, sobre a sua infância em Londres.

Sttau Monteiro era filho do embaixador português na capital britânica, Armindo Monteiro, um político que Salazar ali colocara para defender a sua linha de neutralidade “habilidosa” e que, com o tempo, veio a afastar-se do ditador (não por dissidência ideológica, porquanto Monteiro continuou a ser um radical conservador da escola corporativa) e a colar-se às posições internacionais britânicas. Mas isso são outros contos.

No seu texto no DL, Sttau Monteiro referiu que, no período ainda anterior à guerra, costumava ir brincar com o filho do embaixador do Reich alemão, Joachim von Ribbentrop, que seria da sua idade, numa casa que o embaixador alemão tinha um pouco fora do centro de Londres. Julgo que nele se recordava de um terraço e da bela vista que daí se disfrutava, tendo notado outros pormenores que agora me escapam.

Um filho de um embaixador ir brincar com os filhos de outro não é facto digno de registo. Já a circunstância desse diplomata ter vindo a ser, anos depois, ministro dos Negócios Estrangeiros de Hitler, co-autor do pacto germano-soviético que também leva o seu nome (e que o nosso PCP então apoiou, num gesto menos glorioso para o seu historial de luta contra o nazi-fascismo) pode tornar o episódio de infância do escritor português um pouco mais interessante.

Li o artigo de Sttau Monteiro nos anos 70 e fiquei com o seu relato na minha memória.

Um dia dos anos 90, quando vivia em Londres, fui convidado para jantar uma noite na casa de uma amiga portuguesa, casada com um cidadão britânico. (Ela não levará, com certeza, a mal que diga aqui o seu nome: Graça Abreu). A casa era, julgo eu, em Dulwich, na zona sul da cidade. Ficou-me inclusivamente na ideia (mas, passado um quarto de século, posso estar errado) que, para chegar ao prédio se passava por uma espécie de portagem paga. 

Durante o jantar, comentámos o belo traço modernista da casa e, a certo passo, o marido da Graça revelou o curioso historial do local: ali tinha vivido Ribbentrop. Foi então que a história de Sttau Monteiro me surgiu, porque se tratava de uma coincidência curiosa. Lá fui ao terraço olhar para Londres, como Sttau Monteiro e o sinistro nazi haviam feito. Devo ter prometido tentar encontrar-lhes o texto do escritor. E não devo ter conseguido, pela certa.

Aqui fica a historieta (com os retratos de Sttau e de Ribbentrop). A propósito de nada. Boa noite.



sexta-feira, janeiro 12, 2018

O futuro do passado


Se acaso fosse simpatizante do PSD, estaria bastante preocupado com o saldo da acrimoniosa campanha eleitoral para a sua liderança, quem quer que amanhã venha a ser o vencedor do sufrágio interno. O voto será dos militantes, mas o confronto foi observado por todo o eleitorado que julgará o partido nas legislativas de 2019. E o tom dos debates não terá contribuído para reforçar o prestígio do universo social-democrata, com vista ao seu putativo regresso ao poder. 

Há muito quem pense que o combate fratricida para a liderança socialista, em 2014, não foi por completo alheio à derrota do PS nas eleições legislativas de 2015, que se acreditava que tinha todas as condições para vencer, depois do austericídio titulado por Passos Coelho. 

Uma coisa me parece evidente: nem Rui Rio nem Santana Lopes sobreviverão a uma eventual derrota nas eleições legislativas de 2019, as quais, recordo, serão antecedidas, meses antes, pelas eleições europeias, onde é tradicional os partidos na oposição terem melhor resultado do que os que ocupam o poder. 2019 será um ano muito exigente para o PSD, em que também se aferirá se há ou não um fenómeno Cristas em crescendo, no mesmo espaço político. Mas, ironicamente, mais do que a sua própria “performance”, será o sucesso ou insucesso de Costa que ditará o seu futuro.

O que se ouviu do PSD nos debates para a escolha de um novo líder foi pouco galvanizante. Rui Rio mostrou um pensamento mais estruturado e realista, com uma genuinidade que às vezes deu ares de ingenuidade. Santana Lopes foi um político “à antiga”, cheio de chavões de estudada assertividade, recorrendo a uma agressividade que, em semanas, destruiu o perfil maduro e senatorial que andou a cultivar na última década. 

