sexta-feira, junho 24, 2016

Bye, bye!

O Brexit passou. Não vale a pena chorar sobre leite derramado, mas é importante perceber o que ocorreu, porque as razões que motivaram a escolha democrática britânica, sendo próprias e específicas, ligam-se a um "malaise" que se estende muito para além da ilha. E se esse mal-estar não for combatido, isto é, se as lideranças políticas não conseguirem definir rumos para encaminhar, de forma europeia e ordenada, os interesses e as expetativas dos cidadão em cada país, aí sim, o efeito deste referendo será viral, como a modernidade das redes sociais gosta de dizer.

O Reino Unido foi, desde o primeiro momento, um membro relutante das instituições europeias. Mesmo nos tempos em que, de Londres, vinham mensagens mais otimistas, de Edward Heath a Tony Blair, pressentia-se que isso era feito em contraponto com uma tendência de fundo, que se revelava sempre mais do lado conservador, mas que também tinha grande audiência no campo trabalhista. De "opt out" em "opt out", o Reino Unido ia acumulando "vitórias" e "exceções" que o distanciavam cada vez mais do centro do projeto europeu. A necessidade obsessiva de mostrar-se vencedor nas disputas com Bruxelas, criou uma espécie de contabilidade de ganhos que, dia a dia, se ia tornando menos compatível com o espírito europeu.

A ideia, nunca verdadeiramente contrariada pelos líderes britânicos, de que a raiz dos problemas nacionais residia na burocracia de Bruxelas - como se essa burocracia não estivesse fortemente infiltrada por britânicos e as suas decisões não contassem com o voto poderoso de Londres -, levou-os a descuidar o mínimo de pedagogia em torno de uma partilha de interesses comuns. O "No! No! No!" de Margareth Thatcher nunca deixou de ecoar no subconsciente britânico.

Agora, há que gerir as coisas, porque o que não tem remédio remediado está. Desde logo, tentar acalmar os mercados, evitando o efeito "fogo na pradaria". Isso compete às entidades bancárias de ambos os lados, somados à serenidade possível dos agentes políticos. O ideal seria que a invocação do Artigo 50 do Tratado de Lisboa pudesse ser feita com a normalidade possível, encetando o "phasing out" britânico com o menor dramatismo que for viável assumir.

No que a Portugal toca, e dado que muito do que pode afetar-nos, se as coisas correrem mal pela Europa, não temos condições para influenciar e poder evitar, há que estar muito atento, tendo a determinação política para deixar claro que nenhum grupo de Estados, da Europa "que fica", se pode arrogar o direito de definir o futuro coletivo, isto é, o dos outros. Este é o momento de ser firme, em especial se alguma reformatação de "núcleos duros" ou coisas similares surgir por aí. 

Numa conjuntura como esta, nem devemos ter tentações de recuos soberanistas, nem pulsões patetas para um futuro federal que já não existe - e que apenas poderá surgir travestido de diretório de potências armada em "salvar o projeto europeu". Por mim, continuo a pensar que devemos ser tão europeístas quanto os nossos interesses o justificarem. Nem mais nem menos. Andamos por aqui há nove séculos, já passámos por momentos bem mais difíceis e, nem por isso, "fechámos para obras". 

17 comentários:

josé ricardo disse...

Concordo plenamente. Temo que os senhores da Europa não consigam refletir no seguinte: o Reino Unido saiu também muito por culpa deste modus operando de Bruxelas. Pelos vistos, continua tudo na mesma, já com reuniões agendadas entre os três ou quatro países "mais poderosos" da União Europeia. Desta Europa também não gosto.
Por outro lado, não deixa de ser irónico que este rasgar do cartão de sócio tenha vindo de um país que nem de longe se compara com as absolutas e deprimentes humilhações que países como a Grécia ou Portugal sofreram. E destes, só mesmo os gregos mostraram voz. E, pelos vistos, cheios de razão.

José Ricardo

Unknown disse...

Ora, nem mais...

Anónimo disse...

Calma! A demissão de Cameron abre as portas a eleições. E se nestas os partidos se afirmarem pro-europeístas, poderão - em caso de vitória -, reclamar que as eleições para o parlamento anulam o referendo.

Anónimo disse...

Que grande argolada que o Camarão arranjou.
Sinto que poderá ficar nos livros de Historia, como o homem que serviu de gatilho do efeito dominó de saídas não só da UE como também como também do RU.

