Não há nada que dê maior prazer às mentalidades pequeninas do que as teorias conspirativas. E, quando à mistura surgem figuras polémicas da política, então o gozo aumenta.
Hoje à noite, num documentário de televisão, vi-me envolvido numa dessas teias de especulação e insídia. Nada que já não esperasse, confesso. O absurdo das insinuações é tal que me deixa numa serenidade total. Mas não deixa de ser curioso verificar como a seriedade de toda uma vida pode ser posta em dúvida, em breves instantes, de forma gratuita, arguindo coincidências. É o mundo em que o "não é por acaso" se cola ao "não há fumo sem fogo", tudo isso adubado por um justicialismo serôdio, com voz grossa e ar grave, onde o requisito de provas é despiciendo e até considerado uma atitude arrogante e suspeita. Se não fosse triste, até tinha a sua graça.
Ao ver o programa, veio-me à memória, apenas pela similitude da lógica "circular" usada, um episódio que fez parte dos momentos menos nobres do "Verão quente" de 1975.
Um conhecido militar negro, altamente condecorado pelas Forças armadas portuguesas na guerra colonial, tido como ligado a meios de extrema-direita, foi raptado um dia por figuras, creio que também militares, ligadas a um grupo radical de esquerda, já não sei bem por que razão. O que ficou provado é que foi barbaramente torturado numa residência particular do Restelo.
Uns dias depois, quando se começaram a conhecer pormenores sobre o assunto, um "aparatchik" do PCP, que trabalhava no mesmo departamento onde eu fazia serviço militar obrigatório, comentava, num grupo, sobre o assunto. Vale a pena lembrar que, na narrativa que o PCP alimentava à época, entre a extrema-direita e a extrema-esquerda (isto é, todos os grupos situados à sua esquerda e que o combatiam) havia uma espécie de cumplicidade objetiva, pelo que ambas não eram senão faces diferentes da mesma moeda, quase de certeza todos pagos pelo "imperialismo".
Ao descrever às pessoas à sua volta os vários passos do que tinha acontecido, esse rapaz da "António Serpa" (como à época se dizia do pessoal do PCP, por ser essa então a rua da sua sede partidária), embalado na sua teoria conspirativa, explicava que aquilo estava "tudo ligado". Até a casa onde as torturas tinham tido lugar pertencia a uma conhecida figura ligada a um "jornal ultra-reacionário".
A certo passo, deu-me uma de racionalidade simples e perguntei: "Mas, espera aí! Estás a dizer que um tipo de extrema-direita foi torturado por gente da extrema-esquerda, tendo estes tido como cúmplice o dono de uma casa que, pelos vistos, é um refinado reacionário? Mas que lógica é que isto tem?"
O tipo olhou para mim com um ar sobranceiro e "arrasou-me": "Olha-me para este! A querer ver lógica nestas coisas..."
Para quem acha que "isto anda tudo ligado", a lógica é um luxo dispensável.