Há que reconhecer que a situação económica desfavorece hoje fortemente a oposição: o país cresce, o desemprego desce, as metas europeias são cumpridas, alguns rendimentos são devolvidos. Além disso - apesar dos fogos, de Tancos e de algumas “trapalhadas” – os portugueses mostram nas sondagens não esquecerem quem esteve no poder nos quatro anos anteriores. A tarefa de Rio ou Santana será sempre muito difícil.

Este é um tempo de travessia no deserto para o PSD. Não foi por acaso que a nova geração social-democrata evitou “ir a jogo”, dando assim oportunidade a dois “seniores” que quiseram testar as suas adiadas ambições. No caso de Rio, havia uma espécie de sebastianismo que só o teste da realidade faria aparecer no nevoeiro. Quanto a Santana, nota-se um esforço desesperado para fazer esquecer 2004, em busca de um “remake” regenerador. 

Na esquina seguinte, há gente à espera: Luis Montenegro, Carlos Moedas, Morais Sarmento. Isto vai ter graça.

Interioridade


A segunda vitória de Marcelo


No auge do “infamous” governo de Santana Lopes, em 2004, quando as “trapalhadas” se sucediam na residência oficial de S. Bento (já depois dos “históricos” discurso de posse e da entrada em funções dos secretários de Estado), o então “retirado” Aníbal Cavaco Silva, que fazia tirocínio para regressar à política através de Belém, escreveu, creio que no “Expresso”, um artigo em que falava da “lei de Gresham”, uma teoria económica que defende que uma má moeda, colocada no mercado, afasta qualquer boa moeda. 

Só os ingénuos não entenderam então que Cavaco queria, naquela específica conjuntura, atacar abertamente a “governação” de Santana Lopes, que diariamente divertia, ao mesmo tempo que ridicularizava, o país. Se outro efeito não teve, o artigo de Cavaco (que sempre foi parco em textos, mas que, recordo, subscreveu, em 1982, com Eurico de Melo, outro artigo, também “assassino”, para o governo de Pinto Balsemão, quando fazia a “rodagem” para a Figueira da Foz), a atitude de Cavaco deu então uma preciosa munição mais a Jorge Sampaio para se ver livre de Santana Lopes.

Por que trago isto à colação? Porque achei estranho, nos debates entre Rui Rio e Santana Lopes, quando o primeiro aflorou as “trapalhadas” do efémero e calamitoso governo Santana, não ter visto esgrimida, como argumento de autoridade, uma frase do género: “até Cavaco Silva, com o artigo da “má moeda”, colocou o teu governo em causa”. Ainda pensei que Rio, à época, sendo vice-presidente do PSD, tivesse reagido contra o artigo. Mas verifiquei que não.

Coloquei então a questão a alguns amigos do PSD: por que razão Rio não usou o argumento? Sem exceção, todos coincidiram na interpretação: porque trazer Cavaco Silva a terreiro, no seio dos militantes social-democratas, está longe de ser, nos dias de hoje, um argumento positivo para quem quer que seja... A morte política é muito cruel, em especial se pensarmos nos fantásticos resultados que Cavaco deu ao seu partido.

Esta é assim como que uma segunda vitória de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a memória do mais bem sucedido líder do seu partido originário.

quinta-feira, janeiro 11, 2018

Obrigado, Fernando Pinto!


Tenho uma profunda admiração pelo trabalho feito na TAP por Fernando Pinto e a sua equipa. Se a TAP superou graves crises, que chegaram a ameaçar a sua própria existência, foi muito graças à coragem e ao saber de Fernando Pinto e da sua gente. 

Como embaixador de Portugal, tive o privilégio de acompanhar, e de dar o meu modesto contributo, para aquilo que foi uma extraordinária expansão da ação da TAP no Brasil, feita de visão e grande profissionalismo. 

Como português, sinto que devo um agradecimento muito sincero a Fernando Pinto por tudo quanto fez pela TAP. Já o escrevi uma vez, aquando do processo de privatização. Quero repeti-lo agora, no dia em que se confirma a sua substituição. Ou eu me engano muito ou a TAP e a sua gente ainda vão ter muitas saudades de Fernando Pinto.

O futuro do passado

Hoje, vou ter por aqui o meu momento Maya.