Manuel do Edmundo-Filho disse...

"devemos ser tão europeístas quanto os nossos interesses o justificarem".

Ora, essa deveria ter sido sempre a nossa posição. Mas nunca o foi. Se assim tivesse sido, não teríamos votado, por exemplo, o alargamento aceleraddo da UE contra interesses da nossa economia ou, para ser mais exacto, contra os interesses da falta de competividade da nossa economia. A nossa posição, desde a instauração da democracia (bem-vinda), foi sempre a de quem crê nos princípios independentemente de eles corresponderem ou não aos nossos interesses. Foi assim, aliás, com a descolonização (desejável e inevitável), mas com os resultados que se viram (tanto para Portugal como para a ex-colónias - deixamo-los (Angola e Moçambique) numa guerra de quase 30 anos). Continua assim com a questão imigração/refugiados. Será assim, quando um dia votarmos a entrada na UE da Turquia (Se nós entrámos, os outros também têm o direito de entrar... Se nós emigrámos, os outros também têm o direito a emigrar...). Em primeiro lugar, os princípios. Se estes coincidirem com os nossos interesses, tanto melhor. Se não, logo se vê... Tem sido esta a nossa política.

Anónimo disse...

Curiosamente há um aspectomdo brexit que ninguém comenta. Parece claro que votou reman a Inglaterra cosmopolita, jovem e educada. Mas entre os que votaram sair está aquilo a que se chamava a classe operária, os órfãos da indústria que Thatcher destruiu, mais os trabalhadores por conta de outrem que o progresso tecnológico tornou dessecasses, classe que não vê os salário crescer há anos, que está em condições cada vez mais precárias, que vê as perspectivas para os seus filhos frustradas, que não viu melhorias na aplicação das políticas neo liberais, que nos casos de maior sucesso melhoraram os índices macro econômicos, os novos bezerros de ouro, e sacrificaram as classes médias e aumentaram as desigualdades. São essas classes que alimentam os movimentos extremistas anti-europeus dos dois pólos. O facto de quase não se falar deles mostra o valor que na economia hoje se atribui ao trabalho. Não se pode ignorar, ao tentar compreender o Brexit, que o RU é um dos países da Europa com maior desigualdade.
Fernando Neves

Anónimo disse...


Ian Duncan Smith ontem pelas 22horas e pouco alertou quem o ouvia num programa sobrre referendo que durou a noite toda, que nunca houve tantos votos vindos dos bairros mais pobres.

o Merceeiro disse...

para já estou com uma azia digestiva sapial terrível.
eventualmente será aliviada com a imagem futura, por exemplo, dos ingleses a recolherem o lixo todas as madrugadas depois de correrem com essa malta estrangeira que por lá vegeta e fazia esse disgusting work.
e muitos e muitos e muitos mais exemplos existiriam mas a azia, por agora, não é boa conselheira.
quanto à UE, o asco continua a aumentar. Até tenho vontade de votar no PORTexit ... mas claro, depois de pagar a dívida, porque gosto de andar de cabeça erguida ( é pá, assim, nunca mais sais ! )

Anónimo disse...

Pois é. Mas que pensar, se é que é verdade, da convocação pela Alemanha duma reunião dos MNE dos 6 países fundadores? Espero que por cá se esteja bastante atento a movimentações deste tipo.

Francisco Seixas da Costa disse...

O Anónimo das 17.31 leu o último parãgrafo?

Majo Dutra disse...

~~~
Cameron foi muito infantil
ao deixar escoceses e galeses retaliarem pelo voto Brexit.
Porém, para eles, importante é não perder o «sense of humor»...
Todo este abalo é consequente de governações incompetentes e,
uma delas, é a de AMerkel.
~~ Há que reconstruir.
~~~~~~~~~~~~

Eloi Pereira disse...

Muito se tem debatido sobre o impacto económico do Brexit. Contudo, parece-me não menos importante aproveitar esta situação para fazer uma reflexão sobre o projeto Europeu como um todo. O federalismo nunca passou de um tabu para uns e de uma utopia para outros. Isto leva-me a perguntar, qual é o projeto político para esta UE? Sem um poder político efectivo e eficaz, não há representatividade, sem representatividade fica a democracia diminuída. Que tipo de comunidade europeia estamos a construir? Existe uma identidade europeia que serve de suporte a uma União Europeia ou afinal tudo isto nunca passou de uma comunidade económica e monetária? Se assim for, quantas vezes na história vimos este tipo de uniões perpetuar?

