Ontem à noite, passeando com amigos brasileiros na Avenida dos Aliados, no Porto, apontei-lhes o edifício e contei-lhes a história do Clube dos Fenianos.
Nos primeiros anos do século XX, um grupo de portugueses trouxe do Brasil para o Porto o modelo de Carnaval que, por lá, um designado "Congresso dos Fenianos" há muito organizava, com grande popularidade. E por que é que se chamavam "fenianos"? Porque esse movimento associativo brasileiro fora, ele próprio, originalmente tributário de grupos de apoio aos católicos irlandeses, organizados nos Estados Unidos da América, na longa, violenta e trágica luta contra a dominação britânica na Irlanda do Norte. Por uma qualquer razão, a solidariedade com os "fenianos" havia sido entretanto transmitida dos EUA para o Brasil.
O nome "fenianos" havia nascido em meados do século XIX, designando quantos lutavam contra os britânicos. O principal partido político católico da Irlanda do Norte é, ainda hoje, o famoso Sinn Féin (que, durante muitos anos, foi o braço político do IRA). Entre o "Féin" e os "Fenianos" há assim uma curiosa correlação histórica, embora sem a menor conotação política.
(Uma dúvida me fica: como é que os britânicos, que preponderavam na sociedade portuense, terão encarado o surgimento local de um Clube dos Fenianos, com um nome tão marcadamente ligado à luta irlandesa, bem acesa nesse início do século XX?)
A vida traz-nos algumas coincidências.
Olhando as notícias, há minutos, vi que foi precisamente hoje a enterrar uma grande figura do Sinn Féin, Martin McGuinness, destacado elemento do movimento revolucionário católico irlandês. Com Gerry Adams, McGuinness constituiu a dupla de liderança mais visível do Sinn Féin. Por oposição ao estilo mais populista de Adams, McGuinness era um personagem "soft spoken", mas, eventualmente, por tudo quanto dele se sabe, até bastante mais radical. Tudo indica que McGuinness teve mesmo sangue nas suas mãos, nos tempos da sua militância no IRA.
As coisas dão muitas voltas. Foi em grande parte graças a McGuinness, e aos seus dotes negociais, que foi possível, a partir de 1998, caminhar para um processo de paz que parece estar para durar. Quando um dia vi McGuinness com Ian Paisley, o iracundo líder protestante, lado a lado e convivendo cordialmente no mesmo governo, convenci-me, pela primeira vez, de que, em política, não há mesmo impossíveis.