Neste sábado, Rui Rio vai vencer Santana Lopes. E a margem vai ser relativamente confortável. Rio vai fazer alguns gestos para recuperar o “passismo” que esteve com Santana, cooptando alguns dos quadros da nova geração de liberais Católica/Observador. O futuro de Santana passará a ser incerto, porque terá de “disputar” com Passos Coelho a futura liderança da lista para o Parlamento Europeu, tanto mais que, ao contrário do que esteve (quase) para acontecer em 2011, já não haverá agora para ele a perspetiva de uma embaixada multilateral em Paris no fundo do túnel, alternativa que então recusou em face da apelativa Misericórdia (que também já se foi). Rio vai ter de agravar fortemente o discurso contra o governo de António Costa, potenciando qualquer erro deste e a mínima distanciação que vier a detetar no Presidente da República face ao governo, porque essa é a única maneira de se legitimar dentro do partido. Se vier a perder em 2019, hipótese mais provável (a menos que “trapalhadas” imprevisíveis, internas ou na ordem financeira externa venham a ocorrer, o que não é de excluir, em absoluto), “saltará” no dia seguinte às eleições, com Luis Montenegro a suceder-lhe, quase pela certa. Isso limitará muito as chances de Carlos Moedas, que em 2019 sairá da Comissão Europeia (onde será seguramente substituído por Mário Centeno) e cujas hipóteses de vir a suceder a Rio seriam maiores se a derrota do PSD nesse ano fosse titulada por Santana Lopes, porque os “passistas” (e Montenegro) seriam disso co-responsabilizados.

As coisas vão correr assim? Vão, tal como o (meu) Sporting vai ganhar o campeonato (já a “Champions” está um pouco mais difícil) e eu o Euromilhões.

quarta-feira, janeiro 10, 2018

A procuradora-geral


Este país é tão “obviozinho” que até mete pena. 

Quem não gosta da procuradora-geral da República acha que o “espírito da lei” aponta “naturalmente” para um único e não renovável mandato.

Quem gosta da senhora e daquilo que a PGR tem vindo a fazer sob a sua direção é de opinião de que a “letra da lei” é clara e que permite a renovação, a qual deve ser feita.

O resto - isto é, a “reflexão” do pequeno “constitucionalista” que cada português traz dentro de si, quando lhe dá jeito - são apenas truques de cada um a fingir que não tem viés ideológico. E se acaso se tratasse do procurador-geral Pinto Monteiro? Não estavam todos com posições diametralmente opostas? 

Não nos tomem por parvos, está bem?

O conceito



“Conhece o nosso o conceito?” Foi já há alguns anos. Não percebi o que é que a jovem que me recebia no restaurante queria dizer com aquela pergunta. Devo ter feito uma cara de espanto, o que a levou, generosamente, a elucidar-me: “Gostava de lhe explicar o conceito do nosso restaurante”. 

O ”conceito”, na novilíngua restaurantista, é o modelo que marca a forma, necessariamente atípica, como se vai passar a refeição: ou há uma compra do vinho numa loja à parte, ou somos conduzidos através de espaços geográficos diferenciados da casa onde se passam “tempos” restaurativos ou beberricais diferentes, ou a ordem dos pratos segue um ”percurso” que o “chef” desenhou para diferenciar a sua “assinatura” na obra-de-arte que vamos ser convidados a “experienciar” (um vocábulo que abomino) - e a pagar com língua de palmo, claro.

O mundo dos restaurantes com “conceito” anda aí com força. Deve haver quem goste, imagino.

Secretos


A hierarquia de confidencialidade das comunicações que os postos diplomáticos trocam com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (que formalmente se designava nas comunicações por “secretaria de Estado”, em memória da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, criada em 1736) tem vários graus, de acordo com a delicadeza daquilo que é transmitido, que igualmente se reflete no âmbito de distribuição da informação.

Um dia, quando estava embaixador em Paris, enviei um “telegrama” (como se designam as comunicações remetidas dos postos, enquanto as recebidas da “secretaria de Estado” se chamavam tradicionalmente “despachos telegráficos”) a que decidi atribuir a classificação de “secreto”. 