AV disse...

Como bem o notam o Emb. Fernando Neves e o anónimo das 15:56, é importante ver quem votou, o que votou e por que votou no referendo britânico - em termos de grupo etário, sócio-económico, educacional e geográfico. O resultado é divisívo em muitas formas e um espelho da sociedade britânica. O voto pelo Brexit reflecte como se vive e se sente nas zonas rurais e do legado pós-industrial, que nunca recuperaram da política da época de Thatcher, onde o desemprego inter-geracional é comum, e vai na terceira ou quarta geração a viver de subsídios. O ressentimento destas comunidades sem horizontes encontrou-se com o populismo e o sound bite xenófobo de algumas das suas elites de forma infeliz, com resultados que provávelemente só reforçarão o círculo vicioso em que se encontram.

A Nossa Travessa disse...

Chicamigo

Aposto que nenhum (ou quase) dos "poliqueiros" que hoje mandam na (des)União Europeia será capaz de a entender e muito menos tirar as conclusões do abalo chamado Brexit. O povo diz Aprender até morrer mas esta gentinha não aprende nada com a saída do Reino Unido (?) da (des)União Europeia.

Para mim (e para muita gente mais) o Brexit foi o maior tsunami que se verificou na política europeia desde o COMECON, para não falar na II Guerra. E face à vitória do NÃO agora anda um alvoroço em Berlim, Paris, Bruxelas et aliud que me faz recordar o nosso Na praia da Nazaré, pois então, vai um grande burburinho, as senhoras de roupão e o D. Fuas de Roupinho.

Cá por mim se houvesse em Portugal um referendo sobre o tema optaria pelo PORTEXIT! A Europa dos Senhores Schuman e Monnet (atraiçoados) agora não me merece qualquer garantia de que aprenda com o Brexit. Todos querem ficar no poleiro. Ninguém quer assumir os erros que cometeram. Ninguém é culpado de termos esta Europa velha, decrépita e a cair de podre.

A (des)União Europeia está com MEDO! Tem medo do efeito Dominó, tem medo de perder os privilégios e as mordomias, tem medo da Escócia, do País de Gales, da Catalunha, do País Basco e de outros que tais. Se o Brexit ganhou a culpada é a triste (des)União Europeia.

Eu fui um europeísta convicto que, como sabes, até andei por Portugal a explicar às pessoas o que era a nova moeda única e a advertir sobretudo os idosos como deveriam usa-la e que não fossem enganados pelos burlões. E a primeira falsificação de notas foi em… Portugal.

Mas hoje já o não sou mais. Esta Europa já não é a minha, muito menos minha!

Abç do Leãozão

Jaime Santos disse...

Convinha ainda que Portugal, em nome da longa amizade com o Reino Unido (feita de interesses comuns, como é óbvio), insistisse em Bruxelas com jeitinho que vale a pena gerir o processo só com a pressa necessária e nada mais, não empurrando os Britânicos borda fora (Juncker e Schulz deveriam ter cuidado com o que dizem). Já basta a humilhação infligida à Grécia. Deixem os Britânicos negociar um estatuto de nação associada semelhante ao da Noruega ou algo assim, sem sacrificar nenhum princípio do lado europeu. Ou há livre circulação de pessoas e há acesso ao Mercado Único, ou out is out. E, nas próximas semanas, nada de excluir os Britânicos das reuniões. Eles têm o maior exército da Europa, o RU é membro da NATO e podemos vir a precisar deles. Parafraseando Gandhi, se querem sair, que saiam como amigos...

A Nossa Travessa disse...

Afirmação de um português português:

Que se f... lixe o Brexit! Estamos nos quartos (de final)!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Leãozão

Joaquim de Freitas disse...

Europa, Europa, Europa repetida como uma oração e lágrimas ! E patatràs num 23 de Junho !

Penso há muito tempo que é preciso uma Europa socialista construída pelos povos-classe multicores, em grande diversidade, mas o Brexit não me faz gritar ! Talvez mesmo que de ver estas burguesias financeiras ofegantes e os 1% lá de cima debruçados sobre as Bolsas - eles os accionistas a dividendos - entrar em pânico , tem um gostinho breve para os “sans –culottes” !

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...