As regras diplomáticas aconselham a que deva haver alguma parcimónia no uso da classificação de “secreto” (e muito mais de “muito secreto” e ainda mais de “telegrama pessoal para Sexa Ministro”), mas houve sempre na carreira colegas que usaram e abusaram dessa classificação, talvez porque achavam que assim eram mais lidos...

Já agora, diga-se que todas as comunicações com classificação de confidencialidade são “cifradas” (através de métodos técnicos que variaram muito ao longo do tempo, destinados a dificultar a sua leitura por curiosos exteriores), enquanto que os “telegramas” sem classificação seguem “em ostensivo”, isto é, sem serem sujeitos a “cifra”. Enfim, liturgias da casa...

Mas voltemos ao meu “secreto” de Paris. Já não faço ideia sobre que assunto era. 

Havia a regra de nunca falar do conteúdo de “telegramas” pelo telefone (para não “quebrar a cifra”), mas sempre me pareceu não haver grande inconveniente em telefonar a chamar a atenção para uma determinada comunicação, sem tocar no conteúdo, destacando-a na avalanche de “telegramas” que diariamente inundam a “secretaria de Estado”. Assim, liguei a um colega que tinha um lugar elevado na hierarquia do MNE e disse-lhe, simplesmente: “Chamo a tua atenção para um “secreto” que enviei esta manhã”.

A resposta do meu interlocutor, com quem já não falava há bastante tempo, apanhou-me desprevenido: “Secreto?! Ó meu caro! Eu saí do serviço ativo há quase um mês. Para mim, agora, “secretos” só de porco. Olha! Ainda há dias comi uns excelentes no Galito. Quando é que vens cá a Lisboa para uma incursão alentejana?”

Lembrei-me disto há pouco, ao combinar, com um outro amigo, uma almoçarada nesta quarta-feira, precisamente no Galito. Já por lá não está a Dona Gertrudes, mas sei que o meu amigo Henrique seguramente que nos vai assegurar uma refeição “à maneira”.

terça-feira, janeiro 09, 2018

Angola e nós

O novo presidente angolano pronunciou-se sobre o processo que envolve, na justiça portuguesa, o antigo vice-presidente, Manuel Vicente. Utilizou os seguintes termos: “Não estamos a pedir que ele seja absolvido, que o processo seja arquivado, nós não somos juízes, não temos competência para dizer se o engenheiro Manuel Vicente cometeu ou não cometeu o crime de que é acusado. Isso que fique bem claro”.

Toda a comunicação social portuguesa “agarrou” a questão essencialmente pelo prisma da eventual retaliação angolana no caso do processo não vir a ser transferido para Luanda. É uma questão interessante, relevante, mas do domínio da futurologia especulativa, porque os eventuais passos futuros de Luanda só a Luanda competem.

Penso - mas esta é apenas uma perspetiva pessoal - que a comunicação social portuguesa deveria atentar bem no significado daquelas declarações de João Lourenço. Porque se trata de uma posição nova e da maior importância, porquanto altera, a meu ver muito substancialmente, aquilo que, durante muito tempo, parecia ser a perspetiva de Angola sobre o assunto. Porque, pela primeira vez, fica admitida a hipótese teórica da culpabilidade, lado a lado com a da inocência.

No que a Portugal toca, a questão está agora, exclusivamente, nas mãos do poder judicial - como as autoridades angolanas bem sabem e é importante que a opinião pública portuguesa também disso tenha consciência. Tal como já estava no momento em que a Procuradoria-Geral da República não soube garantir a privacidade de um processo que, até pelo seu melindre, devia ter sido mantido em estrito segredo de justiça, mas foi deixado “sair” para a comunicação social, naquilo que constituiu uma quebra profissional e deontológica tanto mais grave quanto afetou seriamente as nossas relações políticas com um parceiro com a importância de Angola. Se a PGR portuguesa tivesse sabido tratar o processo atempadamente, sempre com o máximo rigor na investigação mas também com todo o sigilo que a lei impõe e o bom senso recomenda, talvez não tivéssemos chegado onde chegámos.

O Estado português é um todo, mas existe uma separação de poderes que faz com que cada instituição responda individualmente à luz das suas competências constitucionais. Nem o presidente da República nem o governo são atores institucionais nesta questão - e Luanda sabe isto bem. Os olhos do país devem assim estar concentrados exclusivamente no sentido de justiça e de responsabilidade do poder judicial português. E de Estado, já agora.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...